Baixe A História de Colin Singleton: Um Menino Prodígio e Suas Descobertas e outras Notas de estudo em PDF para Tradução, somente na Docsity!
John Green
O Teorema
Katherine
Tradução Margarida Malcato
- Quero ter um Momento Eureka – afirmou ele da forma como outro miúdo teria pedido uma Tartaruga Ninja. Ela fez-lhe uma festinha na bochecha com as costas da mão e sorriu com o rosto tão perto do dele que Colin sentia o cheiro a café e maquilhagem.
- Claro, Colin, meu querido. Claro que terás. Mas as mães mentem. Faz parte do trabalho delas.
Colin respirou fundo e deslizou para baixo, imergindo a cabeça. Estou a chorar , pensou, erguendo as pálpebras para olhar através da água cheia de sabão que lhe fazia arder os olhos. Apetece-me chorar, por isso devo estar a chorar, mas é impossível saber porque estou debaixo de água. Mas ele não estava a chorar. Estranhamente, sentia-se demasiado deprimido para chorar. Demasiado magoado. Parecia que ela lhe tinha tirado a parte de si que chorava. Destapou o ralo da banheira, levantou-se, secou-se e vestiu-se. Ao sair da casa de banho, viu os pais sentados na sua cama. Nunca era bom sinal quando o pai e a mãe estavam no seu quarto ao mesmo tempo. Ao longo dos anos isso significara:
- A tua avó/avô/tia Suzie que nunca conheceste, mas que, acredita, era uma pessoa excelente, o que é pena, morreu.
- Estás a deixar que uma rapariga chamada Katherine te dis- traia dos estudos.
- Os bebés são feitos através de um ato que acabarás por achar intrigante, mas que, por agora, te vai assustar. Além disso, às vezes as pessoas fazem coisas que incluem atos que fazem bebés, mas que não quer dizer que façam necessariamente um bebé, como, por exemplo, beijarem-se em zonas sem ser a cara.
Nunca significou:
- Uma rapariga chamada Katherine telefonou enquanto esta- vas no banho. Está arrependida. Ainda te ama, cometeu um erro terrível e está à tua espera lá em baixo.
Contudo, ainda assim, Colin não pôde evitar desejar que os pais estivessem no seu quarto para lhe darem notícias que pertencessem à alínea 4. Normalmente, era uma pessoa pessimista, mas parecia fazer uma exceção para as Katherines: sentia sempre que elas aca- bariam por voltar para si. A sensação de amá-la e ser correspondido invadia-lhe o ser e era capaz de sentir o gosto da adrenalina na boca. Talvez não tivesse acabado, talvez pudesse sentir outra vez a mão dela na sua e ouvir-lhe a voz estridente e alta transformada num sussurro que lhe dizia amo-te da maneira rápida e silenciosa como ela sempre dissera. Ela disse amo-te como se fosse um segredo, um segredo enorme. O pai levantou-se e avançou para ele.
- A Katherine ligou para o meu telemóvel – disse ele. – Está preocupada contigo. – Colin sentiu a mão do pai no seu ombro, depois avançaram um para o outro e abraçaram-se.
- Estamos muito preocupados – disse a mãe. Era uma mulher pequena, com cabelo castanho encaracolado e uma única madeixa branca na parte da frente. – E chocados – acrescentou. – O que aconteceu?
- Não sei – disse Colin, suavemente, no ombro do pai. – Ela simplesmente… fartou-se de mim. Cansou-se. Foi o que disse.
- Depois, a mãe levantou-se e houve muitos abraços, braços por todo o lado. A mãe começou a chorar. Colin desembaraçou-se dos abraços e sentou-se na cama. Sentiu uma necessidade enorme de
poderia ficar rico. Pelos vistos, aquelas dezassete pessoas estavam a brincar. Pensou naquilo – e refletiu como seria possível que vinte e cinco dos seus colegas de turma, alguns dos quais iam consigo à escola há doze anos, pudessem ter desejado «conhecê-lo melhor». Como se não tivessem tido oportunidade. Contudo, passou grande parte das catorze horas a ler e reler a dedicatória de Katherine XIX:
Col A todos os lugares onde fomos. E a todos os lugares onde iremos. E aqui estou, sussurrando-te outra vez e outra vez e outra vez e outra vez e outra vez ao ouvido: amo-te. Para sempre tua, K-a-t-h-e-r-i-n-e
Acabou por achar a sua cama demasiado confortável para o seu estado de espírito, por isso, deitou-se de barriga para cima, com as pernas esparramadas sobre o tapete. Começou a fazer anagramas com as palavras «para sempre tua» até encontrar um de que gostava: se um pesar para. E ficou ali deitado a pensar se o seu pesar pararia, repetindo mentalmente a nota já decorada e desejando chorar. Mas, em vez disso, só sentia uma dor no plexo solar. Chorar adiciona algo: chorar somos nós mais as nossas lágrimas. Só que a sensação de Colin era algo terrível oposto ao choro. Éramos nós menos qual- quer coisa. Continuava a pensar em duas palavras – para sempre – e sentia a dor ardente por baixo da caixa torácica. Doía como o pior pontapé no rabo que já levara. E já tinha levado muitos.
CAPÍTULO DOIS
Doeu assim até quase às dez da noite, quando um gajo gordo e hirsuto de ascendência libanesa entrou de rompante no quarto de Colin, sem bater. Colin virou a cabeça e olhou para ele com os olhos semicerrados.
- Mas que raio se passa aqui? – perguntou Hassan quase aos berros.
- Ela deixou-me – respondeu Colin.
- Foi o que ouvi dizer. Ouve, sitzpinkler^4 , adoraria consolar-te, mas, neste momento, o conteúdo da minha bexiga chegaria para apagar uma casa em chamas. – Hassan contornou a cama e abriu a porta da casa de banho. – Meu Deus, Singleton, o que andaste a comer? Cheira a… AHHH! VOMITADO! VOMITADO! AHHH! E, enquanto Hassan gritava, Colin pensou, Oh. Pois. A sanita. Devia ter puxado o autoclismo.
- Desculpa se errei o alvo – disse Hassan quando voltou. Sentou-se à beira da cama e pontapeou ligeiramente o corpo pros- trado de Colin. – Tive de tapar o nariz com as duas fugging^5 mãos, pelo que o Zezinho balançou livremente. Um pêndulo enorme, o fugger^6. – Colin não se riu. – Deus, deves estar mesmo muito mal porque, primeiro, as piadas sobre zezinhos são o meu melhor
(^4) Palavra alemã utilizada na gíria para designar mariquinhas. Significa literalmente «homem que mija sentado». Estes alemães têm uma palavra para tudo. (^5) Termo que imita o palavrão inglês fucking. ( N. da T. ) (^6) Termo que imita o palavrão inglês fucker. ( N. da T. )
- Bom, e tu precisas de ir para a universidade – murmurou Colin. Hassan resmungou. Um ano mais adiantado do que Colin na escola, Hassan tirara um «ano sabático» apesar de ter entrado na Universidade de Loyola, em Chicago. Como não se inscrevera em nenhuma cadeira do primeiro semestre, parecia que o seu ano sabático brevemente passaria a dois.
- Não vires a conversa para o meu lado – replicou Hassan com um sorriso. – Não sou eu que está demasiado fugged para se levantar do tapete e puxar o autoclismo, meu. E sabes porquê? Porque acredito em Deus.
- Para de tentar converter-me – gemeu Colin, chateado. Hassan saltou da cama, imobilizou Colin no chão, prendeu-lhe os braços e começou a gritar.
- Não há outro Deus senão Alá; Maomé é o seu Profeta! Di-lo comigo, sitzzpinkler! La ilaha illa-llah!^8 – Colin começou a rir, perdendo o fôlego por baixo do peso de Hassan. Este também se começou a rir. – Estou a tentar salvar o teu maldito couro do inferno!
- Sai de cima de mim senão vou para lá em breve – arquejou Colin. Hassan levantou-se e ficou sério de repente.
- Então, qual é o teu problema, em concreto?
- O meu problema, em concreto, é ela ter-me deixado. É estar sozinho. Oh, meu Deus, estou sozinho outra vez. E não é só isso, sou um autêntico falhado, para o caso de ainda não teres percebido. Estou no fim da linha. Sou um ex. Sou o ex-namorado da Katherine XIX. Um ex-prodígio. Um ex-cheio de potencial. E, neste momento, cheio de merda. Tal como Colin explicara milhares de vezes a Hassan, existe uma diferença enorme entre as palavras prodígio e génio. Os prodí- gios podem aprender muito rapidamente o que as outras pessoas já
(^8) A declaração islâmica de fé, transliterada em árabe: Não há Deus senão Deus.
descobriram; os génios descobrem coisas que nunca ninguém des- cobriu. Os prodígios aprendem, os génios fazem. A grande maioria das crianças-prodígio não se torna génios adultos. Colin tinha quase a certeza de que estava nessa desafortunada maioria. Hassan sentou-se na cama e mexeu no seu segundo queixo.
- O verdadeiro problema aqui é a cena dos génios ou a cena da Katherine?
- Amo-a tanto – foi a resposta de Colin. Mas a verdade era que, na mente de Colin, os dois problemas estavam relacionados. O problema era este rapaz especial, magnífico e brilhante… bom, não o ser. O problema em si era Ele não ser importante. Colin Singleton, reconhecida criança-prodígio, reconhe- cido veterano de Conflitos Katherine, reconhecido totó e sitzpinkler , não era importante para Katherine XIX e não era importante para o mundo. De súbito, não era o namorado de ninguém, nem o génio de ninguém. E isso era – para usar uma expressão complexa que se esperaria de um prodígio – uma seca.
- Porque a cena dos génios – continuou Hassan como se Colin não tivesse acabado de professar o seu amor – não é nada. Isso é apenas querer ser famoso.
- Não, não é. Eu quero ser importante para alguém – afirmou ele.
- Pois. Tal como eu disse, queres fama. Hoje em dia, ser famoso é como ser popular. E não serás o próximo America’s fugging Next Top Model, isso é certo. Por isso queres ser o America’s Next Top Genius e agora estás, e não leves isto a peito, a choramingar por isso ainda não ter acontecido.
- Não estás a ajudar – murmurou Colin no tapete. Virou o rosto para olhar para Hassan.
- Levanta-te – ordenou Hassan, estendendo-lhe a mão. Colin agarrou-a, elevou o corpo e tentou largar a mão de Hassan. Contudo, Hassan agarrou-o ainda com mais força. – Kafir, tens um problema muito complicado que tem uma solução muito simples.
- Tecnicamente – respondeu Colin –, acho que já o posso ter desperdiçado.
Talvez fosse por Colin nunca na vida ter desapontado os pais: não bebia, não tomava drogas, não fumava, não usava eyeliner preto em redor dos olhos, não saía até tarde, não tinha más notas, não tinha pírcingues na língua nem a frase «KATHERINE AMO-TE PARA SEMPRE» tatuada nas costas. Ou talvez eles se sentissem culpados, como se lhe tivessem falhado, fazendo-o chegar àquele ponto. Ou talvez só quisessem passar algumas semanas sozinhos de forma a reacender a chama do romance. Porém, cinco minutos depois de ter reconhecido que desperdiçara o seu potencial, Colin Singleton estava sentado atrás do volante do seu Oldsmobile comprido e cinzento, mais conhecido como Carreta do Diabo. Dentro do carro, Hassan disse:
- Muito bem, agora tudo o que precisamos fazer é ir a minha casa, pegar em algumas roupas e miraculosamente convencer os meus pais a deixarem-me ir nesta viagem de carro.
- Podes dizer que eu tenho um trabalho de verão. No campo, ou assim – sugeriu Colin.
- Pois, só que não vou mentir à minha mãe. Que tipo de otário mente à própria mãe?
- Hum.
- Bom, a não ser que outra pessoa lhe mentisse. Com isso, sim, conseguia viver.
- Eu não posso mentir à tua mãe – respondeu Colin. Cinco minutos depois, estacionaram em segunda fila numa rua do bairro Ravenswood, em Chicago, e saltaram para fora do carro ao mesmo tempo. Hassan entrou de rompante em casa e Colin
seguiu-o. A mãe de Hassan estava a dormir numa cadeira da sala de estar muito bem decorada.
- Mãe – chamou Hassan. – Acorda. Ela acordou sobressaltada, sorriu e cumprimentou os dois em árabe. Colin respondeu em árabe, dizendo: «A minha namorada deixou-me e estou muito deprimido, por isso, eu e o Hassan vamos agora, ah… de férias numa viagem dentro do carro. Não sei qual é a palavra árabe para dizer isso.» A Sr.ª Harbish abanou a cabeça e pressionou os lábios.
- Não te disse – censurou ela num inglês com forte sotaque – para não te meteres com raparigas? O Hassan é um bom menino, não «namorisca», e olha como é feliz. Devias aprender com ele.
- É isso que ele me vai ensinar nesta viagem – concluiu Colin, embora nada estivesse mais longe da verdade. Hassan entrou novamente na sala com uma mochila meio fechada a transbordar de roupa.
- Ohiboke^10 , mãe – disse ele, baixando-se para lhe beijar a face. De repente, um Sr. Harbish de pijama entrou na sala de estar e disse em inglês:
- Vocês não vão a lado nenhum.
- Oh, pai. Temos de ir. Olha para ele. Está de rastos. – Colin olhou para o Sr. Harbish e tentou parecer o mais desgraçado pos- sível. – Ele irá comigo ou sem mim, mas, se for comigo, posso tomar conta dele.
- O Colin é um bom rapaz – lembrou a Sr.ª Harbish ao marido.
- Telefonarei todos os dias – acrescentou Hassan. – Nem sequer estaremos fora por muito tempo. Só até ele se sentir melhor. Colin afirmou de improviso.
- Vou arranjar um trabalho para o Hassan – disse ele ao Sr. Harbish.
- Acho que ambos precisamos de aprender o valor do trabalho árduo.
(^10) «Amo-te» em árabe.
sinado em 1914. Ao olhar para o buraco ensanguentado que tinha na barriga, o arquiduque dissera:
- Não é nada. Estava enganado. Não há qualquer dúvida de que o arquiduque Francisco Fernando era importante, apesar de não ser prodígio, nem génio: o seu assassinato deu início à Primeira Guerra Mundial, pelo que a sua morte resultou noutras 8 528 831. Colin tinha saudades dela. A sua falta despertava-o mais do que o café. Quando Hassan pedira para conduzir há uma hora, Colin dissera que não, pois conduzir mantinha-o são – não ir a mais de setenta; Deus, o meu coração está a mil; detesto o sabor a café, mas estou muito desperto; está bem, manter-me afastado do camião; está bem, sim; e agora são as minhas próprias luzes na escuridão. Evitava que a solidão do sentimento de devastação fosse completamente devastadora. Conduzir era uma forma de pensar, a única forma que conseguia tolerar. Contudo, o pensamento continuava à espreita para além do alcance dos seus faróis: fora deixado. Por uma rapariga chamada Katherine. Pela décima nona vez.
No que respeita a raparigas (e, no caso de Colin, respeitava quase sem- pre), todos têm um determinado género. O género de Colin Singleton não era físico, mas linguístico: gostava de Katherines. Não Katies, nem Kats, nem Kitties, nem Cathys, nem Rynns, nem Trinas, nem Kays, nem Kates, nem, que o Deus o livrasse, de Catherines. K-A-T- -H-E-R-I-N-E-S. Namorara com dezanove raparigas. Todas chamadas Katherine. E todas elas – todas, sem exceção – o tinham deixado. Colin acreditava que o mundo tinha dois grupos exatos de pessoas: Pessoas Que Deixam e Pessoas Que São Deixadas. Muitos dirão que pertencem aos dois grupos, mas esses não entendem o cerne da questão: todos estão predispostos para um destino ou para