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Este documento propõe uma reflexão sobre a configuração epistemológica da didática do português como conjunto de estratégias facilitadoras das aprendizagens, campo de investigação educacional e disciplina de formação de professores. O texto aborda a importância de estudar o impacto da investigação didática na prática docente, explorando a necessidade de encontrar uma posição intermediária entre a didática ideal e a didática usual, buscando melhorar a qualidade e quantidade do trabalho escolar. O documento também discute a importância da interação entre professor, aluno e objeto de aprendizagem, e a necessidade de investigação continua e de partilha de conhecimentos teóricos e práticos.
O que você vai aprender
Tipologia: Esquemas
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Ana Costa, Sónia Valente Rodrigues* **, **Isabel Sebastião*****
Resumo Nesta comunicação, propõe-se uma reflexão sobre a configuração epistemológica da didática do Português enquanto conjunto de estratégias facilitadoras das aprendizagens, disciplina de formação de professores e campo de investigação educacional. Pretende-se contribuir para uma problematização da didática como campo autónomo de saberes, uma vez que a didática da língua e da literatura portuguesas têm aparecido ora como subsidiárias dos estudos linguísticos e literários, ora como campo difuso da aplicação de conhecimento teórico de diversas áreas (Alarcão, 2010). A produção técnica e científica nos últimos anos justifica uma discussão sobre o estado da arte da didática. Esta reflexão permitirá clarificar o papel da didática nas práticas de ensino, na produção de materiais, na formação profissional e na investigação. Na dimensão das práticas docentes, parte-se de conceções de professores sobre o papel da didática, resultantes de um inquérito aplicado a professores de Português, para a promoção de um desenvolvimento profissional reflexivo, produtor de saber didático. A formação inicial e contínua, enquanto processo de interação de conhecimento teórico e de práticas, entre professores do ensino básico e secundário e formadores/investigadores, terá vantagens em ser concebida como comunidade de aprendizagem, um espaço gerador de reflexão e investigação didática (Nóvoa, 2007). Palavras-chave: Didática do português, representações, formação, desenvolvimento profissional What is the use of didactics? A study in the scope of Portuguese didactics Abstract In this article, we propose a reflection on the epistemological configuration of Portuguese Didactics, conceived as a set of learning strategies, as a teacher training domain and as an educational research field. In the last years, Portuguese Didactics has been seen as a subsidiary field of linguistic and literary studies, as well as a diffuse field for the application of theoretical knowledge (Alarcão, 2010). Opposing this perspective, we intend to contribute to a definition of Didactics as an autonomous field of knowledge and research, since literature in recent years justifies a discussion about the state of the art of Didactics studies. This reflection will contribute to clarify the role of Didactics in teaching practices, in the production of materials, in professional training and in research. An exploratory study, based on the conceptions of teachers about didactics, will be presented. This study was based on the analysis of nine interviews to Portuguese teachers, who reflected on their professional relationship with Didactic issues. Teacher training programs, conceived as a
process of interaction between theories and practices, should be explored as the field – the learning community - for reflection and research on Didactics (Nóvoa, 2007). Keywords: Didactics of Portuguese, representations, formation, professional development
1. Introdução A didática da língua e da literatura tem tido, nas últimas décadas, um desenvolvimento significativo no âmbito do conhecimento didático explícito com base em investigação (Alarcão 2010). Tendo em conta a implicação desse conhecimento na prática letiva, assume relevância a averiguação do impacto que a investigação didática tem tido no trabalho docente dos professores de Português. Parte-se, por isso, de uma primeira questão, que consiste em captar as representações que os professores possuem sobre a Didática, uma vez que «aquilo que os professores ou os formadores fazem é um reflexo daquilo que sabem e em que acreditam, constituindo o seu conhecimento ou pensamento a matriz que lhes permite tomar decisões e construir situações educativas (…)» (Andrade, Canha, Martins & Pinho, 2006: 181). 1.1. Didática como campo de interseções O campo de estudo da Didática tem sido objeto de debates epistemológicos (Alarcão, Amor, Puren, Camps, Cassany, e.o. ) que dão conta do conjunto das perspetivas científicas assumidas na investigação das últimas décadas, desde as mais antigas (conceções aplicacionistas) até às mais recentes, como as que a concebem como campo de investigação e conhecimento específico. Tem também sido muito debatido o lugar que a Didática ocupa no conjunto disciplinar da educação, uma vez que são evidentes as múltiplas intersecções entre esta área e muitas outras, como bem evidencia o esquema de Gomes (2000) – Figura 1. 1.2. Didática entre o saber e o agir Não é desconhecido dos profissionais ligados à educação o pensamento dicotómico entre o saber e o agir, que, na conceção de Maria do Céu Roldão (2009, 2013), constituem as duas dimensões fundamentais e indissociáveis da competência profissional do professor. Essa dicotomia acentua, nos discursos correntes, a separação entre “a teoria e a prática”. É curioso verificar que esse pensamento é muito antigo. Veja-se, a propósito, a passagem que a seguir se transcreve da introdução do livro Didática Mínima , de R. Grisi, de 1963: “(...) coexistem, em nossas escolas, de modo curioso, duas Didáticas : uma, a Didática ideal , a que se contém nos tratados e se preconiza, teòricamente, através das lições dos professôres especialistas; e a outra, a Didática usual , a que se pratica nas escolas e,
que esta é, simultaneamente, objeto e instrumento”^2 (Camps, 2012, p. 27). É no âmbito desta tríade “professor, aluno e objeto de aprendizagem” que o processo de ensino e de aprendizagem ocorre. Importa, então, perguntar qual o conceito de Didática? Como se define esta área do saber? Tradicionalmente definida como «a arte de ensinar» ou «a técnica de ensinar», a Didática passou há muito tempo a significar a orientação da aprendizagem dos alunos. Em 1957, L. Alves de Mattos, em Sumário de Didática Geral , formulava o conceito do seguinte modo: «Definida em relação ao seu conteúdo, Didática é o conjunto sistemático de princípios, normas, recursos e procedimentos específicos para orientar alunos na aprendizagem das matérias programadas, tendo em vista seus objetivos educativos.» (Mattos 1951: 51) Tendo por base Mattos (1951), Amaral Fontoura, em Didática Geral , esclarece: «O conteúdo da Didática é o mesmo: mas a modificação no seu ângulo de visão, na sua perspectiva, é total. A didática deixa de ser “aquilo que o professor deve fazer para ensinar bem” e passa a ser “aquilo que o professor deve fazer para que os alunos consigam aprender bem”. (Fontoura 1971: 96)^3. Cerca de meio século depois, importa saber: qual é a representação que os professores possuem acerca da Didática? 1.3. Objetivos de investigação A fim de investigar as representações dos professores relativamente ao saber e ao fazer didáticos, consideraram-se algumas perguntas recorrentemente emergentes em contextos de formação. São exemplos dessas perguntas: I. Como entendem os professores o que é a didática? Que traços a definem? Que utilidade lhe atribuem? Como é situada a didática relativamente à sala de aula? Em que situações é sentida a necessidade de aprofundamento do saber didático? II. Que procedimentos didáticos são mais valorizados pelos professores? III. Que expectativas têm os professores relativamente à didática como área de conhecimento? A partir destas questões, foram formulados os seguintes objetivos do estudo:
(^2) Tradução nossa. (^3) Esta transcrição foi extraída da 17.ª edição. A 1.ª edição da obra Didática Geral, de Amaral Fontoura, data de 1961.
I. Identificação dos traços configuradores que as representações sociais da Didática apresentam no discurso dos professores. II. Inventariação dos procedimentos que assumem maior valor didático na prática docente. III. Especificação das questões da Didática do Português consideradas pelos professores como prioritárias no desenvolvimento profissional.
2. Estudo 2.1. Metodologia A investigação foi realizada com base na realização de entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas. Posteriormente, procedeu-se à transcrição ortográfica (com intervenções mínimas ao nível da pontuação) do discurso produzido pelas professoras inquiridas. Dada a complexidade e a riqueza dos discursos produzidos por cada um dos entrevistados, que se serviu «dos seus próprios meios de expressão para descrever acontecimentos, práticas crenças, episódios passados, juízos…» (Bardin 2014: 90), recorreu-se a duas técnicas de análise: em primeiro lugar, foi realizada uma análise transversal com recurso a uma codificação não exclusiva e emergente de categorias, assegurando a identificação «de constâncias, de semelhanças, de regularidades» (idem); em segundo lugar, registaram-se características específicas de cada entrevista consideradas significativas para os objetivos do estudo. 2.2. Corpus O corpus é constituído pelas entrevistas realizadas a nove professoras cuja caracterização inclui dados relativos a: grupo disciplinar, tipo de vinculação, número de anos de serviço docente, instituição de realização da formação inicial e profissional. Assim: ● as três professoras do 1.º ciclo do ensino básico integram o grupo 110, pertencem ao quadro de agrupamento de escolas nos distritos de Faro, de Setúbal e do Porto e possuem, respetivamente, 26, 23 e 30 anos de serviço docente; ● as três professoras do 2.º ciclo do ensino básico integram duas delas o grupo 220 e uma o grupo 200, pertencem ao quadro de agrupamento de escolas nos distritos de Faro e do Porto e possuem, respetivamente, 26, 28 e 33 anos de serviço docente: ● as três professoras do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário integram o grupo 300, duas pertencem ao quadro de escola e uma ao quadro de agrupamento nos distritos de Faro, de Setúbal e do Porto e possuem, respetivamente, 24, 20 e 36 anos de serviço docente.
Pelos enunciados registados na tabela é possível verificar a regularidade que a definição de Didática assume no discurso das professoras, de que se destacam sobretudo dois grupos de termos: a) técnica, metodologias, a forma para, o como, abordagens; b) ensinar, ensino, prática, aula, transmitir a matéria, ensinar. Esta representação que emerge do discurso das professoras inquiridas, como veremos de seguida, é coerente com a importância atribuída ao saber didático como conhecimento específico. Na verbalização da conceção de Didática enquanto campo de saber, o discurso produzido expõe dois universos afastados espacial e conceptualmente. Vejamos.
Temas Enunciados
O lugar da Didática relativamente à sala de aula
«Pronto, também um bocadinho da teoria, mas eu acho que isso já vem da formação inicial, não é?» [4’18] (PB_ciclo1)
«É assim: ao princípio, nós achávamos muito difícil, estávamos um bocadinho desfasadas… E os teóricos têm uma forma de ver as coisas... E às vezes achávamos que havia ali coisas que nem sempre se adequavam» [6’54]; «Por isso estão lá os teóricos e eu ia-me suportar nos teóricos para fazer um trabalho, um projeto que eu pudesse implementar na minha escola.» [11’26] (PC_ciclo1) «a didática da universidade foi útil nalguma medida , tivemos algumas dicas, no entanto, nós somos quase autodidatas na didática» [0’20 - 2.º trecho] (PA_ciclo2)
«socorriam-se muitas vezes da parte teórica para sustentar, digamos assim, talvez por muita inexperiência ainda, também, porque depois nós no nosso dia a dia nós não nos lembramos desses conceitos teóricos, mas muitos deles sim, socorriam-se muito desses conhecimentos teóricos para aplicar na prática» [2’25] (PC_ciclo2)
«De qualquer maneira, eu conto sempre com a preparação prévia que eles trazem da faculdade, com as cadeiras de Didática que tiveram e normalmente já - os estagiários que eu tive - já traziam essas ideias bem, bem claras. O meu papel aqui era tentar fazer perceber como é que podiam passar da teoria à prática. (PC_ciclo3) «aquelas teorias todas da faculdade às vezes têm alguma…, encontram alguma barreira na parte da execução, porque a teoria é sempre interessante e bonita, traz boas bases, mas depois a prática é que nos ajuda a perceber quais são os percursos a adotar, aahh… que estratégias… » (PC_ciclo3)
Deste universo integrador do “nós” fazem parte os professores e os alunos. Há sequências das entrevistas em que ressalta a organização das aprendizagens em função de alunos concretos como a tarefa primordial do professor. Vejamos três excertos representativos desses dos enunciados. “Penso que temos sempre uma ideia da estrutura da aula e da construção da aula. Penso que isso varia conforme as turmas que temos porque nunca damos aulas iguais aos diferentes alunos, não é? E temos de ir sempre reajustando e pensando nas pessoas que temos à nossa frente.» «Tinha de começar pela parte de planificar a aula, não é? Pensar bem nos momentos que tinha, já tinha de ter uma leitura do programa, das metas, uma articulação e depois pensar como é que poderia colocar em prática” (PA_ciclo3). “teria de pegar eehh... primeiro nos programas e depois eehhmm… eu sugeria que pegasse, por exemplo, nos GIPs que foram criados para acompanhamento da implementação dos programas do ensino básico… porque havia um GIP para cada competência, não era? (…) Eu nunca os vi para além daquela fase ainda incipiente, pronto, ainda não eram publicações, mas tinham ali imensas pistas de trabalho, de como transformar o programa em algo que, depois, sejam aaa… aaa… atividades para desenvolver e ahhmmm… poder desenvolver realmente aquele programa de Português. Esse esse é um primeiro caminho.» «Há há mmm determinadas …. atividades que me parece que resultam melhor na aquisição dos dos conhecimentos. E que tem de ser com algo muito aahhh por um lado prático, mas por outro lado que aahh leve os alunos a quererem aprender. Porque tu podes ter uma atividade que achas fenomenal e que que vai achas que vai funcionar e que é aquilo que vai explorar aqueles conteúdos, mas depois chegas à aula e esbarras com alunos eu não estão minimamente interessados naquilo que tens pra lhe propor para fazer. Portanto, tem de ser algo que eles sintam a necessidade de fazer. Aahhmmm e isso é sempre muito difícil … porque há determinados conteúdos que, por mais voltas que dês, se calhar, não sentem essa necessidade. Temos de ir sempre ao contrário: ver que caminho é que levamos para que eles tenham interesse em seguir aahh… eehh em construir aquela atividade, não porque eu quero, como professora, mas porque eles descobriram que havia ali algo interessante para conseguir avançar. É um bocadinho por aí. A experiência foi-me sempre dizendo isso eehh aos poucos” (PB_ciclo3).
As formações Nós
● «acho que não vêm assim acrescentar grande coisa» [15’19] (PA_ciclo1); ● «Formações não, há pouquíssimas formações, poucas formações a esse nível (...)» [8’26]; «Curiosamente, nas ações que são oferecidas pelos centros de formação às vezes não contemplam áreas da didática do português. Eu sinto essa necessidade.» [04’02] (PC_ciclo2) ● «Nós procuramos sempre a formação mais prática porque é aquilo que nos faz falta.» [8:09]; «Procuro [formação na área da didática], mas é sempre muito escassa. Quando existe, as condições de concretização para nós são complicadas.» (PC_ciclo3)
● «mas teriam que trabalhar segundo algumas pedagogias, ou seja, em cada agrupamento poderíamos realizar grupos cooperativos» [4’02] (PA_ciclo1) ● «Em trinta e oito anos de serviço, acho que foram os anos que mais me deram e que mais me ensinaram e que eu gostei mais de trabalhar precisamente pela partilha com os colegas» [4’13-4’40] (PC_ciclo1) ● «habituamo-nos sempre a trabalhar, sempre a trabalhar em conjunto. Trabalhámos juntos, fazemos muita coisa juntos , desde testes, fichas, “experimentei isto numa aula”, “vem cá ver a minha aula”, “posso ir ver a tua porque não sei que fazer isto?» [09’51 - 10’58 - 1.º trecho] (PA_ciclo2) ● «Eu acho que ver outros colegas a trabalhar também ajuda muito. Nós temos feito algumas observações de aulas interpares, temos estado a tentar desconstruir esta questão de observação de aulas associada à avaliação de desempenho e fazê-lo como partilha de boas práticas e tem funcionado muito bem e nós aprendemos coisas extraordinárias com os colegas, pensamos que só nós é que sabemos trabalhar bem, mas não é verdade.» [9’28] (PC_ciclo2) Quadro 3.
Categoria B - Procedimentos didáticos valorizados (boas práticas) Os segmentos das entrevistas centrados na descrição de práticas letivas consideradas pelas professoras como bem-sucedidas ou, por outras palavras, como «boas-práticas» dão relevo a estratégias como o trabalho de projeto e as atividades lúdicas. As referências a práticas bem sucedidas manifestam-se no discurso das professoras do seguinte modo: ● «E trabalhar em projetos e assim dessa forma é um bocadinho mais, mais dinâmico e exige mais trabalho, mais criatividade, produção de materiais… Eu gosto disso (risos) » [16’29- 16’57] (PB_ciclo1) “Exatamente. Trabalho de projeto” [5’17] (PC_ciclo1).
“ Eu, normalmente, dizia sempre para eles levarem aquilo ahhh um bocadinho para a brincadeira, com muito jogos, com muitos jogos, tinha de ser, senão eles a gramática, eles a gramática não, não lhes interessava” [07’41] (PA_ciclo2). “e eles a seguir preparavam normalmente dramatizações fantásticas sobre o tema e a seguir faziam uma questão aula. Resultados fantásticos” [08’16] (PB_ciclo2). “trabalho muito com o jogo, tornar a aula… às vezes se me apetecer dançar com os alunos na sala de aula também danço com eles. E essas coisas… ou surpreendê-los…» [06’36] (PC_ciclo2). “Então, por exemplo, uma das atividades que… que desenvolvi com uma turma foi: propus-lhes que, como turma, tivessem um projeto que lhes permitisse angariar dinheiro para as visitas de estudo e começámos com aquela ‘O que é que podia ser? O que é que não podia ser?’ Havia torneios de futebol e havia vendas de não sei quê. E então passámos para o plano aahh do que é que era preciso fazer. Então, era preciso fazer uma carta para a direção, a pedir autorização para dinamizar a atividade; era preciso fazer um panfleto para aaahh expor na escola para angariar inscrições para o que queriam; era preciso fazer um requerimento na secretaria para poderem movimentar dinheiros e terem um cofre, pronto, havia ali assim uma série de coisas. E eles fizeram tudo. Portanto, demos o modelo da carta, demos o modelo do requerimento, demos o modelo do comunicado sem que eles quase que tenham percebido que estávamos a lecionar conteúdos da disciplina. Pronto. É nesse aspeto. É criar a necessidade e parece que a proposta vem deles para fazem quando nós sabemos perfeitamente o que nós queremos que eles façam” (PB_ciclo3). A transversalidade destas práticas faz emergir a hipótese de que a natureza das «boas práticas» está mais associada a características pedagógicas - como a centralidade do envolvimento do aluno no trabalho escolar ou a aproximação a zonas de desenvolvimento próximo, através das linguagens do jogo - do que a questões da didática específica. Fundamentalmente, observa-se que todas as estratégias enunciadas convergem para a «contextualização curricular», prática docente cuja eficácia na melhoria da qualidade e da eficácia na obtenção de sucesso escolar tem vindo a ser confirmada em diversos estudos científicos (Mouraz, Fernandes & Morgado 2012).
Temas Enunciados
Clarificação terminológica e conceptual
«nós, às vezes, estamos a dizer a usar o mesmo termo mas estamos a dizer coisas completamente diferentes. Portanto, eu acho que clarificar a linguagem e os conceitos seria essencial, seria um ponto de partida para qualquer abordagem à didática. E depois passar mesmo ao concreto.» «clarificar conceitos, para falarmos todos a mesma coisa, quando usamos as mesmas palavras» (PB_ciclo2)
Modos de ação estratégica a partir de situações/casos
«Situações concretas: perante esta situação como é que nós faríamos? Como é que nós pegaríamos numa unidade didática e como é que a trabalharíamos com este grupo de… um grupo com estas características, com este perfil. Isso sim. Eu acho que seria uma mais-valia.» «explorar situações, como é que cada um de nós reagiria perante… Como é que organizaria…» (PB_ciclo2) «um livro desse género devia dar indicações como ens… digamos, como? Como passar…, isto não é ensinar, no fundo não é ensinar, mas como passar os conhecimentos das diversas variantes, portanto, na escrita deviam mesmo abordar formas diferentes» (PC_ciclo2) «Sempre sugestões práticas. Sempre. Porque às vezes o que se lê é um conjunto interessante de propostas que depois, em termos de execução, com tudo o que temos para fazer, com a carga curricular que temos, acaba por ser um conjunto de propostas muito interessante em termos ideológicos; depois, em termos práticos, se retirarmos uma ideia ou duas já é, já é bom, não é, às vezes? Porque muitas vezes o que se nota é que… Os livros de didática que encontramos não partem muito de pessoas que efetivamente trabalhem em escolas. Acho que partem muito de pessoas que trabalham sim no ensino, mas a um nível superior e que se dedicam ao estudo da didática e a propor estratégias, mas a adequação, depois, à prática falha um bocadinho porque o público-alvo que é tido em mente, se calhar, não é aquele que efetivamente existe nas escolas.» (PC_ciclo3)
SITUAÇÃO/CASO 1
Motivação para a leitura e para a escrita
«Por exemplo, o o nós temos estratégias de motivação, obviamente, mas é sempre complicado fazer o aluno quebrar o gelo em relação a uma página em branco. Por mais sugestões que se faça há sempre ali um entrave, o começar. E, uma vez começado o texto, não é? depois… como fazer a melhor abordagem para não desmotivar o aluno perante um texto que não … que apresenta logo imensas lacunas de início, não é?, e que… a a a intervenção por parte da professora passa por fazer uma série de recomendações… Como fazer isso sem desmotivar o aluno? Porque às vezes é muito muito difícil. (...) E a leitura também. A mesma coisa, não é? Fazer ler, (risos) pôr os alunos a ler a chamada leitura recreativa e por iniciativa própria é coisa dificílima de pôr em prática, não é?, os alunos têm tendência a escolher um livro para ler pela grossura da obra pela lombada (risos risos) Não é? É verdade.» (PC_ciclo3) Quadro 4.
O peso dos conteúdos e a inadequação de uma lógica curricular centrada em conhecimentos declarativos, atomizadores das aprendizagens logo desde o 1.º ciclo, surgem como uma
preocupação que exige reflexão, particularmente quando, segundo transparece das palavras destas professoras, condicionam negativamente a forma das crianças se relacionarem com a aprendizagem («muito agressiva», «eles têm de decorar, fixar»).
4. Discussão dos resultados Os dados extraídos das entrevistas analisadas concorrem para o conhecimento da representação das professoras entrevistadas quanto à natureza e ao âmbito da Didática enquanto área de conhecimento do campo da educação. Concluímos que a Didática é entendida como área de conhecimento exterior ao fazer pedagógico-didático da sala de aula, como construção conceptual significativamente afastada das questões de ensino e de aprendizagem emergentes durante a interação entre o professor e os alunos. Apesar de lhe ser conferida importância e validade, como conhecimento necessário na formação inicial, a Didática é encarada pelas professoras com experiência como tendo um discurso pouco focado em situações concretas de aprendizagem, sem propostas de ações estratégicas de ensino flexíveis e adaptáveis aos alunos concretos das nossas escolas. Verificámos ainda que persiste na representação dos professores a existência de duas Didáticas: a que é objeto de discurso científico ou académico (exterior à sala de aula) e a que consiste nas práticas em uso com os alunos em aula.
Figura 3 – Duas didáticas nas representações dos professores Parece também manter-se a distância entre estas “duas didáticas” e um certo vazio de espaços de formação e de desenvolvimento profissional em Didáticas Específicas, o que, por outro lado, fortalece a partilha, a entreajuda e a colaboração dos professores na procura de práticas que resultem eficazes, embora este processo seja construído mais em “tentativas e erro” do que em investigação didática ou em divulgação de resultados de pesquisa desta área.
Didática
fora da aula
O conhecimento sobre o ato didático (este conhecimento pode ter natureza diferente
- declarativo, epistemológico, metodológico, processual, etc)
dentro da aula (^) acontecer na interação com os alunosO ato pedagógico-didático, o fazer
pois em si mesma uma acção estratégica, finalizada, orientada e regulada face ao desiderato da consecução da aprendizagem pretendida no outro. Não se trata assim, para o professor, de se perguntar: “Como é que vou organizar a apresentação deste conteúdo de modo a ser claro e perceptível”? – mas sim “Como é que vou conceber e realizar uma linha de actuação (que pode incluir a apresentação do conteúdo, estrategicamente organizada e articulada com outros dispositivos), com que tarefas, com que recursos, com que passos, para conseguir que este !alunos em concreto aprendam o conteúdo que pretendo ensinar? (Roldão, 2009:!57).» (Roldão 2013: 136). Torna-se, portanto, fundamental dois passos estratégicos: por um lado, incrementar a investigação na área da Didática, em geral, e na da Didática do Português, em especial, tendo em conta que se verifica «uma crescente necessidade de investigação em didática da língua para fundamentar as propostas que devem desenvolver-se nas escolas, as quais são cada vez mais diferentes das associadas a um ensino tradicional da língua.» (excerto da entrevista da PA_ciclo2); por outro lado, «[...] é necessário que dos resultados da investigação na ação e sobre a ação resulte conhecimento que possa ser partilhado [...].» (Camps 2012: 39 [tradução nossa])
Referências Bibliográficas Alarcão, I. (2010). A constituição da área disciplinar de didática das línguas em Portugal. Linguarum arena. Vol. I. N.º 1, pp. 61-79. Amor, E. (1993). Didáctica do Português. Fundamentos e Metodologia. Lisboa: Texto Editora. Bardin, L. (2014). Análise de conteúdo. Edição revista e atualizada. Lisboa: Edições 70. Camps, A. (2012). La investigación en didáctica de la lengua en la encrucijada de muchos caminos. Revista iberoamericana de educación , n.º 59, pp. 23-41. Camps, A. (coord.) (2006). Diálogo e investigación en las aulas. Investigaciones en didáctica de la lengua. Barcelona: Graó. Cassany, D., Luna, M. & Sanz, Glòria (2003). Enseñar lengua. 9.ª edição. Barcelona: Graó. Fontoura, A. (1971). Didática geral. Rio de Janeiro: Editora Aurora. (1.ª edição: 1961). Gomes, A.(2000). Heúresis. Por uma genealogia/arqueologia das Ciências da Educação. Lisboa: Didáctica Editora. Grisi, R. (1963). Didática mínima. São Paulo: Companhia Editorial Nacional. Sousa, A. (2005). Investigação em educação. Lisboa: Livros Horizonte. Mattos, L. A. (1957). Sumário de Didática geral. Rio de Janeiro: Gráfica Editora Aurora Limitada.
Nóvoa, A. (2007). O regresso dos professores. In Portugal 2007 – Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, Conferência ‘Desenvolvimento profissional de professores para a qualidade e para a equidade da Aprendizagem ao longo da Vida’, Lisboa, 27 - 28 de Setembro de 2007, pp. 21 – 28. Roldão, M. C. (2009). Estratégias de Ensino: o saber e o agir do professor. Porto: Fundação Manuel Leão. Roldão, M. C. (2013). Desenvolvimento do currículo e melhoria de processos e resultados_._ Joaquim Machado & José Matias Alves (org.), Melhorar a escola: sucesso escolar, disciplina, motivação, direção de escolas e políticas educativas (131 - 140). Porto: Universidade Católica Portuguesa. E-book.