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Este texto discute a relação entre a distância social e psicológica, questionando a ideia de que pertencer a mesma sociedade significa estar mais próximo do que pessoas de sociedades diferentes. O autor reflete sobre a importância da experiência comum de classe e o papel da distribuição social de poder na construção de identidade e na compreensão da sociedade.
O que você vai aprender
Tipologia: Provas
Compartilhado em 07/11/2022
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Capítulo 9*
VELHO, Gilberto. Observando o Familiar. In: NUNES, Edson de Oliveira. A Aventura Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 121/132. Agradeço os comentário e sugestões de Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro, com quem tive oportunidade de discutir este trabalho. I. Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de uma distância mínima que garanta ao investigador condições de objetividade em seu trabalho. Afirma-se ser preciso que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando envolvimentos que possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e conclusões. Uma das possíveis decorrências deste raciocínio seria a valorização de métodos quantitativos que seriam "por natureza" mais neutros e científicos. Sem dúvida essas premissas ou dogmas não são partilhados por toda a comunidade acadêmica. A noção de que existe um envolvimento inevitável com o objeto de estudo e de que isso não constitui um defeito ou imperfeição já foi clara e precisamente enunciada^1. Não vou deter-me, especificamente, na discussão mais geral sobre neutralidade e imparcialidade. Creio ser mais proveitoso discutir algumas experiências pessoais que me levaram a refletir de forma mais sistemática sobre esses problemas. II. A Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente, identificou- se com os métodos de pesquisa ditos qualitativos. A observação participante, a entrevista aberta, o contato direto, pessoal, com o universo investigado constituem sua marca registrada. Insiste-se na idéia de que para conhecer certas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato, uma vivência durante um período de tempo razoavelmente longo pois existem aspectos de uma cultura e de uma sociedade que não são explicitados, que não aparecem à superfície e que exigem um esforço maior, mais detalhado e aprofundado de observação e empatia. No entanto, a idéia de tentar por-se no lugar do outro e de captar vivências e experiências particulares exige um mergulho em profundidade difícil de ser precisado e delimitado em termos de tempo. Trata-se de problema complexo pois envolve as questões de distância social e distância psicológica. Sobre isso Da Matta já situou com propriedade a trajetória antropológica de transformar o "exótico em familiar e o familiar em exótico" 2
. Evidentemente, em algum nível, está se falando em distância. É preciso, no entanto, refletir mais sobre o que se entende por isto. Sem dúvida *Disponível no site http://www.ebah.com.br/content/ABAAAffdsAL/observando-familiar-gilberto- velho Acessado em 07/03/2013. (^1) Ver por exemplo o trabalho de Howard S. Becker, "De que lado Estamos", em Uma Teoria da Ação Coletiva, Zahar Editores, 1977. (^2) Em "O Ofício do Etnólogo ou como Ter 'Anthropological Blues'" -- Publicações do Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, 1974, e incluído nesta coletânea.
existe uma distância física clara entre a sociedade inglesa da década de trinta e uma tribo do Sudão. Há que haver um deslocamento no espaço que requer a utilização de um determinado tempo, maior em princípio do que ir de Londres a Oxford ou de Cartum ao Cairo. É possível que um ou outro indivíduo na tribo fale inglês, mas a grande maioria comunica-se exclusivamente através dos dialetos locais, o que evidentemente representa, em princípio, uma descontinuidade maior em termos de comunicação do que entre um scholar inglês e um operário seu conterrâneo, apesar de Bernard Shaw. Trata-se, no entanto, de um tipo de comunicação, a verbal, que não esgota todo o potencial simbólico humano. Pode-se imaginar que o inglês desenvolva um interesse e cultive uma empatia por chefes tribais, atribuindo a estes, real ou fantasiosamente, problemas semelhantes aos seus na área da manipulação do conhecimento e no exercício de certas prerrogativas, podendo estabelecer pontos de contato e de aproximação, em determinados níveis, maiores do que os existentes entre o mesmo scholar e seus fellow-country men de origem proletária. Simmel ao analisar a nobreza européia mostra o seu caráter cosmopolita e internacional, passando sobre as fronteiras dos Estados, enfatizando seus laços comuns de grupo de status marcando vigorosamente a distância em relação aos conterrâneos camponeses, proletários ou mesmo burgueses^3. Sem dúvida o patrimônio ou a cultura comum de uma nobreza européia são muito mais óbvios do que experiências particulares de chefes tribais africanos e de um scholar inglês que possam apresentar algumas semelhanças. Num caso está-se falando em uma categoria social e no outro em interação entre indivíduos que não chegamos a perceber ou definir como uma categoria. Mas já surge com nitidez a questão da relação entre distância social e psicológica. O fato de dois indivíduos pertencerem à mesma sociedade não significa que estejam mais próximos do que se fossem de sociedades diferentes, porem aproximados por preferência, gostos, idiossincrasias. Ate que ponto pode-se, nesses casos, distinguir o sócio-cultural do psicológico? No mundo acadêmico ou intelectual em geral esta experiência e bem conhecida. Quantas vezes em encontros, seminários, conferências, etc. de caráter internacional não nos, encontramos interagindo à vontade, de maneira fácil e descontraída, com colegas vindos de sociedades e culturas as mais díspares? Lembro-me bem de uma vez, chegando a uma universidade americana na hora do almoço, ter oportunidade de sentar à mesma mesa com colegas americanos, um francês, um argentino e um holandês. Quase todos estávamos nos conhecendo. No entanto a conversação correu fácil, não só quanto ao tom, com pequenas ironias e piadas implícitas, meias palavras, referências, etc. Tínhamos lido Alexandre Dumas e Walter Scou na adolescência e gostávamos de Beethoven e Rosselini. Comentou-se o filme do autor italiano, que seria exibido na universidade durante a semana e discutiu-se a 7ª Sinfonia, programada para aquela noite. Esnobismo intelectual? Cultura ornamental cultivada pela intelectualidade acadêmica? É possível, mas constituem-se em temas de conversa assim como discutir um jogo de futebol ou a última atuação de Rivelino ou Paulo César com o chofer de táxi ou com o porteiro do edifício. Que tipo de conversa e mais real, verdadeira? O fato é que se está discutindo o problema de experiências mais ou menos comuns, partilháveis que permitem (^3) Em "The Nobility" em On lndividuality und Social Forms, The University of Chicago Press,
meus contemporâneos e vizinhos. Encontramo-nos na rua, falo com alguns, cumprimento outros, há os que só reconheço e, evidentemente, há desconhecidos também. Trata-se de situação diferente de uma sociedade de pequena escala, com divisão social do trabalho menos complexa, com maior concentração ou menor número de papéis, etc. Já discuti, em outra ocasião, o problema do anonimato relativo na grande metrópole, chamando atenção para a existência de áreas e domínios até certo ponto autônomos que permitem um jogo de papéis e de construção de identidade bastante rico e complexo 4
. O fato é que dentro da grande metrópole, seja Nova York, Paris ou Rio de Janeiro, há descontinuidades vigorosas entre o "mundo" do pesquisador e outros mundos, fazendo com que ele, mesmo sendo nova-iorquino, parisiense ou carioca, possa ter experiência de estranheza, não reconhecimento ou até choque cultural comparáveis à de viagens a sociedades e regiões "exóticas". Na opinião de Da Matta^5 isso não acontece com a maioria das pessoas dentro da sociedade complexa na medida em que a realidade e as categorias sociais à sua volta estão hierarquizadas. A hierarquia organiza, mapeia e, portanto, cada categoria social tem o seu lugar através de estereótipos como, por exemplo: o trabalhador nordestino, "paraíba", é ignorante, infantil, subnutrido; o surfista é maconheiro, alienado, etc. Eu acrescentaria que a dimensão do poder e da dominação é fundamental para a construção dessa hierarquia e desse mapa. A etiqueta, a maneira, de dirigir-se às pessoas, as expectativas de respostas, a noção de adequação etc., relacionam-se à distribuição social de poder que é essencialmente desigual em uma sociedade de classes. Assim, em princípio, dispomos de um mapa que nos familiariza com os cenários e situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos. Isto, no entanto, não significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em uma situação social nem as regras que estão por detrás dessas interações, dando continuidade ao sistema. Logo, sendo o pesquisador membro da sociedade, coloca-se, inevitavelmente, a questão de seu lugar e de suas possibilidades de relativizá-Io ou transcendê-Io e poder "por-se no lugar do outro". preciso chamar atenção para o fato de que mesmo nas sociedades mais hierarquizadas há momentos, situações ou papéis sociais que permitem a crítica, a relativização ou até o rompimento com a hierarquia 6 . Na sociedade complexa contemporânea existem tendências, áreas e domínios onde se evidencia a procura de contestar e redefinir hierarquias e a distribuição de poder. Ao contrário de sociedades tradicionais mais estáveis ou integradas, está longe de haver um consenso em torno dos lugares e posições ocupados e de seu valor relativo. Existe o dissenso em vários níveis, a possibilidade do conflito é permanente e a realidade está sempre sendo negociada entre atores que apresentam interesses divergentes. Embora existam os mecanismos de acomodação ou de apaziguamento, sua eficácia é muito variável e, até certo ponto, imprevisível. Há diferentes tipos de desvio e contestação que põem em cheque a escala de valores dominante. A ciência social surge e se desenvolve nesta conjuntura, tendo toda uma dimensão inconoclasta voltada para o exame crítico e dessacralizador da sociedade. Os cientistas sociais, antropólogos, (^4) Com L.A. Machado da Silva "A Organização Social do Meio Urbano" - inédito. (^5) Comunicação Pessoal. (^6) Ver o trabalho clássico de Louis Dumont Homo Hierarchicus, Gallimard, 1966, onde o autor mostra que mesmo na Índia, modelo de sociedade hierárquica, há margem para a saída ou estranhamento da hierarquia.
sociólogos, cientistas políticos, etc. estão constantemente entrando em áreas antes invioláveis, levantando dúvidas, revendo premissas, questionando. :É claro que isto varia em função de n possibilidades - origem social, tipo de formação, orientação teórica, posição ideológica entre outras. Mas mesmo em se tratando de indivíduos e correntes mais ligados ou identificados com tendências conservadoras, ou até reacionárias, o próprio trabalho de investigação e reflexão sobre a sociedade e a cultura possibilitam uma dimensão nova da investigação científica, de conseqüências radicais – o questionamento e exame sistemático de seu próprio ambiente. As analogias com a psicanálise, embora um tanto perigosas, são óbvias. Trata-se, afinal de contas, de uma tentativa de identificar mecanismos conscientes e inconscientes que sustentam e dão continuidade a determinadas relações e situações. Assim volta-se a um ponto crítico. Não só o grau de familiaridade varia, não é igual a conhecimento, mas pode constituir-se em impedimento se não for relativizado e objeto de reflexão sistemática. Posso estar acostumado, como já disse, com uma certa paisagem social onde a disposição dos atores me é familiar, a hierarquia e a distribuição de poder permitem-me fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas. No entanto, isto não significa que eu compreenda a lógica de suas relações. O meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Logo, posso ter um mapa mas não compreendo necessariamente os princípios e mecanismos que o' organizam. O processo de descoberta e análise do que é familiar pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferentes do que em relação ao que é exótico. Em princípio dispomos de mapas mais complexos e cristalizados para a nossa vida cotidiana do que em relação a grupos ou sociedades distantes ou afastados. Isso não significa que, mesmo ao nos defrontarmos, como indivíduos e pesquisadores, com grupos e situações aparentemente mais exóticos ou distantes, não estejamos sempre classificando e rotulando de acordo com princípios básicos através dos quais fomos e somos socializados. É provável que exista maior número de dúvidas e hesitações como as de um turista em um país desconhecido mas os mecanismos classificadores estão sempre operando. Dentro ou fora de nossa sociedade nós pesquisadores ocidentais estamos sempre, por exemplo, trabalhando e nos referindo à categoria indivíduo como unidade básica de mapeamento. No entanto, através da obra de Louis Dumont, sabemos que existem sociedades em que essa categoria não é dominante 7
. Mesmo dentro da sociedade brasileira há grupos e áreas que apresentam fortes diferenças e descontinuidades em relação à noção dominante de indivíduo 8 . Levando mais longe o exame das categorias familiar e exótico, sem querer entrar em discussões de natureza filosófica, não há como deixar de mencionar os impasses sugeridos pelo existencialismo em relação ao conhecimento do outro. Não vejo isto como um impedimento ao trabalho científico mas como uma lembrança de humildade e controle de onipotência tão comum em nosso meio. O conhecimento de situações ou indivíduos é construído a partir de um sistema de interações cultural e historicamente definido. Embora aceite a idéia de que os repertórios humanos são limitados, (^7) Op. Cit (^8) Refiro-me a esta questão em "Relações entre a Antropologia e a Psiquiatria" em Revista da Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infância e da Adolescência - Rio, V. 2, 1976 – Nº. 1. (Capítulo VI deste livro)
trabalho. Isso está claro para mim na medida em que volto constantemente a reexaminar a pesquisa e mesmo a revisar o local da investigação. Por outro lado, sendo um grupo que vive na minha cidade, conheço outras pessoas, inclusive cientistas sociais que o encontram, que também têm alguma familiaridade ou até fizeram pesquisas em contextos semelhantes. Desta forma a minha interpretação está sendo constantemente testada, revista e confrontada. O mesmo não se dá com muitos estudos de sociedades exóticas e distantes, pesquisadas por apenas um investigador, em que não houve oportunidade de maiores discussões ou polêmicas. Assim, a interpretação de um investigador fica sendo a versão existente sobre determinada cultura, não sendo exposta a certos questionamentos. Ao contrário, na sociedade brasileira há muitas opiniões e interpretações sobre Copacabana, carnaval, futebol, etc., colocando os pesquisadores no centro de acirradas polêmicas. Embora familiaridade não seja igual a conhecimento científico, é fora de dúvida que representa também um certo tipo de apreensão da realidade, fazendo com que as opiniões, vivências, percepções de pessoas sem formação acadêmica ou sem pretensões científicas possam dar valiosas contribuições para o conhecimento da vida social, de uma época, de um grupo. Além disso, há indivíduos ou grupos que talvez por um movimento de estranhamento, como certos artistas, captam e descrevem significativamente aspectos de uma sociedade de maneira mais rica e reveladora do que trabalhos mais orientados (real ou pretensamente) de acordo com os padrões científicos. Os exemplos na literatura são óbvios como Balzac, Proust, Thomas Mann e, no Brasil, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, etc. Também no teatro, cinema, música, artes plásticas poderiam ser citados exemplos. Isto sem falar em gêneros menos "nobres" como o jornalismo em suas várias manifestações, a história em quadrinhos e a literatura de cordel entre outros. Ou seja, numa sociedade complexa contemporânea como a brasileira, o antropólogo apresenta sua interpretação, que, por mais que possa ter uma certa respeitabilidade acadêmica, é mais uma versão que concorrerá com outras - artísticas, políticas, em termos de aceitação perante um público relativamente heterogêneo. Há outras pessoas, profissionais de Ciências Sociais ou não, observando e refletindo sobre o familiar - a nossa sociedade em seus múltiplos aspectos, com esquemas e preocupações diferentes. Se o interesse por grupos tribais, por exemplo, é relativamente restrito, o mesmo não se pode dizer sobre umbanda, escola de samba, uso de tóxicos, homossexualismo e outros temas que têm sido pesquisados por antropólogos. Assim, ao estudar o que está próximo, a sua própria sociedade, o antropólogo expõe-se, com maior ou menor intensidade, a um confrontos com outros especialistas, com leigos e até, em certos casos, com representantes dos universo que foram investigadores, que podem discordar das interpretações do investigador. Vivi essa experiência em minha pesquisa sobre uso de tóxicos em camadas médias altas 11 , 13 quando pelo menos duas pessoas que eu tinha entrevistado não concordaram com algumas das minhas conclusões, apresentando críticas que me levaram a rever pontos importantes. Embora isso possa acontecer no estudo de outras sociedades, é menos provável porque, normalmente, feita a pesquisa, o investigador volta para o seu (^11) Ver Nobres e Anjos, Um Estudo de Tóxicos e Hierarquia - Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da USP, 1975.
país ou cidade e tem menos oportunidades de confrontar-se com as opiniões daqueles a quem estudou. Parace-me que, nesse nível, o estudo do familiar oferece vantagens em termos de possibilidades de rever e enriquecer os resultados das pesquisas. Acredito que seja possível transcender, em determinados momentos, as limitações de origem do antropólogo e chegar a ver o familiar não necessariamente como exótico mas como uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos mapas e códigos básicos nacionais e de classe através dos quais fomos socializados. O processo de estranhar o familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a respeito de fatos, situações. O estudo de conflitos, disputas, acusações, momentos de descontinuidade em geral é particularmente útil, pois, ao se focalizarem situações de drama social, pode-se registrar os contornos de diferentes grupos, ideologias, interesses, subculturas, etc., permitindo remapeamentos da sociedade. O estudo do rompimento e rejeição do cotidiano por parte de grupos ou indivíduos desviantes ajuda-nos a iluminar, como casos limites, a rotina e os mecanismos de conservação e dominação existentes. Vale a pena insistir no caráter relativo da noção de familiar e exótico, especialmente na nossa sociedade. A comunicação de massa - jornal, revista, rádio, televisão, traz fatos, notícias de regiões e grupos espacialmente distantes mas que podem se tornar familiares pela freqüência e intensidade com que aparecem. Basta pensar, por exemplo, no jet-set internacional e nos artistas de Hollywood como grupos com que um gigantesco número de indivíduos desenvolve uma certa familiaridade, sabendo detalhes mais ou menos verdadeiros a respeito de suas vidas, famílias, roupas, preferências, etc. Por outro lado recebemos com maior ou menor freqüência notícias e imagens de lugares tradicionalmente definidos como exóticos - índia, África, etc.. Há, sem dúvida, cenários e grupos dentro do próprio país ou até dentro da própria cidade de que muitas vezes nem ouvimos falar, que não são temas dos órgãos de comunicação de massas, às vezes por censura, muitas vezes por simples desconhecimento. Desta forma, há indivíduos, situações, grupos de outras sociedades e culturas que nos são mais familiares do que muitas facetas e aspectos de nosso próprio meio, sociedade. Evidentemente coloca-se o problema de criticar essas noções e imagens mais ou menos estereotipadas que nos chegam através desses veículos e perceber como e quanto podemos conhecer sobre essas realidades espacialmente distantes. De qualquer forma o familiar, com todas essas necessárias relativizações é cada vez mais objeto relevante de investigação para uma Antropologia preocupada em perceber a mudança social não apenas ao nível das grandes transformações históricas mas como resultado acumulado e progressivo de decisões e interações cotidianas.