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A evolução dos navios e técnicas náuticas atlânticas desenvolvidas pelos portugueses, que permitiram a prática de uma estratégia marítima (3c) de conhecimento, comércio e combate no mar e a partir do mar, conferindo a portugal uma função relevo na época dos descobrimentos. O texto foca na importância da caravela redonda, que combinou as vantagens de diferentes tipos de velas e aparelhos, e serviu como um navio hidrográfico, de transporte e de guerra fundamental para a estratégia 3c.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Revista Militar N.º 2515/2516 - Agosto/Setembro de 2011, pp 995 - 1022.
Almirante António Manuel Fernandes da Silva Ribeiro
1. Introdução
Com o presente trabalho pretendemos mostrar como a evolução conjugada dos navios e das técnicas náuticas atlânticas desenvolvidos pelos portugueses, permitiram pôr em prática uma estratégia marítima que, entre os séculos XV e XVI, se destinou a conhecer, comerciar e combater (estratégia 3C) no mar e a partir do mar, de forma a conferir a Portugal uma função de enorme relevo na concretização do marco civilizacional conhecido como Época dos Descobrimentos. A estratégia 3C permitiu inaugurar uma nova etapa no conhecimento geográfico, alcançar e controlar as fontes de riquezas e, em simultâneo, conter a oposição às pretensões portuguesas. Desta forma, desencadeou a era do poder marítimo, caracterizada pelo emprego global e simultâneo de navios em actividades científicas, económicas e político-militares, de modo a garantir o uso do mar em função dos interesses nacionais, em tempo de paz ou de guerra, o que conferiu a Portugal uma enorme relevância marítima do século XV ao XVI.
Embora o assunto, pela sua vastidão e complexidade, requeira estudos pluridisciplinares mais aprofundados, neste trabalho procuramos estabelecer aquilo que se nos afigura terem sido os principais tipos de navios desenvolvidos ou utilizados pelos portugueses para realizar as actividades marítimas, com o intuito de identificar as suas características determinantes e períodos de emprego ao serviço da estratégia 3C: 1415-1487;
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1487-1509; e 1509-1550. Abordaremos, também, as técnicas náuticas, de forma a avaliar em que medida os instrumentos, os processos e os documentos que as suportam, foram indispensáveis para a realização dos levantamentos hidrográficos, para a prática de entrepostos e para a projecção da força naval feita por Portugal à escala global.
No capítulo dedicado aos tipos de navios, debatemos as características técnicas determinantes das caravelas, das naus e dos galeões, estabelecendo, entre outros aspectos, a relação entre a sua dimensão e a evolução do respectivo aparelho vélico, bem como as correspondentes funções, quando integrados em frotas, armadas e comboios. Procuramos, igualmente, explicar a relação entre a supremacia naval portuguesa e a versatilidade náutica da caravela, a capacidade de carga da nau e o poder de fogo do galeão, para o que recorremos às relações entre a velocidade, a manobrabilidade e o armamento destes tipos de navios. Também pretendemos evidenciar que, embora a nau seja um navio muito relevante no período estudado, é indispensável considerar a caravela e o galeão, detalhando as suas características relativamente à dimensão e aparelho vélico, porque só assim se percebe cabalmente como, de forma conjugada, permitiram o domínio marítimo e conferiram corpo ao primeiro pilar da estratégia 3C.
No capítulo dedicado às técnicas náuticas, começamos por averiguar em que medida a introdução da agulha de marear implicou uma nova forma de navegar, ao mesmo tempo que a sua evolução, ao nível da constituição e da estabilidade, se reflectiu num maior rigor dos rumos e, consequentemente, da posição dos lugares na carta náutica. Seguidamente, analisamos as cartas- -portulano, caracterizando a sua utilidade náutica, a técnica do traçado do ponto de fantasia e as manifestas insuficiências de detalhe junto à costa, razões que explicam a necessidade dos portulanos continuarem a ser utilizados. Prosseguimos, descrevendo a técnica de construção e actualização da carta náutica, o uso da toleta de marteloio e as deficiências das representações geográficas devidas à não homogeneidade do magnetismo terrestre. De seguida, caracterizamos as cinco fases de evolução da náutica astronómica portuguesa, entre meados do século XV e meados do século XVI, evidenciando as repercussões que tiveram no rigor da navegação e da cartografia, no que concerne, respectivamente, ao posicionamento dos navios e à geo-localização dos lugares na superfície da Terra. Neste contexto, apresentamos os esforços realizados para desenvolver ou adaptar os instrumentos, os processos e os documentos que, ao conferirem corpo às técnicas náuticas portuguesas, constituíram o segundo pilar da estratégia 3C.
2. Os navios
Os navios de vela sofreram mais alterações entre 1400 e 1550 do que em todo o período posterior^1. Embora com diferentes funções, foram diversos os tipos de navios que constituíram o primeiro pilar da estratégia 3C, adoptada por Portugal para conhecer,
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dos que nela navegavam.
Convém referir que a vela latina utilizada nas caravelas e noutros navios do Me- diterrâneo, além de permitir navegar mais chegado ao vento, veio, acima de tudo, tornar prática a manobra de virar de bordo por davante, que consiste em passar o vento para o bordo oposto, pela proa do navio. Este último factor cedo se revelou crucial, nome- adamente em locais confinados, pois o navio, no decorrer da manobra, não perdia barlavento. Por seu turno, a manobra de virar de bordo por parte do navio de pano redondo - a nau e o galeão - só era possível fazendo passar o vento pela linha de popa, conhecida por virar em roda. A única vantagem que daqui advém é o facto de ser uma manobra isenta de risco e que não exige grande coordenação, contrariamente ao virar por davante. O problema é que o navio perde barlavento, o que pode tornar desaconselhada a prática dessa manobra em espaços confinados, na proximidade de perigos ou em determinadas situações de combate. Em qualquer dos casos, para a navegação com vento constante para ré do través, a vela redonda é insubstituível, o que nos impele a concluir que o desenvolvimento da caravela redonda, provavelmente em fi- nais do século XV, mais não foi do que uma tentativa para combinar, num único navio de considerável porte, as vantagens reconhecidas a cada um dos tipos de velas e aparelhos. E, a avaliar pelo período em que se manteve ao serviço, a caravela redonda parece ter sido um sucesso, pelo menos na óptica da utilização mais comum, um misto de navio hidrográfico, de transporte e de guerra, fundamental à estratégia 3C, concebida e operacionalizada por Portugal para afirmar os seus interesses à escala global. A caravela redonda largava pano latino de bastardo nos três mastros situados mais a ré, diferindo da caravela latina pelo facto de dispor de castelo de proa, só possível porque no mastro de vante (traquete) contava com velas redondas. Tudo indica que foram utilizadas até meados do século XVII, nomeadamente na carreira da Índia, mas também como navio de combate e de transporte no Índico, havendo notícia de em 1656 ainda existir em Portugal uma força naval constituída por este tipo de navios^3.
Aparentemente, foi a necessidade conjugada de transportar mais carga e de dispor de pesadas peças de artilharia a bordo, que levou ao aumento das dimensões da caravela redonda. Neste sentido, com o intuito de manter o centro de gravidade baixo, como forma de não comprometer a estabilidade, foram aumentados o pontal e o calado, viabilizando assim a existência de vários pavimentos (cobertas) no seu interior.
O termo nau foi empregue pelos portugueses para designar os navios de alto bordo, os quais, pela sua capacidade de carga, foram prioritariamente utilizados no comércio marítimo. Terão sido as condições de ventos favoráveis experimentadas com o advento da volta pelo largo no Atlântico Sul, com o objectivo de dobrar o cabo da Boa Esperança, que fizeram evoluir a construção naval para a concepção e produção do navio que, doravante, passou a designar-se como nau da carreira da Índia. Tratava-se de um navio de grande porte, com acastelamentos à proa e à popa, que dispunha, maioritariamente, de pano redondo, tendo em vista tirar proveito dos denominados ventos gerais, nas viagens transoceânicas para o Oriente e, posteriormente, no Índico.
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Mantendo as características básicas iniciais, a nau viu aumentar as respectivas dimensões, por necessidade de uma maior capacidade de carga. No entanto, o incremento do porte trouxe consigo dificuldades acrescidas, que se traduziram numa diminuição drástica da manobrabilidade e da velocidade, com consequências óbvias para os aspectos da defesa própria, quando em presença de navios menores e bem armados, mais velozes e manobráveis.
Em termos de aparelho vélico, as naus dos séculos XVI a XVII dispunham de três mastros. Nos dois situados mais a vante, traquete e grande, largavam pano redondo, ao passo que no de ré, a mezena, envergava pano latino de bastardo, também conhecido como vela-ré. Se a capacidade de carga foi aumentando progressivamente, o seu armamento traduziu- se, igualmente, num crescente número de peças e respectivos calibres.
É perfeitamente admissível que o incremento das dimensões, da capacidade de carga e do armamento da nau, tenham estado na base do aumento da respectiva área vélica, traduzido pelo aparecimento de velas distribuídas um pouco por todo o navio, longitudinal e verticalmente, cujo objectivo passava, também, por conferir equilíbrio ao conjunto. Terá sido em resposta a tal exigência que, à proa, surgiu uma verga, sen- sivelmente a meio do gurupés, onde envergava a vela de cevadeira. Posteriormente, passaram a existir no mastro grande duas vergas, tendo o mesmo processo sido adoptado no mastro do traquete. As vergas superiores adquiriram, respectivamente, as designações de gávea e velacho, mantendo as inferiores a denominação do próprio mastro. No entanto, apesar destas melhorias, com ventos fracos o navio continuava a revelar-se lento, razão pela qual passou a ser cosido, nas esteiras dos papa-figos, um acrescento de pano denominado moneta. Em termos exclusivamente vélicos, com a introdução destes melhoramentos, a nau passou a ser um navio mais versátil e seguro. Assim, com vento fraco todo o pano existente a bordo era caçado. No entanto, à medida que este ia refrescando, eram carregadas a cevadeira e as gáveas, sendo descosidas as monetas. A primeira, apesar da sua posição baixa não colocar em risco a estabilidade do navio, era carregada logo que o estado do mar o justificava, caso contrário a vaga, por acção do caturrar, poderia levar à perda do gurupés, comprometendo, em definitivo, o aparelho vélico e a segurança do navio.
Em sentido lato, e certamente por navegarem em companhia, a palavra nau tanto era utilizada para designar as naus propriamente ditas como os galeões, navios igualmente de grande porte, mas com uma morfologia que não era de todo coincidente. Como facilmente se percebe, face às limitações no que respeita à manobrabilidade e à velocidade, as naus, carregadas com as riquezas vindas do Oriente, cedo constituíram presas fáceis dos corsários. Nestas condições de sobrecarga, as suas qualidades náuticas eram substancialmente reduzidas, nomeadamente a capacidade, já de si fraca, em navegar chegado ao vento. Atendendo a estas limitações, as naus eram, por norma, protegidas pelos galeões, navios com grande poder de fogo e, por isso, destinados a combater.
O galeão português terá surgido, provavelmente, durante o primeiro quartel do século XVI, contribuindo para a hegemonia de Portugal no Oriente. Tratava-se de um navio mais
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Fig. 2 - Naus, galeão, caravela redonda e galés, numa imagem do Roteiro de D. João de Castro
Numa primeira fase, o galeão português dispunha de esporão e aparelhava com três mastros, os dois de vante redondos e o de ré latino. Fruto da natural evolução suscitada por novas exigências bélicas, passou, posteriormente, a contar com quatro mastros. Com esta configuração eram dotados apenas os navios de maior porte, sendo que os dois mastros situados mais a ré apenas dispunham de pano latino.
Um outro pormenor que se distingue no galeão é a presença de um beque de dimensões apreciáveis, prolongando, horizontalmente e para vante, a roda-de-proa. Em nosso entender este requisito, que já podia ser detectado na caravela redonda, parece ser prova do maior esforço exigido ao gurupés, ao qual não será alheio o facto de, tanto a altura dos mastros como a superfície vélica terem crescido com o tempo.
Por outro lado, a forma afilada do casco permitia-lhe atingir uma maior velocidade,
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enquanto a menor altura do castelo de proa lhe conferia qualidades mais veleiras, nomeadamente maior capacidade para orçar e navegar a uma bolina mais cerrada, com vantagem para a manobra em espaços confinados. O grande poder de fogo destes navios, tendia a desequilibrar, a seu favor, o desfecho das contendas travadas no mar, tendo sido utilizados no Atlântico e no Índico.
Cumpre referir que a verga da vela grande, habitualmente era mantida arriada quando o navio se encontrava fundeado, minimizando a acção do vento no respectivo aparelho, conferindo, por isso, maior segurança nessas condições, especialmente em fundeadouros com tença mais fraca. O procedimento descrito pode ser observado no excelente desenho das Tábuas dos Roteiros da Índia de D. João de Castro antes apresentado, onde se verifica estar arriada a verga da vela grande, tanto no galeão como nas duas naus que se encontram fundeadas. Na parte inferior deste desenho, podem ainda ver-se duas galés (esquerda) navegando a remos e uma caravela redonda fundeada (direita). Em meados do século XVII os galeões viram acrescentada uma terceira verga (joanete) em cada um dos mastros, onde passou a envergar mais uma vela redonda, que recebeu igual designação. Além de ampliar a área vélica, com vista a aumentar a velocidade do navio, conferia também maior flexibilidade à gestão do pano, de acordo com as caprichosas alterações do vento.
Como refere Marques Esparteiro, o galeão era «muitíssimo superior à nau como navio de guerra, de vela, em poder ofensivo, manobra, velocidade e em bolina»^4. Ainda segundo este autor, terão sido as guerras no Oriente, contra os holandeses, que ditaram o seu desaparecimento, em virtude da sua velocidade e manobrabilidade perderem francamente para os navios flamengos. Não obstante, tudo indica que a esquadra de cruzeiro na costa de Portugal ainda contava com um galeão em 1676, provavelmente um dos últimos exemplares^5 , sendo que a sua extinção foi ditada pelo advento de navios de combate com melhores características, as naus de guerra e as fragatas.
Muito embora os portugueses tenham utilizado outros tipos de navios na expansão marítima realizada a partir de 1415, designadamente, barcas, barinéis, caravelões e bergantins no Atlântico, além de patachos, galés e fustas nas escaramuças travadas pela afirmação no Índico, foram a capacidade de carga da nau e o poder de fogo do galeão que serviram de esteio à estratégia 3C, em grande medida secundadas pela versatilidade náutica das caravelas latina e redonda. Na realidade, tudo indica que a maioria dos avanços hidrográficos e cartográficos, essenciais à prática, em segurança, dos portos do Índico, bem como nas costas africana e brasileira, foram, em primeiro lugar, proporcionados pelas caravelas latina e redonda. Foi com este tipo de navios que se recolheram os importantes elementos sobre os regimes dos ventos, marés, profundidades, correntes, perigos e localização rigorosa dos diferentes lugares, dos quais resultaram os primeiros documentos náuticos portugueses. Neste sentido, as caravelas latina e redonda podem, sem favor, ser consideradas os verdadeiros navios hidrográficos dos Descobrimentos. Sem a sua acção, por se tratarem de navios particularmente adequados a tal tarefa, não teria sido possível cartografar costas e ilhas, identificar baixos e escolhos, ou explorar angras e fozes de rios, conferindo, assim, condições para
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ligeiros, rápidos e bem artilhados, de forma a obter o melhor desempenho nos combates navais. Para o comércio, foram construídas frotas, compostas por navios maiores, que privilegiavam a capacidade de carga em detrimento da velocidade, da manobrabilidade e do armamento. Para descobrir continuaram a ser utilizados navios de pequena dimensão e reduzido calado, alguns dos quais combinavam a propulsão a remos com a vela.
É neste período que se dá, verdadeiramente, início à era do poder marítimo, porque, pela primeira vez, uma potência emprega, globalmente e em simultâneo, navios em actividades científicas, económicas e político-militares, de forma a garantir o uso do mar em função dos seus interesses nacionais em tempo de paz ou de guerra.
No terceiro período da estratégia 3C (1509-1550) intensificou-se a recolha de informação de cariz hidrográfico no Brasil, o mesmo sucedendo relativamente a toda a costa africana e em certas regiões no Oriente, nomeadamente naquelas onde se encontravam localizados os interesses estratégicos portugueses. Apesar de se terem empenhado navios em missões exclusivamente hidrográficas, só se nos afigura possível a recolha de tão grande quantidade de informação geográfica, num prazo de tempo tão curto, com o contributo activo dos pilotos que se encontravam embarcados em todos os tipos de navios. Neste período, o procedimento português no quadro da estratégia 3C caracterizou-se por ser dirigido: à obtenção de novos pontos para apoio à navegação e comércio, agora estendidos para o Sueste asiático, que se vieram juntar aos anteriormente existentes, quer no Atlântico, quer no Índico ocidental; ao abandono do combate naval, como meio principal e directo para garantir o controlo dos mares; ao estabelecimento de uma base principal de apoio logístico e operacional no Oriente, representada pelo território de Goa; à definição e execução da que tem sido denominada por «Política dos Estreitos», materializada nas conquistas da ilha de Socotorá, de Ormuz e, por último, de Malaca, além da tentativa fracassada para conquistar Áden.
A necessidade de controlar eficazmente a navegação do Índico, de forma a garantir o monopólio do comércio das especiarias, levou alguns estrategas portugueses a considerar que era imperativo estender os requisitos iniciais de domínio do mar, para a conquista de posições estratégicas em terra. Nesta tarefa, estiveram envolvidos os navios de maior poder de fogo, sobretudo naus e galeões. Porém, também participaram outros de menor porte (caravelas redondas, galés e fustas), que conferiram melhor desempenho às armadas constituídas com o objectivo de desenvolver acções de projecção de força em terra, mas que, como anteriormente se referiu, não descuravam a recolha de informações estratégicas sobre as regiões visitadas, onde a hidrografia assumia importância crucial.
3. As técnicas náuticas
Os avanços registados nas técnicas náuticas entre 1400 e 1550, estão na base da relevância marítima de Portugal neste período. Tais progressos abrangeram os instrumentos, os processos e os documentos náuticos, que constituíram o segundo pilar da estratégia 3C, adoptada por Portugal para conhecer, comerciar e combater no mar e a partir do mar, entre os séculos XV e XVI. Adquiriam especial relevância, porque
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viabilizaram uma representação geográfica da Terra mais precisa e conferiram maior rigor e segurança à navegação.
Embora inicialmente rudimentar, a agulha magnética veio revolucionar a náutica. Com efeito, até ao seu aparecimento a navegação era feita à vista da costa, de cabo a cabo - daí o termo cabotagem - guiando as embarcações pelos astros, pelo voo das aves ou pela direcção do vento e das ondas. Como a agulha magnética possibilitava seguir um rumo de forma consistente, os navios puderam afastar-se da costa para seguir o trajecto mais curto entre dois portos, ou, em alternativa, beneficiar dos ventos mais favoráveis para demandar o lugar de destino. Cumpre igualmente recordar que foi a utilização da agulha magnética que esteve na origem da mudança do ponto cardeal usado como referência nas cartas náuticas. Com efeito, o Levante, o Leste ou o Oriente na parte superior da carta, simbolizado pela cruz que assinalava a Terra Santa, foi sendo progressivamente substituído pelo Norte, Setentrião ou Bóreas, assinalado pela flor-de-lis. Esta simples rotação de 90 graus, trouxe consigo uma verdadeira revolução nas mentalidades, na medida em que os pilotos deixaram de se «orientar» pela linha de costa, passando a «nortear» o caminho do navio pela agulha e linhas de rumo magnéticas dispostas na carta.
A eficácia da agulha magnética aumentou notavelmente quando passou a ser suportada por um fino pináculo vertical, no qual se apoiava o centro da rosa-dos-ventos, gravada em cartão, em cuja face superior se encontrava inscrito um sinal em forma de flor-de-lis a indicar o Norte e uma cruz a marcar o Oriente (Terra Santa). Na base deste cartão circular encontravam-se dispostos dois ferros, alinhados com a direcção Norte-Sul gravada na superfície oposta. Como estes ferros não eram ímanes permanentes, necessitavam de ser periodicamente magnetizados, utilizando um íman natural, a que se dava o nome de pedra de cevar, designando, assim, a operação destinada a conferir-lhes magnetização.
Dos oito ventos ou rumos das primitivas rosas-dos-ventos, que indicavam os pontos cardeais e os inter-cardiais ou quadrantais, passou-se, posteriormente, aos 16 rumos, que referenciavam os pontos colaterais ou meias partidas, tendo-se generalizado, já no século XV, as agulhas de 32 rumos ou quartas. Da divisão dos 360 graus pelos 32 intervalos, resultaram outros tantos ângulos de 11,25 graus, ou 11º 15’ (onze graus e quinze minutos), a que se deu o nome de quartas, designação ainda hoje em voga entre os pescadores portugueses. Como a definição do rumo não podia ser superior a meia quarta, que é, grosso modo, metade do valor da escala, o erro mínimo cometido no governo do navio era, em teoria, da ordem dos 5 a 6 graus. No entanto, as guinadas dos homens do leme a um e outro bordo, com o objectivo de manter o navio no rumo, compensavam, de certa forma, os erros cometidos ao longo da singradura. A precisão da leitura dos rumos a bordo aumentou bastante quando, no século XVI, a agulha passou a estar instalada sobre uma suspensão com dois eixos de liberdade, destinada a compensar os efeitos do balanço do navio. Muito embora a utilização deste expediente de compensação do balanço já existisse, pelo menos desde finais do século XV, encontrando-se referido no Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa (1514), ficou conhecido como «suspensão Cardan», pelo facto do lombardo Gerolamo Cardano
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outras rosas-dos-ventos dispostas ao redor da primeira. As linhas de rumo que assinalavam o Norte magnético, eram representadas verticalmente na superfície da carta, sendo paralelas entre si, sem observarem o requisito de convergência dos meridianos (Fig. 4).
O rumo, entre o ponto de partida e o ponto de chegada, era obtido a partir das linhas existentes nas cartas rumadas, enquanto a distância era deduzida pelo piloto, tendo em conta a sua avaliação relativamente ao caminho percorrido pelo navio, sendo implantada na carta depois de medida no tronco de léguas a correspondente amplitude do compasso. Obtinha-se, assim, o chamado ponto de fantasia, também conhecido como ponto estimado, de estimativa ou de marinharia.
Fig. 4 - Rede de linhas de rumo, rosas-dos-ventos e tronco das léguas numa carta- portulano^6
Como a carta-portulano tinha implantados os pontos notáveis do litoral, dava uma imagem de considerável realismo da geografia costeira, pelo que o piloto dispunha de uma visão razoável da posição do navio relativamente à costa, podendo, assim, decidir sobre as manobras ulteriores, necessárias para demandar o porto de destino. No entanto, devido às reduzidas dimensões das cartas-portulano e à vastidão das regiões representadas, não era possível um traçado detalhado da costa, facto que obstava a uma melhor discriminação e representação dos perigos para a navegação. Daí que estas insuficiências cartográficas tenham continuado a ser colmatadas pelas informações complementares incluídas nos livros portulanos. Importa no entanto salientar, que as cartas-portulano foram, ao longo do tempo, submetidas a sucessivos aperfeiçoamentos e complementos, tal como hoje sucede com a cartografia electrónica. Estes melhoramentos resultaram do aumento da frequência das viagens marítimas, que permitiram recolher informação geo-hidrográfica mais rigorosa e actual, utilizada pelos cartógrafos para
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corrigir as incertezas e deficiências dos seus trabalhos, ao mesmo tempo que adicionavam novas áreas geográficas entretanto exploradas ou descobertas.
A prova de que as cartas eram elaboradas tendo em conta a progressão das navegações, reside no facto dos respectivos contornos terem evoluído ao ritmo a que se realizavam as viagens marítimas dos portugueses. Este facto é especialmente evidente na carta de Henricus Martellus, de que existem várias cópias datáveis de 1489 a 1492. Como já apresenta a passagem Sul de África, este mapa-mundo só pode ter sido desenhado a partir de uma carta portuguesa ou de informação resultante da expedição de Bartolomeu Dias (1487-1488), porque até então os oceanos Atlântico e Índico surgiam na cartografia como mares interiores.
Pelo facto de os navios serem obrigados a navegar segundo rumos quebrados, de forma a tirarem partido do vento, ora se afastavam, ora se aproximavam do rumo directo entre o ponto de partida e o ponto de destino. Nestas circunstâncias, para garantir algum controlo relativamente ao caminho percorrido ao longo da derrota traçada na carta portulano, os pilotos necessitavam de saber, a cada alteração de rumo, quanto se afastavam (alargar), ou quanto ganhavam sobre o rumo directo (avanço de retorno). Para que este problema pudesse ser resolvido pelos pilotos, os matemáticos conceberam a toleta de marteloio, um método de origem mediterrânica, apresentado sob a forma de ábaco geométrico ou de tabulado, cuja versão mais antiga se encontra inserida no Atlas de Andrea Bianco (1436). Através da toleta de marteloio, o piloto deduzia os avanços e os retornos do navio em relação ao rumo directo para o lugar de destino, pelo que conhecia, a cada passo, a sua posição relativamente à rota indicada por aquele rumo. Mais tarde, a náutica portuguesa substituiu o método da toleta de marteloio pelo regimento das léguas, melhor adaptado à técnica de navegação por latitudes, que integra a grande maioria dos textos marítimos do século XVI.
Sendo os rumos magnéticos das agulhas de marear determinantes na representação cartográfica das costas nas cartas-portulano, a posição de cada lugar era afectada pela declinação magnética. Consequentemente, a geografia traçada nas cartas-portulano apresenta uma distorção geral, mais ou menos pronunciada, em função do valor da declinação magnética vigente à altura da compilação da carta, devido à não homogeneidade do magnetismo terrestre nos diferentes locais do globo. É curioso notar que os pilotos, embora desconhecendo as causas do fenómeno então designado por variação da agulha^7 , sabiam da existência da declinação magnética, conhecida como nordestear ou noroestear da agulha. Com a repetição das viagens nas mesmas regiões, obtiveram uma noção do seu reflexo no rumo do navio e aplicaram a devida correcção para aterrar no ponto de destino. Por isso, seguiram o rumo que a prática marinheira recomendava e não o que a carta-portulano indicava.
Nas cartas náuticas, a primeira tentativa para corrigir a diferença entre o rumo navegado e o rumo verdadeiro, resultante do reconhecimento da variação da agulha, leia-se declinação magnética, foi realizada por Pedro Reinel, na sua carta atlântica de c. 1504 (Fig. 5). Nela traçou, junto à Terra Nova, uma pequena escala auxiliar de latitudes,
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Fig. 5 - Carta de Pedro Reinel com escala de latitudes inclinada (c. 1504)
Com a realização das viagens atlânticas sem avistar terra durante várias semanas, como sucedia aos navegadores portugueses no regresso das costas da Guiné e da Mina, a navegação do rumo e da estima revelou as suas insuficiências para fornecer, com um mínimo de precisão, a posição do navio. Surgiu, então, em condições que se desconhecem, mas seguramente no tempo do Infante D. Henrique, a primeira fase da náutica astronómica portuguesa, que consistiu na assídua medição da altura da estrela Polar e de outras estrelas, nas suas passagens meridianas, utilizando o quadrante. Comparando cada altura com a que a mesma estrela atingia em Lisboa, os pilotos ficavam com uma ideia aproximada do número de léguas que tinham de navegar, segundo um meridiano, para atingir o paralelo da capital do reino. Esta prática náutica foi designada por navegação de (ou por) alturas.
A náutica astronómica portuguesa evoluiu para uma segunda fase, quando os pilotos passaram a utilizar as observações da estrela Polar, em detrimento de outras estrelas, com as correcções constantes estabelecidas no regimento do Norte.Além das duas passagens meridianas, foram igualmente escolhidas outras seis posições da estrela Polar, no seu círculo diurno aparente. Estas oito alturas foram registadas em regimentos, dos quais resultaram, pela maior facilidade de utilização, as disposições gráficas que lhe equivaliam. Eram designadas pelos marinheiros como rodas da Polar e tinham a forma de uma coroa circular (Fig. 6). Na extremidade de cada raio encontrava-se inscrita a correcção a aplicar às alturas, em função da posição das guardas da Ursa Menor no momento da observação.
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Fig. 6 - Roda da Polar do Livro de Marinharia de João de Lisboa , com as correcções constantes a aplicar à altura daquela estrela
Estas duas fases da náutica astronómica, sendo relevantes pelo acrescido rigor que trouxeram ao controlo da progressão dos navios no sentido Sul-Norte, quando pretendiam demandar a costa portuguesa, não tiveram, aparentemente, reflexos na cartografia portulana, pois não permitiam, ainda, o cálculo de qualquer coordenada geográfica. Nestas circunstâncias, a cartografia náutica portuguesa continuou a respeitar os princípios e as técnicas importadas da náutica mediterrânica, baseada no rumo magnético e no caminho estimado (distância) pelos pilotos, sem recorrer a um sistema de projecção. Era, por isso, uma cartografia sem grande rigor, que foi posta em causa por Diogo Gomes em 1462, quando comparou as alturas da estrela Polar na Guiné e em Lisboa, tomadas com o quadrante, considerando que a posição assim obtida era melhor do que a carteada. Por outras palavras, aquele navegador reconheceu que a carta- portulano não respondia cabalmente às exigências da náutica astronómica, pois não traduzia fielmente a geografia terrestre.
A representação das oito posições da estrela Polar numa roda, deve ter sido determinante para, poucos anos depois das críticas de Diogo Gomes, mas ainda na década de 60 do século XV, terem começado as observações astronómicas para determinação da latitude a bordo (paralelo do lugar), a partir da altura daquela estrela, corrigida da distância angular ao Pólo Norte. De forma muito simplificada, pode dizer-se que a terceira fase de modernização da náutica astronómica portuguesa, consistiu na medição da altura da estrela Polar, de modo a chegar à latitude do lugar, pela aplicação de uma simples
Revista Militar N.º 2515/2516 - Agosto/Setembro de 2011, pp 995 - 1022.
horizonte. Como, nessas circunstâncias, não podiam determinar a latitude por recurso ao cálculo astronómico que conheciam, cometeram grandes erros de posicionamento quando, de forma expedita, passaram a converter, em graus de latitude, as distâncias percorridas, usando o módulo de relação entre milhas e graus. Note-se que, para o valor do grau do meridiano terrestre, essencial à medição das distâncias nas cartas-portulano, só pouco depois da conquista de Ceuta (1415) se verificou a alteração do módulo de 56 2/3 milhas por grau, para o módulo de 66 2/3 milhas por grau. Em 1424, este último valor foi utilizado na carta manuscrita sobre pergaminho elaborada por Zuane Pizzigano, mais consentâneo com a experiência náutica adquirida pelos pilotos portugueses nas navegações atlânticas. Ainda assim, apresentava um erro, por defeito, na ordem dos 11%. No entan- to, o novo módulo possibilitou a conversão, com maior rigor, das distâncias das rotas em graus e latitudes, mais adequadas à realidade geográfica da região do globo praticada pelos navios portugueses no primeiro quartel do século XV.
A consciência relativamente à dimensão e inconveniência dos erros antes referidos, esteve na base de um longo período de especulações e ensaios científicos. Deles resultou o estabelecimento da quarta fase da náutica astronómica portuguesa, caracterizada pelo uso do astrolábio para medição da altura meridiana do Sol, necessária ao cálculo da latitude no mar, adaptando e simplificando os procedimentos utilizados pelos astrónomos e cosmógrafos nas observações terrestres. Na realidade, os tratados medievais dos séculos VIII e IX já ensinavam a determinar a latitude a partir da altura meridiana do Sol, entrando com o valor da declinação astronómica deste astro. As adaptações e simplificações então realizadas, consistiram em: conferir alcance às regras disponíveis para atender às situações diversificadas das navegações; testar, na prática, as regras que os tratados astronómicos preconizavam; calcular os valores da declinação solar, para que esta pudesse ser utilizada em regras ao alcance dos conhecimentos práticos e rudimentares da maioria dos pilotos. Da resolução do primeiro problema foram encarregados os astrólogos Abraão Zacuto e Mestre Rodrigo de Lucena. Do segundo problema, foram incumbidos o Mestre José Vizinho e Duarte Pacheco Pereira. Do terceiro problema tratou Abraão Zacuto, que efectuou os cálculos da declinação do Sol para cada dia de um quadriénio, sendo um dos anos bissexto, valores que foram incluídos no Almanach Perpetuum, como adiante se explica.
Com o recurso à observação dos astros para determinar a latitude em ambos os hemisférios, à noite pelas estrelas e, de dia, pelo Sol, passou a ser possível corrigir, com alguma precisão, o caminho Norte-Sul dos navios. Esta capacidade revelar-se-ia fundamental para os portugueses durante todo o século XV, em virtude das suas navegações, em busca da passagem para o Índico, consistirem, essencialmente, numa progressão feita em latitude. Com este progresso ficou firmemente estabelecida a técnica de navegação oceânica portuguesa, apoiada em três factores essenciais: conhecimento dos agentes físicos do Atlântico; navios com boas qualidades náuticas; e uma náutica astronómica fundamentada nos regimentos da estrela Polar e do Sol.
Como se compreende, os progressos da náutica astronómica portuguesa tiveram repercussões nas cartas-portulano. O primeiro impacto deu-se quando essas cartas
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passaram a ter implantada uma escala de latitudes, tornando-se híbridas, na medida em que procuravam conjugar os requisitos do ponto de fantasia (isogonalidade), com as exigências das posições obtidas mediante o ponto de esquadria (isogonalidade e distâncias). Nestas circunstâncias, se o traçado do rumo se fazia entre pontos determinados por observações astronómicas, as cartas-portulano perdiam a sua validade, salvo quando se navegava em regiões próximas da linha equatorial, onde a representação da superfície esférica terrestre no plano não apresenta deformação substantiva dos ângulos e das distâncias. O segundo efeito dos progressos da náutica astronómica portuguesa na cartografia, foi a correcta implantação da linha equatorial que, até ao final do século XV, em conformidade com a ideia de Ptolomeu, se pensava distar 16 graus para Sul da mais setentrional das ilhas Canárias, passando sobre o saliente africano de Cabo Verde. Só no final do século XV, após o traçado perfeito do Equador nas cartas náuticas e da adopção da medida de 75 milhas por grau do meridiano terrestre^9 , foi possível estimar, com maior rigor a latitude de uma posição contada desde a linha equatorial, que depois era convertida em graus, através das distâncias medidas em milhas na carta. Ainda assim, subsistiu um erro, por defeito, de cerca de 7%.
A náutica astronómica veio mostrar claramente que as cartas-portulano não eram adequadas ao novo processo de cálculo da posição dos navios no mar, em virtude de esta obrigar à existência de uma escala de latitudes. Além disso, para que se pudesse utilizar correctamente essa escala, era necessário fazer corresponder, a cada local na superfície da Terra, uma latitude obtida a partir de observações astronómicas. Tal facto desencadeou a terceira e mais significativa repercussão dos progressos da náutica astronómica portuguesa na cartografia, que consistiu no levantamento, por latitudes, das regiões costeiras. Neste trabalho, que parece ter sido iniciado cerca de 1485, envolveram-se os principais cosmógrafos e hidrógrafos portugueses, nomeadamente Mestre Rodrigo de Lucena, Mestre José Vizinho e Duarte Pacheco Pereira que, conforme refere Teixeira da Mota^10 , «efectuaram então febrilmente o primeiro levantamento moderno, por latitudes da costa africana», legando-nos uma obra primorosa, que se pode reconstituir pelo Esmeraldo de Situ Orbis e pela Carta de Cantino, que é, sem dúvida, o mais famoso exemplar da cartografia portuguesa quinhentista e uma marca incontornável do início do seu apogeu. O contributo de Abraão Zacuto para o cálculo da latitude no mar teve, igualmente, uma utilidade decisiva no levantamento por latitudes da costa africana. Com efeito, mediante a altura do Sol, era possível calcular a latitude do lugar, no mar ou em terra, utilizando as correcções fornecidas por tábuas de declinação do Sol, incluídas no Almanach Perpetuum e referidas ao meridiano de Salamanca. Estas tábuas apresentavam a distância angular do Equador celeste ao Sol (declinação) correspondente ao meio-dia, cujo valor era obtido por cálculos matemáticos baseados em observações astronómicas. A operacionalização prática deste método, que teve uma influência determinante na náutica astronómica portuguesa, ficou a dever-se ao Mestre José Vizinho, com a tradução do Almanach Perpetuum para latim e castelhano, originalmente escrito em hebraico. Esta tábua solar única podia ser utilizada em anos comuns e bissextos, tendo servido nas viagens de Diogo Cão (1482-1486), Mestre José Vizinho (1485) e Bartolomeu Dias (1487-1488). O Mestre José Vizinho redigiu, ainda, o Regimento do Astrolábio e do Quadrante , amplamente