





































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Este artigo analisa marcadores culturais identificados na tradução interlingual do oitavo episódio da primeira temporada da série la casa de papel, através do comparativo entre o áudio original em língua espanhola e a legenda em português do brasil. O artigo investiga como foram feitas as escolhas tradutórias dos marcadores culturais da língua espanhola para o português brasileiro no episódio 8 da primeira temporada de la casa de papel.
Tipologia: Exercícios
1 / 45
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Carolina Ogushi Bach Dias^2 carolinaobdias@hotmail.com
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar marcadores culturais identificados na tradução interlingual do oitavo episódio da primeira temporada da série La Casa de Papel , a partir do cotejamento do áudio original em língua espanhola, variante ibérica, e a legenda em língua portuguesa do Brasil. Mais especificamente, refletimos sobre como o tradutor optou por solucionar problemas tradutórios de ordem cultural encontrados em palavras e expressões culturalmente marcadas apresentadas pela série. A metodologia adotada neste trabalho é dividida em quatro partes: (i) transcrição do áudio original do episódio Tú lo has buscado da primeira temporada de La Casa de Papel ; (ii) definição e seleção das falas em língua espanhola que apresentam o uso de marcadores culturais; (iii) comparação e análise da tradução realizada e identificação dos marcadores culturais através da diferenciação; (iv) discussão dos resultados encontrados com base na teoria funcionalista de tradução de Nord (2010; 2016), além do suporte de Aubert (2006) em relação aos marcadores culturais e outros teóricos, quando necessário. Como hipótese, supomos que não houve o comprometimento crucial da mensagem na legenda, apesar da omissão de algumas palavras referente ao áudio. Ademais, o tradutor teria optado por manter a forma original, em espanhol, de alguns marcadores culturais, aproximando os brasileiros da cultura e língua espanhola. Com base em Nord (2010; 2016) e Aubert (2006), além de outros autores que auxiliaram nas análises, foi possível perceber como o tradutor decidiu, na maioria das vezes, por fazer uma adaptação na tradução para que os telespectadores compreendessem a legenda na íntegra.
PALAVRAS-CHAVE : Tradução audiovisual; marcadores culturais; legendagem; funcionalismo.
Introdução
Este artigo investiga marcadores culturais na tradução interlingual do áudio original em língua espanhola, variedade ibérica, para a legenda em língua portuguesa do Brasil presente em um episódio da série televisiva da Espanha intitulada La Casa de Papel (2017). Portanto, tem como objetivo examinar palavras e expressões culturalmente marcadas diante dessa tradução interlingual. O processo de tradução sempre passa por algum tipo de transformação. Por exemplo, no gênero textual legenda, ocorrem algumas limitações nas determinações de caracteres por fala e tempo de disponibilização dessa legendagem. Além disto, os significados podem ser afetados na tradução de um código oral, da fala original dos personagens, para um código escrito, o da legenda. Portanto, também torna-se necessário refletir sobre como o tradutor tentou solucionar problemas/desafios tradutórios de ordem cultural. Em outros termos, como
(^1) Trabalho de Conclusão de Curso submetido ao Curso de Graduação em Letras Português e Espanhol – Licenciatura, UFFS, Campus Chapecó, como requisito parcial para aprovação no CCR Trabalho de Conclusão de Curso II. Orientadora: Profa. Dra. Maria José Laiño. 2 Acadêmica da 9ª fase do Curso de Graduação em Letras Português e Espanhol – Licenciatura, UFFS, Campus Chapecó.
culturalmente marcadas, o trabalho de Aubert (2006) é fundamental para esta pesquisa na identificação dos referidos marcadores no episódio da série. Dessa maneira, este trabalho contribui com os estudos na área de tradução do par linguístico espanhol/português a partir do gênero textual legenda, com auxílio de exemplos contextualizados das palavras ou expressões culturalmente marcadas. Com isso, o reconhecimento de aspectos linguísticos e culturais na perspectiva funcionalista pode colaborar com os estudantes da língua espanhola, principalmente na compreensão do que são marcadores culturais a partir de exemplos contextualizados e não fragmentados. Do mesmo modo, pode se tornar uma possibilidade de interação entre Espanha e o Brasil sobre língua e cultura no processo tradutório, em que, muitas vezes, os sentidos de algumas palavras e expressões culturalmente marcadas acabam se perdendo, já que nossa compreensão de língua vai além de aspectos puramente gramaticais, e a observamos realmente em seu uso efetivo. Assim sendo, vale ressaltar que o próprio processo tradutório causa essas perdas e, por essa razão, investigamos sobre as escolhas e caminhos tomados pelo tradutor da série, tentando compreender suas decisões e estratégias. Por fim, o artigo é dividido em seis subseções: 1. A análise textual em tradução sob uma perspectiva funcionalista , em que utilizamos os preceitos de Christiane Nord (2010;
1. A análise textual em tradução sob uma perspectiva funcionalista
Ao iniciarmos um trabalho sobre tradução, faz-se necessário elegermos uma perspectiva teórica, um aporte fundamental para as discussões tratadas durante a pesquisa. Para isso, a ótica funcionalista da tradução tem esse papel neste estudo, a partir da vertente de Nord (2010; 2016), a qual defende que a tradução deve funcionar na língua de chegada, e para isso, devem ser levados em consideração vários aspectos numa análise textual pré tradutória, como por exemplo, o aspecto situacional da comunicação. Este elemento é importante, pois a tradução não depende apenas de aspectos puramente linguísticos, mas também de aspectos culturais e extralinguísticos. Com isso, a teórica explica que a
análise textual orientada para tradução não deve apenas garantir a plena compreensão e interpretação correta do texto, tampouco explicar somente suas estruturas linguísticas e textuais e sua relação com o sistema e as normas da língua fonte (LF). Deve também fornecer uma base confiável para qualquer decisão tomada pelo tradutor em um processo de tradução em particular. (NORD, 2016, p. 15 e 16) Portanto, essa base confiável, que permite justificar as decisões do tradutor, seria a proposta do modelo de análise textual de Nord, composto por fatores extratextuais^6 e intratextuais^7 que devem ser analisados num momento pré tradutório. Esse processo de análise tem como objetivo contribuir para a compreensão da função dos elementos ou características observados no conteúdo e na estrutura do texto fonte, segundo a autora. Por isso, em um primeiro momento, precisamos compreender que o papel do tradutor não se limita apenas à tradução de estruturas linguísticas, mas deve abranger os aspectos macrotextuais, como os culturais, isso é, da legítima função comunicativa. Dessa forma, segundo Nord (2016), existem elementos e componentes essenciais no processo da ação tradutória, que dispostos em ordem cronológica são: produtor do Texto Fonte (TF), emissor do TF, TF, receptor do TF, iniciador, tradutor do texto alvo (TA), TA, receptor do TA. Isto posto, precisamos estruturar a ideia do papel do tradutor, que além de bilingue, deve ser também bicultural^8 , pois deve dominar tanto a língua/cultura fonte assim como a
(^6) “Os fatores extratextuais são analisados mediante a solicitação de informações sobre o autor ou emissor do texto (quem?), a intenção do emissor (para quê?), o público para o qual o texto é direcionado (para quem?), o meio ou canal pelo qual o texto é comunicado (por qual meio?), o lugar (em qual lugar?), o tempo da produção e recepção do texto (quando?) e o motivo da comunicação (por quê?).” (NORD, 2016, p. 75). 7 “Os fatores intratextuais são analisados mediante solicitação de informações sobre o tema de que o texto trata (sobre qual assunto?), a informação ou conteúdo apresentados no texto (o quê?), as pressuposições de conhecimento feitas pelo autor (o que não?), a estruturação do texto (em qual ordem?), os elementos não linguísticos ou paralinguísticos que acompanham o texto (utilizando quais elementos não verbais?), as características lexicais (com quais palavras?) e as estruturas sintáticas (com/em quais orações?) que são encontrados no texto, e as características suprassegmentais de entoação e prosódia (com qual tom?).” (NORD, 2016, p. 75). 8 Apesar de entendermos que língua e cultura são elementos indissociáveis, optamos por enfatizar textualmente os dois elementos com o objetivo de frisar a importância de ambos no processo de tradução.
tradução é a produção de um texto alvo funcional, mantendo-se uma relação com um determinado texto fonte que é especificada de acordo com a função pretendida ou exigida do texto alvo ( skopos ). A tradução permite que um ato comunicativo aconteça, o que de outra forma não seria possível devido às barreiras linguísticas e culturais. (NORD, 2016, p. 61). Na perspectiva da funcionalidade, Nord (2016) declara uma certa relação entre o TF e o TA, e, de acordo com a situação, é possível preservar ou adaptar, mas sempre dependendo do skopos. Já a questão da lealdade conta com a não alteração (falsificação) da intenção^9 do autor do TF, comprometendo, desta forma, o tradutor tanto com a situação do TF quanto do TA. Além desses conceitos, Nord também nos auxilia com as terminologias de dois diferentes processos tradutórios: a tradução-documento, em que os leitores da cultura-meta não participam diretamente na interação com o emissor do texto-base, ao não ser como uma espécie de observadores em uma interação distante (NORD, 2010, p. 10, tradução nossa)^10 ; e a tradução-instrumento, que tem como objetivo alcançar o mesmo efeito (ou um efeito similar/análogo) ao do texto original (NORD, 2010, p. 10, tradução nossa)^11. Esses conceitos tiveram contribuições em uma de nossas análises nesta pesquisa, facilitando de maneira contextualizada a melhor compreensão desses processos. Em conclusão, a partir das bases teóricas funcionalistas, podemos reiterar que a função do texto consiste no aspecto situacional da comunicação. Desse modo, ao fazer uma análise de um texto na perspectiva nordiana, não podemos examinar apenas os aspectos linguísticos, faz- se necessário dar atenção ao contexto cultural onde foi produzido o TF, e principalmente ao contexto em que o TA estará inserido. Por conseguinte, ao considerar que esta pesquisa aborda a tradução e aspectos culturais, na seguinte seção explicamos sobre o que são marcadores culturais e como identificá-los.
2. O desafio da tradução de aspectos culturais
No processo tradutório, o tradutor encontra diversas dificuldades e questões que o impulsionam a tomar decisões que podem ser significativas para o resultado final do TA. Quando tratamos de marcadores culturais não é muito diferente, pois o tradutor se depara com
(^9) “De forma a verificar a dimensão da intenção, temos que perguntar que função o emissor pretende que o texto cumpra e que efeito sobre o receptor ele quer alcançar mediante a transmissão do texto. [...] A intenção é definida do ponto de vista do emissor, que quer atingir certo propósito com o texto. 10 ” (NORD, 2016, p. 91). “ los lectores de la cultura meta no participan diretamente em la interacción com el emissor del texto base, sino que son una espécie de observadores de uma interacción ajena 11 ”. “ para lograr el mismo efecto (o un efecto similar o análogo) al del texto original ”.
dificuldades conceituais, teóricas e metodológicas. Para isso, com o intuito de clarificar melhor essa ideia, as propostas de Aubert (2006), presentes em seu artigo intitulado “Indagações acerca dos marcadores culturais na tradução”, embasam este trabalho. No âmbito desta pesquisa, compreendemos que toda língua é um fato cultural, do qual carrega consigo elementos extralinguísticos e linguísticos, assim como padrões comportamentais e conjuntos de valores. Portanto, podemos afirmar, de acordo com Aubert, que uma marca cultural vem a ser expressa em determinado texto ou ato de enunciação. Prontamente, assume-se um paralelismo científico entre um procedimento terminológico-linguístico e um antropológico (cultural), desta forma, admite-se cada abordagem defensável com seus próprios termos. Em vista disso, essa junção entre língua e cultura nos leva a uma esfera discursiva que devemos aludir, segundo Aubert (2006), ao universo ecológico, da cultura material, social, religiosa/ideológica, estes mesmos reconhecidos como marcadores culturais, e é isso que nos confirma uma dificuldade do fazer tradutório em uma função poética da linguagem. Por esses motivos, identificar marcas culturais não é um procedimento simples e sua conceituação em deliberado texto ou ato de enunciação está sujeito a contestações. Aubert (2006) afirma que, “o risco decorrente dessas imprecisões é atribuir a “questões de ordem cultural” tudo aquilo que não encontra explicação suficientemente convincente no quadro da descrição linguística contrastiva senso estrito.” (p. 24). Isto posto, Aubert (2006) propõe sistematizar as produções de textos em conjuntura normativa, isso é, normatizar os requisitos de recepção e produção, os quais as diferenças culturais serão anuláveis ou neutralizáveis nesses encargos. Esta proposta de Aubert tem o objetivo de evitar essa ocorrência do paralelismo científico, o que dificulta a escolha de abordagens adotadas na comparação de um texto original/tradução, logo, estarão sempre sujeitas a perdas, substituições e consequentemente, efeitos de refração^12. Após essas reflexões e informações trazidas pelo linguista, podemos afirmar que os marcadores culturais devem ser vistos mais como marca de discurso do que como um fato de dicionário. Ademais que
se revela no confronto pela diferenciação; ou, dito de outro modo, a noção de marcador cultural remete a um elemento distintivo, isto é, a algo que diferencia determinada solução expressiva linguisticamente formulada de outra solução tida por parcial ou totalmente equivalente. (AUBERT, 2006, p. 29).
(^12) Aubert menciona substituições como “mudanças na referencialidade ou no “modo de dizer” – que, inexoravelmente, resultarão em efeitos de refração” (2006, p. 27).
modalidades (dublagem e a legendagem), para nosso objeto de estudo, precisaremos compreender mais sobre a legenda no Brasil. Martinez (2007) adapta a nomenclatura feita por Toury (1995) para abordar as normas e coerções no trabalho de legendagem no Brasil, designando apenas como “ coerções as limitações físicas impostas pelo meio televisivo” (p. 35) e “ normas as convenções formais, tanto técnicas quanto linguísticas, adotadas pelos clientes em potencial dos legendadores, entre os quais se destacam laboratórios de legendagem, produtoras e canais de TV fechada.” (MARTINEZ, 2007, p. 35). Os diversos canais semióticos da tradução e legendagem são englobados e explicados novamente por Gottlieb (1994a apud Martinez, 2007), definindo a legendagem como um tipo de tradução diagonal, porque o discurso falado é lido em outra língua pelos espectadores. O autor afirma que
na tradução de um texto escrito ou na interpretação simultânea, por exemplo, não ocorre uma mudança de código, ou seja, traduz-se do código escrito para o código escrito no caso da tradução de textos, e do código oral para o código oral no caso da interpretação (...) No caso da legendagem, além da língua, o código também muda, do oral para o escrito. (p. 36). O quadro abaixo ilustra essa afirmação: Quadro 1: Mudança de código oral e para o escrito e da língua-fonte para língua-mata.
Fonte: MARTINEZ, 2007, p. 36. Esse procedimento causa problemas para o tradutor que está legendando, pois segundo Schwarz (2002 apud Martinez, 2007), há diferença entre a velocidade da língua falada e a velocidade de leitura. A recomendação de tempo é que
a legenda com a fala traduzida surja na tela cerca de 1/4 de segundo depois do início da fala original - tempo que o cérebro humano leva para identificar o som da fala e guiar a visão para o local onde a legenda deve aparecer (cf. Karamitroglou, 1998) e desapareça no máximo um segundo após o final da fala correspondente (desde que não haja corte de cena nem outro enunciado oral que se inicie nesse segundo adicional). (p. 36-37). Por conseguinte, a legendagem é reconhecida como uma tradução diassemiótica, “uma forma muito especializada de tradução, [...] envolve diferentes canais semióticos, é governada por coerções especiais e temporais e possui características peculiares” (MARTINEZ, 2007, p.
36). Isto é, além de exigir um empenho maior do telespectador para acompanhar as legendas, essa característica está submetida a críticas de conhecedores da LF do áudio original e da língua para a qual foi legendada. Outra característica da legenda é seu tempo médio de permanência na tela que, segundo Martinez (2007), varia entre dois e três segundos, dependendo do gênero do programa, do ritmo de sua edição e da quantidade de caracteres utilizados em cada legenda. No Brasil, através dos parâmetros técnicos (especiais e temporais) e dos parâmetros textuais (micro e macroestruturais) temos diversas definições as quais incluem número de caracteres por linha, duração de uma legenda em diferentes condições (como quando há duas linhas cheias de texto ou apenas uma palavra, etc), intervalo entre as legendas, entre outros. Quando nos referimos ao fator microestrutural, trata-se de quando se usa ou não reticências, hífen, parênteses, itálico e palavras grafadas em caixa-alta. Já no parâmetro macroestrutural, é possível encontrar a questão da omissão e manutenção de itens linguísticos do original, que é interessante para esta pesquisa, já que é valorizado também o aspecto não verbal da obra. Ou seja, dependerá do “bom senso do tradutor a omissão ou mantimento dos itens linguísticos mesmo que o espaço e o tempo permitam, nunca se deve tentar uma correspondência total dos itens linguísticos” (MARTINEZ, 2007, p. 44), dado que, o receptor deve ter tempo suficiente para também contemplar os elementos visuais (não-linguísticos) da produção audiovisual. No episódio analisado nesta pesquisa, confere-se vários casos de “omissão” 13 , um dos procedimentos técnicos comuns utilizados na tradução no gênero legenda, como observa-se nesse exemplo: Quadro 2: Exemplo de procedimento técnico ‘omissão’. 42:42 - > 43: Aquellas palabras lanzaron al Profesor a hacer algo que jamás se había imaginado. Buscar a la policía para salvar su pellejo.
Aquelas palavras levaram o Professor a fazer algo que jamais imaginara. Procurar a polícia para se salvar. Fonte: Elaborado pela autora com base no seriado La Casa de Papel (2017). Esta é a transcrição da fala de Tóquio (um dos personagens principais), em espanhol, traduzido para a legenda em português. Neste exemplo, percebe-se que o termo su pellejo foi ocultado na tradução. Este que, na tradução literal, significa “sua pele”, portanto, de maneira estratégica, o tradutor optou por omitir essa expressão. Consequentemente, assumiu que apenas
(^13) Segundo Barbosa (2004), a “omissão consiste em omitir elementos do TLO [Texto na Língua Original] que, do ponto de vista da LT [Língua da Tradução], são desnecessários ou excessivamente repetitivos”. (p. 68).
Neste capítulo, os sequestradores completam mais de 60 horas dentro da Fábrica Nacional de Moneda y Timbre , na qual imprimem euros em uma quantidade até então nunca alcançada na Espanha e realizam uma escavação de um túnel que já se encontra em uma fase mais avançada. Do lado de fora, a polícia encontra-se instalada em tendas para a operação contra o assalto, com diversos equipamentos de investigação. O líder de todo o plano de sequestro e roubo, Sérgio Maquina (codinome El Profesor ), idealizador e comandante do roubo, encontra-se do lado de fora da Fábrica , com a função de ajudar seus companheiros criminosos com as negociações propostas pelos investigadores, além de se livrar de possíveis provas do crime que foram esquecidas durante o planejamento e preservar a sua identidade. Quanto à investigação, Raquel Murilo Fuentes , inspetora do caso, começa a suspeitar de algum infiltrado em sua equipe de trabalho, dado que as autoridades parecem estar sempre um passo atrás dos planos dos criminosos. Esta policial é uma personagem independente e séria, que pouco antes de tornar-se inspetora desse crime separou-se do marido ( Alberto Vicuña , policial forense) acusando-o de violência doméstica, além do fato de ele ter começado a se relacionar com sua irmã, Marta Murillo. Ainda na esfera em que demonstra sobre a vida pessoal dos personagens, nos deparamos neste episódio com a personagem Paula Vicuña , filha do ex-casal Raquel e Alberto. Por ela ser apenas uma criança, sente-se carente de atenção, em razão de sua mãe encontrar-se muito empenhada no seu trabalho. Também nesta esfera, encontramos Mariví Fuentes , por sua vez, mãe da inspetora e avó de Paula , uma personagem já idosa e com problemas de memória, ainda assim, muito presente, conselheira e importante para sua filha. Apesar dos policiais estarem aparentemente perdidos com o caso, durante este capítulo, eles conseguem revelar a identidade de um dos sequestradores, Andrés de Fonollosa Gonzalvez (codinome Berlim ). Uma impressão digital de Fonollosa é encontrada, o que possibilitou novas fontes de informações para os investigadores. Com isso, o subinspetor Ángel Rubio , personagem que a inspetora confia plenamente, auxilia no interrogatório de um antigo companheiro de cela de Berlim. Dentro da Fábrica Nacional de Moneda y Timbre é exibida euforia por parte dos sequestradores pelos valores de euros já impressos até então. Além disso, sucede um clima de ciúmes por Silene Oliveira (codinome Tókio ) ter visto seu namorado, Aníbal Cortés (codinome Río ), conversando e rindo com Alison Parker , também chamada pelos sequestradores de Corderito , a refém mais importante para os criminosos por ser filha do embaixador britânico.
5. Análise da tradução de palavras e expressões culturalmente marcadas
Uma vez expostas as bases que compõem essa pesquisa, dentre elas a tradução pelo viés funcionalista, o gênero textual legenda, os marcadores culturais e a própria série La Casa de Papel , iniciam-se as análises. Para tanto, a metodologia se deu da seguinte maneira: (i) transcrição do áudio original do episódio 8 da primeira temporada de La Casa de Papel , nomeado Tú lo has buscado ; (ii) definição dos recortes das falas em língua espanhola que apresentam o uso de marcadores culturais; (iii) comparação e análise da tradução realizada para a língua portuguesa na legendagem, verificando-se as escolhas tradutórias e identificando marcadores culturais através da comparação/diferenciação; (iv) discussão dos resultados encontrados com base teórica de Nord (2010; 2016), além do suporte de Barbosa^15 (2004) e Aubert (2006) quando necessário. De acordo com o interesse deste trabalho, foram escolhidos cinco^16 momentos mais relevantes que apresentam palavras e expressões culturalmente marcadas a partir do cotejamento entre áudio e legenda. Buscamos aqui, abranger os três aspectos de referencialidade dos marcadores culturais como derivado da diferenciação: o intralinguístico, referente à cultura linguística; a intertextual, com relação aos dizeres, do sócio-linguístico; e o extralinguístico, do qual abrange o não-linguístico: o universo da ecologia, da cultura material, cultura social e cultura religiosa (ou ideológica)^17. Consideramos que apenas “o co(n)texto da atualização do termo poderá determinar qual domínio que, em determinado momento de determinado discurso, pode ser lido como dominante; no entanto, o próprio co(n)texto pode revelar-se, deliberadamente ou não, ambíguo.” (AUBERT, 2006, p. 31). Portanto, determinaremos esses domínios nas análises, considerando também que há chances de existir mais um tipo de categoria para cada marcador cultural, assim como a possibilidade de ambiguidade. Primeiramente, durante o episódio, estava sendo discutido sobre um acordo em que a polícia fez com os sequestradores, em que El Profesor propôs soltar oito estudantes espanhóis ou uma estudante inglesa, Alison Parker. Esta negociação ocorreu via telefone, entre Raquel e El Profesor , porém, a imprensa teve acesso ao áudio desta ligação e toda a população que acompanhava o caso se indignou por ela ter escolhido a vida de apenas uma adolescente, filha do embaixador britânico, ao invés de oito jovens espanhóis. Em consequência, a inspetora cobrou o responsável da CNI, Coronel Prieto , pois foi ele que a induziu a tomar essa decisão,
(^15) Heloísa Gonçalves Barbosa (2004) auxilia-nos nesta pesquisa, assim como já foi citada anteriormente, através da definição dos procedimentos técnicos da tradução. 16 17 Devido também aos limites de extensão deste artigo. Esses conceitos de cultura nomeados por Aubert (2006) estão sujeitos a questionamentos, visto que, podem causar uma certa ambiguidade.
telespectadores brasileiros^18 , visto que provavelmente não conheceriam o que é CNI da Espanha. Desta forma, o tradutor buscou o mesmo efeito do texto-base para o texto-meta, garantindo uma interação com o destinatário. Para concluir essa possível irregularidade nas escolhas desta mesma sigla, ao decorrer do episódio, portanto, observamos uma escolha de tradução-documento feita pelo tradutor: Quadro 5: Terceiro exemplo de CNI , com o mantimento da sigla. 14:17 -> 43: Y menos el CNI.
E exceto o CNI. Fonte: Elaborado pela autora com base no seriado La Casa de Papel (2017). Esse foi o momento em que Raquel solicita que todos saíssem da tenda para que pudesse falar em particular com o Coronel Prieto. Por conseguinte, durante a fala e a legenda, o personagem é chamado de “CNI”. Especulamos que, como antes já havia sido feita uma referência de que o “Serviço Secreto” do Brasil se refere ao Centro Nacional de Inteligencia da Espanha, possivelmente não fosse necessário repetir a tradução-instrumento, mas sim manter a nomenclatura original espanhola, mantendo a cultura-base na legendagem do português brasileiro. A partir destes três exemplos dos quais se referem à mesma terminologia, foi possível perceber como o marcador cultural apenas se revela através de diferenciação. Isto é, apenas no segundo exemplo notamos que Inteligencia é culturalmente marcado, pois houve a diferenciação ao ser traduzido para “Serviço Secreto”. O segundo marcador cultural identificado foi na fala da personagem Mariví Fuentes. Durante o diálogo, Paula Vicuña dizia a sua mãe que gostaria de se mudar e ir morar com sua tia e seu pai. Nessa conversa, Paula se queixava sobre sua mãe não ter tempo para passar com ela, e Mariví , que também estava presente na cena e vive na mesma residência que Raquel e sua neta, interviu com a seguinte fala: Quadro 7: Exemplo do marcador cultural cabeza de chorlito. 04:25 -> 43: Pero, cariño...Mira, tu tía Marta es una cabeza de chorlito.
Mas, querida... sua tia Marta é maluca.
Fonte: Elaborado pela autora com base no seriado La Casa de Papel (2017).
(^18) A Agência Brasileira de Inteligência é popularmente conhecida como Serviço Secreto, atingindo o público que acompanha o seriado.
Como podemos perceber, a senhora Fuentes demonstra não apoiar a ideia de Paula de ir morar com Alberto e Marta. Para argumentar contra essa decisão, Mariví chama sua filha de cabeza de chorlito , ou, como o tradutor optou em legendar: “maluca”. Esse marcador cultural foi possível perceber através do confronto pela diferenciação conceituado por Aubert (2006) em três aspectos: 1. intralinguística (da cultura linguística) demonstrada na transcrição; 2. intertextual (do sócio-linguístico, dos dizeres) que pode ser conferido assistindo a cena; 3. extralinguística (do não-linguístico), como o universo da ecologia (o próprio chorlito , um pássaro conhecido na Espanha) e da cultura ideológica (que esclarece sobre o porquê da expressão cabeza de chorlito ). Ao pesquisarmos a expressão cabeza de chorlito de forma isolada^19 , é possível encontrar traduções para o português brasileiro como: cabeça-oca, cabeça-de-vento, viver com a cabeça no ar. A ave em questão, chorlito , conhecida no Brasil como “tarambola”^20 , tem a cabeça pequena e por isso é associada à pouca inteligência, e também por construir seu ninho no solo, deixando seus ovos vulneráveis^21. Possivelmente, em função disso, foram construídas crenças pela sociedade espanhola ao adotarem essa expressão. Consequentemente, podemos refletir sobre a escolha do tradutor nesta situação específica. Portanto, na legenda conferimos a tradução para a palavra “maluca”, resultado de um procedimento de adaptação, este que, segundo Barbosa (2004), “aplica-se em casos onde a situação toda a que se refere o TLO [Texto na Língua Original] não existe na realidade extralinguística dos falantes da LT [Língua da Tradução].” (p. 76). Logo, o tradutor teve a oportunidade de recriar, através do contexto em específico, algo equivalente e que se encaixasse na realidade extralinguística da língua do destinatário (português do Brasil) de acordo com toda a situação do diálogo. Desse modo, fica claro que o tradutor não optou por utilizar nenhuma das definições que encontramos acima, como ‘cabeça-oca’ ou ‘pouco inteligente’. Em suma, por meio desse último exemplo, afirmamos a grande influência dos aspectos culturais na tradução, além da importância de avaliar cada caso de maneira individual. Ao refletirmos sob um olhar funcionalista, atribuímos que o tradutor compreendeu bem a intenção
(^19) Segundo o Diccionario bilingue de uso: español-portugués / português-español. Editorial ARCO/LIBROS, S.L.
série, o personagem Río tem grande diferença de idade referente à Tókio , e por ela ser mais velha, possivelmente acabamos perdendo essa ideia de ela referir-se ao Río como um garoto, além de “uma gracinha”, ou enfim, “fofo”. O quarto marcador cultural foi revelado em uma fala de Raquel Murillo , quando a inspetora está interrogando um antigo companheiro de cela de Andrés de Fonollosa. Entretanto, o interrogado não parece querer colaborar com a polícia sem uma garantia em troca. À vista disso, Murillo insiste em tentar descobrir alguma informação de Berlim , o sequestrador descoberto no caso: Quadro 9 : Exemplo do marcador cultural un hilo que tirar. 34:50 -> 43: Yo necesito que usted me dé algo. ¿Entiende? Un hilo que tirar. Piense, por favor.
Preciso que me dê alguma coisa. Entende? Alguma pista. Pense, por favor. Fonte: Elaborado pela autora com base no seriado La Casa de Papel (2017). Como colocado anteriormente, uma marca cultural é expressa em um ato de enunciação e revelado pelo contraste desta situação específica. Observamos a expressão culturalmente marcada, un hilo que tirar, perceptível de forma não isolada para que faça sentido. Se fosse entendido de forma não contextualizada e traduzida literalmente, sem ter sido pensado no destinatário, na língua e cultura meta, nos depararíamos com algo como “um fio que puxar”, o que não faria sentido (ou exigiria maior esforço do leitor para interpretar essa metáfora não convencional no Brasil) e possivelmente não seria facilmente/usualmente compreensível. Neste caso, o tradutor optou por traduzir como “alguma pista”. Logo, a partir do viés funcionalista de Nord (2016), é possível perceber o papel do tradutor realizado de forma estratégica e de boa compreensão bicultural e linguística. Portanto, a maneira que é recebido o TF tem, de fato, “em vista as necessidades comunicativas do iniciador ou do público do TA, como se a leitura do TF fora feita pelo olhar do Outro” (NORD, 2016, p. 32). Em resumo, o tradutor, neste caso em específico, captou com sucesso a intenção do emissor e realizou uma tradução pensando na melhor compreensão possível dos destinatários. O último marcador cultural escolhido para esta pesquisa foi enunciado pelo personagem de codinome Río. Neste contexto específico, revelou-se através do confronto pela diferenciação da intertextualidade. O aspecto fonológico mudou na tradução a partir de uma formulação
equivalente de sentidos, portanto, chunda, chunda é culturalmente marcado já que na sua tradução ocorreu uma mudança no “modo de dizer”, resultado em “tunt, tunt”: Quadro 10: Exemplo do marcador cultural chunda, chunda. 29:32 -> 43: Joder, qué locurón, ¿eh? Ten cuidado, empieza con la danza y acabas metida en algo chungo de cojones, como el violín. Y luego ahí a la rave, chunda, chunda.
-Muito doido! Cuidado, porque dança pode levar a algo mais perigoso, como violino. Daqui a pouco está nas raves. Tunt, tunt. Fonte: Elaborado pela autora com base no seriado La Casa de Papel (2017). Neste momento, Río conversava com Alison Parker sobre cometer loucuras, pois em outro episódio a adolescente tentou abordar o sequestrador com um rifle após ele ter se distraído ao deixar sua arma de fácil acesso a garota. Nesse diálogo, Parker contava para Cortés outras loucuras que já tinha feito em sua vida, e de maneira descontraída, eles conversavam e riam. No plano discursivo deste contexto, o tradutor conseguiu solucionar este problema tradutório de ordem cultural ao obter sucesso na construção do sentido, sem a necessidade de ocultar. O confronto pela diferenciação se revelou na dimensão intertextual, isto é, “não se ancora na estrutura léxico-gramatical, ou seja, não constitui fenômeno cristalizado no código linguístico” (AUBERT, 2006, p. 30). O contraponto que identificamos foi o empobrecimento que causou essa tradução, já que chunda, chunda carrega uma carga cultural diferente de “tunt, tunt”, posto que, para os brasileiros, esta referência está apenas ligada ao som de uma imitação verbal de música eletrônica ou de música comumente apreciada em baladas. Em contrapartida, chunda, chunda na Espanha pode significar mais do que isso, pode ser compreendido como um estilo de ritmo popular, além de canções com palavras onomatopaicas criados por diferentes instrumentos e também voz. Em suma, chunda, chunda na Espanha, dependendo do contexto, pode ser compreendido como um estilo de música eletrônica (puramente comercial)^24 , enquanto que no Brasil é apenas uma imitação onomatopeica deste tipo de música. Em função disso, reafirmamos nossas observações diante das perdas das quais a tradução está sujeita, principalmente ao transferir de um código (oral) para outro (escrito), ainda mais de uma língua para outra. Contudo, o propósito tradutório foi cumprido de acordo com as disposições em que
(^24) Informações sobre esse marcador cultural, chunda, chunda, extraídas do fórum do dicionário eletrônico Word Reference e de uma matéria do sítio virtual El País. Disponíveis em: https://forum.wordreference.com/threads/frikie-juerguista-matados-chunda-chunda.148645/ e https://elpais.com/diario/1989/12/23/cultura/630370804_850215.html. Acesso em: 02 jun. 2019.