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Este documento discute as variáveis e invariáveis circunstâncias envolvidas no desastre do titanic, incluindo dimensões, sinalização de ordens, falta de luar, mensagens sobre icebergs e a eficiência do mecanismo de leme. Além disso, analisa as causas aleatórias do desvio do navio e o papel da white star line na tragédia.
Tipologia: Notas de estudo
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Sumário
Embora pareça um contrassenso escre- ver um artigo sobre o Titanic, após tantas publicações sobre o assunto e uma explora- ção insistente pelo cinema e pelos meios de comunicação em geral, a impressão é ape- nas aparente, pois o evento continua muito atual, por diversas razões que justificam a sua inclusão no rol de exposições aqui realizadas, sendo as principais as seguintes:
Hugo Hortêncio de Aguiar ( In Memoriam ) foi Coronel do Exército reformado, falecido em 14 de outubro de 2011, aos 88 anos, foi amigo e colaborador desta Revista. Este seu trabalho, não inteiramente concluído, consigna sua 11a participação como autor.
Hugo Hortêncio de Aguiar
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e a arrogância do poder sendo destruídos num instante;
Houve muitas tentativas para “angli- cizar”o nome do Titanic (Taitênic, em inglês), que fazia parte de uma série de na- vios terminados em “ic”, como o Olympic, o Oceanic, o Atlantic, o Britanic, todos eles ingleses, como seus proprietários, fabrican- tes e tripulantes, o que daria, sem dúvida, um certo direito à escolha da pronúncia. Mas a acentuação “ic” final, bem ao estilo francês, foi o que notabilizou o grande navio. Lembremo-nos de que, em 1912, o mundo ocidental ainda vivia os últimos repiques da belle époque. Tudo que fosse ostentação, luxo, educação refinada devia respirar um pouco do clima francês. Os colégios mais caros, particularmente os femininos, pela cultura ornamental da mulher, aqui na América do Sul, ensinavam o francês como segunda língua, depois da nativa. Nos internatos, era comum o uso do francês no dia a dia. Toda jovem considerada “de boa famí- lia” quase sempre tocava piano, constando de seu repertório, obrigatoriamente, músi- cas de Chopin, que, embora polonês, tinha ascendência francesa por parte de pai e projetou-se artisticamente em Paris. Tudo o que era arte era inspirado na França, como acontecia com a decoração do Titanic. As viagens da Inglaterra para os Estados Unidos ou Canadá e vice-versa (Halifax, Boston ou Nova Iorque), linha normal dos grandes transatlânticos, faziam escala em Cherburgo, na costa da França, não somente para acolher os passageiros da Europa, mas para dar à viagem um
colorido mais elegante, com os milionários de requinte parisiense. De modo que o Ti- tanic, com exceção dos ambientes em que o idioma inglês é patrioticamente exclusivo, é universalmente referido por sua pronúncia francesa. Mas não era isso que dava ao portentoso navio um ar de mistério. Nem mesmo as suas dimensões colossais ou as dramáticas circunstâncias de seu desaparecimento, ou os estranhos pormenores que poderiam ter evitado o desastre. Na verdade, nunca saberemos mesmo qual a verdadeira razão que torna um evento ou uma realização humana mais transcendente que seu sig- nificado literal. Os termos Titanic e Apocalipse são dois exemplos. O primeiro, em inglês, sugere qualidade “forte como um Titã”. No entanto, o navio era e continua a ser mais do que isso, pois detém ainda o diploma de vítima de uma das grandes tragédias da humanidade, que esconde muitos mistérios. O segundo, o Apocalipse, com tradução do grego “re- velação”, sugerindo um esclarecimento da doutrina cristã, desperta automaticamente a ideia de “fim de mundo”. É o misticismo suplantando a conotação semântica.
Como dissemos na Introdução, esse item está sendo incluído com bastantes pormenores, não somente para variar um pouco o tom de repertório de preceitos que, afinal de contas, representam um dos nossos objetivos, mas também para dar aos leitores uma informação segura, quase completa, fundamentada em pesquisas técnicas de fontes capacitadas, sobre o episódio mais decisivo em toda a odisseia do Titanic. Realmente a manobra do 1 o^ Piloto William McMaster Murdoch tem sido muito discutida. Alguns opinam que o 1o Piloto deveria ter revertido a marcha, mas
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Há uma grande polêmica sobre a dis- tância do iceberg quando avistado, porque a National Geographic, dezembro, 1985, p. 702, cita ¼ de milha como provável. Mas os seguintes fatores devem ser considerados: A noite estava muito escura. Os vigias [Frederick Fleet e Reginald Lee] não dispunham de binóculos que, mesmo no escuro, favorecem muito. O vigia
Fleet declarou no inquérito (ao qual foi submetido nos Estados Unidos, posteriormente ao desastre) que não sabia calcular distâncias no mar, mui- to menos à noite. A tendência, segun- do o vigia, é diminuir a distância de alvos em superfícies do mesmo tom, como mares, planícies geladas, terra plana de mesma vegetação.
Croqui n o^ 1: O Mapa da Tragédia
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Além disso (acrescemos), os cálcu- los da manobra combinam com a distância de mais de um quarto de milha (500 metros), realmente muito pequena para as dimensões do navio (269,08 metros de comprimento).” Logo após o desligamento da pressão do vapor nos motores, o navio ficou solto, “debreado”. Como o leme foi forçado ao máximo, o navio oscilou, balançou. É o mesmo que um automóvel, numa velocida- de expressiva, sofrer uma debreagem total e ser manobrado para a esquerda ou para a direita. A linha pontilhada, logo acima da E-F, indica-o. Marinheiros consultados dizem que, mesmo durante a reversão (mo- tores a Ré), enquanto o navio não “engrena” totalmente, o efeito da pressão da água impulsionado pelas hélices contra a placa do leme (na popa) é muito menor, o que fez com que o navio não tivesse sofrido desvio sensível até o ponto G, quando voltou a se equilibrar no fim da reversão. Assim, quando começou a desviar visivelmente para bombordo^1 (esquerda), o Titanic já tinha navegado 69 + 231= 300 metros, desde a visão do iceberg , agora com sua ponta esquerda a 220 metros, pois a dis- tância aumentou um pouco com o desvio. A velocidade no trecho anterior, entre as linhas E-F e I-K, foi, em média, 39,6 km/h ou 11 m/s. Essa nova distância de 220 m, entre o ponto J e o iceberg , seria percorrida a uma velocidade de 36 km/h ou 10 m/s, no tempo de 22 s. Como o desvio foi pequeno, e o novo rumo só conseguiu um ângulo de 20º com o rumo original, o desvio no iceberg foi de apenas 80 metros. Infelizmente, seriam necessários, pelo menos, 2 metros a mais. Esse desvio pequeno é que tomou conta dos pesquisadores, intrigados com o problema da eficiência do mecanismo do leme (dire- ção, na ponte de comando, transmissões e
(^1) Bombordo: para um observador dentro do navio, olhando para a proa, é o lado esquerdo da embarcação. Estibordo (ou Boreste) é o lado direito.
placa de leme, na popa), ainda hoje não per- feitamente esclarecido. O que sabemos, nós, que não somos marinheiros, é que um leme tão alto (23 m, 16 de altura e muito pesado) era realmente difícil de ser manobrado por meio de uma haste de ferro encaixada na sua cabeça, a girar um eixo contínuo, que fazia pressão apenas na parte superior. Quanto à ordem do 1 o^ Piloto “Firme a Estibordo”, ela significava levar a popa (parte de trás) para “estibordo” (direita) e a proa (parte da frente) para “bombordo” (esquerda), o que de fato aconteceu, como está bem claro no croqui 2. Esse tipo de sistema de direção foi mudado em 1928^3. O navio colidiu com o iceberg a uma velocidade de 34 km, 200/hora ou 9 m 50 s. Imaginemos a potência da batida de uma massa de 60.000 toneladas naquela velocidade! O contato foi a estibordo, desde uns cinco metros da ponta da proa até a Casa de Máquinas n o^ 5, num comprimento de cerca de 90 metros. Sabemos hoje que não houve um rasgão enorme, como era suposto inicialmente, po- rém compressão nas chapas de aço do casco e deslocamento de rebites, causando frestas de diversas dimensões. Quais exatamente as avarias, nunca foi bem esclarecido, por- quanto o casco avariado ficou parcialmente enterrado no leito marinho. Algo foi confirmado pela lógica: a sali- ência do gelo, que produziu as avarias, não era pontiaguda, senão o efeito teria sido arrasador. O contato foi muito abaixo da linha d’água, por isso o barulho do choque não foi muito grande, porque abafado por uma massa de água de vários metros de altura. Quanto à colisão, esta só poderia ser evitada se o 1o^ Piloto tivesse tido espaço e tempo para manobrar “ao contrário”. E (^2) Outra solução (muito aceita) seria fazer o desvio (maior um pouco) e manter a velocidade. Mas atingiria o iceberg mais depressa. Se houvesse choque, seria menor a área de contato, porém com maior potência. (^3) Após a Convenção sobre a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, em Londres.
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pois esse era o nome dos transportadores marítimos de passageiros, através do Atlân- tico, trazendo-os da Europa para a América, terra de liberdade e promessa de vida nova. O desenvolvimento da indústria naval era tão grande e a recompensa financeira tão garantida que, apesar de tantos aciden- tes, um transatlântico de luxo era a expres- são mais alta do prestígio nacional e o seu comandante um predestinado, que galgara um alto degrau na escala social. Essa mística durou até a Segunda Guer- ra Mundial. Até nas costas brasileiras, ainda nos anos 40, os nossos navios do Lloyd Brasilei- ro e da Companhia de Navegação Costeira (ITA) guardavam sinais dessa ostentação ambulante, porque era exigido, para o jantar a bordo, traje de passeio completo e o material das refeições, além da louça finíssima, era todo de prata. Nos transa- tlânticos de maior porte, o jantar era servido com os passageiros de Summer-jacket, se homens, e o correspondente para as senho- ras. Naturalmente isso era um reflexo dos costumes sociais de que o Titanic, segundo os analistas, era um retrato perfeito. Foi nesse clima de arrogância e vaidade que vamos encontrar, a bordo desse imenso navio, Bruce Ismay, seu proprietário e o Ca- pitão Edward John Smith, seu comandante. Ismay, principal executivo da White Star Line, Companhia de Navegação pro- prietária de grandes transatlânticos, quase todos terminados em “ic”, como o Titanic, o Olympic, e outros já citados, vivia para os lucros empresariais. Era um magnata do império da navegação e não podemos acusá-lo diretamente porque o aço do casco do Titanic não tinha a dosagem certa ou pela possível deficiência do leme. Porém autorizar a viagem de um navio daquele porte com botes salva-vidas para pouco mais de 1/3 da lotação permitida era, na melhor das hipóteses, um crime culposo. Essa desproporção era devido a uma legis- lação de vinte anos passados, que não se atualizara. A desculpa era que, se houvesse
acidente com um navio tão seguro, e já dispondo de rádio, haveria condições para a chegada de outros barcos e o transbordo seria fácil. Somos de opinião que não só Bruce Is- may, mas também os órgãos de fiscalização, como igualmente o Comandante Smith e, por que não dizer, até os influentes e mag- natas passageiros das suítes de luxo eram parceiros nessa criminosa irresponsabilida- de. Mas a maneira de pensar de então servia de explicação para tanta negligência, pois ainda hoje argumentam, era uma prática normal na época.
(^4) Atual Cobh, cidade costeira do sudeste da Irlanda.
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sua colisão com um iceberg a menos de 200 km da rota futura do Titanic. Além desse aviso, cerca de vinte navios deram notícias sobre esse perigo até o dia 14 de abril. No domingo, pelo menos seis mensagens de navios próximos informaram a presença dos blocos e campos de gelo, alguns na rota do navio e mesmo nas coordenadas da futura colisão. Com tantas informações, muitos da tripulação sabiam existir um risco iminente e os oficiais, por sua própria conta, já cal- culavam a hora do provável encontro com o campo de gelo. Sobre a rota dos navios entre a Europa e os Estados Unidos, há um ponto de grande importância a ressaltar. O curso das embar- cações obedecia a uma rota programada, conveniada entre as empresas marítimas, para evitar icebergs. Essa rota, compreen- dida em um grande círculo, partindo de uma praia na Irlanda do Norte, passando pelo ponto de coordenadas 42º Norte e 47º Oeste, terminava em uma ilha do estado de Massachussetts. Era chamado “desvio sul”, permitido à navegação comercial regular. Naturalmente era traçado nas cartas de na- vegação em função da linha máxima de flu- tuação dos icebergs do Norte para o Sul. Pois bem. Esse ponto 42º N 47º W distava apenas pouco mais de 300 km do local da tragédia e a continuação da linha imaginária do grande círculo, regulador da rota “segura”, passava a pouco mais de 100 km da rota do Titanic, prova evidente de que o barco navegava no limite certo permitido pelo acordo, e, assim, seu comandante correspondia à confiança que a Companhia depositava nele, dimi- nuindo o trajeto e aumentando a velocidade, embora arriscando a vida de passageiros e tripulantes, como veremos. Toda essa argumentação, ainda hoje valendo, está ligada a uma informação do- cumentada de que dispomos, mas datada de 1969. Esta documentação contém uma interrogação grave. A linha máxima de flutuação dos ice- bergs , ao sul da Terra Nova, Canadá, desce
muito para o Sul, formando uma linha imaginária como um bolsão, cujo ápice está a cerca de 1.200 km da terra firme. Isso quer dizer que os icebergs poderiam alcançar até centenas de km ao sul da rota conveniada pelas empresas de navegação e que, tanto o Titanic como o Niagara, de bandeira francesa, que colidiu com um de- les, como a maioria dos navios acidentados pelo gelo, todos navegavam absolutamente enquadrados pela área de desdobramento de icebergs. Até o Carpathia, quando rece- beu o pedido de socorro, como também os que faziam rota entre Nova Iorque e a Eu- ropa, navegava dentro dessa área perigosa do Atlântico Norte.^5 Então surge a pergunta: em 1912, as empresas de navegação tinham conheci- mento desse perigo potencial? Ao que tudo indica, não havia na época tecnologia para um levantamento geodésico e cartográfico dentro dos padrões modernos. Isso está claro. Entretanto já havia mapeamentos de superfícies dos mares, não sabemos se já de- terminando limites de flutuação de icebergs. Se assim fosse, seria um erro clamoroso. A nossa documentação é de 1969, mas já faz referências a levantamentos oceanográficos no Atlântico, a partir de 1857 para navios ingleses, a partir de 1872 para navios ame- ricanos e a partir de 1874 para os alemães. Esse desdobramento de icebergs que atingem latitudes mais tropicais é consequ- ência de vários fatores geográficos, sendo um dos mais importantes o forte degelo nas calotas polares devido a invernos fracos. Foi o que sucedeu em 1912 nas latitudes polares do hemisfério norte, permitindo que blocos de gelo, como os que circundam a Ilha de Terra Nova, Canadá, avançassem mais para o Sul. Esse fenômeno, aliado
(^5) Saibam os que praticam esportes marítimos no litoral do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina saibam que a linha de flutuação máxima dos icebergs oriundos do Sul, da Antártida, chega a 300 km da cidade e porto de Rio Grande, a 400 km de Porto Alegre e a 150 km de Mar Del Plata (Argentina). Serve como aviso.
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Elas lutam contra a deficiência técnica de manutenção, a carestia dos combustí- veis, as estradas precárias e, acima de tudo, o elemento humano de baixa qualificação profissional. Para aumentar o desgaste, a presença inquietante do crime organizado nas estradas e cidades. Por mais justo res- sarcimento que haja, não há compensação para paradas operacionais, provocadas ou acidentais. Então são usados artifícios de fortuna, os “quebra-galhos”, para a manutenção artificial e aparente. Quando esses recursos escusos atingem aspectos essenciais da segurança, ao preço da vida dos passageiros, os responsáveis estão co- piando a mesma atitude dos proprietários do Titanic, que programaram a sua viagem inaugural sem o combustível necessário para um eventual desvio de rota ou se acomodaram à situação deficiente de botes salva-vidas. Do mesmo modo que as empresas de navegação do Atlântico Norte exigiam o tráfego de seus navios por águas oceânicas saturadas de icebergs , para economizarem tempo e combustível, as nossas empresas de transporte terrestre, usando às vezes estradas precárias, forçam o cumprimento de horários, agravando a segurança. Essas considerações são extensivas ao transporte aéreo, onde não somente as falhas na manutenção, como também a exigência de cumprimento rigoroso de horários de voo, com mau tempo, podem acarretar consequências catastróficas. Como todos bem sabemos, o espaço aéreo, que é a estrada do avião, em condições at- mosféricas adversas, é perigosíssimo. Como os caros leitores devem ter ob- servado, deixamos para o último lugar as considerações sobre o transporte marítimo (incluindo o fluvial), que deveria, mais do que os outros, usufruir os ensinamentos deixados por seu majestoso representante, de vida tão fugaz e trágica no Atlântico Norte. Mas em nossa descompromissada coleta de dados, temos colhido observações muito
curiosas e uma delas é que, em se tratando de uma modalidade de transporte não muito utilizada pela maioria da população, é natural que o número de acidentes não chegue a impressionar a mídia sensaciona- lista. E ainda mais curioso: a maioria dos acidentes, com as embarcações já deficien- tes, é por superlotação. Exatamente uma falha que o Titanic não apresentava. De qualquer modo, as considerações que fizemos para o transporte terrestre são aplicáveis às outras duas modalidades, respeitadas as características de cada uma, e num grau de intensidade maior ou menor. Contudo, foi o caráter fraco de Smith o fator responsável pela não tomada da decisão correta, que seria parar o navio, como fez acertadamente o tão acusado comandante do Californian 6 , ou pelo menos, diminuir sensivelmente a marcha do Titanic, para atender a qualquer eventualidade. Mas a bordo estava Bruce Ismay, prin- cipal executivo (presidente) da White Star Line, proprietária do navio, que, desde o início da viagem, pressionava para chegar mais cedo em Nova Iorque, e o Capitão Smith, que devia saber, mais do que todos, dos perigos que sua embarcação corria, não o quis contrariar. Faltou-lhe perso- nalidade. Como já dissemos, não foi a única oportunidade em que essa falha de com- portamento foi demonstrada. A primeira fora um dia antes da partida de Southamp- ton, quando o comando de sua tripulação foi alterado, tendo que receber um novo imediato, naturalmente por imposição da Empresa. Tal remanejamento de pessoal causou embaraço entre os oficiais, tendo em vista a responsabilidade de uma viagem inaugural de um navio daquele porte. A segunda vez fora pouco antes da saída, quando escondeu do inspetor da “Board of Trade” o incêndio ainda não apagado numa carvoaria do navio, porquanto isso poderia atrasar a viagem. Outra vez, foi ignorado
(^6) Seu nome era Stanley Lord.
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por Bruce Ismay, quando este discutia com o chefe das máquinas a velocidade do navio. E, finalmente, ignorando os avisos e omitindo-se em tomar uma decisão correta talvez por comodidade e garantia de sua posição de comando. Infelizmente, tal qualidade não foi tão somente apanágio do comandante do Titanic, Capitão Smith. Ela tem sido encontrada com muita frequência entre os responsáveis pelas atividades de empre- sas de transportes de toda modalidade, seja na condição de proprietários seja de executivos, seja na condição de fiscais seja de operadores (comandantes em avião ou embarcação, motoristas em ônibus ou caminhões). Impedir uma viagem, ou a continuação dela, pela verificação de um defeito mecâ- nico que afete a segurança, ou mesmo por condições meteorológicas adversas, em geral atende o natural senso de responsa- bilidade e exige uma forte decisão. Uma decisão que vai contrariar os interesses imediatos da Organização e enfrentar quase sempre a discordância da maioria dos passageiros, interessados em chegar ao destino o mais cedo possível, pelos compromissos de rotina. Esses passageiros, a despeito de advo- garem a necessidade de medidas de segu- rança, emocionalmente reclamam sempre, constituindo a terceira esfera de responsa- bilidade, na condição de particulares.
do sofrimento alheio, excetuados os casos especiais.^7 Assim, os observadores desavisados não se dão conta das cifras alarmantes de acidentes com meios de transporte parti- culares, individuais, todas as modalidades, com indiscutível maioria para os veículos terrestres. No início do presente item com o título de “As Lições”, ressaltamos que a nossa ênfase seria para os ensinamentos na área de transporte, tão somente para brevidade da exposição. Todavia, chegamos à con- clusão que nem assim deixaria de ser vasta e conhecida, com recomendações para o exercício da atividade, e que estaríamos repetindo apenas conselhos e cuidados. Em outras palavras, estaríamos ensinando “Pai Nosso a vigário”. Um documentário de televisão veio em nosso socorro. Estava incluído num seriado do Canal 51-NET, intitulado Powerzone , mas o Capítulo era High Speed Impacts. Foi no dia 19/06/2003, entre 22 h e 24 h ( Discovery Channel ). Em substituição a páginas e mais pá- ginas de falhas humanas e materiais da viagem do Titanic, transferidas sob a forma de ensinamentos para o nosso dia a dia ao volante, o documentário, com a reconheci- da autoridade dos especialistas da Nasa, era um sumário de testes experimentais realizados com aviões de combate durante a “guerra fria”, tentando neutralizar os efeitos dos impactos violentos das aero- naves em queda acidental ou mesmo em paradas bruscas no solo. Como parte dessas experiências, que buscavam aumentar a segurança do pessoal e do material, passou a ser aplicada a veículos motorizados ter- restres, dadas determinadas semelhanças, as estatísticas revelaram aspectos curiosos, verdadeiros ensinamentos:
(^7) Carros particulares não fazem, regularmente, transporte coletivo, embora disponham de acomoda- ções para quatro ou cinco passageiros.
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tíveis com os avanços navais, de forma a preservar a integridade das pessoas físicas nas viagens marítimas. O desastre do Titanic suscitara dúvi- das e temores reais quanto à segurança desse meio de transporte, seja quanto aos equipamentos de salvamento e resgate de passageiros disponíveis, seja quanto às con- dições de navegabilidade das embarcações e até quanto à capacidade técnica de seus condutores. Essa Convenção visou ao estabeleci- mento de normas resolutivas no sentido de aumentar as chances de sobrevivência das pessoas e preservação do patrimônio material no caso de sinistros marinhos. Por exemplo, até o surgimento do Titanic, os maiores navios a vapor existentes não tinham uma tonelagem superior a 10.000 to- neladas e os barcos de salvamento atendiam apenas àquelas dimensões de embarcações. Não se questionou, por ocasião do surgi- mento de grandes transatlânticos, como o Titanic e o Olympic, a atualização dos pa- drões físicos de segurança das embarcações. A partir da Convenção de Haia, de 1914, e da Convenção sobre a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (firmada em Londres, em 1928), foram adotados novos regramentos voltados à prevenção dos acidentes, principalmente tendo em vista as rotas oceânicas, exigindo-se, entre outras ações:
que a proteção do meio ambiente não se restringe apenas à segurança dos navios, mas também às áreas onde eles navegam e aos ecossistemas passíveis de serem afe- tados por um derramamento de óleo, de produtos tóxicos ou corrosivos. Hoje, esses produtos são transportados por barcos cada vez maiores e em rotas cada vez mais congestionadas em face do crescimento do transporte em todas as suas modalidades. Por conseguinte, a preocupação com a segurança marítima tem desdobramentos muito maiores do que aquela do tempo do Titanic, em que os cuidados eram cir- cunscritos às vidas ou aos bens materiais transportados, sem considerações de ordem ambiental ou ecológica. Hoje, o direito ma- rítimo não prescinde dos cuidados com o meio ambiente. De certa forma, ainda que pareça resol- vida a questão da segurança dos navios de passageiros no mar, mediante a aplicação regular de uma legislação punitiva para os que cometerem delitos ou praticarem irre- gularidades, há que haver uma fiscalização permanente, de forma a não permitir que o relaxamento das normas, citado no item anterior, se transforme em regra, inviabili- zando todo progresso realizado na área de segurança naval de 1928 até agora. Porquanto a globalização da segurança impõe, na atualidade, a preservação não apenas de homens e patrimônios trans- portados, mas também de um patrimônio biológico que diz respeito a toda a vida global. Hoje em dia, a ação do homem na condução de uma embarcação pode desen- cadear muito mais dano do que outrora. Na verdade, as estatísticas mostram que 93% dos danos causados ao meio marinho decorrem de ação humana. Assim, como exemplo, a simples opera- ção de lavagem dos tanques de um navio passou a ser monitorada doravante como uma questão de segurança de todos por suas implicações ambientais, em razão da possibilidade de descontrolar ecossistemas. Também vazamentos eventuais de óleo,
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ou outros produtos tóxicos conhecidos, poderão destruir aves, peixes, corais e flora marinha. Em contrapartida, em que pesem os da- nos que o homem pode gerar na natureza, sabe-se que esse mesmo homem pode, e deve, intervir no sistema marinho com o propósito de extrair dele subprodutos úteis para a preservação da vida. Assim, impõe-se uma exploração sustentável dos recursos oceânicos, com assunção de responsabilidades, de forma a salvaguardar a segurança e integridade dos trabalhadores do mar e de seus inúmeros beneficiários em terra.
O nosso país, por falta nossa ou por circunstâncias políticas, há muito que não conta com um transporte marítimo domés- tico de nacionalidade brasileira. Todavia, fez assento em todos os foros internacionais em que se deliberou sobre segurança de cidadãos, pátrios ou não, em nossos mares ou alhures. Em tempos não muito distantes, apro- vamos duas convenções importantes, uma a “Convenção Internacional para Busca e Salvamento”, de 1979 (DLG 705/2009), e ou- tra, para “Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Navegação Marítima e de Pla- taformas Fixas”, de 1988 (DLG 921/2005). O Decreto n o^ 83.540/79, por sua vez, regulamenta a “Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo”, de 1969. A legislação brasileira sobre segurança marítima está conformada a padrões in- ternacionais, incluídos os ecológicos, dos tempos atuais, tendo assinado as principais convenções sobre acidentes ambientais, principalmente sobre derrames de óleo e substâncias tóxicas, como a de Bruxelas (1969) e a de Basileia (1989). Nossa legislação, em que pese ter en- fatizado, com excelência, a proteção dos
ecossistemas internos (como fazem as Leis nos 6.938/81 e 9.985/2000), padece, todavia, de algumas falhas no planejamento e exe- cução de ações operacionais, de controle e prevenção, quando os acidentes acontecem no mar ou nos portos fluviais ou costeiros. No que se refere às atitudes de aborda- gem a embarcações irregulares ou conten- ção de sinistros nas plataformas de explo- ração de petróleo, tem-se revelado pouco eficiente o princípio da advertência para evitar desastres ambientais. Preconiza-se, porém, hoje, o princípio da “Precaução” (egresso do direito ambiental alemão), em que se exigirá melhor adaptação ao even- to futuro, de forma a que se permita um melhoramento das metodologias de pre- venção de acidentes e maior constância no monitoramento regular do fluxo de navios na entrada e saída dos portos. A adoção da Precaução, por princípio, apoia-se na capacidade de o Estado “dotar- -se de meios de prevenção de surgimento de danos antes mesmo de existir certeza da existência de risco e implementar sis- tema de pesquisa que detecte riscos para o ambiente”. A Eco 1992, celebrada no Rio de Janeiro, consagrou esse princípio, que “impõe às autoridades a obrigação de agir diante de uma ameaça de dano irreversível ao meio ambiente mesmo que conhecimen- tos científicos até então acumulados não confirmassem o risco”.
Muitos acidentes têm acontecido, an- tes e depois do naufrágio do Titanic. Uns provocados pela força da natureza ou pela guerra, outros pela arrogância dos que que- rem dominar (ou ignorar) o meio ambiente, mesmo violentando os seus princípios bá- sicos, tumultuando o equilíbrio dos quatro elementos fundamentais do universo: a terra, a água, o ar e o fogo. Desses, a água e o ar são poderosos, perigosos e ainda escondem mistérios. A terra, por ser onde vive o homem, é a que revela o maior nú-
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era necessário para a segurança, o conforto e a rapidez daquele magnífico hotel de luxo flutuante foi posto à disposição dos operadores de tão majestoso conjunto, realmente uma expressão da realização industrial. Mas houve uma falha, uma só omissão, decisiva com relação à segurança dos passageiros – a falta de botes salva- -vidas – e o Titanic sofreu uma das maiores tragédias do mundo e, sem dúvida, pelo seu significado, a maior dos mares. Tradu- zindo sinteticamente, sobrou tecnologia na construção do grande transatlântico, mas faltou humanismo na sua utilização. Toda aquela angústia poderia ter sido evitada se o Comandante Edward Smith tivesse mandado parar o navio, como fizeram outros, ou mesmo diminuído a marcha. Avisos insistentes não faltaram sobre perigos em frente, alguns com preci- são matemática. Mas era isso que deixava o Comandante de mau humor. Não os icebergs , mas as repetidas interferências ra- diotelegráficas nas comunicações do Titanic
com o Cape Cod, em Massachussetts ou com outros grandes navios da White Star Line. O navio era grande, seguro, conside- rado por muitos como insubmersível, e ele, Edward John Smith, um Comodoro já com 25 anos de comando de navios, não estaria disposto a mudar o plano de viagem em virtude de possíveis blocos de gelo à frente, que ele costumava ultrapassar com a velo- cidade do seu barco 10. Além disso, e esse foi o fator mais importante, a bordo estava Bruce Ismay, Presidente da Empresa, que o acolhera como Comandante, mesmo depois de uma temporada de graves acidentes com navios da Companhia. Nesta pretensa última viagem, com aposentadoria à vista, nada de atritos com Ismay, que estava em- penhado em chegar a Nova Iorque o mais cedo possível. Prevaleceram a fraqueza de persona- lidade, a irresponsabilidade e a vaidade. Veja-se, a seguir, o mapa da rota descri- ta pelo Titanic, em sua primeira e última viagem.
É verdade que não está em nosso alcan- ce garantirmos que jamais um acidente nos aconteça. A argumentação imediata e confortável é que não adianta nos preocuparmos com tantos cuidados se existem os casos fortui- tos, e os “irresponsáveis” andam à solta.
Croqui n o^ 2: Rota oceância do Titanic e local do naufrágio.
Mas temos que fazer a nossa parte. É um preceito moral, uma obrigação legal e um dever de cidadania.^10 Uma questão de men- talidade formada, que se opõe à ideia de
(^10) O Comandante Smith, apesar de muito respeita- do pelos colegas e oficiais subalternos, era conhecido por não ter muita “sorte”.
Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 267
destino incontrolável dos acontecimentos. Naturalmente que a apreciação de um fato isolado se reveste bastante de fatalismo. En- tretanto, quando a avaliação é de um con- junto de fenômenos, o diagnóstico racional deve prevalecer e é a base de consolidação das leis, convenções, acordos e costumes que regem a convivência comunitária. Assim sendo, e complementando o que foi afirmado no início da “Conclusão”, somos de opinião que nem o critério de avaliação científica, sozinho, nem somente a judiciosa aplicação desse benefício pelo usuário devem dominar o processo de aperfeiçoamento geral. Particularmente nesta área de transporte, agora focalizada, a conciliação entre os consistentes padrões da tecnologia moderna e uma mentalidade de seu aproveitamento na edificação comu- nitária por parte do usuário pode trazer resultados surpreendentes. Não vamos atingir o ideal, mas já esta- remos recompensados se o noticiário das TVs, rádios e jornais não incluir sumários do teor seguinte:
não atingidos por qualquer tipo de aci- dente, seja aéreo, marítimo ou terrestre, que defendem uma posição de indiferença em face de tantos sinistros, alegando uma atitude filosófica de seleção do mais forte contra os antagonismos que sempre exis- tirão. São os encantados pelo imediatismo consumista dando o ritmo do mundo, que não pode parar um só minuto, desafiando os que eles consideram desajustados com a vida moderna, pela maneira platônica ou romântica com que ainda pretendem viver. Vão argumentar, com certeza, que, se nos preocuparmos com tudo que de negati- vo pode suceder, não estaremos “vivendo”. Esse pensamento, de destinação epicurista, só perdura, infelizmente, até a primeira experiência pessoal em acidentes. Revestidos de três atributos integran- tes, entre muitos outros, da imbecilidade humana e que são a despersonalização, a irresponsabilidade e a vaidade, expressos comumente na atividade de transporte por indiferença, imprudência ou arrogância, nós vemos esses marginais do idealismo humanístico no interior de um navio enor- me, representante de um mundo e de uma época, envolto na mais profunda escuridão, sem saber o destino que lhe está à frente. 11 Uns conversam animadamente, enquan- to outros, os demais passageiros, dormem tranquilamente nos camarotes o sono da “inocência”. Que navio é esse, que, como um cego, ou louco, corre na direção de um precipício já anunciado? Sua imagem mística, envolta ainda em alguns mistérios, a sua saga histórica, quase bíblica, fugaz e dramática, e a sua figura ma- jestosa de ostentação e poder permanecem gravadas para sempre como lenda, para os indiferentes, advertência, para os impru- dentes, e pesadelo, para os arrogantes. É o Titanic, que continua navegando...
(^11) No domingo seguinte ao naufrágio, o bispo de Winchester declarou no sermão que “o iceberg tinha o direito de estar ali, mas o Titanic, não!”