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A presente dissertação trata do rock rural do trio Sá, Rodrix & Guarabyra, nos ... e repetida das canções; f) analisar cada item das músicas: letra, ...
Tipologia: Notas de estudo
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Dissertação apresentada à Pós-Graduação em História, com vistas à obtenção de Títu- lo de Mestre em História. Linha de pesquisa: Cultura e Identidade. Orientadora: Professora Dra. Silvia M. Jar- dim Brügger. Banca Examinadora: Professor Dr. Adalber- to de Paula Paranhos – Professor Dr. Danilo J. Zioni Ferretti.
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História, do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas, da Universidade Federal de São João Del-Rei, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História.
Aprovado em __ de ________________ de ____.
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço à minha esposa, cujo trabalho dedico de corpo e alma. Sem essa luz que me guia, não conseguiria concluir essa etapa. Muitas vezes, quando me faltavam sensibilidades e paciência para interpretar as canções, minha cara compa- nheira surgia para me resgatar das armadilhas de interpretação do documento sonoro. À professora Sílvia, por aceitar a tarefa de me orientar e pela autonomia que me proporcionou no pensar as ideias e no redigir esta obra. Aos professores Cássia Palha, Danilo Ferreti e Adalberto Paranhos, pelas suges- tões, críticas e puxões de orelha, contribuindo para o resultado final deste trabalho. A- gradecimento especial ao professor Danilo, que me acompanhou desde a graduação com minhas angústias ao definir meu objeto de estudo, e pelo encorajamento na minha for- mação e desejo de prosseguir na árdua tarefa de ser historiador. Agradecimento, mais que especial, a Mário Figueiredo Filho (Marinho), pelas várias horas de conversa e escuta sobre rock e pelos materiais que me forneceu. Sua acolhida, ao que chamei de “Pequeno Templo do Rock dos anos 1970”, é que propor- cionou a qualidade documental desta dissertação. A Luiz Carlos Sá, pela generosidade e disponibilidade de manter contato, ao longo da pesquisa. Sem suas interlocuções e sinalizações positivas sobre o trabalho do trio, esse estudo não poderia se realizar. Espero algum dia, encontrá-lo pelas estradas da música. Aos vários colegas de mestrado, em destaque Maurício e Josiane, pelas várias conversas pela UFSJ, em que pude clarear, cada vez mais, meus horizontes historiográ- ficos. Ficam aqui os agradecimentos aos demais professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São João Del-Rei (PGHIS-UFSJ) e a CAPES, pela bolsa de estudos. E, por fim, aos que acabei de esquecer, e que são muitos, o meu eterno obrigado.
Abstract
The present dissertation deals with the country rock music developed by the musicians Sá, Rodrix & Guarabyra, in the 1970‟s, in Brazil. During the Brazilian dictatorship re- gime the musicians sang, through their compositions, experiences and the traffic be- tween the city and the countryside, in a context of fast modernization and urbanization of the country. Through the musical work analyses, primary source essential for the theme, the introduction of new artists into the aesthetic-ideological debate during the dictatorship regime is proposed, contributing for the comprehension of the social con- trasts and cultural Brazilian projects. The rock gender from the composers in question is specifically discussed, as hybrid music which mixes electric and acoustic guitars, that is, modern and traditional elements from the artistic culture in the country talking to the coming counter-culture adapted to Brazil. It is thought its music establishes as a kind of criticism to certain values e behaviors of Brazilian capitalist modernity, bringing, as well, an idea of „brasilidade‟, of national identity.
Keywords: rock; counter-culture; romance; countryside-city; national identity.
As fontes inserem-se na produção historiográfica ancorada no estudo da música. Conforme afirma Verena Alberti: “os documentos sonoros e audiovisuais firmaram sua importância no conjunto do „legado da humanidade‟, e dificilmente irão perder esse estatuto” (ALBERTI, 2004: 62). Assim, tais documentos são importantes para se enten- der as relações sociais, econômicas, políticas, culturais, enfim, a história de determinado povo, em seu contexto. Como metodologia, aplicam-se os pressupostos teóricos e práticos do historiador Marcos Napolitano, que sugere o trabalho com as obras musicais articulando letra e música – estrutura interna musical e estética. Sendo assim, ao longo do trabalho, procu- rou-se: a) organizar a ficha técnica das fontes: gênero, suporte, origem, data, autoria, conteúdo referente, acervo, a fim de criar um banco de dados para as obras estudadas; b) articular códigos verbais e parâmetros musicais das composições selecionadas; c) anali- sar as fontes musicais como testemunhos da história sociocultural; d) decodificar os elementos constituintes das músicas: letra, harmonia, melodia, ritmo e dinâmica, para uma análise minuciosa do enfoque histórico proposto; e) executar a audição sistemática e repetida das canções; f) analisar cada item das músicas: letra, estrutura musical – me- lodia, harmonia e ritmo – bem como sonoridades vocais e instrumentais – timbres, di- nâmicas e improvisações – e quando necessário e pertinente, as performances visuais e os efeitos extramusicais; g) e, por fim, reorganizar todos os elementos das músicas, ela- borando uma síntese para verificar as hipóteses da pesquisa. Não faltaram, contudo, várias fontes complementares e/ou auxiliares. Dentro das possibilidades, foram pesquisados diversos materiais jornalísticos sobre os artistas aqui tratados, bem como entrevistas e/ou notícias relacionadas à trajetória artística dos músi- cos no recorte proposto neste estudo, por meio de leitura e seleção exaustiva dos materi- ais disponíveis nos arquivos pessoais do colecionador Mário Figueiredo Filho, da cida- de de Lavras, MG, que gentilmente cedeu o seu espaço e material: revistas Super Inte- ressante , Bizz , Revista Rock – a música do século XX , Jornal de música e som , Alto Fa- lante ; também, por meio de busca em sites na Internet, principalmente www.cliquemusic e www.museudapessoa; e periódicos como a revista Veja , presente na Biblioteca da Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ, e disponível no site: http://veja.abril.com.br/acervodigital/. Contou-se, também, com o artigo de Luiz Carlos Sá para a Revista USP, em 2010. Nesse periódico, o autor traça um percurso da carreira
do trio e dupla, além de fazer um balanço sobre o que representou e representa o rock rural na música e na sociedade brasileira. A atualidade do artigo possibilitou a análise e a comparação com a memória do músico sobre a canção que produziu e a sociedade em que se encontrava inserido nos anos 1970. Desse modo, utilizou-se da abordagem da história oral. Segundo Verena Alberti, com a metodologia da história oral, pode-se: “estudar acontecimentos históricos, institu- ições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, conjunturas etc., à luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou os testemunharam” (ALBERTI, 2004: 18). A princípio, com o objetivo de ser realizada de forma presencial, a entrevista, que aparece ao longo do texto, foi feita por meio eletrônico a pedido do próprio músico Luiz Carlos Sá, que gentilmente a concedeu^1. Tratando-se, no caso, de uma forma de lidar com o depoimento escrito prestado pelo artista, aproximou-se ao máximo da abor- dagem da história oral. O roteiro foi enviado para o cantor e na medida de suas possibi- lidades foi retornado para a composição da pesquisa. Privilegiou-se a forma de entrevis- ta temática, mas sem perder algumas características biográficas que ajudaram a compor a trajetória dos artistas aqui envolvidos. Também foram utilizadas as entrevistas conti- das no Museu Clube da Esquina. Idealizado por Márcio Borges, o museu virtual abriga diversos depoimentos de artistas – e demais profissionais da música – sobre o Clube da Esquina, dentre eles, os relatos de Luiz Carlos Sá, Gutemberg Guarabyra e Zé Rodrix. Suas entrevistas contribuem de forma instigante para o aprofundamento das questões postas nesse estudo. Visou-se, principalmente, ir contra alguns discursos do início dos anos 1970, que enfatizavam o fim de sonho e o vazio cultural no Brasil e no mundo. Se nos anos 1960, havia uma efervescência política, cultural, social, constituindo-se como a década da revolução, do sonho de transformação social e individual (PEREIRA, 1992: 31), já nos anos 1970, debatia-se e afirmava-se o fim de um período de mudanças e de utopias: em outubro, John Lennon, em sua canção God, afirmava que o sonho havia acabado e cha- mava os jovens à realidade (MUGGIATI, 1981: 108). Na análise de autores como Ro- berto Muggiati, o rock como expressão declinava, mas como produto cultural crescia na indústria de discos. Conforme o autor, “a geração que cresceu com o rock não só conti-
(^1) Cabe ressaltar, que parte da entrevista foi realizada durante o período da elaboração da monografia “ O pó da estrada”: a cidade e o campo no Brasil pela obra de Sá, Rodrix & Guarabyra (1970-1980). Cf. RESENDE, 2010.
O conceito de romantismo contracultural parte das análises de Michael Löwy e Robert Sayre (1995), que propõem estudar os diversos romantismos espalhados pelo mundo a partir do século XIX. Os autores trabalham com o que denominam de roman- tismo revolucionário. Tal conceito é apropriado por Marcelo Ridenti (2000) para o en- tendimento da cultura brasileira e das propostas de transformação da sociedade no con- texto ditatorial. Esses autores demonstram a crítica à sociedade capitalista moderna, industrial, pautada no consumo e as experiências e alternativas de vida nesse contexto. Para a crítica urbana e as representações do campo, utilizou-se a obra de Ray- mond Williams. Em seu livro O campo e a cidade na história e na literatura (1989), o autor traça um percurso sobre as representações do meio urbano e rural na sociedade inglesa. Williams leva em consideração as transformações ocorridas no contexto da Re- volução Industrial e mostra as ideias bucólicas e os refúgios reais, mas, também, cons- truídos, de diversos poetas e autores ao longo da história inglesa. Transferindo-se, com as devidas especificidades, para o caso brasileiro, a obra de Williams contribui para se entender uma sociedade que passa por um processo acelerado de urbanização. Pela obra de Sá, Rodrix & Guarabyra , há a possibilidade de se compreender as representações e as tensões entre meio urbano e rural, que os músicos trazem, inseridas num contexto de modernização conservadora assistida pelo governo militar. Desse modo, a dissertação encontra-se estruturada em três capítulos. O primeiro, trata do vazio cultural preconizado por alguns intelectuais e artistas da época. Mostra-se que parte das críticas contra a falta de criatividade do país origina-se de setores ligados ao engajamento nacional-popular que, nos anos 1970, experimentava seu esgotamento. Parte-se da ideia de que a cultura não estava tão vazia assim, e que as críticas, sobretudo à contracultura, vinham carregadas de sentido ideológico. Nesse capítulo, aproveita-se para explicitar os conceitos de contracultura e rock. Mapeando e analisando algumas fontes musicais e impressas, já se podem mostrar certas críticas ao regime autoritário no Brasil, bem como apontar algumas discussões sobre o romantismo revolucionário no país e sua vertente contracultural, destacando-se, também, a pertinência dos embates e discussões sobre política e cultura brasileira no período. O capítulo 2 concentra o eixo principal da dissertação, que é tratar as representa- ções de cidade e campo, do grupo estudado, e suas relações com a modernização capita- lista autoritária. Trabalha-se, principalmente, com o conceito de romantismo contracul-
tural , por meio da análise das canções. Destacam-se, também, aspectos biográficos dos músicos/compositores e discussões sobre suas relações com a indústria cultural. Enfati- zam-se, sobretudo, as representações e práticas culturais do trio e dupla, entre os emba- tes da esquerda engajada e os processos de modernização do regime militar, mostrando que, entre um e outro, os músicos viviam inseridos na modernidade do país e utiliza- ram-se dos recursos modernos para criticar a sociedade brasileira dos anos 1970. Visa- se, também, mostrar as aproximações e apropriações da contracultura , e ao mesmo tempo, os diálogos com essa modernidade. Desse modo, enfatizam-se as estratégias e vivências dos músicos/compositores que transitam nos universos ditos contrastantes do período, destacando-se não a tomada de posição de uma ou de outra vertente de contes- tações – cultura engajada ou contracultura – mas, exemplificando os diversos caminhos percorridos pelos artistas na sociedade multifacetada do período. Por meio do conceito de rock rural , podem-se demonstrar os pontos acima discutidos e ressaltar as críticas e as propostas de vida, cantados pelos artistas, no contexto de regime autoritário do país. E, no capítulo 3, como desdobramento do capítulo anterior, trata-se de demons- trar como os músicos em questão e alguns críticos musicais trabalharam, por meio do rock , o conceito de identidade nacional. O conceito de mediadores para esses músicos também é desenvolvido nesse capítulo, demonstrando suas ideias e contribuições artísti- cas para o entendimento de uma construção de nação brasileira.
da gente e dizem que não dá pra gravar porque é underground, não vende etc. e tal.
A revista cita, também, outras informações sobre os músicos Sá, Rodrix e Gua- rabyra, objetos da pesquisa apresentada nessa dissertação, como por exemplo: da saída de Zé Rodrix do trio, em 1973; a mudança de Luiz Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra para São Paulo, que vão trabalhar com a produção de jingles^2 ; da formação da dupla Sá & Guarabyra , dos discos vendidos de porta em porta; além das „bandeiras‟ ainda levan- tadas no trabalho da dupla, no sentido de que o sonho não havia acabado. Em outra edição, da Revista Bizz, tratando do gênero rock no país, destacam-se “as dificuldades de quem fazia rock no Brasil nos idos dos anos 70” (s/d: 12). Na revista aparece, também, certa denúncia do fim do sonho:
Aqui, como no resto do mundo, o sonho também havia acabado. O endu- recimento do regime e o fim da Tropicália, com a saída de seus líderes do país, serviam para aumentar ainda mais a sensação de vazio cultural. Os aplausos calorosos e as estrondosas vaias que agitavam os festivais já e-
(^2) Destaque para o famoso jingle Só tem amor quem tem amor pra dar, para a propaganda da Pepsi, discu- tido no capítulo 2.
ram coisa do passado. No seu lugar, ficara um vasto e profundo silêncio, quebrado apenas por uma minoria que insistia em transitar no caminho aberto pelo pioneirismo dos Mutantes (Revista BIZZ, s/d: 12).
No início dos anos 1970, já se sinalizava para o problema do vazio cultural esta- belecido no Brasil. Em artigo de Zuenir Ventura, para a revista Visão, em julho de 19713 , o autor destaca:
Alguns sintomas graves estão indicando que, ao contrário da economia, a nossa cultura vai mal e pode piorar se não for socorrida a tempo. Quais são os fatores que estariam criando no Brasil o chamado “vazio cultural”? Respondendo a um questionário distribuído por Visão^4 no princípio do ano e organizado com o objetivo de fazer o balanço cultural de 1970, mui- tos intelectuais manifestaram sua decepção e pessimismo em relação ao passado recente e preocupação em relação ao futuro. A conclusão revelava que a cultura brasileira estava em crise. Contrastando com a vitalidade do processo de desenvolvimento econômico, o processo de criação artística estaria completamente estagnado. Um perigoso “vazio cultural” vinha to- mando conta do país, impedindo que, ao crescimento material, cujos índi- ces estarrecem o mundo, correspondesse idêntico desenvolvimento cultu- ral. Enquanto o nosso produto interno bruto atinge recordes de aumento, o nosso produto interno cultural estaria caindo assustadoramente (VENTURA, 2000: 40).
As expressões vazio cultural , crise , bem como estagnação , mostram a problemá- tica da cultura brasileira em pleno período de crescimento econômico do país. Segundo Zuenir Ventura, alguns intelectuais assinalavam para a queda do “produto interno cultu- ral” em contraste com a prosperidade econômica do Brasil. Preocupados com o futuro da arte brasileira, e, portanto, da manifestação e firmação do caráter nacional do país, setores da intelligentsia demonstravam a falta de criatividade e engajamento da cultura, que antes, nos anos 1960, havia despertado o sentimento de construção nacional e de
(^3) O artigo encontra-se na obra 70/80 cultura em trânsito: da repressão à abertura (2000). Organizado por Elio Gaspari, Heloísa Buarque de Hollanda e Zuenir Ventura, o livro traz artigos e críticas da época da censura e repressão, intensificadas a partir do Ato Institucional de número 5, até o processo de „abertura‟ do regime político do Brasil. 4 O autor esclarece que o artigo contou com a contribuição de pesquisas e levantamentos de intelectuais como: Wladimir Herzog, Tárik de Souza, Ana Amélia Lemos, Maria Costa Pinto, Duda Guenes, entre outros.
verdade é mais uma sensação premonitória, caso prevaleçam os critérios cerceadores da liberdade de expressão” (VENTURA, 2000: 46). Nessa constatação da realidade ou caráter premonitório, dentro do devir revolucionário brasileiro, do Brasil do futuro, ins- talava-se um devir sombrio e vazio, atingindo todos os setores da vida social e cultural, nos meios intelectuais, de comunicação, da imprensa etc. Questionando o ônus dessa fossa cultural creditada apenas ao AI-5, Zuenir Ventura destaca:
Envolvidos no desespero de uma luta perdida em que estão em jogo a sua dignidade e a sua sobrevivência, os intelectuais brasileiros nem sempre ti- veram lucidez para perceber que, independentemente do AI-5, a cultura vive uma fase de transição em que, como superestrutura, tenta adaptar-se às alterações infra-estruturais surgidas no país (VENTURA, 2000: 47).
Trata-se do avanço e consolidação da indústria cultural no país, concomitante ao aumento do nível de consumo da população, dentro de um processo de modernização autoritária e conservadora, com a racionalização nos diversos setores da vida social bra- sileira. Nesse modelo capitalista, Ventura destaca a cultura brasileira se desenvolvendo ainda de forma híbrida: “não se libertou completamente dos resquícios artesanais das épocas anteriores e vai incorporando características de uma cultura típica dos países industrializados” (VENTURA, 2000: 48), seguindo aqui, as leis de mercado e mudanças no comportamento cultural dos consumidores:
Coincidindo com a elevação de vida das camadas médias da população urbana, nota-se a emergência de uma “cultura industrializada” cada vez mais condicionada pelas leis da produção (altos custos, fabricação em sé- rie, consumo em massa), mas que está encontrando barreiras naturais e ati- tudes contraditórias de resistência. Além dos obstáculos opostos pela complexa realidade brasileira – onde ao lado das “ilhas de consumo” coe- xistem o analfabetismo em massa, o baixo índice de escolarização e o bai- xo poder aquisitivo – , há a resistência daqueles que, apegados a padrões estéticos e formas de produção cultural típicos de uma época passada, combatem o novo processo em nome da qualidade, que seria incompatível com esse tipo de cultura, e em nome da liberdade de criação, que estaria subordinada à demanda do mercado. Tendo que atender mais ao requerido pelo consumo do que aos seus próprios impulsos e preferência, esses inte-
lectuais se considerariam produtores e não criadores – fabricantes de pro- dutos em série e não criadores de objetos únicos (VENTURA, 2000: 48).
Ocorria, nas análises de Ventura, o embate entre criação e massificação, em que “na música popular, a interrupção do veio inventivo começado pela Bossa Nova de João Gilberto e depois retomado por Caetano e por Gil teria como causa a massificação e não uma crise de criação” (VENTURA, 2000: 49). Somava-se, então, ao AI-5 e à censura, a questão da cultura massificada, calcada no avanço da indústria cultural do período, co- mo causa do vazio cultural. Havia, desse modo, a problemática da “importação de mo- dismos internacionais” (VENTURA, 2000: 49), caso em que o autor aponta o teatro, a industrialização, além dos próprios contrastes do Estado que tentava “oficializar e am- parar a cultura por meio dos institutos (INL, INC, Embrafilme, Comissões de Teatro etc.)” sem, contudo, “impedir o estreitamento cada vez mais rigoroso da censura” (VENTURA, 2000: 49). O autor destaca, também, que 50 % das músicas consumidas nesse período eram estrangeiras, no quadro da cultura que se estruturava como indústria. Nesse contexto, aponta a defesa de vários representantes, de diversos segmentos culturais, para uma legislação mais liberal de censura e maiores estímulos e isenções na difusão das obras nacionais. Sobre as influências externas, tema controverso e polêmico na história cultural brasileira, conforme será abordado neste estudo, Zuenir Ventura indaga: “numa sociedade de censura rigorosa, seria culturalmente conveniente o fecha- mento do mercado cultural às influências externas? Por onde se faria o intercâmbio de ideias que revitalizava o processo criador de um país?” (VENTURA, 2000: 50). E de- monstra certas alternativas: “no plano da expressão artística, o impasse gerou vários caminhos quase sempre bipolares: o industrialismo e o marginalismo; a vanguarda e o consumo; a expressão lógica e a expressão mais intuitiva, emocional” (VENTURA, 2000: 50). Outro problema, o de se tratar a cultura brasileira sempre em pares, e em opostos, aparece no discurso do autor. Em outro artigo, na mesma revista, intitulado A Falta de Ar (1973), Ventura já aponta algumas saídas para o impasse da cultura. Seriam três possíveis soluções para preencher o vazio cultural: “uma cultura de massa digestiva, comercial, de simples en- tretenimento”; “uma contracultura buscando nos subterrâneos do consumo, mas fre- quentemente sendo absorvida por este, formas novas de expressão e sobrevivência”; e,