













































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Neste estudo, realizamos uma leitura psicanalítica do documentário elena, dirigido por petra costa. O objetivo é investigar se é possível sublimar durante um processo de luto e como isso ocorre no longa-metragem. Através da teoria freudiana, analisamos como a identificação e a sublimação ajudam petra a controlar as pulsões de morte e se tornar objeto delas. O documentário retrata a vida de elena, irmã de petra, desde a história anterior à sua trágica e precoce morte, até a forma como elas reagiram a essa perda.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
1 / 53
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde Curso de Psicologia Ananda Honorato Silva ANÁLISE PSICANALÍTICA DO DOCUMENTÁRIO ELENA: o processo de sublimação e luto de Petra Costa São Paulo 2018
Ananda Honorato Silva ANÁLISE PSICANALÍTICA DO DOCUMENTÁRIO ELENA: o processo de sublimação e luto de Petra Costa Trabalho de Conclusão de Curso realizado como exigência parcial para a graduação do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Orientadora: Profª Drª Rosa Maria Tosta. São Paulo 2018
Agradeço primeiramente aos meus pais, Edilson e Luzinete, que me deram o sopro de vida, que me ensinaram o amor e a honestidade e por acreditarem em mim quando nem eu mesma acreditava. Também agradeço as minhas irmãs Flávia e Lígia, e ao meu primo Rafael pela amizade e amor gratuitos. Agradeço aos meus professores que me acompanharam durante toda a minha trajetória escolar e universitária. À professora Cris Petroucic por me mostrar um modo de ser delicado e extrovertido. À professora Chu Cavalcanti por me ensinar que seriedade também pode caminhar junto com amabilidade. À professora Beltrina Corte que sempre me recebe com incrível espontaneidade e me ajudou muito nesse trabalho. À minha orientadora Rosa Tosta por me motivar e me fazer refletir sobre cada passo tomado nesse trabalho e à professora Paula Peron por sempre estar disposta a me ajudar nos meus estudos com um sorriso no rosto, muito obrigada. Também agradeço a minha amiga, Fernanda Fazzio por me acalmar e me ajudar a adentrar no universo da psicanálise. Todas essas mulheres são incríveis! Quero agradecer aos meus amigos, afinal eles são a família que eu pude escolher. Agradeço aos amigos que me acompanharam durante a escola, o cursinho e agora na faculdade. Obrigada por me acolherem em momentos decisivos, por suportarem meus comentários um tanto ácidos e por compartilharem comigo boas histórias, boas risadas. Maria Eugênia, Ana Bárbara, Ana Walder, Cléria, Henrique, Michele, Tuanny e tantos outros representados por essas pessoas maravilhosas. Agradeço especialmente ao meu melhor amigo, Luciano, a única pessoa com quem eu consigo passar quatro horas no telefone.
As memórias vão com o tempo, se desfazem. Mas algumas não encontram consolo, só algum alívio nas pequenas brechas da poesia. Você é minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce, e dança. (Petra Costa)
Segundo Freud (1930), o ser humano é regido pelo princípio de prazer, buscando em sua vida formas de se satisfazer. Ele postula duas maneiras para conquistá-lo, em que a primeira teria um caráter restrito e uma meta negativa visando a satisfação de suas pulsões através de vivências de forte prazer, enquanto que a segunda seria mais ampla e de meta positiva com o objetivo de atenuar o sofrimento eliminando o desprazer. Em O mal-estar na civilização (1930), Freud categorizou as três prováveis origens do mal- estar humano, em que o primeiro seria proveniente do próprio corpo, que envelhece com o tempo, o segundo da natureza, que frente a ela o ser humano se torna frágil e o último referente às relações humanas, definida pelo autor como fonte de prazer e desprazer. Na contramão das três origens de sofrimento o autor apresenta três recursos, denominados por ele como “paliativos” (FREUD, 1930/2010, p.28) para as dores, decepções e tarefas insolúveis. São elas as “poderosas diversões, que nos permitem fazer pouco de nossa miséria, gratificações substitutivas, que a diminuem, e substâncias inebriantes, que nos tornam insensíveis a ela” (FREUD, 1930/2010, p.28). Dentro da categoria de gratificações substitutivas, o psicanalista inclui a arte como uma forma de ilusão ao sofrimento. A partir dessas considerações, a temática desenvolvida neste trabalho se deu por um interesse pessoal pela criação artística e pelo luto. Durante o meu percurso na faculdade, observei que essas temáticas eram mais abordadas em eletivas, e pouco se desenvolvia. A motivação para a realização dessa pesquisa, deu-se justamente pela curiosidade em estudar como se dá o processo de sublimação em uma situação de luto a partir da visão freudiana. Ainda em O mal-estar na civilização , Freud (1930) apresenta outra maneira de afastar o sofrimento por meio da plasticidade dos deslocamentos da libido de nosso aparelho psíquico. Ao deslocar as metas pulsionais o eu não seria atingido pelas frustrações do mundo externo, de modo que a sublimação acaba se fazendo presente. Elevar as metas pulsionais através da sublimação permitiria que músicos compusessem canções e que cientistas fizessem novas descobertas. No entanto, o autor afirma que esse método é fraco, pois não poderia ser aplicado para todas as pessoas, e mesmo aquelas que conseguiriam sublimar não teriam eficácia, porque esse processo estaria sujeito a falhas. A partir de um interesse particular sobre o desenvolvimento do processo de sublimação em situações de grande sofrimento humano e do luto, veio o ímpeto de pesquisar como funciona o mecanismo das pulsões e como ela funciona nessas situações em específico, pois na literatura encontra-se mais informações sore a sublimação de pulsões na erotização.
10 MÉTODO Como metodologia desse estudo foram utilizados alguns autores que discutem a questão da interpretação de filmes na abordagem psicanalítica. De acordo com Violante (2000), nesse tipo de pesquisa podemos conceber que tudo que tange o inconsciente é passível de ser investigado, logo, tudo que é humano também. Esse tipo de pesquisa segue duas coordenadas. A primeira a partir de uma relação inter-humana em que tem um sujeito que fala e outro que oferece a sua escuta, enquanto que a segunda ocorre através de uma situação extra-analítica. No modo extra-analítico encontramos a pesquisa hermenêutica pautada nas vivências do pesquisador e a pesquisa exegética realizada por meio da leitura de livros. Sobre esse segundo tipo a autora diz que é importante o estudante universitário tomar conhecimento da literatura psicanalítica produzida desde o final do século passado, uma vez que “conhecer o que existe, em psicanálise como em qualquer outra disciplina, é o primeiro momento de qualquer pesquisa séria.” (MEZAN apud VIOLANTE, 2000, p.111) Outro ponto importante que a autora trouxe ao citar Birman foi a proposta de observar o momento histórico em que a teoria foi formulada, bem como as modificações sofridas por ela no decorrer do tempo. A psicanálise teria como objeto de estudo o inconsciente, enquanto que seu método se daria a partir da interpretação e a técnica seria pautada pela associação livre. Violante (2000) afirma que a psicanálise propõe seu estudo com base no discurso, possibilitando a interpretação desde que permaneça seu rigor conceitual; isto pode ser desenvolvido por meio de vários temas como “as produções culturais como a arte” (p.115). Para compor a análise do filme foi utilizado o método interpretativo que Franklin Goldgrub desenvolveu em seu livro A Metáfora Opaca (2004). O autor afirma que a interpretação deveria ser pautada no discurso, de modo que a linguagem se torna fundamental neste processo. Este método deveria “discernir rigorosamente o sentido de determinada produção discursiva da respectiva significação consciente” (GOLDGRUB, 2004, p.18). Sobre isso, Goldgrub (2004) defendeu a importância da linguagem para que se pudesse interpretar um discurso. Este deveria ser conferido considerando a teoria, indo além da produção discursiva da associação livre e da escuta analítica pela atenção flutuante, que apesar de serem fundamentais na psicanálise, neste contexto interpretativo acarretaria em uma limitação. Segundo o autor, para a elaboração desse estudo foi fundamental a volta ao texto A interpretação dos sonhos (1900) em que Freud define um método interpretativo. No entanto, lembra que Freud não estendeu este método para conteúdos não oníricos. A falta de uma teoria como essa se
11 daria à dificuldade em compreender as relações entre linguagem e inconsciente, presentes nos sonhos e em outras formas de discurso. (...) O sonho, por ser indisfarçadamente metafórico, favoreceu a formulação do método interpretativo- cuja característica principal é a de rastrear, através da substituição, o que foi substituído. As operações oníricas descritas por Freud retratam modalidades de substituição linguísticas. Assim, o conteúdo manifesto do sonho (significação consciente) conduz aos restos diurnos (significação pré-consciente) e na sequência – se a resistência puder ser superada – à lógica subjacente (sentido inconsciente). Cabe então antecipar, de acordo com a argumentação anterior, que a interpretação não é senão leitura de metáforas discursivas. Ou desmetaforização. (GOLDGRUB, 2008, p. 66). A interpretação ocorreria então através da desmetaforização de dois tipos de metáforas. A primeira é chamada por metáfora transparente , seria equivalente a condensação, em que o seu sentido é facilmente decodificável, como na expressão “cada macaco no seu galho” em que indica que não se deve adentrar o espaço do outro. Enquanto que a segunda, metáfora opaca , equivaleria ao deslocamento, tendo caráter obscuro, de modo que, seu acesso seria mais difícil exigindo o uso da associação livre e da escuta flutuante para que seja feita essa interpretação. Para o autor, essas metáforas também poderiam ser encontradas em mitos e filmes o que facilitaria a visualização das metáforas do discurso, legitimando o procedimento interpretativo. O primeiro passo nessa direção consiste em libertar o procedimento interpretativo (a prática psicanalítica) de sua subordinação à transferência. O método interpretativo pode ser aplicado a outros discursos, que não precisam (nem podem) ser abordados a partir da noção de transferência. No que se refere a produção artística, há autores que admitem o valor instrumental da transferência do analista para com o objeto de estudo (mito, filme, livro, etc.). Essa perspectiva será descartada por discordância com a suposição de que emoções e sentimentos possam constituir a base de um procedimento metodológico rigoroso. (GOLDGRUB, 2004, p. 56) Pensando no que Violante propõe nas pesquisas em psicanálise, no modelo de interpretação de Goldgrub e nas metáforas apresentadas no decorrer do filme e do depoimento de Petra Costa, este trabalho procurou fazer uma interlocução com duas personagens da literatura. A primeira refere-se a sereiazinha do conto A Sereiazinha de Hans Christian Anderson (1995) e a outra, Ofélia, da peça Hamlet do dramaturgo William Shakespeare (2010). Essas três histórias se costuraram em diversos pontos, de modo que diversos significantes similares aparecem como metáforas aos olhos dos apreciadores dessas obras. A partir do documentário Elena (2012) e dos temas luto, melancolia, sublimação e identificação, os conceitos que norteariam este trabalho foram definidos. No primeiro conceito a ser pesquisado, sublimação, houve uma dificuldade em encontrar na obra freudiana algum texto que falasse explicitamente e unicamente sobre esse tema. Desta forma, através da sugestão da orientadora, foi feita uma busca nos índices remissivos das obras completas, onde o termo era citado, destacando
13
1. SUBLIMAÇÃO É importante iniciar esse capítulo dizendo que não foi encontrado um texto em que se tratasse especificamente do termo sublimação, e que portanto, podemos crer que ainda existem lacunas referentes à isso. Em um artigo de Eliana Mendes (2011) sobre pulsão e sublimação, ela expõe que Ernest Jones ao escrever um estudo biográfico de Freud teria afirmado que um possível texto sobre a sublimação haveria se perdido em 1915 com outros ensaios metapsicológicos. Ficamos então na expectativa de que um dia ele apareça. Para discutir sobre esse termo tão valorizado por Freud, refletir sobre a origem dele se torna muito pertinente. Em nota de rodapé de Os instintos^1 e seus destinos (1915/2010) na edição da Companhia das Letras, o tradutor apontou que o termo alemão original para sublimação possui origem latina ( Sublimierung ) e já havia sido utilizado por pensadores anteriores a Freud, como Friedrich Nietzsche, o que nos faz pensar sobre suas outras possíveis inspirações para o termo. Buscando outras fontes, encontramos o termo latim, sublime, “que quer dizer aquilo que é o mais elevado, o que alcança a perfeição, a purificação” (FABBRINI, 1999, p.18). O primeiro apontamento a ser feito sobre o termo é que ele é proveniente das ciências naturais. A sublimação é a mudança direta do estado sólido para o estado gasoso^2. Assim como na física, a psicanálise compreende a sublimação como uma passagem, a transmutação de uma pulsão sexual para atividades nomeadas, elevadas, valorizadas, dentro de uma determinada sociedade e cultura, e que não têm em si mesmas quaisquer vínculos aparentes com que designamos por sexual (FABBRINI, 1999, p.18). No Vocabulário da Psicanálise de Laplanche e Pontalis (1987/2001) os autores afirmam que Freud tentou explicar a sublimação a partir de um ponto de vista econômico e dinâmico no decorrer de suas obras, sendo que no primeiro existe a ideia de repartição de uma energia quantificável de modo que parte das pulsões dos sujeitos seriam direcionadas para esses fins; já no segundo se apresenta como dinâmica na medida que fenômenos psíquicos são resultantes de conflitos e de composições de forças do aparelho psíquico. (^1) Instintos aqui será lido como pulsões, assim como sugere o tradutor da edição dessa obra. (^2) Conforme o que foi dito em aula pela psicanalista Paula Peron, podemos notar que Freud integra diversos termos das ciências naturais no vocabulário da psicanálise, tais como, deslocamento, condensação, investimento, economia (libidinal), transferência, dentre outros. Esse movimento de Freud para aproximar a psicanálise desses campos foi uma tentativa dele no início de sua obra para tentar afirmar a psicanálise como uma ciência.
14 Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905/2016), Freud traz uma dimensão econômica para este termo ao falar dos desvios relativos às metas sexuais, em que as pulsões sexuais mudam os seus trajetos “para o âmbito artístico, quando se consegue retirar seu interesse dos genitais e dirigi-lo para a forma do corpo em seu conjunto” (FREUD, 1905/2016, p.50). A sublimação então, refere-se principalmente às pulsões parciais, pulsões que não conseguem se integrar definitivamente pela genitalidade. Pensando nisso e na concepção econômica, as pulsões parciais teriam maior possibilidade de serem sublimadas, pois apesar de possuírem uma meta sexual, ainda não atingiram seu objetivo final, que seria o encontro dos genitais. Ao falar nos desfechos dos desejos inconscientes na quinta lição de psicanálise (1910/2013) Freud considera a sublimação como uma possibilidade de realização dos desejos. Para ele, o recalque impediria que a sublimação ocorresse de forma satisfatória e, portanto, o neurótico perderia com o recalque grandes fontes de energia psíquica que serviriam para a formação de sua personalidade, tendo assim grande valor (FREUD, 1910/2013). Dessa maneira, se os desejos não fossem recalcados, teríamos um maior aproveitamento dessa energia que teria adquirido um destino mais nobre, através da sublimação havendo, portanto, um novo direcionamento desse objetivo para algo socialmente estimado. Freud (1910/2013) acreditava que provavelmente às maiores produções da civilização se deva a energia utilizada na sublimação, e esse pensamento está na construção do próprio conceito, pois, para ele, o processo sublimatório adquire um caráter extraordinário, de forma que ela não é somente o melhor mecanismo de defesa, como também o processo de desenvolvimento mais promissor. Ainda no início de sua obra quando Freud estava dedicado à tarefa de diferenciar o que seriam pulsões ( Trieb ) de estímulos externos e em definir as origens e os destinos das pulsões, ele enfatiza que a sublimação tem origem nas pulsões sexuais e sua dessexualização se daria a partir da transformação da meta e do objeto ao qual se dirige essa pulsão. Em Os instintos e seus destinos (1915/2010), Freud afirma que os estímulos estão relacionados ao esquema de arco reflexo em que um estímulo externo ao tecido nervoso é descarregado por meio de uma ação, enquanto que a pulsão é proveniente do interior do próprio organismo, possuindo uma força constante , diferente do estímulo que tem uma força momentânea de impacto. Considerando que a pulsão vem do interior do organismo, nenhuma fuga poderia ser possível. A pulsão age então em prol de uma necessidade, ou seja, segundo o princípio de prazer, e isto é suprimido através da satisfação. Além disso a pulsão tem como característica “sua irredutibilidade por meio de ações de fuga” (FREUD, 1915/2010, p.55). De acordo com Freud (1915/2010), os estímulos pulsionais possuem maior dificuldade em serem liquidados por meio de movimentos motores, pois
16 normalmente seriam negligenciadas, notando-se sua presença apenas quando alguma doença se tornasse aparente. As pulsões sexuais também se distinguem pelo fato de terem a habilidade de trocarem seus objetos facilmente, e é justamente por causa disso que são capazes de serem sublimadas. Em vista da delimitação destes termos podemos avançar na discussão dos destinos das pulsões. A partir da sua experiência clínica, Freud estabeleceu os seguintes destinos: a reversão no contrário, o voltar-se contra a própria pessoa, o recalque e a sublimação. Como neste trabalho será tratado o último destino, deixemos os três primeiros em suspenso. Os estudos freudianos foram se desenvolvendo desde essa época e o autor reforçou a necessidade de revisar os seus escritos, reformulando-os, para que assim pudesse constituir uma nova tópica para melhor construir os seus pensamentos. É a partir 1920 que Freud elabora a segunda tópica, onde passa a considerar, cada vez mais, as defesas inconscientes, “o que não permite fazer coincidir os pólos do conflito defensivo com os sistemas precedentemente definidos” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1987/2001, p. 508); por conta disso, o conceito de sublimação adquire novas roupagens. No texto Angústia e instintos (1933/2010), ele escreve sua segunda teoria da angústia e a segunda teoria pulsional (ou da libido). No que diz respeito à questão pulsional, Freud inicialmente retoma o que havia dito no texto As pulsões e seus destinos (1915/2010): que em toda pulsão haveria um impulso uma meta, um objeto e uma fonte. De forma bastante poética ele diz: A teoria dos instintos é, por assim dizer, nossa mitologia. Os instintos são seres míticos, formidáveis em sua indeterminação. Em nosso trabalho não podemos ignorá-los um só instante, mas nunca estamos certos de vê-los com precisão. Vocês sabem como o pensamento popular lida com eles. As pessoas imaginam a existência de muitos e variados instintos, tantos quantos necessitam: um instinto de imitação, um de autoafirmação, um instinto lúdico, um social, e assim por diante (FREUD, 1933/2010, p.241). É interessante notar que apesar de haver um longo trabalho sobre essa tópica, Freud ainda considerava que havia traços obscuros nela. No decorrer desse texto, o autor discorre sobre como ainda são imprecisas as hipóteses postuladas por ele e seus seguidores. Diante desses obstáculos são retomados os conceitos de pulsões do eu, referentes a conservação do eu e da espécie; e de pulsões sexuais que dizem respeito a vida sexual infantil e a perversão. Após essa recapitulação, ele inicia uma discussão sobre o funcionamento do masoquismo e do sadismo, onde foi denotada a agressividade nesses dois modos, sendo a primeira sobre pulsões agressivas voltadas para o eu, enquanto a segunda é sobre pulsões (também agressivas) externalizadas para outros objetos.
17 É importante relembrar que as pulsões são originadas no interior do organismo, sendo assim, também possuímos pulsões agressivas que nos incitam à destruição. Considerando isso, Freud elabora dois possíveis grupos em sua segunda teoria das pulsões, sendo um deles formado pelas pulsões de vida, em que se compreende não apenas o próprio instinto sexual desinibido e os impulsos instintuais sublimados e inibidos na meta, dele derivados, mas também o instinto de autoconservação, que devemos consignar ao eu e que no início do trabalho analítico opusemos, com boas razões, aos instintos objetais sexuais” (FREUD, 1923/2011, p. 50). As pulsões de vida agiriam em contraposição às pulsões de morte, cuja função é reconduzir os organismos ao estado inorgânico, onde buscam se expressar como pulsão de destruição, que é dirigida para o mundo externo. Para Freud, essas duas pulsões atuariam de forma conservadora, e buscariam retornar ao estado de homeostático que foi desestabilizado no início da vida. Dessa maneira, haveria algo que impulsiona o eu a continuar a vida, ao mesmo tempo que haveria uma intencionalidade para a morte e o eu teria que lidar com esse dualismo durante toda a sua vida. A partir dessa discussão, Freud admite em O eu e o id (1920/2011) uma hipótese de que esses dois tipos de pulsões se uniriam, impondo a possibilidade de uma desfusão^3 dessas pulsões. Sobre este conceito Freud conclui: Percebemos que o instinto de destruição é habitualmente posto a serviço de Eros para fins de descarga, suspeitamos que o ataque epiléptico seja produto e indício de uma disjunção de instintos, e aprendemos a ver que, entre os efeitos de algumas neuroses graves — as neuroses obsessivas, por exemplo —, merecem particular atenção a disjunção instintual e a proeminência do instinto de morte. Numa generalização rápida, conjecturamos que a essência de uma regressão libidinal, da fase genital à sádico-anal, por exemplo, baseia-se numa disjunção instintual, e, inversamente, o avanço da fase genital inicial à definitiva tem por condição um acréscimo de componentes eróticos (FREUD, 1923/2011, p. 52). Sobre esse trecho compreendemos que a desfusão pulsional (ou disjunção instintual) se dá quando as pulsões de vida e as pulsões de morte atuam simultaneamente e uma pulsão acaba agindo em detrimento da outra. Particularmente nessa passagem, a pulsão de morte está se sobressaindo, estabelecendo assim outras estruturas, como a neurose obsessiva. Dotados dessas informações necessárias para entender a segunda tópica freudiana, podemos seguir para a primeira vez em que Freud fala sobre a sublimação em O eu e o id (1923/2011). Nesse (^3) Utilizarei o termo desfusão para me referir a disjunção , conforme indicação do tradutor Paulo César de Souza em “O eu e o id” (FREUD, 1923/2011, p.38).
19 Observamos então que no desenvolvimento da sublimação, ocorre a desfusão pulsional, de modo que, parte das pulsões são dessexualizadas e mudam de metas, enquanto as restantes, pulsões de agressividade, procuram outras formas para serem descarregadas. Sobre isso Freud afirma: Como o (...) trabalho de sublimação (do Eu) tem por consequência uma disjunção instintual e liberação dos instintos de agressão no Super-eu, ele se expõe, em sua luta contra a libido, ao perigo dos maus-tratos e da morte. Quando o Eu sofre ou mesmo sucumbe à agressão do Super-eu, seu destino é uma contrapartida daquele dos protozoários que perecem devido aos produtos de decomposição que eles mesmos criaram. No sentido econômico, a moral atuante no Super-eu nos parece tal produto de decomposição (FREUD, 1923, p.71). Neste trecho são ilustradas as possíveis consequências do processo de sublimação, a partir da elaboração da segunda teoria pulsional. Enquanto que uma parte da pulsão adquire uma meta elevada, a outra não toma destinos tão nobres, resultando muitas vezes na destruição do objeto.
20
2. IDENTIFICAÇÃO Diferentemente do último conceito retratado que não tem um texto exclusivo sobre ele, a identificação tem um capítulo inteiro dedicado a essa temática no texto Psicologia das massas e análise do eu (1921/2011). Segundo Freud, a identificação é a forma mais antiga de expressão de um afeto por outra pessoa e possui papel importante na história pré-edípica do complexo de Édipo, pois, o ser humano se constitui através dele. A respeito dessa discussão, se faz necessário recapitular rapidamente algumas considerações feitas por Freud em Introdução ao narcisismo (1914/2010). Este texto foi escrito um ano antes de Os instintos e seus destinos (1915/2010), que conforme foi dito no capítulo anterior, tem a proposta de discutir os possíveis caminhos das pulsões. Em 1914, o autor considera o destino narcísico que elas poderiam tomar, ou seja, o eu teria a capacidade de investir em si mesmo. De acordo com Laplanche e Pontalis (1987/2001) a questão narcísica se desenvolve em dois momentos. O primeiro chamado de narcisismo primário, em que a criança toma a si mesma como objeto de amor, antes de buscar objetos externos, enquanto o segundo se refere ao narcisismo secundário, onde a criança passa a escolher e investir em outros objetos que não a si mesma. Isso não significa que a criança se dirige a um estágio em que pararia de investir nela própria, mas que ao buscar objetos externos, ela também estaria investindo em seu eu. Seguindo a linha de raciocínio freudiana, a vida amorosa dos seres humanos pode ser usada como um dos meios para se estudar o narcisismo. Sendo assim, a partir das relações podemos ter acesso sobre como o eu se comporta em relação a si e aos seus amores. Para que isso seja feito, é importante considerar as primeiras vivências de satisfação da criança, pois elas ajudam a definir as próximas relações com os futuros objetos de amor dela. Como na ocasião da escrita desse texto Freud ainda pensava a primeira tópica, ele defendia que durante o desenvolvimento infantil as pulsões sexuais se apoiariam inicialmente nas pulsões de autoconservação para somente mais tarde se tornar independente delas. Desse modo, a criança escolheria seu objeto, baseado em uma satisfação instintiva, buscando assim, nutrição, cuidado e proteção. Essa escolha era denominada por ele como tipo “de apoio” (FREUD, 1914/2010, p.32). Na contramão disso, ele definia que pessoas ditas como perturbadas, ou seja, homossexuais e pervertidos, não escolheriam o seu objeto de amor de acordo como o modelo de sua mãe. Na verdade, elegeriam a si mesmas como objeto amoroso, sendo essa escolha chamada de narcísica. Sobre isso Freud define os seguintes caminhos para as escolhas de objeto: