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Este texto analisa a importância do passado na obra de henrik ibsen, particularmente na forma de garantir uma continuidade entre eles. O documento discute a função do teatro norueguês em bergen, a estrutura artística nacional que promoveu a produção teatral em língua norueguesa, e a relação entre a produção teatral e a representação da família, valores familiares e relações familiares. Além disso, o texto aborda a evolução da dramaturgia de ibsen e o papel de laading e ibsen na produção teatral.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS
Bruno Ricardo Ribeiro Henriques
Orientadora: Professora Doutora Paula Morão Co-orientador: Professor Doutor José Pedro Serra
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de Estudos de Literatura e de Cultura, na especialidade de Estudos Comparatistas
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS
Entre o que Foi e Há-de Ser: O Teatro de Ibsen como um Problema de Memórias Bruno Ricardo Ribeiro Henriques
Orientadora: Professora Doutora Paula Morão Co-orientador: Professor Doutor José Pedro Serra
Júri: Presidente: Maria Cristina de Castro Maia de Sousa Pimentel, Professora Catedrática Membro do Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Vogais: Doutor Gustavo Maximiliano Florêncio Rubim, Professor Auxiliar Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Doutora Ana Isabel Candeias Dias Soares, Professora Auxiliar Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve; Doutora Maria Paula Nina Morão, Professora Catedrática Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, orientadora; Doutora Fernanda Cândida da Mota Alves, Professora Associada Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutor Rui Manuel Pina Coelho, Professor Auxiliar Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Doutoramento financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia SFRH / BD / 73994 / 2010 2018
A dramaturgia de Ibsen é um lugar, melhor dizendo, uma dinâmica de memórias. Na primeira parte desta tese, “Um Jardim de Cadáveres em Botão”, apresentam-se cronologicamente as peças de Catilina a Imperador e Galileu. É através da exposição e comentário dos respectivos enredos, personagens, imagens e símbolos que se reflecte sobre a importância do romantismo e do nacionalismo na dramaturgia de Ibsen anterior a 1877. Para melhor compreender o percurso de Ibsen, é traçado um retrato histórico, político, social, religioso, militar e cultural da Noruega e da Escandinávia. Ao mesmo tempo, conceitos como idealismo, ironia e paródia surgem aqui pela primeira vez. Serão recuperados e desenvolvidos na segunda parte e tornar-se- -ão fundamentais para a leitura que será feita da dramaturgia realista de Ibsen como um teatro de memória paródico. Se as peças anteriores a 1877 foram elementos de uma memória cultural de que a nação norueguesa precisava para construir um discurso identitário, os doze dramas que se seguiram a Os Pilares da Sociedade podem ser entendidos, numa primeira leitura, como exemplos de um realismo fotográfico que retrata a burguesia, os seus valores e, acima de tudo, as suas contradições. No entanto, por baixo da qualidade aparentemente superficial da dimensão comunicativa da memória, existe um conjunto de recordações stricto sensu e elementos de um acervo cultural que a acção presente traz à boca de cena. O retrato e a representação adequada da burguesia servem de charneira na história da dramaturgia ocidental e, ainda hoje, as doze peças finais de Ibsen continuam a ser espaços de negociação entre o passado, o presente e o futuro.
Palavras-chave: Ibsen, memória, paródia, passado, futuro.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha mãe, Maria da Conceição de Almeida Ribeiro Henriques, ao meu pai, José António Andrade Henriques, à minha irmã, Telma Henriques, ao meu cunhado, Pedro Grãos, e ao meu sobrinho, Tomás Henriques Grãos. É importante nomeá-los. Em muitos momentos – alguns demasiado longos – apoiaram-me financeira e emocionalmente. Sou-lhes eternamente grato. Há quem diga que tem a melhor família do mundo, eu tenho a melhor família do mundo. Não posso esquecer a minha avó, Benedita de Almeida, nem o meu avô, Telmo de Almeida. Com eles aprendi que o trabalho requer disciplina e sacrifício. A lição foi valiosa para este período. Aos meus outros avós, Francisco Henriques e Maria de Lurdes Henriques, que faleceu durante o segundo ano deste doutoramento, agradeço o carinho imenso com que sempre me brindaram. Não posso deixar de agradecer à Fundação para a Ciência e Tecnologia que financiou grande parte deste projecto com uma Bolsa de Doutoramento. Aproveito para deixar uma palavra de gratidão a todos os meus colegas e professores do Centro de Estudos Comparatistas (CEC) e do Centro de Estudos Ibsenianos da Universidade de Oslo. Tenho, no entanto, de destacar alguns nomes pelo papel decisivo que desempenharam nestes anos: Helena Buescu, Gerd Hammer, Luísa Soares, Fernanda Mota Alves, Rafael Esteves Martins, Susana Correia, Catarina Oliveira, Igor Furão, Flávia Ba, Sonia Miceli, Marta Pacheco, Ariadne Nunes, Gabriela Silva, Inês Robalo, José Bértolo, Amândio Reis, Joana Moura, Giuliano D’Amico, Thor Holt e Linda Hambro. Não posso esquecer a gentileza e a amizade dos funcionários do CEC, que foram e são verdadeiros amigos: Tiago Guerreiro, Rita Correia e Sofia Ferreira.
Aos meus orientadores, Paula Morão e José Pedro Serra, as palavras não chegam para agradecer a dedicação, a paciência, o trabalho e a energia que dedicaram a esta tese. Grande parte das qualidades desta dissertação é um resultado directo dos seus conselhos. Mais do que a orientação, esse dever profissional que desempenharam exemplarmente, Paula Morão e José Pedro Serra foram meus amigos. Não saberei como retribuir-lhes a preocupação e o carinho. Tenho muitos e bons amigos – os melhores para ser honesto. Ainda que nem todos entendam, aqui fica o reconhecimento ao pessoal da Pontinha, da Bertrand, da Escola Secundária, do Grupo de Jovens, dos Escoteiros, da Faculdade, da Digital e todos os outros que são, como lhes chamo, independentes, entre os quais destaco o meu Carlitos, a minha querida Susana Dinis, o incansável Carlos Severino, o Nuno Carvalho, o Frederico Santiago e o Daniel Barradas. Ana Luísa e Lídia Mateus you are my girls. Domingas Nogueira e Tânia Duarte já não se faz gente tão boa como vocês e respectivas famílias. Marta Rodrigues, como sempre e para sempre. A Sara Barbosa merece uma palavra especial, as gralhas que não existem neste trabalho resultam do seu olhar de falcão, as que permanecem são responsabilidade minha. Além disso, a amizade que tem por mim é mais do que eu mereço. Foi através dela que conheci a Cris Ferreira, a Salomé Valente e a Mira, que infelizmente morreu este ano. Faz-nos muita falta. Na minha primeira aula deste doutoramento, conheci a Patrícia Lourenço. Tornou-se rapidamente uma grande amiga e será até ao fim a única testemunha deste processo deveras difícil. A sua importância é inefável. Por fim, e porque os últimos são os primeiros, agradeço à Sara Fernandes, a minha melhor amiga – my person. Não houve um minuto destes calmos espectáculos que não tenha partilhado contigo. Não sei até hoje como me aguentas. Devo-te tudo. Chego ao fim, sabendo que não estive sozinho. Obrigado!
ocidental: fundador do teatro moderno; “most important playwright writing after Shakespeare” (17); um dos dramaturgos mais encenados, traduzidos e adaptados no mundo inteiro. No entanto, de forma aparentemente parodoxal, Ibsen continuava – sem que desde então tenha havido uma inversão de sentido – a ser ignorado e malquisto na academia e na imprensa especializada: “[o]utside Norway, no major literary theorist has written at length on Ibsen since Raymond Williams in 1969” (17). A este propósito, eis o exemplo de Hilton Als (1960-), crítico teatral da revista americana The New Yorker. Num artigo publicado em 2005, muito embora atribua a responsabilidade, ou parte substancial dela, aos agentes teatrais do milieu nova-iorquino, Als não deixa de pronunciar uma sentença, que, em abono da verdade, ecoa como um lamento: “Henrik Ibsen: so necessary and yet so boring”^2. Se, em vez de uma tese, esta dissertação pertencesse ao género jornalístico, poderia ironizar e afirmar que, para muitos, o dramaturgo norueguês desempenha um papel medicinal na dramaturgia do Ocidente: o de óleo de fígado de bacalhau ( pun intended ). Ora, para quem, como eu, tinha então acabado de descobrir Ibsen e estava deslumbrado com a beleza polissémica das metáforas e imagens poéticas que perpassam as peças, com a mestria dramática, com a perfeição dos enredos e com a modernidade violenta de personagens como Nora Helmer, Hedda Gabler, Hilde Wangel ou John Gabriel Borkman, o desprezo, o acinte, ou pior, o enfado com que muitos dedicavam umas linhas a Ibsen era, no mínimo, desconcertante. Ainda que a explicação seja poliédrica, recordo uma pergunta e uma afirmação de Jorge Silva Melo, contidas no programa de Hedda (2010), reescrita do clássico de Ibsen por José Maria Vieira Mendes, a pedido do encenador da companhia teatral Artistas Unidos: “[s]erá possível voltar a Ibsen sem tudo o que depois dele veio
(^2) http://www.newyorker.com/magazine/2005/10/17/old-hat (17/08/17)
(nomeadamente Strindberg, a psicanálise, o marxismo)?”; “a solidão de Hedda continua aqui perto […]; e, limpo da mecânica teatral da sua época, bugigangas narrativas que manuseava com mestria de alquimista, Ibsen atravessa-nos”^3. Mendes, ao descrever o processo de reescrita, desde o convite até ao texto final, desabafa: “[e]sta é, quanto a nós, a ‘actualização’ possível, ou seja, não uma aproximação a um tempo ou geografia, mas uma aproximação a um pensamento, o pensamento de um dramaturgo que também é o pensamento de um teatro ou da arte hoje (e sempre?)”^4. Quer Viera Mendes, quer Silva Melo estabelecem a mesma distinção, embora escolham termos diferentes para a operar: de um lado, está o “pensamento de um dramaturgo”, a “solidão de Hedda”, em suma, a realidade a-temporal, o domínio das ideias, a esfera do universal; do outro, a história política, social, dramática e teatral, as “bugigangas” temporais, isto é, o domínio do particular. E, de repente, a mordaz ironia revela-se e torna-se constrangedora, uma vez que nenhum outro dramaturgo explorou com tanta veemência a impossibilidade contemporânea – pós-industrial, pós-burguesa, pós-darwiniana, pré-freudiana até – de diferenciar e isolar estes dois campos, como se fossem realidades autónomas e ontologicamente isoladas. É a representação deveras particular que Ibsen faz da burguesia que distingue a sua dramaturgia realista de grande parte da produção dramática dos seus contemporâneos. Nas doze peças finais, a burguesia é apresentada como um grupo particular que redefiniu de forma idiossincrática o rumo da história, distinto dos demais que ocuparam posições cimeiras noutras épocas. Ao explorar impiedosamente as contradições estruturantes e idiossincráticas da alma e do tempo burgueses, Ibsen transformou o palco do último quartel do século XIX numa estrema da tradição dramática ocidental e, muito embora as últimas doze peças possam ser o canto de cisne (^34) http://www.tnsj.pt/home/media/pdf/Programa%20Hedda.pdf (17/08/17) requirements-to-run-joomla-15http://www.artistasunidos.pt/contactos/38-pecas/depois-do-teatro-taborda/25-what-are-the- (17/08/17)
memória cultural lato sensu , ou seja, do acervo de referências que cada uma das peças convoca através do diálogo e dos elementos visuais e auditivos contidos nas didascálias. Durante este período de estudo e redacção, dediquei-me com afinco à aprendizagem do norueguês, uma vez que o conhecimento do idioma de Henrik Ibsen sempre me pareceu deveras importante para compreender melhor os textos que subjazem à reflexão que aqui se apresenta. Embora o estudo não tenha sido fácil, porque as línguas e as culturas escandinavas não são ensinadas nas universidades portuguesas, consegui através de alguns cursos de curta duração, aulas particulares e um semestre na Noruega adquirir conhecimento necessário para aferir a qualidade de uma tradução e discutir alguns aspectos filológicos acerca das mesmas. Decidi, no entanto, no que diz respeito às peças realistas, utilizar as traduções da equipa de tradutores responsáveis pelas versões em português dadas à estampa em 2006 e 2008 na editora Livros Cotovia. No que diz respeito aos textos anteriores a Os Pilares da Sociedade , recorri às traduções inglesas de James McFarlane. As excepções a estas escolhas estão assinaladas. Traduzi directamente alguns trechos de Brand e Peer Gynt , porque as versões disponíveis tinham uma índole poética e era mais conveniente para o meu trabalho uma tradução literal. A propósito dos títulos originais das obras de Ibsen, segui o seguinte critério: na primeira parte, o título em norueguês surge quando apresento a peça pela primeira vez; na segunda parte, porque a organização é distinta, como esclarecerei adiante, o nome da peça em norueguês é apresentado aquando da primeira referência. Gostaria agora de definir o objecto e a metodologia que presidiu à elaboração desta tese. Na primeira parte, a que chamei “Um Jardim de Cadáveres em Botão”, (adaptação de uma fala de Nikolas Arnessøn, personagem de Os Pretendentes à Coroa ), apresento de forma contínua e cronológica todos os textos dramáticos que constituem a fase romântico-nacionalista de Ibsen, que se estende de Catilina a Imperador e Galileu.
Aproveito para, através da evolução da técnica dramática de Ibsen, que vou demonstrando ao apresentar as características principais de cada um dos textos, introduzir aspectos biográficos, históricos, sociais, religiosos, políticos e económicos que definiram Ibsen e o seu país e que se reflectem nas peças deste período anterior a
evidência a relação entre o presente e o passado, que é o verdadeiro leitmotiv deste ciclo de doze peças. Em vez de uma conclusão, de um elenco dos argumentos apresentados, decidi apresentar um último capítulo, significativamente mais curto, a que chamei “Remate Manqué ”, para, deste modo, sublinhar a sua natureza inacabada. Nesta secção, introduzo, de forma contra-intuitiva, reconheço, um conjunto de conceitos relacionados com o campo dos Estudos de Memória, recuperando a conclusão do primeiro capítulo. Afirmo que a dramaturgia realista de Ibsen leva a cabo uma representação da dimensão comunicativa da memória, como Jan e Aleida Assmann a definem. Termino defendendo que o ciclo realista e as peças romântico-nacionalistas podem ser lidas como agentes, lugares, produtos e, acima de tudo, dinâmicas de memória(s). Eis, portanto, a razão do título da tese: Entre o que Foi e Há-de Ser: O Teatro de Ibsen como um Problema de Memórias. E há-de ser, porque o género dramático implica, a cada encenação, um conjunto de escolhas que podem ser lidas como uma negociação entre os agentes do presente, da dimensão comunicativa da memória, e os textos, que, por sua vez, são uma memória de um tempo que reflectia, agudamente, sobre o passado e sobre o futuro. E chego, por fim, ao problema que orientou este trabalho: pode o teatro de Ibsen ser lido como um teatro de memória e de memórias, um veículo dinâmico entre o passado (o romantismo, o idealismo), o presente (o realismo, o anti-idealismo) e o futuro (as negociações entre estas três dimensões em cada uma das encenações e leituras)? Eu julgo que sim.
Men destroy each other during war; themselves during peacetime. Nassim Nicholas Taleb, The Bed of Procrustes
Henrik Ibsen nasceu em 1828, em Skien, na Noruega e veio a falecer em Oslo, então Cristiânia^5 , em 1906. Esta informação parece redundante, de natureza parentética e, acima de tudo, monótona como incipit de uma tese sobre o maior dramaturgo ocidental desde Shakespeare (Moi 2006, 17); este intervalo temporal, o da vida de Ibsen, cabe, porém, nesse período que George Steiner, em Gramáticas da Criação ( Grammars of Creation , 2001 ), circunscreveu da seguinte forma: “[a] traço grosso, desde Waterloo até aos massacres dos anos de 1915-16 na Frente Ocidental, a burguesia europeia conheceu uma época privilegiada, um armistício com a história” (2002, 13). Num capítulo intitulado “Who Was Henrik Ibsen?”, Einar Haugen, embora sublinhe, como Steiner, a ausência de guerras mundiais, dá conta de um ‘armistício’ frequentemente violado por conflitos que macularam este Jardim do Éden retrouvé : “Henrik Johan Ibsen was born on March 20, 1828, when the French Revolution and the Napoleonic disaster were still freshly in mind. New revolutions and wars – but no world wars – were to dot the period of his life” (1979, 23). Quando cotejados com os horrores que se seguiram a 1914^6 – a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial e o Estalinismo, entre tantos outros – , os conflitos do século XIX empalidecem e abrem (^5) Em 1624, um grande incêndio destruiu a cidade de Oslo. A sua reconstrução foi conduzida pelo rei Christian IV e, por isso, entre 1624 e 1925, chamou-se Christiania. Nas últimas décadas do séculoXIX, a grafia Kristiania, mais consentânea com a então incipiente língua escrita norueguesa, substituiu, progressivamente, a anterior. (^6) “[A]inda que descontemos a parte da nostalgia selectiva e da ilusão, a verdade não deixa de o ser: para toda a Europa e para a Rússia, este último século tornou-se um período infernal. Os historiadorescalculam em mais de setenta milhões de mortos o número dos homens, das mulheres e das crianças vítimas da guerra, da fome, das deportações, dos massacres e das infecções políticas entre Agosto de 1914 e a ‘limpeza étnica’ dos Balcãs” (Steiner 2002, 13).
emergente, a burguesia, tendo vivido vinte e sete anos fora do seu país natal, num exílio que impôs a si mesmo. Deste modo, se, por um lado, é fundamental conhecer e investigar as circunstâncias em que Ibsen viveu e produziu a sua obra, por outro, a distinção que a autora de Henrik Ibsen and the Birth of Modernism estabelece, e que este trabalho tenta seguir programaticamente, não pode ser ignorada: “[t]here is a difference between believing in national essences and believing, as I do, that human beings are shaped by their cultural, social, and economic situation, as well as by their individual reactions to that situation” (39); até porque, e é James McFarlane que o diz, numa observação particularmente lúcida, Ibsen é genuinamente norueguês – as suas peças e poemas dependem e reflectem a realidade política, social e cultural da Noruega, já para não falar da sua história – , mas não é tipicamente norueguês (1960, 10) e a sua obra não pode ser considerada exemplar daquilo que é, de forma contraditória, corolário, i.e., a literatura norueguesa. É de Toril Moi a mais rigorosa e paradoxal descrição da Noruega em meados do século XIX: “[p]olitically, economically, and culturally, mid-nineteenth-century Norway was partially colonial, and partially postcolonial” (2006, 39). Pensar a realidade política, económica e cultural da Noruega como colonial e pós-colonial não é tarefa de pouca monta. Em primeiro lugar, a coalescência de uma situação colonial e pós-colonial é contra-intuitiva, uma vez que, como lembra Nicholas Dirks, “‘postcolonialism’ refers to a period after colonialism or to one still profoundly marked by colonialism’s legacies” (2011, 267). Depois, o colonialismo é, lato sensu , o domínio abusivo e hegemónico de um país europeu sobre territórios e povos não europeus (42). No seu período romântico – de Catilina (1850) a Imperador e Galileu (1873) – , Ibsen escreveu teatro, assim como poesia^8 , de índole patriótica; veja-se, por exemplo,
(^8) Ibsen deixa de escrever poesia na década de 60 e publica em 1871 um volume, intitulado Digte ( Poemas ), no qual reúne a sua produção lírica.
Senhora Inger de Østråt (1855) e Os Pretendentes à Coroa (1863), peças nas quais procurava ficcionar, em cenários medievais pseudo-históricos, uma mitologia para a nação, que, em 1814, alcançou uma autonomia política alargada. Haugen dá conta do serviço que o anacronismo histórico prestava à causa patriótica e romântica: “[o]n the other hand there is the noble king Haakon [protagonista do texto de 1863], with his divinely inspired idea: ‘Norway was a kingdom , it shall become a nation ’. National identity was an anachronism in the thirteenth century, but […] a very lively issue in the nineteenth” (1979, 42). Hauger sublinha que o romantismo norueguês, tardio e claramente derivativo do alemão, assumiu, na esteira deste, um claro pendor nacionalista: “romanticism in Germany and Scandinavia took the form of an assertion of native values against classical influence and foreign, especially French, domination” (40). Fogo endemicamente romântico, o nacionalismo norueguês foi atiçado, ainda que enviesadamente, pela sanha bélica de Napoleão. Depois do abandono da Suécia, em 1523, da União de Kalmar ( Kalmarunionen ), que unia, sob a mesma coroa, as diferentes nações escandinavas desde o século XIV, a Noruega e a Dinamarca mantiveram uma união dinástica até Janeiro de 1814, data do Tratado de Kiel ( Kieltraktaten ), no qual a Dinamarca cedeu a Noruega à coroa sueca como despojo de guerra. A seguir à derrota de Napoleão na Batalha das Nações (1813), a Dinamarca, uma das potências aliadas do Imperador francês, foi obrigada – estava falida e cercada – a reconhecer a pretensão sueca de anexar a Noruega, assim como a juntar-se à aliança política e militar contra Napoleão, que tinha à cabeça a Inglaterra. Descontentes com a solução, um grupo de noruegueses insignes reuniram-se em Eidsvoll e – com o apoio da coroa dinamarquesa, nomeadamente do príncipe Christian Frederik (1786-1848), regente da Noruega e figura de proa do movimento