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Desenvolvimento de Ações Sociais: Limitações do Marco Lógico e Novas Abordagens, Notas de aula de Lógica

Este documento discute as teorias e abordagens metodológicas desenvolvidas para melhor compreender como as mudanças sociais acontecem, com ênfase no campo do gerenciamento de projetos sociais. O texto critica as limitações do marco lógico, uma abordagem dominante no apoio e gerenciamento de projetos sociais, e propõe novas abordagens para compreender e suportar processos de mudança na sociedade. O documento também aborda a importância de compartilhar novas abordagens, sistematizar experiências inovadoras e imaginar e exercitar novas abordagens capazes de nos levar a uma melhor compreensão de como se dão os processos de mudança na sociedade.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Barros32
Barros32 🇧🇷

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Orelojoeirocego:sentidoemétodonaaçãosocial
DomingosArmani1
“Emsistemascomplexos,
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Comestetextotemosaintençãodecontribuircomareflexãosobreestedesafio3.
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1Sociólogo,MestreemCiênciaPolíticaeconsultoremdesenvolvimentoinstitucionaldeorganizaçõesda
sociedadecivil(darmani@terra.com.br;www.domingosarmani.wordpress.com).
2OrelojoeirocegoéumametáforautilizadaporRichardDawkins(1986),aquireferidaporJohnKayem“A
belezadaaçãoindireta”(RiodeJaneiro:EditoraBestSeller,2011).
3Estetextocontoucomaimportantecontribuição,emsuaelaboraçãoerevisão,dosamigosAlaisÁvila,
DaízaAmador,DomenicoCorcione,LeandroValarellieLuizKohara.
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O relojoeiro cego: sentido e método na ação social

Domingos Armani^1 “Em sistemas complexos, o relojoeiro cego pode ser mais eficaz do que aquele que enxerga”^2_._ Desde os anos 1940/50 experimentou‐se uma crescente sofisticação nos modos de pensar, organi‐ zar e avaliar a ação social. Muitas teorias e abordagens metodológicas foram desenvolvidas para a melhor compreensão de como as mudanças sociais efetivamente acontecem. No campo específico do gerenciamento de projetos sociais, este movimento resultou no desenvolvimento de uma varie‐ dade de abordagens, marcadas pelas mais variadas influências teóricas. Uma corrente, em particu‐ lar, deu origem a inúmeras ferramentas marcadas por uma lógica causal linear, de viés positivista. Esta abordagem, hoje dominante no apoio e gerenciamento de projetos sociais, tem demonstrado limitações no caso de iniciativas mais complexas, como as ações coletivas voltadas à incidência polí‐ tica, à mudança em relações de poder e à transformação de atitudes e padrões de comportamento. O momento parece maduro para se avançar para além deste aparato técnico‐metodológico cons‐ truído nos últimos 50 anos e ampliar e diversificar o repertório de abordagens e ferramentas para dimensionar o significado e os efeitos da ação coletiva. Estamos sendo desafiados a compartilhar novas abordagens, sistematizar experiências inovadoras e imaginar e exercitar novas abordagens, capazes de nos levar a uma melhor compreensão acerca de como se dão os processos de mudança na sociedade e como se pode apoiá‐los e evidenciá‐los. Com este texto temos a intenção de contribuir com a reflexão sobre este desafio^3. (^1) Sociólogo, Mestre em Ciência Política e consultor em desenvolvimento institucional de organizações da sociedade civil (darmani@terra.com.br; www.domingosarmani.wordpress.com ). (^2) O relojoeiro cego é uma metáfora utilizada por Richard Dawkins (1986), aqui referida por John Kay em “A beleza da ação indireta” (Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2011). (^3) Este texto contou com a importante contribuição, em sua elaboração e revisão, dos amigos Alais Ávila, Daíza Amador, Domenico Corcione, Leandro Valarelli e Luiz Kohara.

A emergência dos modelos lógicos Desde o final dos anos 1940, assiste‐se a um processo de avanços constantes no tocante ao desen‐ volvimento e avaliação de ações sociais. Uma conquista fundamental, nos anos 1940 e 50, foi a de que o “social” deveria ser tratado como âmbito autônomo (mas não independente) em relação à economia, superando, assim, a lógica de que haveria melhoria social com o que estava sendo denominado de progresso econômico. Isto abriu as portas para se pensar em formas concretas de promover o desenvolvimento social. A partir, aproximadamente, desta época, as ações sociais apoiadas por terceiros passaram a ser concebidas como projetos, isto é, como iniciativas planejadas e estruturadas, com objetivos e resultados previamente formulados e com base em prazos e recursos estabelecidos. Um passo importante, desde então, foi o surgimento das abordagens lógicas ou modelos lógicos. Elas preconizam que ações sociais devem ser elaboradas e acompanhadas com base numa conexão lógica entre seus principais elementos. Esta lógica é expressa por uma cadeia de hipóteses de causa e efeito, sendo a mais familiar delas a “cadeia de impacto”: INPUTS – ACTIVITIES – OUTPUTS – OU‐ TCOMES – IMPACT. O modelo lógico de maior difusão é o Marco ou Quadro Lógico (LFA ‐ Logical Framework Approach ), criado em 1969, nos Estados Unidos, e que incorpora esta lógica em sua primeira coluna (chamada de “lógica da intervenção”). O Marco Lógico teve e tem enorme sucesso, tendo sido adotado, de diferentes formas, por todas as principais instituições públicas e privadas do mundo da cooperação para o desenvolvimento. De‐ pois de algumas décadas de uso, já estamos familiarizados com a avaliação das vantagens e riscos do seu uso. O Marco Lógico ganhou maior difusão quando foi incorporado ao método ZOPP 4 de planejamento, desenvolvido pela GTZ 5 , no início dos anos 1980. O desenvolvimento dos projetos sociais Muitas mudanças positivas na forma de desenvolver iniciativas sociais foram promovidas nos anos recentes, visando à maior efetividade destas ações formatadas como projetos. Elas foram propos‐ (^4) O método ZOPP ( Ziel‐Orientierte Projekt Planung ) é utilizado para o planejamento participativo de projetos nas mais diversas áreas. O nome significa Planejamento de Projeto Orientado por Objetivos. Foi introduzido em 1981 pela GTZ – Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (Agência Alemã de Cooperação Técnica) com base na elaboração participativa da ferramenta conhecida como LogFrame ( Logical Framework ), de origem americana. (^5) A GTZ foi um órgão de cooperação e assistência técnica do governo alemão, hoje incorporado ao GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit ou Associação Alemã para a Cooperação Interna‐ cional, estabelecida em Janeiro de 2011.

ou mesmo superá‐lo, usando abordagens como o “mapeamento da cadeia de impactos” (GIZ ‐ Cooperação Alemã), o “Mapeo de Alcances” (CIID‐IRDC 6 ), etc.  Teoria da mudança: esta é relativamente uma recente novidade que busca agregar valor aos modelos lógicos/Marco Lógico, ao explicitar um caminho de mudanças de uma intervenção

  • ela oferece uma análise mais profunda e detalhada das precondições necessárias (e nem sempre explícitas) para que as mudanças almejadas ocorram. É mais um avanço na direção certa, favorecendo abordagens mais complexas e permitindo uma maior densidade analíti‐ ca.  Apoio ao desenvolvimento institucional das OSCs: algumas organizações internacionais mantêm ou estão retomando o apoio ao fortalecimento de OSCs, seja apoiando o fortaleci‐ mento de capacidades organizacionais via projetos de desenvolvimento, seja apoiando pro‐ jetos mais amplos de desenvolvimento institucional diretamente (Programa Build da Funda‐ ção Ford, por exemplo). Os limites da abordagem predominante Apesar de todos esses avanços, há uma percepção por parte de um grupo de profissionais do cam‐ po do desenvolvimento institucional das OSC, de que a “lógica linear simples” do Marco Lógico, útil para iniciativas relativamente simples, muito concretas e de fácil avaliação, passou a ser utilizada indiscriminadamente para iniciativas bem mais complexas e de difícil mensuração, resultando mui‐ tas vezes em uma representação simplificadora e superficial dos processos de mudança social. Esta lógica – caracterizada basicamente por uma abordagem linear de relações causais, associada ao uso praticamente exclusivo de indicadores quantitativos –, é aqui denominada “linear simples” porque entende as relações causais de forma um tanto mecânica: A causa B, B causa C, C causa D e assim por diante... Ou, dito de outra forma: “se as Atividades de um projeto forem realizadas a con‐ tento, elas deverão levar aos Resultados Esperados; se estes forem alcançados, então deverão levar ao Objetivo Específico e este, uma vez alcançado, contribuirá com o Objetivo Geral^7 ”. Tal abordagem poderia ser compreendida no contexto de origem do Marco Lógico, nos anos 1960/70, quando prevalecia uma visão de desenvolvimento enquanto satisfação de necessidades básicas, fossem elas benfeitorias e/ou enfrentamento da pobreza vista como carência; neste senti‐ do, desenvolvimento era apenas construir escolas, postos de saúde, moradias, estradas, etc., e pro‐ ver serviços de alfabetização, capacitação profissional, campanhas de vacinação, etc. (^6) CIID: Centro Internacional de Investigaciones para El Desarollo ou IDRC: International Development Rese‐ arch Center. (^7) Pode‐se argumentar que a abertura à complexidade no Marco Lógico se dá por meio da identificação de Pressupostos ou fatores de risco e pelo fato de que se avalia o alcance de cada nível (Atividades, Resultados, Objetivo Específico e Objetivo Geral) de forma autônoma (com indicadores específicos), mas isso não resolve o problema.

Esta concepção de desenvolvimento, hoje percebida como linear, “mecânica” e redutora dos pro‐ cessos de mudança, está na base inspiradora do Marco Lógico, por sua hierarquização e individuali‐ zação dos problemas, mas, sobretudo, pela ideia de que uma única iniciativa/projeto poderia resol‐ ver um problema social^8. Foi a partir deste tipo de visão – e em função dela – que foi criada a fer‐ ramenta Marco Lógico. Contemporaneamente, entretanto, o papel das OSCs e dos projetos sociais no desenvolvimento da sociedade, de seus valores e instituições avançou para uma perspectiva mais estratégica. Agora, os projetos sociais têm outro sentido, especialmente em contextos como o brasileiro, no qual houve um desenvolvimento avançado da legislação social, das políticas públicas e da sociedade civil nas últimas décadas. Em casos como este, os projetos são muito mais voltados ao fortalecimento do protagonismo autônomo das organizações sociais e de suas capacidades, do que simplesmente à geração de benefícios e serviços sociais. No atual momento de crise generalizada por que passa o país, mais ainda se faz necessário priorizar iniciativas de advocacy e incidência, as quais possam influenciar o debate público, o processo de formação da opinião das pessoas e mobilizar força social suficiente para gerar mudanças. Abordagens do tipo Marco Lógico podem ser ainda úteis para pequenos projetos, iniciativas pontu‐ ais, especialmente de provisão de um bem ou serviço social. Mas tal enfoque se mostra inadequado para a concepção, desenho e avaliação de propostas de enfrentamento de problemas mais comple‐ xos, pois estes exigem mais tempo e recursos, colaboração multi‐atores e estratégias articuladas de incidência política. Abordagens e paradigmas em disputa^9 Não é fácil compreender e explicar como e porque se chegou à atual situação – de utilização de uma abordagem considerada inadequada para conceber e avaliar ações sociais mais complexas –, e porque tem sido tão difícil avançar. No fundo, vive‐se uma disputa, ou a hegemonia quase indispu‐ tada, de visões e paradigmas de organização e mudança social. Seguem abaixo alguns fatores explicativos relevantes a esse respeito:  Ainda se está refém de paradigmas positivistas e funcionalistas de mundo, os quais colocam primazia nos elementos “objetivos” da realidade, negligenciando a inter‐relação intrínseca entre sujeito e objeto, a natureza intrinsecamente política e contraditória da realidade e a subjetividade nas relações sociais. Tudo é percebido como se a realidade fosse um conjunto de elementos objetivos que pudessem ser movimentados de forma independente do con‐ texto mais amplo e do sentido que os sujeitos lhes conferem. (^8) Francisco José Calderón Vasquéz. Guia de Orientaciones para la Evaluación y Seguimiento de Proyectos de Desarrollo, 2008 (ver: http://www.eumed.net/libros‐gratis/2008b/411/Critica%20al%20Marco%20Logico.htm). (^9) Este tópico contou com a contribuição importante de Leandro Valarelli.

com que sua sustentabilidade institucional fique, no mais das vezes, ancorada em situações de dependência, limitando uma atitude independente e a capacidade de inovação. O desafio da complexidade nas ações sociais Enquanto o universo que o viés positivista/funcionalista projeta é objetivo, linear, previsível e con‐ trolável, relativamente harmônico e neutro, a leitura de realidade da abordagem complexa é bem outra. Saem de cena a estabilidade, a previsibilidade, a ordem, a funcionalidade e a linearidade e entram em cena o contraditório, o paradoxal, a desordem, o caos, a multicausalidade, a incerteza e toda a carga subjetiva da conexão entre sujeito e mundo. Os avanços citados anteriormente parecem estar tateando na direção de uma nova abordagem sem, porém, conseguir chegar a ela. A sensação é a de que as roupas já não nos servem mais. Para uma nova abordagem do desenvolvimento e dos processos de mudança social, será necessário romper com o substrato positivista e enfrentar os desafios e incertezas de uma abordagem com‐ plexa. Eis aí o grande desafio: refletir criticamente sobre os pressupostos das ferramentas de viés positi‐ vista e desenvolver alternativas orientadas pelo paradigma da complexidade. E agora, como avançar? Alguns movimentos possíveis são indicados a seguir:  Ampliar e disseminar a reflexão crítica sobre os pressupostos e os limites das atuais aborda‐ gens e ferramentas de gerenciamento de projetos;  Aprofundar a pesquisa para a identificação e análise de abordagens e ferramentas alternati‐ vas, na América Latina/Caribe, mas também em outros continentes;  Estimular reflexões, diálogos e intercâmbios Sul – Sul e também Norte – Sul sobre o tema;  Criar as condições para que algumas iniciativas alternativas possam ser experimentadas e analisadas; e  Fortalecer esforços de sistematização de experiências, de inovação e de criação de novas abordagens e metodologias no âmbito da ação social transformadora, os quais possam ge‐ rar teorizações que levem ao desenvolvimento de abordagens e ferramentas mais apropria‐ das e consistentes com um olhar sensível à complexidade dos atores e dos processos sociais. Domingos Armani Porto Alegre, setembro de 2017.