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Este artigo examina os efeitos da pandemia de covid-19 em contratos empresariais, analisando-os no contexto do ambiente de negócios e dos deveres de administradores de sociedades empresariais. O documento discute a autonomia privada e a liberdade contratual, as novas regras de interpretação introduzidas pela lei de direito empresarial (lde), e os desafios para a aplicação da teoria da imprevisão em contratos empresariais durante a pandemia.
O que você vai aprender
Tipologia: Resumos
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Não perca as partes importantes!
Ano 6 (20 20 ), nº 4 , 2493- 2521
Sumário: Introdução. 1. O sonho da liberdade econômica. 2. O pesadelo da pandemia do covid-19. 3. Será a pandemia um bode expiatório? 4. Como funcionam os contratos empresariais 4.1. Organização empresarial. 4.2. O dever de diligência dos admi- nistradores e a regra da decisão empresarial. 5. O novo normal e a empresa resiliente. 6. Notas finais: nem fobia, nem idolatria. Palavras-Chave: Contratos empresariais. Deveres dos adminis- tradores. Liberdade econômica. Crise. Revisão contratual. Em- presa resiliente. INTRODUÇÃO jovem casal e seus três filhos estão em férias na Tailân- dia. Na manhã do dia 26 de dezembro de 2004, enquanto todos relaxam na piscina do hotel após as festividades (^1) Pós-Doutor em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Uni- versidade de Lisboa. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Cató- lica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor Titular de Direito Empresarial na Es- cola de Direito da PUCRS. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGDir) na PUCRS, Advogado. Porto – Alegre – RS.
_ 2494 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 de Natal, um tsunami de proporções inimagináveis atinge a costa. A invasão da onda é impressionante e a destruição é de- vastadora e de graves consequências. A região se transforma num caos. Todos sangram e sofrem. A fúria do mar separou a família por dois dias e meio: a mãe e o filho mais velho, para um lado da ilha, enquanto o pai e os dois filhos mais novos, para o outro. Separados em dois gru- pos, os familiares enfrentarão situações desesperadoras para se manterem vivos e começam a viver uma trágica lição de vida, movida pela solidariedade e pela esperança do reencontro. Depois de uma longa caminhada com muito sofrimento, a família se reencontra. Um avião os espera, todos embarcam, apertam os cintos e a decolagem deixa para trás a costa da Tai- lândia totalmente destruída.^2 A família Alvarez Belón será a mesma? Os cinco sobre- viventes da família, Enrique Alvarez, Maria Belón e seus filhos Lucas, Thomas e Simon serão os mesmos? Coincidências à parte, o evento e os efeitos da pandemia do Covid-19 podem ser equiparados à sinopse do filme “O im- possível”. Assim, como a próspera família Alvarez Belón descan- sava em resort de luxo numa paradisíaca praia da Tailândia; os empreendedores brasileiros viviam momentos de euforia pela recente promulgação da Lei da Liberdade Econômica (LLE), lei nº 13.874, de 20/09/2019. Assim como o tsunami provocou um efeito devastador ao separar a família Alvarez Belón e impor terríveis sofrimentos e duros sacrifícios; a pandemia do Covid-19, subitamente, tam- bém colocou os empreendedores brasileiros uns contra os ou- tros, causando-lhe perdas econômicas e pesados sacrifícios. Assim como a realidade dos membros da família Alvarez Belón mostrou que, após o tsunami, o único caminho possível (^2) “O Impossível”. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Imposs%C3%AD- vel Acesso em 30 abril 2020
_ 2496 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 a vida de todos sem pedir licença. Será momento de ódio recí- proco? O propósito deste artigo será, então, examinar os efeitos da pandemia do covid-19 nos contratos empresariais no contexto do ambiente de negócios e dos deveres dos administradores das sociedades empresariais.
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2497 _ internacionais, em que o pactuado entre as partes tem for ça obri- gatória ( pacta sunt servanda ). O reforço da autonomia privada e da liberdade contratual foi objeto da LLE para garantir que os negócios jurídicos empre- sariais paritários possam ter livre estipulação entre as partes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pú- blica.^4 Novas regras de interpretação foram introduzidas pela LLE ao artigo 113 do Código Civil para assegurar que o negócio jurídico seja interpretado com o sentido de I - ser confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negó- cio; II - corresponder aos usos, costumes e prá ticas do mercado relativas ao tipo de negócio; III - corresponder à boa-fé; IV - ser mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identifi- cável; e V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, considera- das as informaç õ es disponíveis no momento de sua celebração. Além disso, o novo art. 421-A do Código Civil expres- samente reconhece a presunção de paridade e simetria das partes contratantes, até a presenç a de elementos concretos que justifi- quem o afastamento dessa presunção, garantido também que: I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das clá usulas negociais e de seus pressupos- tos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III - a revisão contratual somente ocorrer á de maneira excepcional e limitada. (^4) “Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvol- vimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: [...] VIII - ter a garantia de que os negócios jurí- dicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública;” BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; esta- belece garantias de livre mercado; e dá outras providências.
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2499 _ é louvável,^8 desburocratizou a atividade empresarial e promoveu alteração transversal no ordenamento jurídico e, dentre as alte- rações, procurou restringir a revisão de contratos privados.^9 Enfim, a LLE representa hermenêutica pro libertatem se- gundo o que está literalmente dito no artigo 1º, § 2º “interpretam - se em favor da liberdade econômica, da boa-fé́ e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econ ô micas privadas”. A partir da LLE, “o princípio da liberdade de iniciativa ganha relevância na argumentação jurídica acerca da solução que se deve dar aos conflitos entre particulares, em especial em- presários” 10 e “a boa-fé deve estar ligada ao cumprimento dos acordos”^11 A garantia de que os negócios jurídicos empresariais pa- ritários serão objeto de livre estipulação das partes, assegurada pelo artigo 3º, inciso VIII^12 também pretende desmitificar a “tu- tela desmesurada dos contratantes de menor porte ou com (^8) TARTUCE, FLAVIO. “A Lei da Liberdade Econômi ca” (lei n. 13.874/2019) e as principais mudanç as no âmbito do direito contratual. Revista Jurídica Luso-Brasi- leira, vol. 1, p. 1020. (^9) TARBINE, Maruan. Lei da liberdade econômica: uma aná lise econômica do con- trato: Aná lise sobre a lei que tem o objetivo declarado de superar os obstáculos ao empreendedorismo no territó rio brasileiro. Disponível em https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/arti- gos/lei-da-liberdade-economica-uma-analise-economica-do-contrato- 28122019 Acesso em 28 dezembro 2019 (^10) COELHO, Fábio Ulhoa. “Uma lei oportuna e necessária”. Liberdade econômica: o Brasil livre pra crescer Coletânea de artigos jurídicos. GOERGEN, Jerônimo, or- ganizador. Brasil, 2019, p. 30. (^11) ACCIOLY, João C. de Andrade Uzêda. “Hermenêutica Pro Libertatem. Comentá- rios à Lei de Liberdade Econômica. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 42. (^12) Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvol- vimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: [...] VIII - ter a garantia de que os negócios jurí- dicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública. BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de se- tembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabe- lece garantias de livre mercado; e dá outras providências.
_ 2500 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 protecionismo infantil, capaz de comprometer o bom fluxo de relações econômicas”. 13 Este novel dispositivo da LLE está perfeitamente ali- nhado aos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, entre os quais, destaca-se a decisão que reconheceu que “o controle judi- cial sobre eventuais clá usulas abusivas em contratos empresari- ais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia”.^14 (^13) FORGIONI, Paula. “A interpretação dos negócios jurídicos II – alteração do art. 113 do código civil” Obra citada , p. 374. (^14) BRASIL. STJ. REsp nº 1.409.849 – PR – 3ª Turma, rel. Min. Paulo de Tarso San- severino. j. em 26/04/2016. A propósito da apreciação dos contratos empresariais pe- los tribunais, há um julgamento paradigmático conhecido como “o caso da juta” ocor- rido no começo do século XX. Nesse julgamento a doutrina comercialista já susten- tava a interpretação dos contratos empresariais conforme a práxis dos negócios co- merciais. No caso concreto, o alienante de um estabelecimento comercial, mesmo ine- xistindo cláusula contratual expressa, deveria ficar impedido de se estabelecer nova- mente, pois a ele alienante, incumbe fazer a venda firme, boa e valiosa. Eis uma aper- tada síntese do caso: O Conde Álvares Penteado, juntamente com os demais acionistas da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, "alienaram, sem condição alguma, todas as suas respectivas acções". Em 1911, aproximadamente um ano após a venda, o Conde estabeleceu-se novamente, no mesmo ramo de negócios, constituindo a Com- panhia Paulista de Aniagens. Considerando que (i) o ordenamento jurídico brasileiro não continha dispositivo expresso sobre a possibilidade ou impossibilidade de con- corrência do alienante da empresa, bem como (ii) o silêncio do contrato a respeito, a questão estava assim posta: tendo o Conde vendido o estabelecimento industrial, es- taria "juridicamente privado de fundar, por si ou por empresa que organizasse, um estabelecimento industrial tendo por fim explorar a fiação e tecelagem de juta e outras fibras têxteis, bem como o comércio de seus productos”. Por um lado, Ruy Barbosa, advogado do alienante, sustentou, em suma, que a "liberdade de estabelecimento" e de comércio, na ausência de cláusula expressamente convencionada pelas partes, não poderia ser limitada. Inexistia, no direito pátrio, dispositivo legal que autorizasse essa restrição e, para alguns, a "freguezia", a "posição (...) conquistada no mercado", não seriam passíveis de alienação. Em oposição, Carvalho de Mendonça – em defesa do adquirente – afirmou que a limitação era ínsita à alienação do estabelecimento, eis que a coisa vendida deve ser feita boa, firme e valiosa, atendendo à boa-fé que necessari- amente há de presidir o tráfico mercantil. Aquele que aliena e concorre, desviando clientela, impede que o adquirente desfrute da coisa que comprou, frustrando suas expectativas. Resumindo essa posição de Carvalho Mendonça, "(...) o vendedor do estabelecimento comercial não pode fundar outro que abra concorrência ao
_ 2502 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 primeiro ano de vigência, a tão sonhada liberdade contratual, um dos objetivos da LLE, foi brutalmente afetada pelo surgimento da pandemia COVID-19: “é como se tivessem ‘tirado a econo- mia da tomada — e ninguém sabe quando e como ela vai religar. Em grande medida, o dinheiro deixou de circular. Quem possui recursos segura-os ao máximo; quem não os tem apenas avisa que não há como pagar.^17 O sonho da liberdade contratual, da autonomia das partes para estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das clá usulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de re- solução, da possibilidade da alocação de riscos definida nos con- tratos, da revisão contratual de maneira excepcional e limitada e do empoderamento do empresariado para expandir sua prote- ção face a intervenção estatal, cede espaço e oportunidade frente aos efeitos da grave e inimaginável crise como decorrência da paralisação de todas as atividades econômicas, que afetou (e afe- tará) profundamente as relações contratuais empresariais Os efeitos da pandemia COVID-19 rapidamente reme- tem a categorias clássicas do direito voltadas a flexibilizar a forç a vinculante dos contratos diante de bruscas alterações das circunstâncias, motivadas for fatores imprevisíveis e, ao menos no curto prazo, insuperáveis.^18 (^17) Scalzilli, João Pedro. SPINELLI, Luis Felipe. TELLECHEA, Rodrigo. Pandemia, crise econômica e Lei de Insolv ência. Porto Alegre, RS. Buqui, 2020, p. 29 (^18) Para o exame das categorias jurídicas incidentes a justificar o afrouxamento dos vínculos contratuais, sua revisão ou resolução, consultar excelente texto de AZE- VEDO. Antonio Junqueira de. “Natureza jurídica do contrato de consórcio. classifi- cação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. os contratos relacionais. A boa-fé́ nos contratos relacionais. contratos de dura ção. alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e resoluç ão contratual. Resoluç ão parcial do contrato. Função social do contrato. Revista dos Tribunais , vol. 832, págs. 115 - 13. Também escreveram sobre o tema em textos relacionados à pandemia do co- vid-19: SIMÃO, José Fernando. O contrato nos tempos da covid-19". Esqueçam a força maior e pensem na base do negócio. SCHULMAN, Gabriel. Covid-19: Os con- tratos, a incerteza os desafios para a manutenção das empresas e a exceção da ruína. PIANOVSKI Carlos Eduardo. A crise do covid-19 entre boa-fé , abuso do direito e comportamentos oportunistas. SOUZA, Eduardo Nunes de. SILVA, Rodrigo da guia. Resolução contratual nos tempos do novo coronavírus. TARTUCE, Flavio. O
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2503 _ Todos os negócios jurídicos empresariais estão sendo e serão impactados pela pandemia, de modo rápido e grave. Me- didas estatais gerais e concretas de paralisação ou redu ção de atividades, atos ou omissões de parceiros de negócios, atos de terceiros etc. todos devidamente classificados em “causa re- mota”, “causa próxima”, “causa intermediária”, “causa assessó- ria”, “causa provável” etc. A dificuldade será identificar qual dos contratantes é a parte mais afetada.^19 Outro ponto a ser considerado é a possibilidade do surgi- mento de comportamentos oportunistas: seja do lado do deve- dor, para obter a revisão do contrato apenas pela mera dificul- dade subjetiva de prestar decorrente de reduç ão de fluxo de caixa ou, ainda, pelo intento de não desejar recorrer a reservas finan- ceiras ou, mesmo, obtenção de crédito; seja do lado do credor, em exigir a prestação originalmente pactuada diante da alteração superveniente de circunstâncias com efeitos imprevisíveis e ex- traordinários sobre o contrato e que pode ensejar a frustração da função econômica, com recusa à renegociação imposta pela boa- fé. Enfim, o comportamento oportunista deve ser inibido e, in- centivado o comportamento cooperativo, inerente aos deveres da boa-fé.^20 Entre as hipóteses fáticas examinadas por Eduardo coronavírus e os contratos - Extinção, revisão e conservação - Boa-fé, bom senso e solidariedade. GONÇALVES, Oksandro. A racionalidade econômica dos contratos em épocas pandêmicas. RESEDÁ, Salomão “Todos querem apertar o botão vermelho do art. 393 do Código Civil para se ejetar do contrato em razão da covid-19, mas a pergunta que se faz é: todos possuem esse direito? SOUZA. Eduardo Nunes de. e SILVA. Rodrigo da Guia Silva. Resoluç ão contratual nos tempos do novo coronaví- rus. Entre outros disponíveis em www.migalhas.com.br (^19) KAERCHER. Gustavo Sinuca de bico: efeitos da pandemia de Covid-19 no micro- cosmo dos contratos. Disponível em https://www.jota.info/tributos-e-empresas/regu- lacao/sinuca-de-b...s-da-pandemia-de-covid- 19 - no-microcosmo-dos-contratos- 07042020 Acesso 08 abril 2020. (^20) PIANOVSKI Carlos Eduardo. A crise do covid-19 entre boa-fé , abuso do direito e comportamentos oportunistas Disponível em https://www.migalhas.com.br/co- luna/migalhas-contratuais/324727/a...- 19 - entre-boa-fe-abuso-do-direito-e-comporta- mentos-oportunistas Acesso 16 abril 2020.
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2505 _ “A Belle É poque acabou em 13 de março de 2020 e com ela a realidade A”, nas palavras de José Fernando Simão, que prossegue “O momento é de crise econômica mundial sem pre- cedentes. Os contratos, na atualidade, passam a ser, em muitos casos, um jogo de perde-perde. O direito da realidade atual, caó- tica e pandêmica (realidade B), por meio de seus adjudicadores, deve ter ‘consciência’ de sua função: evitar o colapso contratual e buscar sua conservação por meio do equilíbrio sempre que possível”.^24
_ 2506 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 exercício da liderança exige, mais do que nunca, um aprendizado constante”. “As empresas se tornam irrelevantes da noite para o dia”, diz Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza. ‘O perigo mora ao lado em uma startup de garagem’. O antídoto para essa cor- rida contra o desconhecido, segundo ele, é simplesmente estar preparado para se transformar e arregaçar as mangas para apren- der. Trajano diz que, para mergulhar mais a fundo no modus operandi do Vale do Silício (EUA), decidiu fazer um curso de três meses na Universidade Stanford, no centro nervoso das ino- vações do mundo. “Hoje temos certeza de que a única coisa que não muda é a nossa vontade de mudar sempre”, relatou à repor- tagem. A reportagem contém relatos de CEO’s de importantes empresas com atuação em diversos setores da economia e o foco é: “o aprendizado para a vida toda, ou o chamado ‘ lifelong lear- ning ’, relacionado com esse novo mundo que muda rapida- mente”.^25 Em recente texto que abordou o impacto da revolução digital nos negócios empresariais, destaquei que “a empresa que não compreende esse fenômeno e que não reage à incrível velo- cidade das disrupções tecnológicas — e às consequentes trans- formações que provocam nas diversas cadeias de valor — tem sua evolução potencialmente dificultada, sua produtividade e eficiência prejudicadas, sua competitividade ameaçada. E é pro- vável que não garanta sua sustentabilidade como negócio” No citado artigo, sem a pretensão de antever o momento em que vivemos, apresentei uma breve reflexão sobre o impacto que esse novo comportamento empresarial pode ocasionar na ca- racterização dos requisitos da aplicação da teoria da imprevisão autorizadores da revisão judicial do contrato, isto é, nesse novo (^25) CAMPOS. Stela. Aprender, desaprender e reaprender para encarar o futuro dos negócios Disponível em https://valor.globo.com/carreira/ensino-executivo/co- luna/aprender-desaprender-e-reaprender-para-encarar-o-futuro-dos-negocios.ghtml Acesso em 04 março 2018.
_ 2508 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 evidentemente não desejado pela empresa contratante na forma- ção do contrato, não pode autorizar sua revisão:
Outro aspecto que deve ser considerado na correta avali- ação da alteração das condições objetivas no momento da exe- cução é a sua medida temporal, isto é, a sua extensão, o seu im- pacto, a sua intensidade no equilíbrio das prestações e, conse- quentemente, na economia do contrato. Isso porque, um acontecimento de inopino, em grandes proporções, mas de curta duração – como pode ser o caso do pós-covid-19 em algumas situações - poderá ocasionar uma al- teração momentânea na economia do contrato, mas não obriga- toriamente durante uma relação contratual duradoura, já que, a sua curta duração pode retirar a possibilidade de provocar tama- nho efeito no equilíbrio do contrato. Na medida em que tais desequilíbrios acarretam o agra- vamento do sacrifício patrimonial para além das expectativas da empresa contratante da operação, que não lhe dá mais os bene- fícios esperados, traduzindo-se até, num passivo econômico, cabe-lhe suportar os riscos que, ao concluir o contrato e procu- rando com ele o proveito, o próprio contratante assumira. É coerente com o sistema que o posterior agravamento da razão de troca seja suportado pela empresa contratante que o sofre: ela é, por isso, obrigada, em linha de princípio, a cumprir (^28) ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina. 1988, p.
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2509 _ regularmente o contrato, ainda que este tenha se tornado mais oneroso do que era quando da conclusão.^29 Afinal, a onerosidade excessiva não pode ser uma mera quebra de expectativas da em- presa contratante. Admitir, como regra, a revisão do contrato pelo fato de acarretar para uma das partes uma onerosidade não esperada, se- ria, em verdade, privar o contrato de sua utilidade, que é um ato de previsão para o futuro e consiste em garantir a empresa cre- dora contra a imprevisão.^30
RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 ________ 2511 _ palavras que, apesar de terem sido produzidas em meados do sé- culo XX, são atualíssimas e, quiçá, poderiam ser consideradas uma verdadeira projeção do futuro:
4.2. O DEVER DE DILIGÊNCIA DOS ADMINISTRADORES E A REGRA DA DECISÃO EMPRESARIAL. Invoca-se o dever de diligência dos administradores das sociedades empresariais para o enfrentamento dos efeitos da pandemia do covid-19, isto é, os administradores devem ter energia capaz de reorganizar, redimensionar e planejar as ativi- dades da empresa no cenário pós-covid-19. Não basta apenas alegar que a empresa foi afetada pela crise; isso é notório; é ne- cessário ir além, cumprir o dever que a lei impõe aos adminis- tradores. O dever de diligência é usualmente considerado como o mais importante dos deveres atribuídos aos administradores das sociedades, havendo, inclusive, quem entenda que os demais (^35) FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo : Saraiva, 1962. 1º vol., págs. 474-475.
_ 2512 ________ RJLB , Ano 6 (20 20 ), nº 4 deveres elencados na lei poderiam ser dele decorrentes. Doutrina e jurisprudência identificam uma série de representações do de- ver de diligência, dentre os quais destaca-se o dever de se infor- mar. Em linhas gerais, o dever de se informar exige que o ad- ministrador busque informaç õ es capazes de suportar as suas de- cisões negociais. O administrador não pode se esquivar das de- cisões negociais, alegando falta de competência ou de conheci- mento.^36 O dever de diligência envolve tempo dedicado à função. Participação ativa - agir, inquirir e avaliar alternativas e conse- quências. Compartilhar conhecimento e discutir com os demais administradores. Assessorar-se com especialistas. Entre os parâ- metros elencados por Ana Frazão, para o dever de diligência, destacam-se os seguintes: “o dever de informação para a tomada das decisões, o que pode implicar na consulta à ‘experts’ em (^36) O mais apropriado meio de operacionalização do standard do dever de diligência, segundo penso, é consider á-lo em relaç ão aos cânones da “ciência” da administra ção de empresas (a expressão ciência, referida ao conhecimento das técnicas de adminis- traç ão empresarial, está aqui grafada entre aspas porque considero que tal conheci- mento, a exemplo do jurídico, tem natureza tecnológica e não científica. Diligente, de acordo com essa solução, é o administrador que observa os postulados daquele corpo de conhecimentos tecnológicos, fazendo o que nele se recomenda e não fazendo o que se desaconselha. Tal forma de operacionalizar a norma do art. 153 da LSA parece-me extremamente objetiva, de modo a tornar o cumprimento do dever passível de aferição através de perícia. Ou seja, se o administrador adotou determinada providência na condução dos negócios sociais, a indagação jurídica acerca do atendimento ao dever de diligência na hipótese deve ocupar-se em compará - la ao que é assente entre os experts em administra ção de empresa. A adoção do bom pai de família como para- digma não é mais operacional, hoje em dia. De um lado, por se tratar de padrão por demais impreciso e em total descompasso com a realidade, tendo em vista as profun- díssimas alterações na distribuição social de trabalho entre os sexos e as novas estru- turas familiares. De outro lado, o atual estágio de desenvolvimento da “ciência” da administraç ão — nascida do pioneiro trabalho de Frederick Taylor, no fim do século XIX — permite à doutrina jurídica deitar ao lado as já gastas fórmulas do direito ro- mano. Em suma, o paradigma do administrador competente deve substituir o do bom pai de família. (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial , volume 2 : direito de Empresa. São Paulo : Saraiva, 2012. págs. 313/314)