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Guias e Dicas
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Os ultimos soldados da guerra fria fernando morais, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

livro sobre espionagem

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2013

Compartilhado em 26/01/2013

giuliano-furtado-8
giuliano-furtado-8 🇧🇷

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Baixe Os ultimos soldados da guerra fria fernando morais e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito, somente na Docsity!

FERNANDO

MORAIS

OS

ÚLTIMOS

SOLDADOS

DA

GUERRA

FRIA

A HISTÓRIA DOS AGENTES SECRETOS INFILTRADOS

COPYRIGHT

E

sta obra foi postada pela equipe iOS Books em parceria com o grupo LegiLibro para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprá-la. Dessa forma, a venda desse eBook ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é total- mente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente. Após sua leitura considere seriamente a possib- ilidade de adquirir o original, pois assim você estará in- centivando o autor e à publicação de novas obras. Se gostou do nosso trabalho e quer encontrar outros títulos visite nossos sites: iOS Books LegiLibro

Para Helena e Clarisse, luzes dos meus olhos

O AMOR ATACA OS AGENTES SECRETOS: TONY SE CASA COM A NORTE-AMERICANA MAGGIE E RENÉ CONSEGUE LEVAR OLGA E A FILHA PARA MIAMI

JOSÉ BASULTO DESAFIA A CASA BRANCA E OS MIGS CUBANOS E DECIDE VOAR MAIS UMA VEZ SOBRE HAVANA

A TORRE CUBANA AUTORIZA OS CAÇAS MIG A DISPARAR: SEGUNDOS DEPOIS, DOIS CESSNAS SÃO PULVERIZADOS SOBRE O ESTREITO DA FLÓRIDA

O MERCENÁRIO CRUZ LEÓN NÃO QUERIA MATAR NINGUÉM. SEU SONHO ERA SER IGUAL A SYLVESTER STALLONE

POR 7500 DÓLARES, O SALVADORENHO VOLTA A CUBA PARA COLOCAR MAIS CINCO BOMBAS EM HOTÉIS E RESTAURANTES

OS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA DE CUBA MONTAM DUAS ARMADILHAS, MAS NÃO CONSEGUEM PEGAR BARRIGÃO, O RECRUTADOR DE MERCENÁRIOS CONTRATADO POR MIAMI

FIDEL CASTRO ENVIA A BILL CLINTON UMA CARTA COM DENÚNCIAS CONTRA AS ORGANIZAÇÕES DE EXTREMA DIREITA DA FLÓRIDA. O POMBO-CORREIO É O PRÊMIO NOBEL GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

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SEIS AGENTES DO FBI CHEGAM SIGILOSAMENTE A HAVANA E RETORNAM AOS ESTADOS UNIDOS COM UM CONTÊINER DE INFORMES PRODUZIDOS POR ORDEM DE FIDEL CASTRO SOBRE AS ORGANIZAÇÕES DA FLÓRIDA

UM RETRATO DA MIAMI CUBANA: O MILITANTE ANTICASTRISTA RODOLFO FRÓMETA, O JORNALISTA PRÓ-CUBA MAX LESNIK E O ESCRITOR MARXISTA NORBERTO FUENTES

LEONARD WEINGLASS, ADVOGADO DE JANE FONDA, ANGELA DAVI E DOS PANTERAS NEGRAS ENTRA NA DEFESA DOS CINCO CUBANOS, MAS A SORTE DELES JÁ ESTAVA LANÇADA

EPÍLOGO ESTE LIVRO ENTREVISTADOS BIBLIOGRAFIA

8/

F

azia muito calor em Havana naquele fim de outono de

  1. A única bênção da natureza, nessa época do ano, é que a noite cai mais cedo, antes das seis da tarde, varrendo a cidade com uma leve e fresca aragem vinda das ondas do Caribe. Embora fosse um sábado — 8 de dezembro de 1990, ela jamais esqueceria esse dia —, Olga decidira gastar a folga fazendo trabalho voluntário na Tenerías Habana, empresa estatal da qual era engenheira. Por volta das sete horas, noite fechada, desceu do ônibus na arborizada Quinta Avenida e caminhou uma quadra até o modesto apartamento em que vivia com o marido, René, e a filha, Irmita, no outrora elegante bairro de Miramar, a meia hora do centro da capital. Ao sair de casa, no final da manhã, Olga propusera a René que deixassem a menina de seis anos com a avó e aproveitassem para assistir a um filme brasileiro dirigido por Miguel Faria Jr., Estelinha , que naquela noite abriria o Festival de Cinema Latino-Americano no cine Yara, no centro da cidade. Quando voltou para casa, Olga percebeu que as luzes do apartamento estavam apagadas — sinal de que René se atrasara e que o festival de cinema ia ficar para outro dia. Ao entrar e acender as luzes, viu que Dândi, o cachorrinho da filha, rasgara

com os dentes uma pilha de jornais velhos, espalhando pedaços de papel por todos os lados. Quando foi à cozinha pegar uma vassoura, ouviu a vizinha falar com alguém: — Olhem, acenderam as luzes. Ela chegou. Segundos depois bateram à porta. Abriu e deu com dois ho- mens de ar grave. Um deles se adiantou: — A senhora é Olga Salanueva, esposa de René González? Podemos entrar? A reação foi imediata: o marido, piloto e instrutor de paraquedismo, sofrera um acidente aéreo. — Quem são vocês? Onde está René? O que aconteceu com ele? O homem tentou acalmá-la: — Somos do Ministério do Interior. Por favor, sente-se, nós vamos lhe explicar. — Explicar o quê? Meu marido! O que aconteceu com meu marido? Ele está ferido? Está vivo? — A senhora sabia que seu marido ia voar hoje? — Sim, sabia. O que aconteceu com ele? A resposta, ela se lembraria depois, teve o efeito de uma pan- cada com um taco de beisebol na cabeça: — Seu marido desertou. — René? Imagine! René é um veterano de Angola, um milit- ante do Partido! De onde vocês tiraram isso? — René roubou um avião no aeroporto de San Nicolás e fugiu para Miami. — Não acredito! Não acredito! Isso é uma infâmia!

11/

profissionalizar como jogador de beisebol — já naquela época o esporte nacional tanto de Cuba como dos Estados Unidos. A son- hada carreira de pitcher , porém, nunca passaria de raros treinos nos campos de times das grandes ligas. Entre voltar a Cuba, onde o esperava a repressora ditadura de Fulgencio Batista (1933-59), e tentar a vida como trabalhador braçal, optou pela segunda alternativa. Mudou-se para Chicago, voltou a ser operário, e lá se casou com Irma Sehwerert, neta de alemães e filha de cubanos emigrados, com quem teve dois filhos — René, nascido em 1956, e Roberto, em 1958. E foi em Chicago que a família recebeu a notícia de que Fidel Castro havia posto a pique a ditadura de Batista. Em abril de 1961, quando os Estados Unidos tentaram invadir Cuba pela baía dos Porcos, Cándido decidiu que estava na hora de voltar para a terra natal com a mulher e os filhos. René nunca mais tinha posto os pés no país em que nascera. Quando Olga o conheceu, em 1983, trabalhava como instrutor de pilotagem em aeroclubes pelo interior do país. E, embora tivesse apenas 27 anos, era um veterano da Guerra de Angola — nada muito espantoso em Cuba, onde mais de meio milhão de pess- oas, ou 5% da população masculina adulta, haviam participado de missões militares no exterior. Mas René não era um anônimo entre os cerca de 300 mil cubanos que lutaram ao lado do Movi- mento Popular de Libertação de Angola, MPLA, apoiado pela URSS, que combatia a Frente Nacional de Libertação de Angola, FNLA, e a União Nacional para a Independência Total de Angola, Unita, a primeira patrocinada pelos Estados Unidos, China e Zaire, e a segunda pela África do Sul. Ao dar baixa, depois de dois anos nas selvas africanas, período em que realizou 54

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missões de combate pilotando tanques soviéticos armados com canhões de 120 milímetros, trazia no peito a medalha do que o governo de Havana denomina oficialmente Combatente Internacionalista. O dia 8 de dezembro de 1990 começou para ele igual a todos os outros. Acordou às cinco horas e correu oito quilômetros pelas alamedas de Miramar. De novo em casa — um apartamento tão pequeno que o único lugar onde dava para se esticar e fazer quinze minutos de flexões e abdominais era o minúsculo espaço ao lado da cama do casal —, tomou um banho frio, despertou Olga e juntos compartilharam um rápido café da manhã. Não tiveram tempo para muita conversa, porque às sete em ponto passava pela Quinta Avenida o micro-ônibus que recolhia em Havana os funcionários do aeroporto civil de San Nicolás de Bari, a cinquenta quilômetros da capital, onde René trabalhava fazia dois anos como instrutor. Ao se despedirem, ela o lembrou do compromisso noturno que haviam combinado: — Não se atrase porque às oito temos cinema. — Às seis estarei de volta, não se preocupe. Ainda mortificada com o que ouvira no rádio, Olga nem per- cebeu quando os homens foram embora. Aquilo não parecia uma gravação forjada, nem René aparentava ter sido obrigado a falar aquele monte de asneiras. Desligou o rádio e telefonou para o cunhado Roberto, advogado que também tinha passado sua tem- porada em Angola. Sem coragem de dar a notícia por telefone, disse apenas que alguma coisa acontecera com o marido e pediu que ele viesse com urgência a sua casa. Roberto não se assustou.

14/

Aproveitou a hora de almoço dos dois funcionários da torre de controle, cortou com um alicate os cabos do radiocomunicador e enfiou o microfone no bolso do macacão. Desceu as escadas aos saltos e entrou na cabine da única aeronave estacionada fora dos hangares. Era um Antonov AN-2 amarelo, de asas duplas, fabric- ado na Rússia quarenta anos antes, aparelho utilizado em Cuba para fumigação agrícola e como rebocador de planadores. Quando o pessoal de terra se deu conta de que algo estranho ocorria, o avião já estava no ar. René sabia que, embora a torre estivesse sem comunicação, em instantes os radares cubanos seriam avisados da fuga. E, no momento em que seu aparelho fosse detectado, caças MiG de fabricação soviética decolariam da base militar de San Antonio de los Baños, a minutos de Havana, e o forçariam a voltar. Para despistar o controle, voou quase pegado ao solo, em altitude abaixo do alcance da rede de radares. E, ao contrário do que faria qualquer piloto com destino à Flórida, não partiu em linha reta rumo a Key West, ilha no extremo sul dos Estados Unidos, tra- jeto que levaria apenas quarenta minutos. Atravessou Cuba e, quando chegou ao mar, fez um giro para o nordeste, embicando o aparelho em direção ao arquipélago das Bahamas. Só ao ter certeza de que estava fora das doze milhas do espaço aéreo cubano é que entortou o avião para o oeste, desenhando no ar um zigue-zague perfeito. A manobra deu certo, mas quase custou a vida ao piloto: quando René viu as primeiras ilhotas da Flórida, já fazia uma hora e meia que tinha decolado de Cuba. O com- bustível só era suficiente para mais dez minutos de voo. Com as mãos suando, sintonizou seu rádio com a torre da base aeronaval

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de Boca Chica, trinta quilômetros ao norte de Key West, anun- ciou que era um desertor cubano e que o avião estava em pane seca. Recebeu autorização da Marinha para aterrissar numa das três pistas da unidade militar e, quando as rodas do pesado An- tonov tocaram no solo americano, o tanque do avião estava prat- icamente vazio. “Audaz defecção”, “dramático retorno”, estam- pavam os jornais, no dia seguinte, ao celebrar o feito. “Depois de protagonizar uma história de heroísmo, valor e compaixão”, re- gistrou o diário Miami Herald , “o audaz René González” não ter- ia problemas para ser aceito pela comunidade cubana em Miami. Novo herói da margem norte do estreito da Flórida, faixa de mar que separa Cuba de Miami, René deixara no lado sul, em Havana, um rastro de desolação entre amigos e familiares. A primeira e ingrata tarefa que Olga e Roberto enfrentaram foi dar a notícia aos pais de ambos. Foi especialmente duro contar a ver- dade para o pai dela, o operário Esmerejildo, e para a mãe dele, Irma, velhos militantes comunistas, filiados ao Partido desde antes do triunfo da Revolução. Pela aparência patibular do filho e da nora, tão logo eles apareceram em sua casa, Irma percebeu que algo de ruim acontecera. Olga estava com uma cara péssima, era visível que tinha chorado muito. Mal os dois entraram, Roberto deu um murro na parede: — René nos traiu, mamãe, ele nos traiu! A velha senhora não acreditou: — Não pode ser! Isso não entra na minha cabeça. Não pode ser! Sem saber o que fazer, Roberto levou-a para os fundos da casa e falou com todas as palavras:

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ia fazer o que aqui, se não há nem combustível para voar?”, dis- seram outros. “Isto aqui está uma merda, tinha mesmo é que ir embora.” A 160 quilômetros de Havana, na Flórida, o desertor era cel- ebrado pela comunidade cubana no exílio. Ao pousar, bastou ap- resentar a certidão de nascimento comprovando a cidadania norte-americana para que as autoridades militares de Boca Chica o liberassem. Levado para Miami, falou aos jornalistas que o es- peravam — entre eles o repórter da Radio Martí, cuja retrans- missão, horas depois, sepultaria as dúvidas de Olga e Roberto em Havana. Sem aparentar sinal algum de arrependimento, ele parecia seguro do seu ato. Disse que se sentira “um verdadeiro Cristóvão Colombo” ao ver os primeiros cayos , o colar de ilhotas do sul da Flórida, e revelou que aquele era um projeto antigo: “Planejar a fuga levou três meses, mas eu já tinha dado adeus a Cuba há muitos anos”. Com o passar do tempo o desabafo de Roberto — “a gente vai se adaptando” — adquiria ares proféticos. Embora no íntimo cada um deles, sobretudo ele, Olga e Irma, continuasse tendo di- ficuldade para entender aquilo, a verdade é que se passaram meses até que René desse notícias. As esparsas e desencontradas informações que chegavam ao conhecimento de Olga sobre o destino do marido vinham pelas ondas daquilo que os cubanos chamam de radio bemba — a rede informal de notícias boca a boca, o cochicho, o boato. Algumas diziam que ele trabalhava como operário, outras garantiam que era funcionário do aero- porto de Miami. Todas, no entanto, coincidiam num ponto: René

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estava se metendo com organizações de extrema direita na Flórida. A radio bemba acertara na mosca. No primeiro ano ele deu instrução de voo no aeroporto de Opa-locka, município grudado a Miami, trabalhou como consertador de telhados, entre muitos outros biscates, e de fato se aproximara de organizações armadas anticastristas espalhadas pelo sul da Flórida. A diáspora cubana estava especialmente alvoroçada com a autodissolução da União Soviética. O previsível estrago que o desaparecimento da potên- cia comunista provocaria nas estruturas da Revolução Cubana reacendeu, até nos mais conformistas, a esperança de realizar o sonho de três décadas: derrubar Fidel Castro, reinstalar o capit- alismo na Ilha e recuperar os bens confiscados pela Revolução. Diante de perspectiva tão animadora, antigos donos de bancos, indústrias e usinas de açúcar expropriadas no começo dos anos 60, muitos dos quais haviam reconstruído suas fortunas no ex- ílio, voltaram a abrir os cofres para a miríade de frações e tendências em que se dividia a comunidade. Mais precisamente, os Estados Unidos abrigavam 41 grupos anticastristas, a maioria dos quais, liderada por veteranos da baía dos Porcos, defendia abertamente o confronto armado com Cuba. Depois de passar um ano zanzando de um lado para outro, no começo de 1992 René entrou para uma dessas organizações, a recém-fundada Hermanos al Rescate — Irmãos para o Resgate —, comandada por um velho conhecido de Cuba: José Basulto. Este não era apenas mais um desertor, como ele, mas um in- imigo jurado da Revolução Cubana. Quando os dois se conhe- ceram, Basulto era um próspero empreiteiro da construção civil.

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