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O Espírito do Trabalho: Reflexões sobre a Criatividade e a Productividade Intelfectual, Slides de Tradução

Este livro apresenta reflexões sobre o processo de trabalho intelectual, abordando temas como a necessidade de se concentrar, encontrar a aplicação adequada do espírito, dar tempo ao tempo, expressar-se para se conhecer melhor, e trabalhar em estados de fadiga e dor. O autor reflete sobre a importância de reinstaurar grupos de trabalho em comum e sobre a necessidade de formar hábitos de trabalho comuns para aqueles que servem ao estado.

O que você vai aprender

  • Como o espírito precisa se expressar para se conhecer melhor?
  • Como os artistas ocupavam o espaço de trabalho em comum?
  • Qual é a importância de se concentrar no trabalho intelectual?
  • Quais são as vantagens de formar hábitos de trabalho em comum?
  • Qual é a importância de dar tempo ao tempo no trabalho intelectual?

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Andre_85
Andre_85 🇧🇷

4.5

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O trabalho intelectual

Conselhos para os que estudam e para os que escrevem

JEAN GUITTON

Tradução Lucas Félix de Oliveira Santana

A Félix de Clinchamps e André Railliet

SUMÁRIO

Prefácio

I - Observando como os outros trabalham

II - A preparação dos trabalhos

III - O esforço profundo

IV - O monstro e seu repouso

V - A ordenação de nossas idéias

VI - A leitura como enriquecimento de si

VII - Germes e resíduos

VIII - Fichas, notas e aulas

IX - Redação e estilo

X - O trabalho no estado de fadiga e de sofrimento

XI - Fragmentos de uma carta a um jovem de nosso tempo

O que me levou a escrever este livro de auxílio foi a lembrança de turmas de aprendizes trabalhando no ateliê de um professor de desenho. Este não procede como procedem os professores de letras ou de ciências. Vê como ele opera: cada aluno exercita-se a seu modo diante do modelo ou de obras inimitáveis. De vez em quando, os alunos ouvem o mestre resmungando entre eles; depois, eis que toma o lugar de um dos alunos e vai corrigir ali, à sua vista, os seus esboços. Ora, no meu entender, tais métodos têm mais valor do que todos os cursos do mundo. De minha parte, teria eu preferido passar — como fizeram os Tharaud — um único dia no ateliê de Barrès a acompanhar

durante meses os cursos de licenciatura na Sorbonne.^2

E é por essa razão, inspirado na idéia de Descartes, que, antes de explicar o seu método, contou- nos a sua história, que farei referência a algumas ocasiões que me fizeram redescobrir as regras imutáveis da arte de trabalhar. No caso de o leitor não estar disposto a passar por experiências semelhantes, esses conselhos não serão mais que poeira e cinza.

Devo dizer, em conclusão, que as regras aqui sugeridas não convirão, talvez, a todas as famílias do espírito. Não foi minha intenção ser completo, mas sim, e unicamente, fazer-me útil para aqueles a quem estas páginas são de antemão destinadas.

I - Observando como os outros trabalham

“Nunca considerei a minha ação e toda a minha obra senão simbolicamente, e foi-me indiferentíssimo saber se fazia panelas ou pratos”. — Goethe

I. A PRIVAÇÃO

A insatisfação em face da pedagogia de nossas primeiras idades é um sentimento honroso e necessário. Uma pedagogia perfeita não serviria para formar um homem, o qual tem a necessidade de que se seja com ele, ao mesmo tempo, bom e mau para que atinja sua estatura. O vício de uma educação sistemática é não produzir mais que um homem-criança, como o são na maior parte das vezes os filhos primogênitos, como talvez o seria o Emílio.^3 Demos portanto graças aos céus pelos defeitos, pelas lacunas de nossos primeiros mestres, sem as quais não teríamos a possibilidade de nos corrigir. O contraste é a condição de uma experiência original. Um mestre instrui-nos por aquilo que nos dá. Estimula-nos por aquilo que lhe falta, e que nos induz a sermos o nosso próprio mestre interior.

É raro dispormos, na idade adulta, de um período de repouso e tempo livre que nos permita rever pormenorizadamente aquela primeira etapa, de modo a julgá-la com os olhos do espírito maduro e recomeçarmos nossos estudos desde o alfabeto. E é ainda melhor quando essa tomada de consciência é acompanhada de privações. Muitas pessoas deste século, depois do célebre ano de 40, na solidão da província, na vida clandestina, na prisão, na emigração, no exílio, conheceram esses períodos de retomada da infância. Gostaria de contar o que cinco anos de reclusão me ensinaram sobre o trabalho do espírito.

Uma das primeiras características dessas situações é que nelas se esquece de tudo o que até então se nos afigurava extremamente necessário, e fica-se assim reduzido à atenção, à memória, a raras conversações. É isso o que me leva a pensar, em primeiro lugar, que os livros não são indispensáveis, que um número diminuto deles deve ser suficiente — sei disso por ter visto viver um pensador cego. Nossa civilização, supersaturada de conhecimentos e meios de conhecer, proporciona ao homem tantas máscaras e tantos falsos apoios que ele já não distingue entre o que sabe e o que ignora. A prova de que sabemos determinada coisa — disse-o Aristóteles — é o podermos ensiná-la. Avaliei naquela ausência de livros e de anotações quão pouco sabiam os mais sábios — mas esse pouco, quando tirado de suas entranhas, ensinavam-no bem.

O primeiro inverno passou sem caneta nem tinta; pouco papel e nem sequer uma mesa isolada, um canto tranqüilo; mas sempre aquele vai-e-vem quotidiano da vida doméstica; em suma, o trabalho numa cozinha, onde tantas e tantas crianças pobres estavam recolhidas, com o caderno em meio à louça e a atenção obrigada ao esforço para colocar- se acima do barulho. Os objetos nos foram entregues um por um, com longos intervalos. Se a caneta, os cadernos e os livros nos tivessem sido entregues juntos, estaríamos de novo na abundância.

Aquela existência cativa punha à prova os diversos tipos de cultura adquiridos na escola. Eis os homens de vinte a cinqüenta anos, em pleno vigor, e desfrutando desse bem que os homens sempre

e governadores daquilo que querem saber. Pelo mesmo motivo existe uma curiosa diferença entre a sua maneira de ser e a sua cultura. Deixe-os entregues ao senso comum, à sua experiência familiar: tudo o que dizem nessas condições é bem pensado e bem expresso; mas eles se apegam à idéia de que a ciência ou a filosofia são muito obscuras quando se pretende explicá-las. Eu costumava pensar que ninguém é capaz, ao sair da escola, de prestar o tipo de auxílio que Henriette Renan prestou a seu irmão: ensinar-lhe a falar com naturalidade.

III. O TRABALHO DO ARTISTA

Seria proveitoso para nós intelectuais considerar o trabalho do artista. Os estudantes ignoram-no. E a razão dessa ignorância está no fato de a pedagogia tratar precisamente de anular na criança o gosto pelo trabalho artístico, um exercício aparentemente desordenado, para que aprenda os horários, as regras, os bons hábitos. Mas, quando se chega à idade adulta, é bom conhecer outras maneiras de trabalhar, diferentes das que caracterizam as aulas da escola e da infância.

Os artistas, os pintores, os arquitetos ocupavam, no campo onde fôramos confinados, um lugar bem pitoresco: uma lavanderia transformada em sala de trabalho e decorada com afrescos; parecia que eu presenciava ali o nascimento de Afrodite saída das espumas, e assim, muitas outras façanhas. O tanque fora tapado e transformado numa enorme mesa, boa para os arquitetos. Admirava-lhes o trabalho, que tantos ensinamentos proporcionava acerca do que é a obra da vontade e do espírito, neles tão próximos. É verdadeiramente impossível fazer obra de arquiteto sem aderir fortemente a uma hipótese, que tem a sua grandeza e suas facilidades, mas também suas falhas irremediáveis; e, nesse sentido, a decisão de levá-la adiante é, também, um sacrifício. Não se pode querer tudo ao mesmo tempo; quando se opta por uma fachada, é necessário sacrificar a parte de trás do prédio, tendo de disfarçar os aspectos piores. O partido que o arquiteto toma encontra-se em outros domínios: em todas as coisas, querer também é não querer. E, assim, resigna-se aos seus limites, sem o que não existe ação possível. A Catedral de Notre-Dame é uma escolha dentre um grande número de soluções igualmente possíveis, proveniente de uma vontade criteriosa. Um outro procedimento igualmente típico dos artistas é que, em geral, eles não são capazes de trabalhar senão sob o entusiasmo do último momento; é somente a urgência que os obriga a entregar o trabalho feito. Se não tivessem de “realizar um projeto”, creio que eles nunca fariam nada. O admirável, no caso do arquiteto, é o trabalho puramente geométrico das últimas horas, o qual, paralisando a inspiração, desenvolvendo a escolha, dessa vez efetivamente feita, traduz, sobre imensas folhas úmidas de aquarela, e com medições exatas, precisamente o que servirá ao construtor e ao pedreiro, de onde surgirá a obra em três dimensões, capaz de resistir ao raio e ao desgaste do tempo, e de ser, em cada um de seus aspectos, um prazer para os olhos. Todos nós deveríamos, eu dizia, imitar esses sólidos artistas, jamais nos contentando com projetos vãos; ao contrário, afastando-os de nós, como também fazem os militares na guerra até o momento de executar ordens extremamente precisas. O aluno deveria fazer uma cópia a mais limpa possível, com uma acentuação e uma pontuação exatas, e o escritor deveria publicar-se, deixar-se ver de perfil e de costas, assim como uma mulher elegante cuja toillete é perfeita em seus detalhes. Na verdade, tanto o arquiteto como o homem de guerra são forçados a isso, pois sem essa última perfeição o combate é perdido e a casa desaba.

Isso me leva a falar também dos atores, como tantos que o campo de concentração produziu, desconhecidos e sublimes.

Não eram alunos do conservatório aqueles que, embora não fossem oficiais, honravam os stalags? Mas possuíam outras qualidades, que muitas vezes faltam aos profissionais: o conhecimento dos

costumes do mundo obtidos por herança, a cultura, o tempo à^5 sua disposição, a vida monástica, o sofrimento, o desejo de ajudar e não o de tornar-se famoso, numa aplicação total, durante meses, ao seu papel. Era isso que lhes permitia atingir a essência da arte dramática, a qual não consiste na gesticulação espetacular, mas sim, numa facilidade de simpatizar-se de corpo e alma com a condição do outro homem que o ator representa.

Li que tanto Molière como Shakespeare deviam uma parte de seu gênio ao fato de terem vivido na companhia dos atores de suas peças, e que tinham criado a sua obra em meio à confusão, no fervor e na pressa, experimentando as falas de suas personagens diante de um público reduzido. Seria preciso viver na familiaridade de um grupo onde existisse uma amizade quase conventual, na pobreza radical, e sem preocupações de sucesso, para compreender que escola de amparo, de amor e de arte constituía esse gênero de existência!

Não se tratava de representar sobre um palco improvisado, mas sim de construir um teatro, servindo-se de tábuas em mau estado, com cenários e figurinos feitos a partir de entulhos, de ensaiar (embora mal alimentado), e ainda de fazer compreender a diversos auditórios, não as facilidades de uma peça moderna, mas os segredos de uma peça clássica ou simbólica, como Noite de Reis, Santa

Joana ou O Anúncio feito a Maria.^6 Vendo trabalhar esses “companheiros de time” que incluíam um arquiteto, um militar, um padre e vários outros, eu observava como a arte primária da comédia encerra tantas outras, e como não há

melhor exercício para aperfeiçoar a memória — este órgão do entendimento —, para ligar o espírito ao corpo, para obter um trabalho, um esforço absoluto e, no entanto, regozijante. Penso que o espírito de um trabalho como esse deveria ser transposto, tanto quanto possível, para toda parte. Não há como realizar um trabalho melhor do que numa equipe, porque cada um furta-se à angústia, ao orgulho do isolamento, e aproveita o trabalho dos outros.

Mas também observei que alguns desses grupos não tinham de companhia de teatro senão a aparência, tal como muitas vezes sucede às sociedades deste mundo, porque os atores não passavam de autômatos nas mãos de um diretor, ou de figurantes para a estrela principal: tratava-se, assim, de um mero negócio, não de amor. Nesse último caso todos eram apagados em cena, e não se chegava a saber sequer o nome dos atores.

Tanto quanto possível, eu dizia, deveriam ser reinstaurados esses grupos de trabalho em comum. Antigamente não tínhamos tanta preocupação de ensinar as crianças a trabalhar em conjunto em torno de um centro de interesse bem escolhido. É então notável como a altivez própria do ser humano, em vez de se debruçar sobre o seu trabalho pessoal, lança-se à obra comum, e nisso experimenta uma alegria cheia de beleza e dignidade, sem a impressão de superioridade que nos isola e entristece. Lembro-me de, em outra época, quando estava ensinando soldados analfabetos, ter perguntado a um deles o que era isso a que se chamava coragem. Aprumou-se ele e disse-me: “A coragem é quando um diz aos outros: Atenção, rapazes, eis o que se vai fazer...’”. Trabalho de equipe, onde cada um encontra auxílio nos outros, e onde acontece também, como em toda camaradagem, de um verificar o que é necessário fazer e o outro executar: a cada um a sua função.

IV. HOMENS DE GUERRA; HOMENS DE ESTADO

pode mudar de existência várias vezes, nascer aos quarenta anos, começar aos sessenta e acabar na escola.

To find out what you cannot do And then to go and do it, There lies the golden rule.^8 Havia também nesse isolamento futuros conselheiros de Estado, inspetores de finanças, diplomatas em potencial, que formavam um “bando” sob a direção de um camarada de carreira. Esse bando reunia-se ao redor de uma pia análoga ao tanque dos artistas, transformada numa grande mesa — o que leva a pensar que o primeiro instrumento de trabalho (seja de um arquiteto, estrategista ou diplomata) é uma mesa onde se possa ficar à vontade. Os concursos, por meio dos quais tem-se acesso aos cargos do Estado, hão de ser sempre a mesma coisa: pedem menos conhecimentos e mais uma certa facilidade em expor, discursar, persuadir. De modo que se poderiam facilmente encontrar naquele círculo áulico os traços de nossa tendência romana para atender mais à forma que ao conteúdo, “essa forma impura”. Depois, como entre as pessoas do mundo, o uso da alusão, que é tão útil à prosa quanto a metáfora o é para a poesia. A medida que o nível da atividade progride (do engenheiro para o diplomata, por exemplo) em extensão, aumentam o alcance, a densidade, a sutileza da alusão. O obstáculo estaria em não se falar senão por gestos, meios-sorrisos ou piscadelas.

Para os que servem ao Estado, a dificuldade do trabalho do espírito deriva da existência de um Direito escrito. Entre o espírito deles e o concreto interpõe-se uma tal quantidade de noções, de textos e de questões prévias, que deles exige-se, além do saber, a engenhosidade. São obrigados a julgar uma situação, examinado-a não tal qual ela é, mas aplicando-lhe um texto que lhe é anterior, que não tinha sido feito para ser ajustado a tal situação. É um hábito que ninguém adquire na juventude, e que, no entanto, bem poderia constituir objeto de exercícios, mesmo nas primeiras idades. Para nós, as Letras e as Ciências são as únicas disciplinas suscetíveis de formar um espírito jovem, e pensamos que os estudos de Direito, se bem que, no seu início, sejam análogos ao tipo de estudos secundários, devem ser ensinados só depois dos exames finais do liceu. Há no Direito uma fonte de experiência capaz de formar a razão e de a iniciar no que é a justiça. Se os franceses carecem de senso cívico, isso é devido talvez a nunca se lhes ter dito nada nas primeiras idades sobre o que deveria entender-se por Direito.

V. REGRESSOS DE OUTUBRO E DE NOVEMBRO

As vicissitudes fizeram-me encontrar, por ocasião de meu regresso, uma classe do ensino secundário; desejo contar ainda o que ali aprendi. Trata-se de uma feliz experiência e que geralmente só os religiosos podem fazer: voltar outra vez ao princípio. Seria necessário desejá-la ardentemente, e que o coronel descesse a sargento ou o engenheiro a contramestre, com a condição, porém, de que isso fosse feito sem mágoa, evitando as conseqüências do despeito.

Para nos formarmos de novo, o ideal seria que já na metade de nossas vidas tivéssemos de ensinar um rapaz inteligente (ou melhor, como já dizia Ernest Legouvé, um aluno de dezesseis anos), fazendo isso sem abdicarmos das responsabilidades de nosso cargo; ensinar-se-ia tudo e ver-se-iam as afinidades.

Bossuet tinha quarenta e três anos quando foi preceptor do filho do rei. Homem de igreja,

ignorando as coisas do mundo, foi obrigado a aprender, para ensinar ao infante, o Direito, a física, a fisiologia. Reviu as partes esquecidas do que aprendera de história, numa idade em que se sabe enfim o que a história quer dizer. Por vezes vou assistir a exames fáceis como os exames finais do liceu, ou o brevet, a fim de sondar as profundezas do que ignoro. Qual de nós, entre os catedráticos, tiraria brilhantemente o seu certificado de estudos? E quando faço essa pergunta, acontece de sempre dizer para mim: “Seria eu sempre capaz de responder às perguntas que faço aos meus alunos?”. A diferença entre o adulto e o jovem consiste em que este não possui o poder de interrogar, que apenas o Menino Jesus teve perante os doutores.

A aula, com as suas horas reguladas por convenção, cuja ordem é tão exata como o sol, constitui uma boa disciplina. A aula pacifica, graças aos seus movimentos regulares, ao seu ritmo litúrgico, aos enormes silêncios da atenção. Diverte pelo que nela se alterna, pelos seus heróis estudiosos, pelos seus cábulas indescritíveis, tão agradáveis de observar, e também pela boa quantidade de alunos que ficavam no meio-termo, pacíficos cordeirinhos dominados por algum carneiro. É verdadeiramente erudita e doutrinal, com o estrado, a escrivaninha e o quadro- negro, que é o altar-mor. Eu gostava de escrever a giz, no quadro, provérbios cheios de verdade, simples e essenciais, com os quais eu mesmo aprendia. A aula ligamos ao Estado pela visita inesperada do diretor, que vem fazer discursos autorizados, ou pela visita (bem rara) do inspetor geral — então passa sobre a bela e sonolenta província um sopro vindo do bairro latino e do ministério. Depois de uma ausência de quinze anos, voltei para encontrar a minha classe secundária, como se fossem as mesmas personagens representando os mesmos papéis, até o de chefe da turma ou o de “encarregado da lareira” — que, durante o inverno, queimava o mesmo carvão no antigo fogão da sala. Dir-se-ia que nenhum progresso, assim como nenhuma regressão, seria capaz de tocar a velha estrutura da aula onde estavam bem à vista as tradições dos jesuítas, o espírito do imperador e os nossos hábitos laicos. Apenas o antigo tambor desaparecera para dar lugar a um toque mais imperioso: um sino de igreja.

A sala que eu ocupava era das mais pobres que se pode haver. As vidraças tinham desaparecido durante o bombardeio da cidade e sido substituídas por papelão, o que escurecia a sala, embora se estivesse numa região de muita luz. O diretor explicou-me que os pedaços de papelão tapando as janelas eram excelentes para impedir os olhares das mulheres, lançados do cimo de suas casas, entre duas vassouradas, e ainda mais as olhadelas dos alunos. Estabelecida num antigo convento de monges, era a própria sala napoleônica, guarnecida de alguns alunos indolentes, preparados nesse dormitar perpétuo, que não é lá muito desagradável...

Eu tentava reformar os meus métodos; perguntava- me o que podia fazer por eles e por mim, tendo em conta a minha melhor preparação e sua ignorância radical, a sua justa aspiração de serem admitidos ao bacharelado e a necessidade que tinham de uma autêntica cultura. Tornava a encontrar por toda a parte a mesma dificuldade habitual: de um lado, programas bastante pesados e, como compensação, hábitos enfadonhos. Havia tardes de verão em que eu próprio me surpreendia ao ouvir a minha voz, mastigando sobre filosofia — o que não me impedia de pensar em outra coisa.

As sábias canetas faziam, de vez em quando, ruídos que lembravam o canto das cigarras; os espíritos dos alunos arquitetavam sonhos mais coloridos que os meus. Para que todos despertássemos preferia distraí-los, conversar com eles, contar-lhes mesmo qualquer passagem de minha vida; mas, logo que se começava a trabalhar, fazíamo-lo exaustivamente. Ficava atento, a fim de interromper ao menor sinal de fadiga. Toda a turma deve trabalhar plenamente, ou então descansar — a isto estão condenadas, tal como demonstrarei, muitas das nossas empresas. Como é

no qual ele pode medir, aperfeiçoar os seus métodos e entrar na cela do conhecimento de si próprio. Este livro dirige-se sobretudo aos propedeutas.

Daqui por diante teremos o estudante isolado, obrigado a entregar-se a si próprio, e liberto daquelas obrigações que, no fundo, facilitam o trabalho. Em geral ninguém se inclina sobre o trabalho próprio, o qual depende mais do acaso que o trabalho do liceu. Quanto maior é a faculdade, menos possível é o aconselhamento. É preciso, portanto, que o estudante aprenda por si, que resista aos maus conselhos, à dissipação das tentativas, ao atordoamento causado pela nova matéria; que se concentre, discipline-se, que, entre a abundância do que se lhe propõe, ele procure definir o estreito domínio da matéria a que mais particularmente irá visar.

Seria útil que se formassem, então, hábitos de trabalho em comum, círculos, equipes, onde cada um lucraria com o trabalho dos outros. Mas o trabalho intelectual não está organizado, e as inteligências jovens dispersam-se. Na realidade, os estudantes, por falta de recursos, são obrigados agora a arranjar uma ocupação anexa; é provável que o estudante que dispõe de seu tempo livremente venha a se tornar cada vez mais raro. Poder-se-ia modificar os horários dos cursos, fazendo-os ocupar a quinta-feira toda, a tarde de sábado e as noites dos dias de semana. Desse modo, a juventude poderia trabalhar e estudar simultaneamente. Pode-se, entretanto, perguntar que gênero de esforço intelectual é possível após um dia inteiro de trabalho num escritório ou no comércio, ou tendo sido vítima dos alunos de um internato. Como quer que seja, o estudante dos nossos dias é mais responsável; conhece melhor quanto vale o tempo. É obrigado a pensar em métodos, a fim de tirar o máximo de rendimento do pouco tempo que lhe foi concedido.

VII. CONCLUSÃO

Sob cada um de seus aspectos, o trabalho intelectual tem relações com a vida profunda. A intelectualidade não deveria separar-se da espiritualidade. Sei bem que perdemos o sentido dessas relações entre a inteligência e a alma. Sofre a nossa época da separação, que consentiu, entre a técnica e o espírito. Conservamos a mentalidade de escravo: distinguimos os deveres da profissão, os quais são para muitos o meio de assegurar a sua subsistência, dos prazeres do ócio, pelo qual nos é dado gozar da liberdade pura. É forçoso reconhecer que, nas profissões desumanizadas da indústria, bem como de certas grandes empresas, nos gestos mecânicos e monótonos, nenhum espírito se pode alojar. O que importa é dar-se de corpo e alma à máquina e ao público, por um espaço de oito horas, como num sonho automático. Prestamo-nos a isso, sem nisso pôr a mínima parte de nosso ser, a não ser descontentamento e esforço. Graças aos deuses, as profissões ainda têm setores livres. E boas profissões há que são em si mesmas como ministérios, no sentido etimológico de métier.

A profissão de intelectual, mormente na fase do estudante que investiga, figura entre as mais livres e as mais belas que se podem propor aos jovens no primeiro esplendor de sua vida. É notório que ela se pareça, por certas analogias profundas, com a do camponês, e penso que Virgílio, nas Geórgicas, tenha pressentido essa correspondência. Ela sem dúvida passou despercebida aos redatores dos Evangelhos, que de modo algum eram escritores, se bem que tenham sido verdadeiros modelos na arte de dizer muito em poucas palavras. Mas quantas e quantas parábolas enigmáticas se poderiam facilmente transpor — como o notara Gratry ao escrever As fontes — para dar regras ao trabalho do espírito, ao estilo e à inspiração. Exemplos: o grão de mostarda, a menor das sementes, que, uma vez semeada, cresce silenciosamente até se tornar uma árvore para as aves do céu; ou aquele semeador que troca a maior parte de suas sementes por uma que dá cem; ou aquela seara onde o joio se

encontra tão misturado ao trigo que é preciso esperar pela ceifa para apartá-lo; ou, ainda, o conselho de deixar repousar a terra, que “frutifica por si mesma”. Em certo sentido, as reflexões que se seguem não são mais que glosas sobre esses princípios primários. O trabalho do campo, tal como o do marinheiro ou o do soldado, contém em si um alimento para a alma: não se trata senão de pô-lo em relevo. Assim também quanto aos estudos voluntários.

Ingressum instruas Progressum custodias Egressum impleas Essa prece de S. Tomás poder-se-ia traduzir assim: “Vela pela preparação, vigia os progressos, recolhe os frutos”. Ela nos indica o ritmo deste pequeno livro, cujo objetivo é o de fazer com que nos deixemos transportar pelo ritmo do espírito humano no que toca ao esforço intelectual. Afigura- se-nos que esse movimento é o de uma onda que se prepara, sobe, cresce e rebenta por fim, deixando traços na areia.

o assunto, tanto mais o talento se evidenciaria, e que um afastamento tão evidente tornaria sensível ao leitor a própria operação da arte, tão agradável de ver palpitar sob a obra como se fosse a sua respiração.

Os grandes homens não são de uma essência diferente da nossa. Assim como seria bom realizar as coisas difíceis como se fossem fáceis, e pôr uma ardente atenção nos atos mais simples, assim também, observar a atividade dos seres dotados de gênio ilumina todos os nossos modestos empreendimentos.

Preparar uma dissertação de bacharelado ou de licenciatura, trabalhar numa redação em francês, escrever poemas que ninguém lerá — tudo isso que um jovem espírito pode tentar é, no fundo, da mesma natureza daquilo que faz um grande escritor. E eu até diria que o homem novo tem as suas vantagens em relação ao homem amadurecido: o tempo disponível, a confiança radical em si próprio e a ausência dos movimentos de dúvida que prejudicam sempre.

Mas o que acima de tudo deve ser lembrado é aquela grande regra de vontade que aconselha a escolher e a persistir.

Todo o método, dizia Descartes nas suas Regras ,n consiste “na ordem e disposição daquilo para onde é necessário dirigir a ponta do espírito, a fim de apercebermos ali qualquer verdade”. O espírito é uma potência perplexa; quando sabe enfim pelo que deve se interessar e em que sentido deve orientar a sua ponta, fica em parte consolado. O peso mais duro para a alma é não saber o que é necessário fazer. Aquele que tomou um partido pode vir a sofrer da perda de seus bens ou da resistência das vontades que lhe são hostis, mas não mais sofrerá de incerteza. Além disso, aquilo a que se chama espírito não é senão a qualidade da atenção, e não é sem razão que se compara a atenção a uma ponta (acies mentis, dizia Descartes) ou, ainda, que a figuremos por um cone virado ao contrário. A atenção será tanto mais forte quanto mais se mobiliza e se concentra. Essa é uma verdade simples, mas que o nosso gênero de vida, a nossa educação, a nossa preguiça nos fazem desprezar.

O trabalho intelectual, tal como nos permitimos praticá-lo por rotina, parece-se com aquela “batalha paralela” da velha estratégia: não se escolhia o lugar onde o esforço fosse mais necessário; batalhava-se de igual modo e com igual esforço em toda parte; assim também, agora, queremos saber tudo. A guerra de manobra, concebida como uma aplicação total do esforço sobre certos objetivos previamente definidos, evoca a concentração da atenção sobre o âmago de um determinado problema. Dizia Napoleão:

Há muitos bons generais na Europa, mas eles vêem coisas demais; quanto a mim, eu vejo as concentrações e as ataco, certo de que os acessórios cairão por si mesmos.

E mais:

Tudo se torna simples, fácil, determinado, nada é vago quando se estabeleceu, com mão forte e autoridade superior, o ponto central de um país. Sente-se quanta segurança e quanta simplicidade proporciona a existência desse ponto central.^11

E ainda:

Não é com um grande número de tropas, mas com tropas bem organizadas e disciplinadas que se obtém êxitos na guerra.

Isso implicaria, para o trabalho intelectual, em máximas como estas:

  1. Saiba selecionar.
  2. Não procure entender tudo.
  3. Agarre-se a um só ponto e gire ao seu redor.

II. A DISTINÇÃO DAS TAREFAS: OCUPAÇÃO E TRABALHO

Isso implica também que se distinguam nitidamente as fases do repouso , da preparação e da execução. Nunca se deveria deixar que essas fases se misturassem; não se deveria ficar satisfeito com esse vago trabalho que não é nem a paz nem a aplicação, e com o qual contentam-se tanto os alunos como os burocratas. No exército, períodos enormes de inação dão inesperadamente lugar à excitação febril de uma ação intensa e breve, seguida novamente da tranqüilidade. O manual de educação física, disciplina que obriga a agir sabiamente, diz que o professor deve exigir dos ginastas tanto um esforço prolongado, quanto um repouso total. “Não há nenhuma situação intermediária”. Não se volta atrás no que já foi decidido. Leva-se-o, sim, ao seu termo. Depois disso, só se conta os mortos. A regra de ouro do trabalho intelectual pode traduzir-se assim:

Não tolere nem o semi-trabalho nem o semi- repouso. Doe-se por inteiro ou descanse absolutamente. Que não haja nunca em você mistura dos gêneros!

Essa mistura condena muitas das nossas tarefas escolares. Entre num liceu ou num colégio, no quarto de um estudante, no escritório de um homem de negócios, e verá sempre essa regra violada. As aulas entorpecedoras, a caserna sombria, as horas de presença, tudo contribui para contrair esse semi- trabalho que avilta a substância do tempo e não dá alegria nem no trabalho nem no repouso. Pobre espécie pensante! Perguntei certa vez a um diretor de estudos: “Mas por que razão, afinal, o senhor prescreve--lhes tantas horas de estudo?”. Sincero, o homem respondeu-me: “Uma sala de estudo é mais fácil de administrar que um recreio”. E dizia Simone Weil:

A atenção é um esforço, o maior dos esforços talvez, mas é um esforço negativo. Por sua natureza não comporta a fadiga. Quando o cansaço se faz sentir, a atenção quase não é possível, a menos que se esteja já bastante habituado. Então, o melhor é descansar, procurar um escape, para depois, um pouco mais tarde, recomeçar — descontrairmo-nos e contrairmo-nos, como se inspira e se expira.

A atenção de que fala Simone Weil é exatamente o estado mais perfeito, mais doce, ao qual a alma se opõe de modo mais intenso do que a carne se opõe à fadiga. É uma atitude de espera pura do espírito, que não se precipita para uma verdade aparente, mas que está disposto a recebê-la. Simone Weil diz-nos que as incoerências na interpretação, as absurdidades na resolução dos problemas de geometria, têm origem na gula da atenção, que não sabe sossegar e esperar.

Certa gente finge estar doente para evitar atos de verdadeira paciência ou coragem. Assim também há quem se esconda sob a aparência de um excesso de trabalho para evitar a atividade que lhes é odiosa ou a inação que os colocaria em face daquilo que na realidade são. “Já não sei para que lado me voltarei...”, “não durmo senão seis horas...”; como seria melhor ouvir dizer: “Alegro-me com o meu trabalho”, “tenho tempo para o descanso”.

Cumpriria, pois, distinguir entre a ocupação , que é uma atividade na qual o cerne do espírito pode distrair-se, e o trabalho aplicado, no qual nos entregamos, na medida do possível. Só esse último, que comporta simultaneamente a alegria e o sofrimento, como toda a virtude do ser total, deveria