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Roberto Cardoso de Oliveira vem expressar, nesta coletânea*, de manei ra clara e simultaneamente densa, aquilo que o próprio autor reconhece.
Tipologia: Notas de aula
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ANDRÉ BORGES e GUILHERMO RUBEN Universidade de Campinas
Roberto Cardoso de Oliveira vem expressar, nesta coletânea*, de manei ra clara e simultaneamente densa, aquilo que o próprio autor reconhece como sendo as três dimensões de seu trabalho atual. Trata-se de um conjun to de ensaios - ora escritos como artigos em outras ocasiões, ora apresen tados como conferências em encontros nacionais e internacionais - dividido em três partes que remetem a diferentes temáticas presentes nas reflexões do autor. Isto não significa que sejam temáticas independentes, mas, pelo contrário, encontramos partes articuladas num mesmo todo: aquilo que podemos reconhecer como um exercício por meio do qual o antropólogo - de certa maneira, no caso especial do autor, atualizando suas raízes filosófi cas - volta suas reflexões para aquilo que está mais próximo, a saber, a própria disciplina, a antropologia1. Basicamente, essas reflexões já estavam presentes em seu livro Sobre o Pensamento Antropológico (1988), mas pode-se dizer que o resultado encon trado na presente obra é um complemento àquela, na medida em que não
*. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. 1998. O Trabalho do Antropólogo. São Paulo: Ed. Unesp; Brasília: Paralelo 15. 220p.
Anuário Antropológico/99: 177- Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002
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ANDRÉ BORGES E GUILHERMO RUBEN
somente novas temáticas são incorporadas, como a questão da moral e da ética, como também as antigas são apresentadas sob novas considerações. Todavia, vale ressaltar que é no tratamento daquela nova questão, tomada objeto da investigação antropológica, que o “discurso prático do antropólo go” vai assumir papel relevante, principalmente para aqueles que exercem seu ofício em situações marcadas pela presença dominante de relações interétnicas. Da mesma maneira, neste misto entre o clássico e o emergente
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Com esta argumentação, Cardoso de Oliveira problematiza originalmente aquilo que para todos nós era, até então, extremamente familiar: a forma como olhamos nosso objeto. Isto significa mostrar que o olhar, o ouvir e o escrever - questionados aqui como “etapas de constituição do conhecimen to pela pesquisa empírica” (: 35) - estão sintonizados com o sistema de idéias e valores próprios de nossa disciplina. O segundo capítulo comporta reflexões sobre a maneira pela qual antro pologia brasileira consolida-se como uma disciplina que, sem deixar de ter uma pretensão à universalidade - assunto aprofundado na segunda parte do livro - , apresenta certa particularidade comum ao que o autor tem chama do de “antropologías periféricas” - referindo-se àquelas antropologías desenvolvidas em países outros que não França, EUA e Inglaterra, com seus respectivos paradigmas que consolidaram historicamente a disciplina. Para problematizar esta questão, Cardoso de Oliveira recorre à noção de estilo, cunhada por seu antigo mestre Gilíes Gaston-Granger. Assim, segun do enfatiza, somente através de uma análise estilística é possível a apreen são das particularidades da antropologia de países periféricos, nos quais preponderaría uma pesquisa voltada para as singularidades de seus próprios contextos sócio-culturais. A análise é elaborada tomando-se em conta a história de dois conceitos: “colonialismo” e “colonialismo interno” - con ceitos estes marcantes da relação Europa-América Latina. O fato é que o primeiro (colonialismo), tido como mais abrangente e próprio do mundo europeu, ganha uma nova dimensão quando o foco da investigação volta-se não mais para o estudo de etnias distantes e coloniza das, mas tenta apreender uma “situação colonial”. Em outras palavras, o conceito ganha o adjetivo “interno” quando a investigação centraliza-se em países da América Latina, onde o colonialismo existe no interior da sociedade do pesquisador. Surge, com isso, não somente um novo conceito (“colonialismo interno”) como a nova dimensão característica da antro pologia latino-americana - dimensão esta que envolve um novo “sujeito epistêmico”. Mais do que mostrar que o conhecimento antropológico está balizado em categorias próprias da disciplina - algo já realizado no capítulo anterior - , Cardoso de Oliveira mostra como aquele é também influenciado pelo con texto social e cultural no qual se encontra o pesquisador. No caso mencio nado acima, trata-se de um contexto em que o sujeito cognoscente - novo sujeito epistêmico - faz parte de uma sociedade também colonizada em sua
O TRABALHO DO ANTROPÓLOGO
origem e reproduzindo, por sua vez, os mesmos elementos de dominação no interior de seu próprio território. Com efeito, o antropólogo, por pertencer à etnia dominante, é acometido de um “desconforto ético”, somente capaz de desfazer-se quando ele passa a atuar como “intérprete e defensor daque las minorias étnicas” (: 42). Além disso, esse novo sujeito epistêmico se diferenciaria de seus pares europeus devido ao fato de estarem engajados na empreitada cívica da cons trução da nação ou nation-building. Surgem, assim, contornos específicos desta participação, como é o caso do indigenismo e a conseqüente preocu pação com o destino dos povos indígenas. Os conceitos de “fricção interét- nica” e “etnodesenvolvimento”4 são apresentados e analisados ao final do capítulo como igualmente representantes daquele deslocamento conceituai. Com tudo isso, o autor mostra que, não obstante essas singularidades expressivas da antropologia latino-americana, não há uma diferença substan cial entre as antropologías centrais e periféricas, pois ambas atualizam a tensão entre os paradigmas da disciplina. No capítulo cinco, Roberto Cardoso de Oliveira aborda a questão de uma possível crise reinante na antropologia. Tomando como base a sua já clássica matriz disciplinar*, o autor mostra a polifonia do termo crise, enfa tizando que, segundo sua posição, este conceito estaria ligado àquele desen volvido por Thomas Kunh. Conforme argumenta o autor da Estrutura das Revoluções Científicas, crise estaria ligada à sucessão de paradigmas, i. e., “quando um paradigma sucede ao outro no processo histórico de transfor mação da ciência” (: 59). Entretanto, este seria o caso das hard sciences e não da antropologia, que, como enfatiza Cardoso de Oliveira, sustenta simultaneamente quatro paradigmas, não apresentando, portanto, nenhuma crise7. Assim, nem mesmo o paradigma mais recente, o hermenêutico, com
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Entretanto, mais do que isso, o que temos como resultado desta primeira parte do livro é um intenso exercício, pelo qual o antropólogo - que, conforme enfatizou Peirano (1991), tomou-se mais antropólogo quando assumiu suas raízes filosóficas - debruça-se sobre a própria disciplina na tentativa de problematizar questões até então, senão desconsideradas, ao menos pouco expressivas nos trabalhos de outros autores. Na segunda parte do livro, intitulada “Tradições Intelectuais”, Roberto Cardoso de Oliveira propõe-se a discutir a questão da universalidade da antropologia, já esboçada na primeira parte. Segundo enfatiza durante todo o percurso, a universalidade é a garantia do exercício da disciplina enquanto ciência. Encontramos retomada a discussão acerca da relação antropologia cen tral versus antropologia periférica, sendo o termo versus entendido como uma tensão epistemológica - ou meta-teórica - entre elas e não social e política. O ponto chave da discussão, no entanto, é que, não obstante tal tensão
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Este é o ponto de partida para uma discussão teórica sobre a análise estilítica. Ora, se existe uma natureza universal na antropologia cuja ex pressão estaria nos quatro paradigmas apresentados na matriz, quais seriam as especificidades típicas das antropologías periféricas? Como apreender tais singularidades? Em primeiro lugar, como é possível deduzir do exposto acima, trata-se de uma singularidade cuja existência não implica abdicar da pretensão à universalidade. Em outras palavras, não há uma alteração da estrutura da matriz disciplinar, embora possa ocorrer uma mudança na estrutura. O que vemos, neste caso, é a presença de um estilo, uma redun dância - um prolongamento da mensagem principal que em nada altera o seu sentido - insuficiente para possibilitar acréscimo na capacidade de cognição da matriz. Pelo contrário, o que ocorre é uma contribuição para a dinamização da tensão inerente à matriz e, por isso, um enriquecimento do fazer antropológico. Como conseqüência, não podemos falar em “antropolo gías nacionais” e, mais do que isso, encontramos as antropologías periféri cas, embora ligadas às antropologías centrais, com a mesma capacidade de produção intelectual. O autor acredita, no entanto, não ter o estudo estilístico a pretensão de substituir outras abordagens acerca do mesmo tema, pois trata-se, de fato, de uma contribuição a esses estudos dada a ênfase no discurso antropológi co. Além do mais, ao reconhecer a singularidade, tal tipo de abordagem traz à tona a idéia de que não existe solução universal para os problemas que contextualizam a formação de nossa disciplina. E, por esse motivo, incita os antropólogos, enquanto comunidade de profissionais, a tomarem suas próprias iniciativas na solução dos mesmos, sendo este precisamente o momento de articulação entre as perspectivas intemalista e extemalista, ou, como quer o autor, “a análise institucional e a análise do discurso, a inter pretação sociológica e a estilística” (: 121). Em meio a esta discussão envolvendo as já comentadas reuniões, o próprio projeto “Estilos de Antropologia”, elaborado por Cardoso de Olivei ra e Guilhermo Raul Ruben na Unicamp, aparece como elemento a ilustrar o debate. Finalmente, são apresentados alguns indicadores que possibilitam o estudo comparado e o diagnóstico das antropologías feitas em países periféricos. Mas se até aqui o leitor poderia estar sentindo a falta de um estudo empírico e institucional tão caro a todo antropólogo, o autor nos apresenta, no capítulo seguinte, de maneira detalhada, o estudo realizado por ele pró-
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filosofias - no caso da coletânea, norte e latino-americanas - ancoradas em fontes européias ocidentais, não obstante suas singularidades somente apreensíveis pela via da estilística. Finalmente, o autor mostra como as discussões apresentadas no âmbito da filosofia - representadas aqui pela coletânea organizada por Dascal - podem ser úteis para o antropólogo pensar o seu próprio exercício. Tal é o caso do “relativismo epistemológico” proposto por Dascal, que “se é neces sário ao exercício da filosofia, indispensável parece ser ao trabalho do antropólogo” (: 167). A última parte do livro - capítulos 9 e 10 - corresponde a uma tentati va do autor penetrar em um campo tido quase como um tabu na antropolo gia: a moral e a ética - sendo a primeira relacionada a valores de “bem- viver” e a segunda a normas que implicam obediência por parte dos mem bros da sociedade. Não só pelo fato da moralidade e da eticidade colocarem em jogo o relativismo cultural - tão caro à antropologia em sua luta contra o etnocentrismo -, como também por este tema abordar necessariamente - e o autor reconhece ser esta a sua intenção explícita - a problemática do “discurso prático” do antropólogo, i.e, quando há “um comprometimento - do antropólogo - com a elevação da qualidade de vida do outro” (: 15). Tomando como referência a “ética discursiva” de Karl-Otto Apel e Jürgen Harbemas, o autor mostra como o problema da incomensurabilidade das culturas complexifica-se quando a proposta é tomar a própria antropolo gia como uma terceira cultura em meio a duas ou mais culturas objeto de comparação. Destarte, fica a questão: como justificar possíveis intervenções em populações outras, “objeto” de nossos estudos? O ponto chave para responder a esta pergunta é a idéia de consentimen to, por parte da “população alvo”, à intervenção externa. Neste momento, o autor recorre à ética discursiva para mostrar que este consentimento somen te seria possível com o diálogo entre as partes ocorrendo em uma situação de simetria - um dos requisitos básicos da ética do discurso. O autor deixa claro, evidentemente, que enfoca formas de dominação através do discurso hegemônico ocidental. Como foco empírico privilegiado para o debate, é apresentada a situação de relações interétnicas que se desdobram no interior de Estados nacionais, mais especificamente a América Latina. Isto significa uma relação entre diferentes grupos étnicos num espaço político e social dominado por um
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deles e, além disso, com a presença do Estado marcadamente em defesa da etnia dominante. Caso evidente é a relação entre brancos e índios no Brasil, intermediada pela Funai. Mas se a relação é extremamente problemática no que Apel denominou micro-e sfera, a saber, o espaço social no qual as relações se dão face a face, seja no meio familiar ou tribal, a solução parece encontrar caminho para sua consolidação - em que pese as inúmeras dificuldades - no âmbito da macro-e sfera, i.e, o espaço social regulado por uma ética planetária. O Estado surge como um intermediário entre essas duas esferas, atuando numa meso-ç, sfera. Roberto Cardoso de Oliveira nos mostra como os órgãos internacionais têm pressionado os Estados nacionais a reconhecerem o direito às especifici dades étnicas. Uma das ações a serem cumpridas, por exemplo, é a inclusão dos povos indígenas, reconhecidos não somente como povos, mas como sujeitos morais, como merecedores de direitos e deveres universais. Esse novo cenário político, resultante da globalização, só está se tomando possí vel graças à crescente participação de representantes dos interesses indíge nas em fóruns internacionais de discussão, entendidos aqui como comunida des de comunicação e argumentação, no sentido apeliano. Com efeito, eles também passam a ter direito ao “viver bem” como fato moral, algo há até pouco tempo reservado a poucos povos. Esta é, em linhas gerais, a temática do capítulo 9. Sem dúvida, uma discussão a ser enriquecida com as reflexões do último capítulo intitulado “Sobre o diálogo intolerante”. Ainda preocupado com a possibilidade de uma ética discursiva válida em escala planetária, o autor reafirma a necessi dade de uma nova institucionalidade, não mais balizada nos termos de racio nalidade vigente no pólo dominante da relação interétnica. Para que essa nova dimensão ética se consolide, Roberto Cardoso de Oliveira opta pelo conceito de “tolerância” e sua aplicabilidade no diálogo interétnico. Isto não significa entendê-lo em seu sentido de caridade. Pelo contrário, fica claro que o sentido aqui é de um ato moral de respeito à diferença, algo, segundo o autor, certamente não encontrado no diálogo entre diferentes etnias. Desta maneira, a tolerância é pensada como uma questão de direito e situada em termos de moralidade e eticidadade. Além do mais, o diálogo interétnico, em sua dimensão simétrica, deixa de ser uma concessão do pólo dominante, mas, como enfatiza Cardoso de Oliveira, um “imperativo moral” (: 197).
UBEN, Guilhermo. 1995. “0 Tio Materno e a Antropologia Quebequense”. In Estilos de Antropologia (R. Cardoso de Oliveira e G. Ruben, eds.). São Paulo: Ed. Unicamp. pp. 121-138.
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