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Este artigo explora a visão de josé de alencar sobre a sociedade sertaneja apresentada no romance 'o sertanejo'. Os autores investigam como alencar descreve o homem sertanejo, arnaldo, e sua organização social, além de discutir a influência desse tipo de homem na sociedade semi-árida atual. O artigo oferece uma perspectiva histórica e etnográfica sobre a formação do homem sertanejo na obra de alencar.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Felipe Rodrigues Costa Pedro Fernandes de Queiroz Universidade Estadual Vale do Acaraú/UVA RESUMO: Neste trabalho tem-se como objetivo principal investigar a visão que José de Alencar teceu na obra “O sertanejo”, com a finalidade de entendê-la como uma das primeiras etnografias da sociedade sertaneja, para daí tentar entender como se organiza a estrutura social da sociedade sertaneja alencariana. PALAVRAS CHAVE: cultura sertaneja, literatura, racionalidade, religião ABSTRACT - This work has been aimed at investigating the vision that José de Alencar has woven the work “O Sertanejo” in order to understand it as one of the first ethnographies of society sertaneja, then try to understand how to organize the social structure sertaneja alencariana society. KEYWORDS: country culture, literature, rationality, religion “O SERTANTEJO” DE JOSÉ DE ALENCAR:UNA LECTURA DE LA FORMACIÓN DE UN ESTILO DE VIDA SOCIAL RESUMEN : En este trabajo se tiene como objetivo principal investigar la visión que José de Alencar tejió en la obra “ O Sertanejo ”, con la finalidad de entenderla como una de las primeras etnografías de la sociedad sertaneja , para de ahí intentar entender cómo se organiza la estructura social de la sociedad sertaneja alencariana. PALABRAS LLAVE : cultura sertaneja , literatura, racionalidad, religión. INTRODUÇÃO Examinando a cidade – leia-se também o sertão – nos elementos que a compõem, saberemos melhor em que eles diferem, e se é possível reunir esses conhecimentos esparsos para deles formar uma arte. (ARISTÓTELES: s.d.
Muito já se falou e escreveu sobre o sertanejo, tanto na literatura, como nas Ciências Sociais. Porém diante desses dados, nós saberemos, realmente, dizer quem ele é? Ou como ele é? Nós nos arriscamos a responder que ainda não. Arnaldo personagem principal do livro “O Sertanejo”, de José de Alencar, último romance do escritor publicado em vida, é possivelmente, o melhor retrato do homem do sertão, já escrito na literatura brasileira, até o surgimento da literatura regionalista, como a de Graciliano Ramos e José Américo de Almeida entre outros. A escrita de Alencar é importante porque apresenta o interior nordestino do século XVIII e se aproxima de uma
etnografia sobre o sertanejo [N. 1] , ainda que ele ponha a figura do sertanejo no espaço remoto do século XVIII, nos sertões de Quixeramobim, na província do Ceará. A tentativa de interpretar esse tipo de homem desenhado por Alencar inicia-se pelo retrato de Arnaldo, assim descrito: Era o viajante moço de vinte e um anos, de estatura regular, ágil, e delgado de talhe. Sombreava-lhe o rosto, queimado pelo sol, um buço negro como os compridos cabelos que anelavam-se pelo pescoço. Seus olhos, rasgados e vívidos, dardejavam as veemências de um coração indomável (ALENCAR, 1998: 12). Nessa citação percebemos que para sobreviver ao sertão é preciso ser ágil. A agilidade torna-se necessária porque ela acaba virando uma espécie de escudo para livrar o sertanejo constantemente dos sobressaltos, tendo nos olhos, “ rasgados e vívidos ” seu guia para reconhecer o momento certo de agir ou recuar, como um tigre. Tanto os olhos como a agilidade tem como fonte de energia que o alimentam, o “ coração indomável ”. Assim esse homem indomável, diante de quaisquer condições, é capaz de erguer a cabeça e enfrentar as intempéries dos desafios. Vê-se, portanto, que o homem sertanejo passa por um longo processo de formação entre o meio social e físico que modela seu caráter. Assim, há indícios deste processo na escrita de Alencar que nos auxiliem a compreender e falar sobre o desenvolvimento histórico e espiritual do sertanejo Arnaldo, assim, como a influência desse tipo de homem na sociedade do semi-árido hoje? Como é a formação do homem sertanejo? Sabemos que diante das precisões, o sertanejo é capaz de passar dias, a vagar pelo sertão privado de comida e água, ou de quase tudo. Para Alencar essa é a forma pelo qual o sertanejo alcança e vive sua liberdade. Essa liberdade chega a um valor tão alto dentro do conjunto de valores, ao ponto de orgulhar-se a viver do pouco, e ainda agradecer a Deus, dizendo: “ que ganha com sobra, mesmo sem ter nada (ALENCAR, 1998) ”. O que lhe sobra é liberdade diante dos escassos bens materiais. Por julgar ter a liberdade, como o maior bem, não carece do alheio, tampouco o cobiça. A liberdade quando obtida passa ser o caminho que o conduzirá a honra entre outros homens. Ao alcançá-la, servirá como uma bússola a garantir a liberdade em qualquer situação de contato com o mundo desconhecido. É bom que se diga que a posição do sertanejo no mundo e em relação com ele mesmo, refere-se a uma condição geográfica, histórica, política, religiosa, econômica no limite da sua visão de mundo no mundo. Assim, nossa tentativa de conhecer o sertanejo no seu mundo, tem como lócus a arte discursiva de José de Alencar que o descreve como um homem livre e honrado, similar a um
a rampa com suave ondulação até a planície; atrás da habitação, remontava-se ao dorso de uma eminência donde caía abrupta sobre um vale profundo que a separava do corpo da montanha. Na frente elevava-se no terreiro, a algumas braças da estrada, a frondosa oiticica, donde viera o nome à fazenda. Era um gigante da antiga mata virgem, que outrora cobria aquele sítio. […] As casas da opulenta morada eram todas construídas com solidez dispostas por maneira que se prestariam sendo preciso, não somente defesa contra um assalto, como resistência em caso de sítio. Ocupava a maior área do terreiro um edifício de vastas proporções que prolongava duas asas para o fundo, flanqueando um pátio interior bastante espaçoso para conter horto e pomar. À extremidade de cada uma dessas asas prendiam-se outros edifícios menores, alguns já trepados sobre os píncaros alpestres, porém ligados entre si por maciços de rochedos que formavam uma muralha formidável. A tapeçaria e alfaias da casa eram de uma suntuosidade que se não encontra hoje igual, não só em toda a província, mas quiça em nenhuma vivenda rural do império. “Naquela época, porém, os fazendeiros tinham por timbre fazer ostentação de sua opulência e cercar-se de um luxo régio, suprimindo assim em torno de si o deserto que os cercava (ALENCAR, 1998: 22). Há para quem habita o sertão, uma gradação de fronteiras, sendo todas elas conhecidas pelo nome de sertão, mas que se distinguem umas das outras pelo que há no seu interior que pode ser uma fazenda, um sítio, ou um simples homem com sua semente de gado bovino em meio ao nada, mas toda ela funda um cosmo sertanejo. Aos olhos de Alencar a fazenda é fundada como um poderoso ecossistema. Ela ergue-se para ser a maior fronteira habitável possível, para guardar e por em movimento uma ordem social frente à natureza, quanto mais abrangente for à fazenda, mas o homem se sobressai diante da natureza. Contudo, na maioria das vezes, torna-se insuficiente para defender os homens que vivem nessa imensa fronteira da penetração dos efeitos da seca, ameaça maior. A seca castiga a todos impiedosamente, saltando por cima dos limites imaginários das fazendas, tornando o lugar inóspito e insalubre. Pode-se pensar que a seca é o chicote de Deus açoitando os homens do sertão. Castigando-os ou amando-os? “ Pois é pelo fogo que se
experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo caminho da humilhação (ECLESIÁSTICO 2, 5)”. Os viajantes mesmo não morando no sertão tomam conhecimento desse purgatório: “A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da seca (ALENCAR, 1998: 9)”. É diante de condições tão extremas quanto a da seca, que Alencar apresenta o enfrentamento do sertanejo com a sua existência, ao ponto de obrigá-lo a construir um sentido para a vida. A fala que Alencar registra para demonstrar a situação de crise de existência do sertanejo sai da boca de Aleixo Vagas: “Então, Arnaldo, como foi isto por cá, amigo? Seca muita, já se sabe! Olhe, digam vocês o que quiserem, isto não é terra de cristão (ALENCAR, 1998: 39)”. É algo muito áspero ouvir de um sertanejo que o sertão “ não é terra de cristão ”. Se a terra não é de cristão, sendo o sertanejo um homem religioso, teria Deus cometido uma injustiça? Será isso que Aleixo Vagas está afirmando? Ou estamos repetidas vezes chamando o sertanejo de homem sem ele sê-lo? Seria ele uma “ coisa possuída ” na terminologia de Aristóteles? Alguém que, mesmo sendo homem, não é dono de si, já que as calamidades que enfrenta o levam, a criar uma nova forma de viver e, invariavelmente ter de se submeter a outros? Ou é um homem agraciado por Deus, segundo o livro Colossenses. Sem essa passagem bíblica diremos o contrário? Talvez não seja justo para o homem sertanejo alencariano viver no sertão e ter de suportar tantas provas. Por isso que ele inventou uma força exterior para lhe auxiliar a superar e suportar as provas. “O capim, que outrora cobria a superfície da terra de verde alcatifa, roído até a raiz pelo dente faminto do animal e triturado pela pata do gado, ficou reduzido a uma cinza espessa que o menor bafejo do vento levanta em nuvens pardacentas (ALENCAR, 1998: 9)”. Assim o sertanejo em Alencar por desconhecer a lógica da ciência, encontra na religiosidade a relação de causa e efeito para explicar seus problemas, ainda que pareça superstição aos olhos do homem ocidental. Sem o verde e sem os animais para prover o alimento como o leite e a carne, o povo das fazendas corre o risco de ter que mastigar a fome. Como podemos observar neste trecho da obra: Quem pela primeira vez percorre o sertão nessa quadra, depois de longa seca, sente confranger- se-lhe a alma até os últimos refolhos em face dessa inanição da vida, desse imenso holocausto da terra. É mais fúnebre do que um cemitério. Na cidade dos mortos as lousas estão cercadas por uma vegetação que viça e floresce; mas aqui a vida abandona a terra, e toda essa região que se estende por centenas de léguas não é mais do que o vasto jazigo de uma natureza extinta e o
de ouro cinzelados; e eram do mesmo metal e do mesmo gosto, o broche que prendia a aba revirada do chapéu, e as fivelas dos calcões ou ponteiras. A aguilhada também fazia diferença das outras. A haste cuidadosamente polida, tinha o lustre de um verniz escarlate usado pelos índios. O conto era de prata, como a ponteira, onde engastava o ferrão. Todavia Arnaldo não trocaria por esta a sua vara de carnaúba, que ele com a ponta da faca havia nas horas de repouso coberto de toscos desenhos, onde talvez escrevera a história de sua vida. Cada uma daquelas miniaturas era uma cena do grande drama do deserto. [...] Havia naquela época entre os abastados criadores da província essa bizarria de se vestirem de couro à sertaneja, e associarem-se assim por mero recreio às lidas dos vaqueiros, cujo ofício desta arte enobreciam. Nisso não faziam senão imitar os castelões e fidalgos da Europa que também se trajavam de monteiros, à moda rústica, para ir à caça. O sertão do norte oferecia então aos ricos fazendeiros uma ocupação idêntica à das correrias de lobos e outros animais daninhos, em que se empregavam a atividade dos nobres no reino. Eram as vaquejadas do gado barbatão, que se reproduzia com espantosa fecundidade, por aqueles ubérrimos campos ainda despovoados. […] Era uma dessas montearias ou vaquejadas que naquela madrugada saía o capitão-mor, e a presença de sua família indicava ainda um traço de semelhança entre os nossos costumes sertanejos daquela época e as tradições da nobreza européia. Como as castelãs de além-mar, as nossas gentis fazendeiras tomavam parte nesses jogos fidalgos, e animavam com sua graça o ardor e os brios dos campeões. (ALENCAR, 1998: 108- 109, Grifos Nossos) Portanto, o sertanejo vê-se nobre quanto qualquer um da fidalguia portuguesa, mas é na honra que reside a distinção e insígnia do sertanejo. É ela que o faz amigo do sertão. Ela lhe igualá- la ao sertão, o torna rei sem coroa, independente de se ter uma fazenda ou vestuário de veludo. Mas como o sertanejo adquire sua honra e como ele a perde? A honradez de alguém no sertão mede-se no terreno das palavras. Se as palavras forem questionadas é sinal que não se tem honra. É apenas mais alguém que não aprendeu com o sertão a ser forte e corajoso. Num mundo sem instituições reconhecedoras da lei e da justiça, a disputa pela honra funciona para estabelecer os lugares daqueles que detém o poder ou de que pode vim entrar em reivindicação, por outro lado a palavra falada serve para anunciar o real, ainda que não se esteja diante do fato ou da prova. Como exemplo disso, a caça ao boi Dourado. Arnaldo sendo o único que
conseguiu segui-lo, pegá-lo, ferrá-lo – com o emblema de uma flor que representava o nome de dona Flor a sua amada – e, depois de soltá-lo, retorna a fazenda sem nenhuma prova, diz:
- Eu já o peguei, senhor capitão-mor, disse Arnaldo sem alterar-se. […] - Mas que prova temos nós disso? Volveu Daniel Ferro. - De quê? Perguntou o sertanejo. - De ter pegado o boi e ferrado. Arnaldo olhou-o com surpresa: - A minha palavra, respondeu. Já soava o riso dos dois hóspedes do Fragoso, quando o capitão-mor o atalhou: - A tua palavra, Arnaldo, que nós seguramos com a nossa. O que disse o nosso vaqueiro é a verdade, e somos nós, o capitão- mor Gonçalo Pires Campelo, que o afirmarmos. Se há quem duvide... terminou com reticência cheia de ameaças, correndo os olhos em roda. - Quem é capaz de duvidar da honrada palavra de vossa senhoria? (ALENCAR, 1998: 148 - 149 Grifos Nossos). Dessa forma, a disputa para estabelecer a honra, além de estabelecer os lugares das forças com poder, tem por finalidade, validar um conhecimento de um objeto invisível, que se quer apresentá-lo por meio de um enredo de palavras que se sustenta na própria palavra, mas quando não aceito, a força moral e a coragem o fundam mais concreto que uma assinatura num papel. Assim a palavra de honra de um sertanejo é poder, é saber, tão importante quanto à água e a comida para que possa viver. Os que contestam o espaço do sertão por vê-lo unicamente por uma perspectiva econômica, como se observa na pergunta de Aleixo Vargas a Arnaldo: “ - Pois é coisa que se aprenda, morrer de fome e de sede ainda mais? (ALENCAR, 1998: 39)”. Não compreende como Arnaldo que “- Tudo aprende o homem, quando não lhe falta coragem ” e honra. Estes valores o conduziram a edificar uma cultura, uma existência diante da natureza, mas que só não se naturalizou diante da natureza, por causa da sua religiosidade que o Alencar apresenta que é a maneira singular de retornar a sua condição humana, sobretudo, na figura da mulher divinizada. A DUALIDADE DA MULHER SERTANEJA: PUREZA E SEDUÇÃO Ao lado desse homem que enfrenta todas as condições, José de Alencar situa a mulher, ora apresentando como ser distinto do homem, ora como sua complementação. Na obra “O sertanejo” apesar da mulher não ser o centro da narrativa e da descrição dos costumes do sertão. É
cestos de mandioca, ainda da plantação do ano anterior, para a desmancharem em farinha durante o serão. As mulheres livres ou escravas, umas pilavam milho para fazer o xerém; outras andavam nos poleiros guardando a criação para livrá-la das raposas; e os moleques as ajudavam na tarefa, batendo o mata-pasto, ou dando cerco às frangas desgarradas. As cozinheiras, encaminhando-se para a fonte a fim de lavar ali na água corrente a louça de mesa e fogão, assim como as caçarolas, cruzavam-se em caminho com as lavandeiras que já recolhiam-se com as trouxas de roupa na cabeça. […] Enquanto a mulher ocupava-se com esses misteres caseiros, o capitão-mor percorria os currais, tomando contas aos vaqueiros, mandando apartar os novilhos que era costume reservar para bois de serviço; indicando a rês que se devia matar para o gasto da casa; e assistindo a esfolar e a esquartejar, no que se comprazia com a perícia dos carniceiros (ALENCAR, 1998: 58). Observa-se, portanto, em “O sertanejo” que tanto a mulher livre como a escrava cabe as mesmas funções, reservando a primeira para si a faculdade de gerenciar as atividades (ou mandar) e a segunda de obedecer. Mas neste caso, essa faculdade de mandar e de obedecer, aqui, em Alencar, não se trata de mandar por ser mais racional, mas somente pelo fato de ter um posto mais elevado na hierarquia social, ou seja, ser a esposa do fazendeiro, por exemplo. Por estar a mulher ao lado do homem ela toma parte de sua racionalidade. Essa diferença entre ambas tornam-se muito nítida na forma de tratamento utilizado entre os personagens de “O sertanejo”. A esposa e a filha do capitão- mor Campelo recebem pronome de tratamento de D. Genoveva e D. Flor, enquanto que a ama e a enteada são chamadas somente pelo pré-nome de Justa e Alina. Uma figura importante para a mulher sertaneja, presente na obra de Alencar, é Maria. Porque ela exerce uma função considerável na lapidação do referencial representativo da identidade feminina. É o que vemos aqui na fala do padre Teles dirigida a D. Genoveva “ - Lembre-se a dona que mais sofreu a mãe de Cristo, vendo seu filho não só morto e crucificado, mas coberto de baldões. E ela bebeu resignada esse cálice de amargura! (ALENCAR, 1998: 19)”. A tentativa do padre de consolar a senhora D. Genoveva quando ela pensa que sua filha D. Flor havia morrido no incêndio, nos leva a crer que no sertão alencariano, todos devem beber resignadamente o seu cálice de amargura, todos devem sofrer sem reclamar, ou melhor, fazer do sofrimento seu amigo íntimo. Isto é válido tanto para a mulher quanto para o homem. Que haja seca, fome, miséria, não se deve murmurar, pois o que vem à lembrança da maioria, Cristo e sua santa mãe muito mais sofreu. Esse é o melhor retrato para a mulher do sertão [N. 2] que reza com o seu
rosário “ Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua vontade (LUCAS 1, 38)”. De fato, ao olharmos para Maria nos evangelhos vemos uma mulher que em nenhum momento questionou a vontade de Deus em sua vida. Nem nos momentos de alegria ao receber a notícia que seria mãe de Deus, nem nos momentos de dor ao ver seu filho ser assassinado. No entanto, devemos confiar na nossa interpretação dessas mulheres alencariana como Justa, ama de D. Flor que traz enrolado ao pescoço o rosário e reza fazendo pedidos a Deus? E o que podemos pensar de Águeda?^1 Ela é, também, uma sertaneja? O que justifica a sua ação trapaçeira? Não estaríamos, também, sendo muito santificadores da mulher sertaneja ao olharmos apenas para um lado do seu ser? Estas e outras são questões que não devemos esquecer ou negar se quisermos falar com mais propriedade dessa mulher misteriosa que é a sertaneja. Mas de um modo geral é unânime sabermos que a sua função é zelar pela casa e afazeres domésticos tendo total respeito e submissão ao marido, como se ver na obra. Este, no entanto, jamais deve faltar com respeito à mulher tratando-a da forma mais cortês possível, como assim revela Alencar: “ O capitão- mor fez à mulher uma respeitosa cortesia (ALENCAR, 1998: 18)”. Podemos ver que nessa “ respeitosa cortesia ”, também, encontramos referência bíblica: “Maridos, amai as vossas mulheres e não as trateis com aspereza (COLOSSENSES 3, 19)”. Mas como a mulher é superior e submissa ao mesmo tempo? Aquele que é superior recebe cuidados especiais. Mas é superior por qual motivo? Cuidados especiais, também, recebem aqueles que são frágeis. Como diferenciar alguém superior de alguém frágil sabendo que ambos são tratados com mais esmero? Como pensar o superior em alguém que já dissemos ser inferior? No olhar que desferia a luminosa pupila; na seriedade de seus lábios purpurinos, que ainda cerrados pareciam enflorar-se de um sorriso cristalizado em rubim; na gentil flexão do colo harmonioso; e no garbo com que regia o seu fogoso cavalo, assomavam os realces de uma alma elevada que tem consciência de sua superioridade, e sente ao passar pela terra a elevação das asas celestes. (ALENCAR, 1998: 9) A mulher sertaneja é esse misto de superioridade e de inferioridade, de mando e de submissão, de força e de fraqueza, de medo e de coragem, de santidade e de lascívia. Ela é um simultâneo, pois se torna superior por ser ela o maior motivo de fazer o homem lutar pela sobrevivência de si mesmo e de sua cultura. O fato de um pai escolher o esposo para a filha mostra além do cuidado que ele tem por ela, mas, sobretudo, o desejo de não ver seu nome e sua história 1 Águeda é uma mulher que se passa por viúva a mando de Marcos Fragoso para enganar o capitão-mor com uma falsa história e seduzir Arnaldo com sua esplêndida beleza, dessa forma ela deixaria livre o caminho para raptarem D.Flor.
recursos materiais para poder pedir sua mão em casamento. Se José de Alencar tivesse continuado a história, tal como pretendia, teríamos mais elementos para pensar sobre esse assunto. Mas, ainda que o exímio escritor não tenha feito a ligação entre essas duas estruturas (D. Flor) e seu esposo através do casamento, ele anuncia para outro horizonte revelar o enigmático passado de Jó e sua amizade com Arnaldo (e o mistério que envolve o seu colar), sendo o vaqueiro possivelmente a parte principal para o desenvolvimento de outra estrutura de povoamento do sertão. Enfim, a relação do sertanejo para com o mundo, para com si ou para com outro, advêm de uma representação de mundo que forjou a produção de um outro tipo de racionalidade de forte conotação religiosa, ao lado de outras racionalidades que continuam a existir no ocidente, como a capitalista e burguesa. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALENCAR, José. O sertanejo. Fortaleza: Editora Verde Mares, 1998. Aristóteles. A política. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal. Vol. 16. Tradução: Nestor Silveira Chaves, s.l., s.d. BAUMGARTEN, A. G. Estética. A Lógica da arte e do poema. Tradução de Mírian Sutter Medeiros. Petrópolis: Vozes, 1993. Bíblia Sagrada. 143 Ed. São Paulo: Ave Maria, s.d. Catecismo da Igreja Católica (Edição Típica do Vaticano). São Paulo: Edições Loiola, 2000. Raick, Regina Celi Fonseca, O homem o sertão e cultura. In. J. F. Sobrinho e C. L. da Costa Falcão (Org.). Semi-árido: diversidades, fragilidades e potencialidades. Sobral: Sobral Gráfica, 2006. NOTAS [1]José de Alencar, escritor romântico brasileiro, publicou “O Sertanejo” em 1875. [2]“Maria é ao mesmo tempo a mão de Cristo e a mulher que luta incondicionalmente para o bem dos seus, a mulher que persevera na adversidade, que não se deixa vencer pela miséria ou a morte, é o ideal da mulher do sertão, dos sobreviventes da terra queimada.” (Raick, 2006).