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Função social da propriedade e direito ambiental: uma abordagem econômica, Notas de aula de Direito

Este documento aborda a evolução do conceito de propriedade, desde o direito subjetivo individual e absoluto até a função social da propriedade, que inclui a legislação trabalhista e ambiental. A função social da propriedade está inserida nos direitos e garantias fundamentais na constituição brasileira de 1988, e está sujeita a medidas coercitivas para a defesa e preservação dos bens ambientais. Além disso, o documento discute a importância da auditoria ambiental e a gestão ambiental compartilhada entre a iniciativa privada e o poder público.

O que você vai aprender

  • Como evoluiu o conceito de propriedade no direito?
  • Por que a auditoria ambiental é importante?
  • O que é a função social da propriedade?
  • Como é a gestão ambiental na Constituição brasileira de 1988?
  • Quais são as medidas coercitivas relacionadas à função social da propriedade?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Boto92
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Em tempo - Marília - v.7 - dez.2008
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OS MITOS E A PROPRIEDADE PRIVADA
DA TERRA
Elaine Cristina Francisco 1
RESUMO: A função sócio-ambiental da propriedade e demais restrições confe-
riam-lhe nova feição. Hoje, a propriedade privada da terra é legitimada a partir
do interesse público. Surge, portanto, um conceito “dinâmico” de propriedade em
substituição ao conceito anterior, clássico e “estático”.
Palavras-chave: Mito. Propriedade. Função sócio-ambiental.
ABSTRACT: The socioenvironmental function of the property and others res-
trictions conferred them a new feature. Today, the private property of the earth is
legitimated from the public interest. It has appeared, therefore, a “dynamic” con-
cept of the property in substitution of the previous concept, classic and “static”.
Keywords: Myth. Property. Socioenvironmental function.
RESUMEN: La función socio-ambiental de la propiedad y otras restricciones
les confirió una nueva característica. Hoy, la propiedad privada de la tierra se
legitima a partir del interés público. Por consiguiente, apareció un concepto “di-
námico” de propiedad en substitución al concepto anterior, clásico y “estático”.
Palabras-clave: Mito. Propiedad. Función socio-ambiental
1 Elaine Cristina Francisco Volpato. Mestre em Direito (UNIVEM-Marília/SP). Professora da UNIO-
ESTE-Foz do Iguaçu/PR. Email: elacrisfr1@yahoo.com.br
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Em tempo - Marília - v.7 - dez.

OS MITOS E A PROPRIEDADE PRIVADA

DA TERRA

Elaine Cristina Francisco 1 RESUMO: A função sócio-ambiental da propriedade e demais restrições confe- riam-lhe nova feição. Hoje, a propriedade privada da terra é legitimada a partir do interesse público. Surge, portanto, um conceito “dinâmico” de propriedade em substituição ao conceito anterior, clássico e “estático”. Palavras-chave: Mito. Propriedade. Função sócio-ambiental. ABSTRACT: The socioenvironmental function of the property and others res- trictions conferred them a new feature. Today, the private property of the earth is legitimated from the public interest. It has appeared, therefore, a “dynamic” con- cept of the property in substitution of the previous concept, classic and “static”. Keywords: Myth. Property. Socioenvironmental function. RESUMEN: La función socio-ambiental de la propiedad y otras restricciones les confirió una nueva característica. Hoy, la propiedad privada de la tierra se legitima a partir del interés público. Por consiguiente, apareció un concepto “di- námico” de propiedad en substitución al concepto anterior, clásico y “estático”. Palabras-clave: Mito. Propiedad. Función socio-ambiental 1 Elaine Cristina Francisco Volpato. Mestre em Direito (UNIVEM-Marília/SP). Professora da UNIO- ESTE-Foz do Iguaçu/PR. Email: elacrisfr1@yahoo.com.br

Em tempo - Marília - v.7 - dez.

1. INTRODUÇÃO

A sociedade atual é aparentemen- te destituída de mitos, mas isso não diminui sua relevância, dado que um mito surge a partir da experiência. Na verdade, foi a partir da vivên- cia do mito que a humanidade desen- volveu o sentimento religioso, a preo- cupação com o justo e, enfim, fez surgir o próprio Direito. O mito, ainda que seja negado/ comprovado pela ciência, ou cataloga- do pela história, é importante por cap- turar o humano a partir de sua práxis. É transcendental, pois se trata de uma “explicação teórica” que “soluciona” os problemas existenciais do homem, ou seja, sua relação com a natureza e com o meio social. Os mitos são sonhos do mundo, isto é, arquétipos dos mais importan- tes problemas do homem. Para a refle- xão, ora proposta, adota-se em espe- cial a concepção de CRIPPA (1975: 59), qual seja, “ Mythos é um dizer original. Palavra que cria a realidade”. A sociedade atual fez do mito uma literatura esquecida, aparentemente irrelevante, posto não ser classificado como um “item” essencial de sobrevi- vência. Parece, por conseguinte, de suma importância sua análise, pois o mito possibilita o homem a colocar sua mente em contato com a experiência de estar vivo. E, para Campbell (1990), são histórias da busca humana pela verdade através dos tempos. E, se “tudo o que existe atualmen- te não faz senão reproduzir o que exis- tiu no período pré-temporal e encontra sua razão de ser na participação-imi- tada desta realidade mais real que o transcendente”. (CRIPPA, 1975, p. 82). A propriedade imobiliária, em es- pecial a rural, tem raízes longínquas na história humana. E uma análise que se quer crítica (logo, não convencional), segundo um coerente entender, não pode ignorar sua origem mais remota, sua origem no mito. A relação entre o homem, ser do- tado da capacidade de se apropriar de bens, com a terra, dada sua importân- cia, é marco divisório inclusive da His- tória Humana. Por isso, identifica-se, até com cer- ta facilidade, pelo menos três grandes momentos dessa relação, quais sejam: O homem econômico, numa fase inicial do capitalismo onde o Estado Liberal é instaurado, tende a defender a postura individual, ilimitada e sagra- da do direito de propriedade, efetivan- do-a mediante instrumentos de tutela individual de direitos. O homem social, “gestado” pela crise econômica de 1929, quer re- nunciar ao Estado Liberal e acredita, dada sua nova visão de mundo, no Es- tado Social. Ocorre uma flexibilização do direito de propriedade pela intro- dução de sua função social e, contem- poraneamente, surge a concepção de tutela coletiva. O homem atual é simbólico. Tem consciência de si e de sua trans- cendência. É compelido a ponderar suas decisões a partir das conseqüên- cias futuras de seus atos. O direito de propriedade é re-significado mediante a concepção ambiental agregada ao so- cial e, portanto, requer uma nova cate- goria de tutela jurisdicional: os direitos difusos. Escolher, assim, como ponto de partida as categorias míticas que en- volveram/envolvem a propriedade imobiliária, é, sobretudo, um esforço para transcender o senso comum e for- mular um re-significar da teoria jurídi- ca. Contextualizado o ponto de par-

Em tempo - Marília - v.7 - dez. V – enfim, sob o ponto de vista político, a necessi- dade de se rever as relações entre os Estados-nação (par- ticularmente as imposições hegemônicas dos poderosos que desconsideram o inte- resse geral dos povos), para se chegar a uma forma con- densada de administrar a Terra e evitar “o dia depois de amanhã”. Logo, não poderia o direito se manter inerte a essas profundas trans- formações sociais. Por isso, a proprie- dade que era absoluta em Roma foi substituída, na Idade Média, pela su- perposição de propriedades diversas (ainda que incidentes sobre um único bem). Mas tal modo de propriedade, na Europa, tende a desaparecer frente aos princípios do liberalismo e do indi- vidualismo. A Revolução Francesa é marco histórico e ideológico dessa opção con- ceitual, que faz instaurar, especialmen- te no Ocidente, o direito de proprieda- de mais absoluto que o romano, bem como jamais visto, até então, pela hu- manidade^3. O desenvolvimento da concep- ção de propriedade privada absoluta é construído a partir do mercantilismo e, teorizado dos séculos XVI a XVIII, diante da necessidade e da prática das classes sociais então nascentes. E, por isso, é a instituição jurídica identificável como “plenitude do direi- to sobre a coisa”, ou seja, um direito “sagrado”. Segundo a leitura feita por Vaz (1992, p. 02), a Declaração de 1789 não trazia referência expressa ao direito à vida, mas o direito de propriedade en- contrava-se definido como “ inviolable et sacré” no art. 17. A idéia de apropriação individual, exclusiva e absoluta, da gleba da terra não é universal, mas sim, um “fenôme- no” histórico e geograficamente locali- zado (MARÉS, 2003). Por isso, é uma construção huma- na recente, fruto do modo de produção capitalista, que tem sua culminância na auri sacra fames burguesa. O direito de propriedade para um liberal é o mais típico, anterior e, até mesmo, superior a “toda criação jurí- dica do homem” após o estado de na- tureza, ou seja, no estado de sociedade civil. Ela foi eleita como a instituição básica do liberalismo, especialmente quanto aos meios de produção, sendo posteriormente teorizada pela socieda- de civil. Segundo Dallari (1979, p. 242): Do ponto de vista polí- tico, o liberalismo se afirma- ria como doutrina durante o século XIX, sobretudo a partir de 1859, com a publi- cação da obra ‘Da Liberdade’, de STUART MILL. Adepto entusiasta do jusnaturalis- mo, sobretudo das idéias de ROUSSEAU, STUART MILL escreve que elas haviam pro- duzido o devido efeito no século XVIII, mas era pre- ciso reafirmá-las através de ações, porque achava que as palavras já haviam esgotado a força que poderiam ter. A diferença entre o espírito pré- capitalista e o capitalista não deve ser encontrada nesse ponto, pois a apro- priação da terra “sempre” foi marcada por uma dose de violência, de destrui- ção, seja pela avidez do mandarim chi- nês, do antigo aristocrata romano ou,

Em tempo - Marília - v.7 - dez. mesmo, do moderno camponês. Rela- ções essas que podem suportar as mais variadas comparações. O predomínio universal da abso- luta falta de escrúpulos na ocupação de interesses egoístas na obtenção do dinheiro tem sido uma característica daqueles países cujo desenvolvimento burguês-capitalista, medido pelos pa- drões ocidentais, permaneceu atrasa- do^4. Estado e Direito modernos, ao surgirem na Europa, tem suas teorias fundantes aceitas, de forma relativa- mente inconteste, a partir do século XVI e seguintes, fizeram considerar os homens não mais pela sua nobreza ou pelas suas qualidades, mas pelo valor de seus bens acumulados e pela sua capacidade ou disposição de acumular cada vez mais. O Direito, estruturado a partir das Declarações de Direitos liberais do sé- culo XVIII, de fato teorizam essa época e, para muitos juristas, ainda a nossa. Por exemplo, para tratar das rela- ções de trabalho criou a ficção da auto- nomia de vontade e a liberdade, pres- suposto indispensável para viabilizar o modo de produção capitalista; logo, o escravo passa a ser homem livre, pode contratar e, em contrapartida, é responsável pecuniariamente por seus atos^5. A subordinação real desenvolve um regime jurídico específico das re- lações de trabalho (SIMÕES, 1979). Ao mesmo tempo, faz emergir e desenvol- ver, igualmente, formas superiores de trabalho e sua respectiva regulamenta- ção, mais evidente no capitalismo mo- nopólico. Essas são as “raízes históricas” dos sistemas fundantes da livre iniciativa empresarial, as escolas econômicas li- berais do século XVIII, pois, as origens do pensa- mento liberal assentam-se em planos sociais, políticos e econômicos. Do ponto de vista econômico, o liberalis- mo alicerçou-se na convicção de que a livre atuação das forças da oferta e da procu- ra, a excitação do lucro e os mecanismos do mercado perfeitamente competitivo seriam capazes de garantir o ordenamento automático e eficiente da atividade econô- mica. Tal convicção levaria à dispensa da intervenção eco- nômica do Estado, julgada prejudicial ao bom desempe- nho do regime de liberdade econômica. Em seus anos de formação, o modelo liberal de organização da atividade econômica lastreava-se, as- sim, nos atributos positivos da capacidade orientadora do mercado, reduzindo o Es- tado a um agente que só de- veria co-participar das ativi- dades econômicas nos casos reconhecidamente localiza- dos fora da área de interesse e de influência da iniciativa privada. (ROSSETTI, 1980, p. 334) Assim, “o trauma revolucio- nário” de 1789 faz ascender um novo Estado, representante da burguesia, ou seja, comerciantes e industriais podem desfrutar do poder, até então “rateado” pelos reis e pela Igreja^6. A ordem capitalista surge a partir da crise da sociedade corporativa euro- péia, resultado das mudanças sociais e econômicas, constantes e sensíveis pelas quais a Europa passou, a partir da divisão do trabalho até o advento do

Em tempo - Marília - v.7 - dez. Assim, é preciso dedicar aos rios a mesma bondade que dedicaria a um irmão. Se lhes vendermos nossa terra, lembrem-se de que o ar é precioso para nós, o ar par- tilha seu espírito com toda a vida que ampara. O vento, que deu ao nosso avô seu pri- meiro alento, também recebe seu último suspiro. O vento também dá às nossas crian- ças o espírito da vida. Assim, se lhes vendermos nossa ter- ra, vocês deverão mantê-la à parte e sagrada, como um lugar onde o homem possa ir apreciar o vento, adocicado pelas flores da campina. Ensinarão vocês às suas crianças o que ensinamos às nossas? Que a terra é nossa mãe? O que acontece à terra acontece a todos os filhos da terra. O que sabemos é isto: a terra não pertence ao ho- mem, o homem pertence à terra. Todas as coisas estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O homem não teceu a rede da vida, é apenas um dos fios dela. O que quer que ele faça à rede, fará a si mesmo. Uma coisa sabemos: nosso deus é também o seu deus. A terra é preciosa para ele e magoá-la é acumular contrariedades sobre o seu criador. O destino de vocês é um mistério para nós. O que acontecerá quando os búfa- los forem todos sacrificados? Os cavalos selvagens, todos domados? O que acontecerá quando todos os cantos se- cretos da floresta forem ocu- pados pelo odor de muitos homens e a vista dos montes floridos for bloqueada pelos fios que falam? Onde estarão as matas? Sumiram! Onde estará a águia? Desapareceu! E o que será dizer adeus ao pônei arisco e à caça? Será o fim da vida e o início da so- brevivência. Quando o último pele- vermelha desaparecer, junto com sua vastidão selvagem, e a sua memória for apenas a sombra de uma nuvem mo- vendo sobre a planície... estas praias e estas florestas ainda estarão aí? Alguma coisa do espírito do meu povo ainda restará? Amamos esta terra como o recém-nascido ama as ba- tidas do coração da mãe. Assim, se lhes vendermos nossa terra, amem-na como a temos amado. Cuidem dela como a temos cuidado. Gravem em suas mentes a memória da terra tal como estiver quando a receberem. Preservem a terra para todas as crianças e amem-na, como Deus nos ama a todos. Assim como somos par- te da terra, vocês também são parte da terra. Esta terra é preciosa para nós, também preciosa para vocês. Uma coisa sabemos: existe apenas um Deus. Nenhum homem, vermelho ou branco, pode viver à parte. Afinal, somos irmãos. O texto do chefe indígena sintetiza

Em tempo - Marília - v.7 - dez. com perfeição o relacionamento preda- tório da sociedade ocidental e seu meio ambiente. Curioso é que até o comportamen- to destrutivo humano para com a natu- reza advenha de um mito. Para Campbell (1990), a destrui- ção dos recursos naturais é originária da condenação bíblica, no exato mo- mento em que o homem é destinado a ser senhor do mundo. Em tal contexto, o Chefe Seattle critica a visão antropo- cêntrica^11 do colonizador europeu. E, por fim, enuncia em 1852 o que a ciência modernamente propugna: a visão sistêmica de um mundo constru- ído de redes e teias^12_._ As primeiras teorias sobre auto- organização, no entanto, teriam for- malmente surgido a partir da década de 50, quando o pensamento sistêmico passou a ter repercussão. Isso foi pos- sível a partir da aplicação de conceitos da cibernética e modelos matemáticos complexos. As teorias mais conhecidas são a da autopoiese e a hipótese de Gaia : A Terra é, pois, um sis- tema vivo; ela funciona não apenas como em organismo, mas, na realidade, parece ser um organismo Gaia, um ser planetário vivo. Suas pro- priedades e atividades não podem ser previstas com base na soma de suas partes; cada um de seus tecidos está ligado aos demais, todos eles interdependentes; suas mui- tas vias de comunicação são altamente complexas e não lineares; sua forma evoluiu durante bilhões de anos e continua evoluindo. (CAR- NEIRO apud CAPRA, 2003, p. 13) A capacidade de auto-organização demonstrada pelo sistema de Gaia mostra a interdependência de todos os fenômenos e processos. As relações ecológicas são marca- das pelo caráter cíclico, que é visto por meio dos laços de realimentação dos ecossistemas. Todos os organismos produzem resíduos, mas o que é resí- duo para uma espécie é alimento para outra, de modo a manter o equilíbrio. Mas a ação humana rompe esse equilíbrio, haja vista que a natureza é cíclica como ocorre, por exemplo, com a intensificação dos sistemas indus- triais, que são naturalmente lineares. O processo industrial extrai recur- sos que são transformados em produ- tos e resíduos, os produtos consumidos são transformados em novos resíduos e são descartados num limite muito maior do que o suportado pelo meio ambiente, rompendo-se a flexibilidade que mantém o equilíbrio. As sociedades industriais têm in- terferido nos diversos fluxos ecológicos gerando conseqüências cumulativas imprevisíveis e irreversíveis. Isso ocor- re devido à visão antropocêntrica e re- ducionista do ambiente, colocando o homem acima ou fora da natureza. Essa visão contrapõe a ecologia profunda, que vê o mundo como uma rede de fenômenos interconexos e in- terdependentes, sendo o homem um fio dessa enorme teia. Assim, pode-se notar a insignificância humana diante da grandeza do universo. A biodiversidade, que reflete a variedades de plantas, animais, ecos- sistemas etc, leva em conta não só a dimensão quantitativa, mas também a qualitativa, que expressa o grau de pre- servação do meio ambiente. Porém, essa biodiversidade vem diminuindo, tendo em vista a despreo-

Em tempo - Marília - v.7 - dez. deve ser coerente e eficaz à nova neces- sidade social, já que a proteção ao meio ambiente está consubstanciada ao di- reito à vida. Portanto, ganha corpo a concep- ção de que o bem ambiental apresenta um dos poderes do direito de proprie- dade, ou seja, é um bem de todos, onde todos poderão utiliza-los, porém nin- guém poderá dele dispor ou transacio- nar. 2.2. A FUNÇÃO SÓCIO-AM- BIENTAL DA TERRA A propriedade como função social tem um compromisso ambiental, cons- titucionalmente qualificado a cumprir, por isso, objeto de uma reflexão mais aprofundada. Assim, em tal conjuntu- ra, a função social da propriedade da terra, defendida originalmente por Du- guit, é ecologizada, ou seja, tal função passa a delimitar o dever para a cole- tividade em duas frentes específicas e diferenciadas: a legislação trabalhista e a legislação ambiental. Não se pode esquecer que a função social da propriedade, conforme aduz Trabucchi apud Fachin (1988, p. 17- 18): l’affermazione costitu- zionale, Che essenzialmente tende a dare uma giustifica- zione del diritto esclusivo, vuole anche inserire nella rí- gida concezzione individua- listica di tale diritto soggetivo il momento del dovere. Il ius excludendi omnes alios é cosí temperato da um imperativo richiamo allá collaborazione sociale. A Constituição italiana de 1947 diz que a lei fixará “il modo di acqui- sto, di godimento e limite allo scopo di assicurarne la funzione sociale e di renderla accessible a tutti” (art. 42)^14. O direito de propriedade e o prin- cípio da função social, na Constituição brasileira de 1988, encontram-se inse- ridos entre os direitos e garantias fun- damentais, especificamente no Título II, Capítulo I, artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal. Outros dispositivos constitucio- nais também se referem ao tema, den- tre eles: o próprio artigo 5º, incisos XXIV a XXX, e os artigos 170, incisos II e III, 176, 177, 178, 182, § 4 º, 183, 184, 185, 186, 191 e 222. Examinar detidamente cada um desses dispositivos escapa ao objeto do presente trabalho. Dar-lhe, no en- tanto, ainda que uma breve notícia e enunciar o texto e conseqüências dos principais querem parecer um proce- dimento mais proveitoso, por isso, ora escolhido. De fato, referido texto constitu- cional, ao tratar do tema, já nos coloca quais são os bens que podem ser aptos a servir aos interesses privados e, por exclusão, à coletividade. Assim, a dou- trina da função social da propriedade há de identificar a correspondente alte- ração conceitual do regime tradicional. Pois, o processo histórico de apropria- ção do homem sobre a terra é, sobretu- do, histórico e, por isso, naturalmente mutável. O direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado resta assegurado pela aplicação de san- ções penais. Tais medidas coercitivas devem adequar-se à necessidade do art. 225, qual seja, a defesa e a preser- vação dos bens ambientais para as pre- sentes e futuras gerações. São consideradas condutas e ativi- dades lesivas ao meio ambiente sujei- tas a sanções penais aquelas que:

Em tempo - Marília - v.7 - dez. prejudiquem a saúde da população; prejudiquem a segurança da população; pre- judiquem o bem-estar da po- pulação; criem condições ad- versas às atividades sociais; criem condições adversas às atividades econômicas; afe- tem a biota; afetem as con- dições estéticas do meio am- biente; afetem as condições sanitárias do meio ambiente; lancem matérias em desacor- do com os padrões ambien- tais estabelecidos; e lancem energia em desacordo com os padrões ambientais estabele- cidos. (FIORILLO, 2006, p.

A Constituição Federal de 1988 sujeita qualquer infrator a sanções pe- nais ambientais, desde que observada a existência de crime ambiental, seja ele pessoa física ou pessoa jurídica. Assim, cabe ao legislador infra- constitucional, conforme sua compe- tência, estabelecer as sanções penais adequadas segundo as diferentes hi- póteses de responsabilidade penal ambiental. Portanto, nota-se que o principal objetivo da Constituição é es- tabelecer sanções concretas para aque- les que lesam ou ameaçam a vida em todas as suas formas. Não fosse o bastante, o art. 225 da CF diz que a gestão ambiental é de responsabilidade da iniciativa privada, quer sejam empresas ou produtores rurais, bem como do Poder Público e, por fim, de toda a coletividade, atuan- do como agentes sociais das relações econômicas, obedecendo ao direito ambiental e ao direito do consumidor. Em tal contexto, ganha relevo a importância da auditoria ambiental, tal qual resta definido no art. 2º, f, do Regulamento nº 1.836 do Conselho das Comunidades Européias como: “instrumento de gestão que inclui a avaliação sistemática, documentada, periódica e objetiva do funcionamento da organização, do sistema de gestão e dos processos de proteção do ambien- te”. O objetivo da auditoria foi defini- do em decorrência da necessidade de facilitar o controle da gestão das práti- cas com eventual impacto ambiental e para avaliar a observância das políticas de ambiente da empresa. O regulamento instituiu a idéia de ecogestão, com a finalidade de que as empresas realizassem auditorias am- bientais obedecendo a critérios pré- estabelecidos em torno de três idéias fundamentais: a) adoção de políticas, progra- mas e sistemas de gestão ambiental; b) avaliação sistemática, objeti- va, documentada e periódica das polí- ticas, programas e sistemas de gestão; e c) a divulgação pública da infor- mação sobre a atividade ambiental da empresa. Por isso, afirma Fiorillo (2006, p. 319): [...] muito mais do que adotar políticas, programas e sistemas de gestão ambien- tal de forma voluntária des- tinadas ao desenvolvimento sustentável visa as auditorias ambientais fundamental- mente divulgar a performan- ce das empresas em face de uma estratégia destinada cla- ramente a atrair, em grande número, o destinatário dos produtos e serviços de tais empresas, ou seja, atrair o

Em tempo - Marília - v.7 - dez. Curso de direito ambiental brasileiro.

  1. ed. São Paulo: Saraiva, 2006 GILISSEN, John. Introdução Históri- ca ao Direito. Trad. de A. M. Hespa- nha e L. M. Macaísa Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. HUBERMAN, Leo. História da rique- za do homem. Tradução de Waltersir Dutra. 21 ª ed. rev. Rio de Janeiro: Li- vros Técnicos e Científicos, 1986. MALUF, Carlos Alberto Debus. Limi- tações ao direito de propriedade: de acordo com o novo código civil e com o estatuto da cidade. 2 a. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora dos Tribu- nais, 2005. MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003. MATTOS, Francisco José Soller de. Problemas ambientais: Noção de bem comum e dos limites da utilização da propriedade privada. Âmbito Jurídi- co , mar. 2001 Disponível em: <http:// www.ambito-juridico.com.br/aj/ damb0007.htm>. Acesso em: 19 jul.

RIO GRANDE DO SUL. Ministério pú- blico. A Função Sócio-Ambiental da Propriedade Privada. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/ doutrina/id20.htm>. Acesso em: 12 ago. 2006. SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós- liberalismo: as políticas sociais e o Es- tado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. SIMÕES, Carlos Jorge Martins. Direi- to do trabalho e o modo de produção capitalista. São Paulo: Símbolo, 1979. SILVA, José Afonso da. Direito Am- biental Constitucional. 4. ed. São Pau- lo: Malheiros, 2002 SILVA, José Robson da. O meio am- biente: função social e ambiental. Disponível em: http://www.uepg.br/ rj/a1v1at08.htm. Acesso em: 12 ago. 2006. SILVA, Marco Túlio de Oliveira. Siste- ma de Reservas Florestais. Disponí- vel em: http://www.prgo.mpf.gov.br/ doutrina/MTULIO%20-44.htm. Aces- so em: 12 ago. 2006 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Cla- ret. 2002. (Coleção a Obra-Prima de cada autor) Notas (^1) Mestranda do programa de mestrado em Direi- to do Centro Universitário de Marília – UNIVEM Orientadora: Norma Sueli Padilha (^2) Assim, continua Engels (1995, p. 191): “o Esta- do não é, pois um poder que se impôs à socieda- de de fora para dentro; tampouco é “a realidade da idéia moral”, nem “a imagem e a realidade da razão”, como afirma Hegel”. (^3) O sagrado direito de propriedade revolucioná- rio do século XVIII é mais ilimitado do que o vi- gente na Roma Antiga. (^4) Em todos os períodos históricos, parece sempre uma aquisição cruel potencialmente desligada de qualquer norma ética. (^5) Somente os homens livres podem ser proprie- tários, pois é parte da idéia da propriedade mo- derna a possibilidade de adquiri-la e transferi-la livremente. Por isso, a igualdade das partes é imprescindível para validade do contrato e, por- tanto, se inexiste de fato, deve ser presumida for- malmente como existente pelo direito. (^6) Essa se produziria com o trauma revolucioná-

Em tempo - Marília - v.7 - dez. rio de 1789, quando ascende ao poder o terceiro Estado, a burguesia, constituída depois que o comércio e a indústria, no século das conquistas e navegações, entraram a romper o acanhado espaço da corporação medieval, de estreitíssi- mas relações de produção, para ganhar os ma- res, assinalando, por esse modo, a passagem da economia urbana para a economia nacional, com todos os efeitos de universalização de mercados e dilatação crescente dos interesses econômicos. (BONAVIDES, 1980, p. 40). (^7) Fonseca (2001) cita como exemplo a superação do consumo agrícola direto pelo indireto e a cir- culação de excedentes de produção. (^8) Concebido como “direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicar de quem injustamente o detenha” (DINIZ, 2003: 784). (^9) A palavra social, segundo Maluf (2005), toma- da por Duguit é um sinônimo de subordinação dos interesses individuais aos interesses sociais. (^10) Por volta de 1852, o governo dos Estados Uni- dos fez um inquérito sobre a aquisição de terras tribais para os imigrantes que chegavam ao país, em resposta o chefe indígena escreve a carta ora transcrita. (^11) Palavra derivada do grego ( anthropos, a espé- cie humana) e do latim ( centrum, o centro). (^12) Hoje, de fato, como disse o chefe indígena, com a destruição da terra temos o fim da vida e, guardado melhor entender, vivemos a luta pela sobrevivência. (^13) O meio ambiente do trabalho é autônomo, do ponto de vista conceitual, tendo por objeto a sal- vaguarda do homem no seu ambiente do traba- lho contra as formas de degradação da sua sadia qualidade de vida (PADILHA, 2002). (^14) “Ao comentar esse artigo Domenico Sorace discute o sentido em que deve ser tomada a ex- pressão função social, concluindo que, pelo me- nos, deve corresponder a consideração do indi- víduo não somente uti singulus ou uti civis , mas uti socius” (FACHIN, 1988: 18).