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O Self como uma Construção Narrativa:, Notas de aula de Construção

O objetivo desta tese é avaliar a concepção narrativista do self como resposta para o problema do eu ou ego. Como o conceito de self só adquire significado ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

PorDoSol
PorDoSol 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica
O Self como uma Construção Narrativa:
Identidade e Ilusão na Constituição do Eu.
Gustavo Vargas de Paulo
2018
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação Lógica e Metafísica

O Self como uma Construção Narrativa:

Identidade e Ilusão na Constituição do Eu.

Gustavo Vargas de Paulo

O Self como uma Construção Narrativa:

Identidade e Ilusão na Constituição do Eu.

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação Lógica e Metafísica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Roberto Horácio de Sá Pereira

Gustavo Vargas de Paulo

Rio de Janeiro Julho de 2018

CIP - Catalogação na Publicação Paulo, Gustavo Vargas de P331s O self como uma construção narrativa: identidade e ilusão na constituição do eu / Gustavo Vargas de Paulo. -- Rio de Janeiro, 2018. 148 f. Orientador: Roberto Horácio de Sá Pereira. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2018.

  1. Self, eu e ego. 2. Autoconsciência e identidade pessoal. 3. Narrativa autobiográfica.
  2. Dennett. 5. Filosofia da mente. I. Sá Pereira, Roberto Horácio de, orient. II. Título.

“Pois antigamente se acreditava na alma, assim como se acreditava na gramática e no sujeito gramatical: dizia-se que ‘eu’ é condição, ‘penso’ é predicado e condicionado – pensar é uma atividade para a qual um sujeito tem que ser pensado como causa. Tentou-se, então, com tenacidade e astúcia digna de admiração, enxergar uma saída nessa teia – se não seria verdadeiro talvez o contrário: penso, condição, eu, condicionado; eu sendo uma síntese, feito pelo próprio pensar.” (NIETZSCHE, 2005, p. 53) "Lá onde a alma pretende se unificar, lá onde o eu inventa para si uma identidade ou uma coerência, o genealogista parte em busca do começo - dos começos inumeráveis que deixam esta suspeita de cor, esta marca quase apagada que não saberia enganar um olho, por pouco histórico que seja; a análise da proveniência permite dissociar o eu e fazer pulular nos lugares e recantos sua síntese vazia, mil acontecimentos agora perdidos." (FOUCAULT, 1988, p. 20)

Abstract

PAULO, Gustavo Vargas de. Self as a Narrative Construction: Identity and

Illusion in the Constitution of the Selfhood. A. Rio de Janeiro, 2018. Thesis

(Ph. D. in Philosophy) – Logic and Metaphysic Postgraduate Program,

Philosophy and Social Sciences Institute, Federal University of Rio de Janeiro.

The aim of this thesis is to evaluate the narrativist conception of the concept self as an answer to the problem of the self. Since the concept of self only acquires meaning dependent on the theoretical context in which it is used, we start with Daniel Dennett's theory of theme and mind in a more general way. We will treat the “I” or “Me” here as a narrative self. The theme "self" is related to the discussion of its ontological status as an illusion or not, to the problems of unity, self-consciousness, and personal identity. In this work we will try to show that the self emerges as a bottom-up construction based on unconscious processes and conscious narratives, the ambiguous question of its illusion is defined by its influence on behavior, so that if the self has no influence in its control can in fact be seen as an illusion even if it possesses temporary unity and phenomenological characteristics in its subjective impression. Both are offered evidence for the support of this narrativist conception of the self and alternatives for the verification of its truth despite the epistemological limitations. The concept of biological self can be associated with the concept of consciousness by refusing its dependence on verbal language, allowing the existence of conscious animals that possess (or are) this biological self, but do not possess the self-consciousness made possible by its linguistic and narrative extension, the narrative self or "Me". This narrative self is the abstract center of self-consciousness and identity that we acquire as our own peculiar personality, independent of an earlier nonconceptual self-consciousness. Keywords: Self; Me; I; ego; self-consciousness; self-awareness; personal identity; autobiographical narrative; narrativism; Dennett; gravitational center; Ricoeur; mind; brain; illusion.

SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................... 11

PARTE I: Entendendo o Problema.

1 Capítulo 1: O Problema do Self.

1.1 Apresentação ......................................................................................................... 14 1.2 O Problema do Self ............................................................................................... 14 1.3 Considerações Preliminares Sobre uma Concepção Narrativista do Self ....... 19 1.4 Distinções Conceituais: Ciências Cognitivas, Autoconsciência e Consciência Corporal. 1.4.1 Ciências Cognitivas, Consciência e Autoconsciência ................................................ 24 1.4.2 Autoconsciência e Seus Diferentes Significados ........................................................ 26 1.4.3 O Desenvolvimento do Eu ........................................................................................... 28 1.5 Self Biológico e Self Narrativo. 1.5.1 A Distinção ................................................................................................................... 30 1.5.2 Self Biológico ................................................................................................................ 32

2 Capítulo 2: Como Surge o Self: Inconsciente, Consciência e o Eu.

2.1 Apresentação ......................................................................................................... 37 2.2 O Modelo dos Esboços Múltiplos .......................................................................... 37 2.3 A Mente como Pandemônio .................................................................................. 41 2.4 A Consciência como uma Máquina Joyceana ..................................................... 45 2.5 O Eu como um Centro de Gravidade Narrativo ................................................... 50

7 Capítulo 7: Quatro Críticas ao Narrativismo.

  • 6.3 John Locke e a Identidade da Consciência
  • 6.4 David Hume e a Teoria do Feixe de Percepções
  • 6.5 Paul Ricoeur, o Tempo e o Corpo
  • 7.1 Apresentação
  • 7.2 Dois Problemas com a Teoria do Self Dennettiana
  • 7.3 A Relação Entre a Linguagem e a Consciência: Um Equívoco de Dennet
  • 7.4 Christopher Peacocke e o Primitivo Não Conceitual
  • 7.5 Gallen Strawson e as Propriedades do Self
  • 8 Conclusão
  • 9 Referências Bibliográficas

11 Introdução. O termo self tem sido usado para se referir ao centro da nossa personalidade e à nossa concepção sobre nós mesmos, fazendo referência a dois temas implícitos no uso do termo e de prolongado tratamento na história da filosofia: a identidade pessoal e a autoconsciência. Avaliaremos a concepção de que o que nos define, nosso self, é construído através de narrativas autobiográficas formando assim nossa personalidade e a consciência de nosso próprio eu. Nossa tarefa será mostrar se essa concepção se sustenta diante dos problemas levantados pelo próprio tema e pelas críticas à teoria proposta aqui, a saber, a de que o self é uma construção narrativa. Como grande parte do trabalho se trata da definição dos termos e se o próprio termo self só adquire um significado mais ou menos claro sobre um pano de fundo teórico, vamos descrever brevemente alguns destes termos, que serão retomados no decorrer dos capítulos. Na área temática em que estamos trabalhando, vários termos são usados nem sempre de forma clara, sendo alguns deles “narrativa”, “self”, “eu”, “ego”. Uma narrativa autobiográfica é um evento interpretativo constituído de pelo menos dois eventos em que o indivíduo coloca seu próprio eu como personagem. Usaremos o termo self genericamente ou “self narrativo” para referirmos ao eu ou ego, distinto de qualquer tipo de self biológico ou anterior não linguístico ou não narrativo. Estes termos serão usados para tratar os temas da ilusão do self, da sua unidade, autoconsciência e identidade pessoal, relacionando-se a eles no que diz respeito à emergência ou dependência do problema do self. Adicionalmente a isso, devemos dizer sobre o que esta tese não trata: não nos dedicaremos ao problema dos qualia ou da intencionalidade, ficando o “problema difícil” da consciência e sua relação com os dados objetivos e os aspectos relativos à utilização ou referência dos termos ou estados intencionais a serem tratados em outros trabalhos. O trabalho está dividido em três partes, na primeira apresentamos o problema do self e algumas distinções importantes relacionadas aos conceitos de consciência, autoconsciência, eu, ego e self biológico junto à exposição da teoria dennettiana do self em que seu surgimento depende do inconsciente e da consciência em um processo de baixo para cima. Os dois capítulos desta parte servirão como uma espécie de introdução para aqueles não familiarizados com a problemática a respeito do self e com os conceitos dennettianos sobre a mente, os quais trabalhamos aqui. Além das distinções mencionadas acima, almejamos que depois destes capítulos o leitor esteja apto a compreender as metáforas de Dennett que serão

13 definitiva ou permanente, apesar da sua redução ao conjunto de narrativas através do qual é formado e consequente ausência de referente ontológico. Cada capítulo é precedido de uma apresentação em que se descrevem resumidamente seus objetivos e resultados. Por último, é feita uma conclusão em que se expõe a concepção geral de self baseada nos resultados obtidos.

14 PARTE I: Entendendo o Problema. Capítulo 1: O Problema do Self.

1.1 – Apresentação.

Este capítulo é dedicado à exposição do problema do self e às distinção conceituais necessárias para tratarmos do problema de acordo com a abordagem aqui proposta. Na segunda seção expomos o problema do self de forma geral junto aos critérios de Gallen Strawson sobre como concebemos o self. Na terceira, apresentamos a concepção narrativista para tratamento do problema baseada nas propostas teóricas de Paul Ricoeur e Daniel Dennett, que será objeto de análise deste trabalho. A abordagem de Ricoeur prima por aspectos relacionados à subjetividade trazendo a hermenêutica fenomenológica e as condições existenciais relacionadas à incorporação e temporalidade na construção da identidade narrativa. Dennett prefere a abordagem objetivista trazendo dados das ciências empíricas em um modelo naturalista do processamento de informações cerebral. Na quarta seção dedicada a algumas importantes distinções conceituais, contextualizamos os diversos usos do termo “autoconsciência” na literatura especializada das Ciências Cognitivas mostrando que a autoconsciência entendida como consciência do próprio corpo está relacionada ao surgimento da autoconsciência enquanto consciência do eu ou eu agente. Na última seção distinguimos as noções de self narrativo e self biológico e mostramos como a noção de self biológico é usada na imunologia em diversos contextos teóricos que determinam seu significado, preparando o campo para uma alternativa em que estas noções não sejam pensadas através de um modelo cartesiano das funções cognitivas.

1.2 – O Problema do Self.

Iniciaremos com uma questão linguística: além do uso cotidiano, a expressão “self” é um termo de arte próprio à filosofia. Em inúmeras línguas, ele nem ocorre de forma natural. Intuitivamente em línguas neorromânicas como a nossa, o conceito filosófico anglo-saxão de

16 funções da alma, os quais, depurados de pressupostos religiosos ou místicos, ajudaram a constituir o conceito de self^3 e sua consequente problematização. Vejamos então o problema do self que se inicia com a pergunta sobre qual é natureza do nosso senso do self, ou seja, o senso que temos em nossa experiência que é a fonte do problema filosófico do self, indo até as seguintes questões: (1) se existe um self e, (2) se existindo, qual seria seu estatuto ontológico. Colocamos o tema assim como ele se nos apresenta para investigarmos o que ele realmente é, isto é, questionaremos se o self é uma coisa, e se é o que seria tal coisa e qual seriam seu funcionamento e suas propriedades. Tomando a descrição de Galen Strawson (1997) podemos organizar o problema da seguinte forma: What is the nature of the sense of the self? But this, in the first instance, is best taken as a question explicitly about human beings: as the local phenomenological question (I) What is the nature of the human sense of the self? Whatever the answer to (I) is, it raises the general phenomenological question (II) Are there other possibilities, when it comes to a sense of the self? (Can we describe the minimal case of genuine possession of a sense of the self?) The answers to (I) and (II) raise the conditions question (III) What are the grounds or preconditions of possession of a sense of the self? and this question raises a battery of subsidiary questions. But progress is being made, at least potentially. For if one can produce satisfactory answers to (I), (II), and (III) one will be in a good position to raise and answer the factual question , the fundamental and straightforwardly metaphysical question (IV) Is there (could there be) such a thing as the self? I think one has to answer ( I ) and ( II ) , and probably ( III ) , in order to answer ( IV ) properly. (Strawson, 1997, p.2-3) (^3) Para Charles Taylor (1989) o self, tal como foi construído na cultura ocidental, é algo interno, oposto ao que se se situa no mundo exterior a nossas mentes e que justamente manifesta suas capacidades nesse mundo exterior. Como tal, o self é visto como fonte de todas capacidades morais cujas profundezas, mesmo que historicamente delineadas, são formadas e organizadas neste interior. Essa distinção entre interno e externo, apesar de parecer intuitivamente universal, encontra sua concepção atrelada a doutrinas e pressupostos que produzem divergências e alteridades no gradual desenvolvimento da concepção ocidental. Não há como se afirmar definitivamente se é uma concepção universal, pois aí se encontra a maior questão antropológica, a existência de características universais (aqui há espaço para a biologia e a metafísica) distintas do que resulta de características peculiares a cada cultura local em que diferentes contextos histórico-culturais estão presentes.

17 Ressalta-se a distinção entre a pergunta (I) sobre a impressão fenomenológica que temos do self, a noção que temos de algo como um self através da experiência, e a pergunta sobre se o self existe (IV). Esta distinção pode também ser colocada sob a forma da distinção entre a investigação fenomenológica e a investigação metafísica sobre o self. A pergunta sobre o que é realmente o self dependeria da impressão que temos dele, isto é, as investigações metafísicas a respeito do self dependem das investigações fenomenológicas? Temos a impressão fenomenológica de que algo mental como um self existe e ainda que somos isso de que temos a impressão, porém ainda resta a pergunta sobre se este self de que temos a impressão é realmente tal como se nos apresenta. Ou à maneira kantiana poderíamos perguntar: se existe algo como um self seria ele acessível em sua verdadeira natureza? Se a fenomenologia sobre o self puder nos enganar, então teremos que responder à pergunta sobre o que é essa impressão de self que temos e se ela cumpre alguma função e acima de tudo teremos que determinar se existe algo real cujas propriedades são responsáveis por termos consciência de sermos algo com uma identidade específica. Dessa maneira a relação entre a fenomenologia e a metafísica do self poderá ser investigada no diz que diz respeito à sua estrutura conceitual-cognitiva. Continuando com a descrição de Strawson sobre os atributos tais como o self é concebido ou experienciado temos o seguinte: I propose that the mental self is ordinarily conceived or experienced as (1) a thing or entity , in some robust sense (2) a mental entity, in some sense (3, 4) a single entity that is single both (3) synchronically considered and (4) diachronically considered (5) ontically distinct from all other things (6) a subject of experience , a conscious feeler and thinker (7) an agent (8) an entity that has a certain character or personality (Strawson, 1997, p. 3-4) A respeito dos critérios mencionados por Strawson, notamos que eles perpassam características comumente atribuídas ao conceito de self ao longo da tradição filosófica, embora existam exceções e divergências, como por exemplo, quanto à concepção do self

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1.3 – Considerações Preliminares Sobre uma Concepção Narrativista do

Self.

De modo geral, as teorias sobre o self dividem-se em dois grupos: visões essencialistas que buscam um aparato integrador cuja essência ou característica definidora do self não pode ser reduzida a outro(s) ente(s) e visões deflacionárias, a saber, teorias que dizem que o self é “nada mais que algo”, por exemplo, nada mais que um modelo cuja realidade consiste em uma auto experiência relativamente consistente gerada por processos neuronais^4 ou nada mais que um produto abstrato de narrativas (GALLAGHER, 2018). Este trabalho buscará avaliar criticamente se uma concepção narrativista do self poderá oferecer solução aos problemas que um tratamento pormenorizado do tema implica, tendo como ponto de partida a teoria do filósofo Daniel C. Dennett. Uma narrativa é uma ferramenta epistemológica, um meio de conhecimento e informação que representa uma sequência de eventos e consequentemente a passagem de tempo entre eles. Em especial, as narrativas proveem um meio de conexão entre os eventos onde as interpretações dos indivíduos sobre os contextos têm significado. Na visão dennettiana do self como um produto de narrativas autobiográficas, o eu é formado no próprio processo narrativo cerebral/mental do sujeito, podendo mesmo ser ontologicamente equivalente a ele. Em alternativa à busca de um ego imaterial (Descartes) ou material (Parfit), propõe-se que o eu pode ser visto como um centro virtual abstrato construído a partir de narrativas retiradas de esboços múltiplos feitos através do processamento mental pandemônico. Este eu pode ser considerado o self narrativo , um prolongamento cultural e evolutivo do tipo evolutivamente anterior chamado de self biológico , produto da elaboração em nossa espécie de narrativas autobiográficas que usamos na constante necessidade de autodefinição e consequente formação de nossas identidades. Em relação à consciência em (^4) Thomas Metzinger supõe que ninguém nunca tenha tido um self, assim o “self fenomenal não é uma coisa, mas um processo – e a experiência subjetiva de ser alguém emerge se um sistema consciente de processamento de informações opera sob um automodelo transparente... Você não o vê. Mas você vê com isso.” (METZINGER, 2003, p.1, Tradução nossa). Várias confusões conceituais são evitadas quando se evita falar do self de uma maneira ingenuamente realista, pois em um sentido ontológico, o que existem são certas classes de sistemas de processamento de informações que operam sob automodelos transparentes. A conclusão radical que Metzinger tira disso é que todos os eus são alucinados (fenomenologicamente) ou são elementos de descrições fenomenológicas imprecisas e reificadas. O que as pessoas chamam “eu” é simplesmente o que elas experienciam subjetivamente (fenomenologicamente), algo não pode ser unificado e real se for gerado por processos subpessoais. A plenitude do eu é caracterizada por uma multiplicidade emergente de uma hierarquia ordenada de relações internas parte-todo. Estas relações são dinâmicas e podem sofrer mudanças rápidas, qualquer fenomenologia realista terá que fazer jus ao fato de que essa hierarquia é altamente flexível. Em suma, "Não existe uma entidade única dentro ou fora do sistema que corresponda diretamente ao sentimento primitivo e pré-reflexivo da individualidade consciente". (METZINGER, 2003, p. 564-565, Tradução nossa)

20 particular, esta pode ser vista como uma máquina Joyceana serial instalada evolutivamente na arquitetura paralela do cérebro, de maneira que seu funcionamento seja identificado mesmo que essa instalação não seja feita com a alteração dos componentes do substrato físico, analogamente a um novo software instalado no mesmo hardware , sendo denominada por isso uma máquina virtual. Essa máquina virtual Joyceana constrói narrativas mais ou menos contínuas a partir dos esboços feitos constantemente em múltiplos lugares da arquitetura paralela do cérebro e, por isto, a mente será mais bem vista, segundo Dennett, como um pandemônio do que como uma burocracia em que a sequência de estados mentais/cerebrais estaria hierarquicamente organizada. As narrativas que tomamos como conscientes seriam feitas a partir dos esboços múltiplos, o que implica uma divisão pouco nítida entre estados mentais conscientes e estados mentais inconscientes, sendo que os primeiros só surgiriam após uma intrincada guerra entre os numerosos e variados demônios (ocorrências neurofuncionais) constituidores de nossas mentes. É uma vantagem da teoria de Dennett a explicação relacional dos estados inconscientes, dos estados conscientes e do self no seu modelo transitório feito de baixo para cima em que os processamentos mais simples de informação geram o eu sem nenhum salto explicativo misterioso. Na questão sobre a ilusão do self, outra vantagem é a explanação em que este pode ser reduzido a um conjunto de narrativas, perdendo seu próprio referente ontológico, mas mantendo o conteúdo a que se refere. Mas já que ele conclui que o eu é fictício e não fantástico, categorizando alguns dos aspectos do self como ilusórios e tratando-o mesmo como uma ficção necessária por que, para ele, enquanto o self não é real da maneira que processos e estruturas cerebrais são reais, ainda tem um papel na explicação e previsão do comportamento humano? Como uma ficção ou um objeto abstrato poderia ter um impacto real no mundo? Uma possível solução para este impasse seria considerar o self como um epifenômeno, cujos efeitos causais seriam apenas ilusórios e sua capacidade interpretativa e preditiva seria também ilusória, sendo que os efeitos no comportamento seriam já realizados por processos subpessoais sem o conhecimento do iludido eu fenomenológico. Mas para um naturalista como Dennett essa mesma ilusão (a experiência fenomenológica) deveria ter seus correlatos neurofuncionais (os processos que fabricam a ilusão de que há algo como um self), os quais não podem ser isentos de alguma influência causal, pois também fazem parte da corrente cerebral de processamento de informações. Logo, se seu método leva em conta relatos de primeira pessoa que conduzem a entidades, abstrações e processos que podem ser abordados a partir da perspectiva de terceira pessoa, sua visão do self narrativo como uma ilusão não pode estar inacessível aos critérios padrões de teste empírico e experimental que