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Este documento analisa as conclusões econômicas levantadas por especialistas sobre a responsabilidade do proprietário de uma fábrica em relação aos danos causados por fumaça, bem como o impacto da responsabilidade do criador de gado em sua produção e no valor da produção agrícola vizinha. Também aborda a compensação por danos e a eficiência do mercado.
Tipologia: Notas de estudo
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VOLUME III / OUTUBRO 1960
Universidade da Virgínia
O presente ensaio versa sobre as ações das firmas de negócios que geram efeitos danosos em outros. O exemplo padrão é aquele da fábrica cuja fumaça causa efeitos aos ocupantes de propriedade vizinhas. A análise econômica de uma situação como essa se dá, geralmente, nas bases da divergência entre o produto privado e o social da fábrica, na qual os economistas têm, largamente, seguido o tratamento dado por Pigou em The Economics of Welfare. As conclusões a que tal tipo de análise parece ter levado a maioria dos economistas são as de que se desejaria tornar o proprietário da fábrica responsável pelos danos causados aos atingidos pela fumaça ou, alternativamente, aplicar uma multa ao proprietário da fábrica, a qual variaria de acordo com o montante de fumaça produzida e equivalente, em termos monetários, ao dano que causasse, ou, por fim, excluir a fábrica dos distritos residenciais (e, presumivelmente, de outras áreas em que a emissão de fumaça teria efeitos nocivos). A minha argumentação é no sentido de que os aludidos cursos de ação são inapropriados, vez que conduzem a resultados que não são necessariamente, ou, ainda, geralmente, desejáveis.
A abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha que deve ser feita. A questão é comumente pensada na forma em que A inflige um dano em B e o que tem de ser decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Para evitar o dano em B, dever-se-ia causar um dano em A. A verdadeira questão a ser respondida é: A deveria estar permitido a causar um dano em B ou deveria B estar permitido a causar um dano em A? O problema está em evitar o dano mais sério. Eu exemplifiquei em meu artigo anterior^3 o caso de um confeiteiro, de cujo maquinário provinham ruído e vibrações que perturbavam a atividade de um médico. A fim de evitar o dano ao doutor, infligir-se-ia um dano ao confeiteiro. O problema posto nesse caso era, em essência, se valeria a pena, como resultado da restrição dos métodos de produção dos quais o confeiteiro poderia se valer, assegurar mais atividade médica ao custo da redução da oferta de
(^1) Tradução por Francisco Kümmel F. Alves e Renato Vieira Caovilla, bacharéis em Direito na PUC/RS e
membros do Grupo de Pesquisa em Direito e Economia da PUC/RS, coordenado pelo Prof. Dr. Luciano Timm. (^2) O presente ensaio, embora referente a um problema técnico de análise econômica, deriva do estudo da Political
Economy of Broadcasting , o qual eu estou conduzindo. O argumento do presente artigo estava implícito em um artigo anterior, no qual versava sobre o problema da alocação das freqüências de rádio e televisão. ("The Federal Communications Commission," J. Law and Econ., II (19591), contudo, os comentário que recebi parecem sugerir que seria mais proveitoso tratar da questão de forma mais explícita e sem fazer referência ao problema original para cuja solução foi desenvolvida análise. (^3) 'Coase, "The Federal Communications Commission," J. Law and Econ ., II (1959), 26-.
produtos de confeitaria. Um outro exemplo é proveniente do problema do gado que, ao vaguear, destrói a plantação na propriedade vizinha. Em sendo inevitável o dano causado pelo gado na propriedade vizinha, o aumento da oferta de carne somente será obtido mediante o decréscimo da oferta de produtos agrícolas. A natureza da escolha é clara: carne ou messe. A resposta deve ser dada não é, por óbvio, determinada, a menos que se saiba o valor daquilo que é obtido, bem como o valor daquilo que se sacrifica para obtê-lo. Para dar outro exemplo, o Professor George J. Stigler refere o caso de contaminação de um córrego^4. Assumindo-se que o efeito danoso da poluição é a mortandade de peixes, a questão a ser decidida é: o valor dos peixes mortos é maior ou menor do que o valor do produto que a contaminação do córrego torna possível. É praticamente desnecessário dizer que um problema desses deve ser analisado no todo e em seus acréscimos.
Proponho iniciar a minha análise pelo exame de um caso cujo problema muitos economistas iriam, presumivelmente, concordar que deveria ser resolvido de uma maneira completamente satisfatória: quando a atividade nociva tem de pagar por todo o dano causado e o sistema de preços funciona suavemente (de forma estrita, isso significa que a operação de um sistema de preços ocorre sem custos).
Um bom exemplo do problema sob discussão é propiciado pelo caso do gado que, ao vaguear, destrói a plantação cultivada na área de terras adjacente. Vamos supor que o agricultor e o pecuarista estejam desempenhando suas atividades em propriedades vizinhas. Vamos supor, ainda, que sem que haja qualquer separação entre as propriedades, o aumento do rebanho do pecuarista eleva o total de danos causado à messe do agricultor. O que ocorre com o dano marginal quando do aumento do número de bois no rebanho é outro problema. Isso depende se os bois tendem a vaguear um seguido do outro ou um ao lado do outro, ou se eles tendem a ser mais ou menos agitados conforme aumenta o rebanho, ou, ainda, de outros fatores semelhantes. Para o meu propósito imediato, é secundária a suposição feita acerca do dano marginal levado a efeito com o aumento do número de bois no rebanho.
Para simplificar o argumento, proponho um exemplo aritmético. Assume-se que o custo anual para cercar a propriedade do agricultor é de $9 e que o preço da messe é $1 por tonelada. Ainda, admite-se que a relação entre o número de bois no rebanho e o da perda anual da colheita é como se segue:
(^4) G. J. Stigler, The Theory of Price, p. 105 (1952).
causados. Mas, o total do pagamento a ser feito agora elevou-se a $3. O valor total da produção permanece $2. O criador de gado estaria em uma posição melhor caso o agricultor concordasse em não cultivar sua terra por qualquer quantia menor do que $3. O agricultor concordaria em deixar a terra não-cultivada por qualquer pagamento maior do que $2. Há, claramente, espaço para uma barganha mutuamente satisfatória, o que levaria ao abandono do cultivo da terra^5. Contudo, o mesmo argumento serve não apenas ao total de terra cultivada pelo agricultor, mas, também, a qualquer subdivisão da mesma. Suponha, por exemplo, que o gado tenha uma rota bem definida, vale dizer, em direção a um riacho ou a uma área de sombrosa. Nessas circunstâncias, o dano causado à messe, ao longo da definida rota, pode ser grande e, em assim sendo, o agricultor e o pecuarista poderiam achar rentável entabular uma barganha, a qual tenha por resultado a concordância do agricultor em não cultivar a referida faixa de terra.
Mas, disso exsurge outra possibilidade. Suponha que exista uma rota bem definida. Suponha, ainda, que o valor da colheita que seria obtido pelo cultivo da área de terra correspondente à definida rota seja $10, mas o custo para cultivá-la é de $11. Se não houvesse o pecuarista, tal faixa de terra seria desperdiçadamente cultivada. Entretanto, dado a presença do criador de gado, ter-se-ia que, fosse cultivada tal faixa, a totalidade da messe resultaria destruída pelo gado. Nesse caso, o pecuarista seria forçado a pagar $10 ao agricultor. É verdade que este ainda perderia $1. Mas, o criador de gado perderia $10. Claro está que tal situação duraria indefinidamente, porquanto nenhuma das partes gostaria que isso ocorresse. O objetivo do agricultor seria o de induzir o pecuarista a pagar-lhe tendo por contrapartida o não-cultivo da terra. O agricultor não estaria capacitado a receber um valor superior ao custo de cercar a área plantada, nem um valor tão alto a ponto de levar o criador de gado a abandonar o uso da terra vizinha. O montante a ser pago dependeria da perspicácia do agricultor e do pecuarista como barganhistas. Mas, já que o pagamento não seria tão elevado a ponto de levar pecuarista a abandonar a localidade vizinha e como não variaria com o tamanho do rebanho, tal acordo não afetaria a alocação de recursos, mas, meramente, alteraria a distribuição de renda e riqueza entre o criador de gado e o agricultor.
Eu penso ser claro que se o criador de gado for o responsável pelo dano causado e o sistema de preços funcionar suavemente, a redução no valor da produção em outra atividade será levada em consideração no cômputo do custo adicional que envolve o aumento do tamanho do rebanho. Esse custo será contrabalançado com o valor da produção adicional de carne e, dada a condição de concorrência perfeito na indústria da pecuária, a alocação dos recursos na criação do gado será ótima. O que necessita ser enfatizado é que a queda no valor da produção alhures, que seria levada em conta nos custos do criador de gado, pode ser menor do que o dano que o gado causaria à messe no curso ordinário dos acontecimentos. Isso porque é possível, como resultado das transações no mercado, descontinuar o cultivo da terra. Tal é desejável em todos os casos em que o dano que o gado causaria, e para o qual o
(^5) O argumento, no texto, deriva da suposição de que a alternativa ao cultivo da terra seria o abandono total dessa
atividade. Mas, não precisa ser assim. Pode haver grãos que sejam menos suscetíveis à ação do gado, mas menos lucrativos do que os grãos cultivados sem que ocorresse qualquer dano. Assim, se o cultivo de um novo tipo de grão desse um retorno, ao agricultor, de $1 em vez de $2, e o tamanho do rebanho que causaria danos de $3 aos antigos grãos, aos novos causaria apenas $1, seria lucrativo para o criador de gado qualquer quantia inferior a $2, a fim de induzir o fazendeiro a modificar seus grãos (uma vez que isso reduziria a responsabilidade pelos danos de $3 para $1), e seria lucrativa para o agricultor assim proceder se a quantia por ele recebida superasse $1 (a redução em seu retorno por causa da mudança de grãos). De fato, haveria espaço para uma barganha mutuamente satisfatória, em todos os casos nos quais a mudança de grãos reduziria mais o montante de danos do que o reduziria o valor dos grãos (excluindo-se os danos) – em todos os casos, isto é, em que a mudança nos grãos cultivados levaria ao aumento no valor da produção.
pecuarista estaria disposto a pagar, superasse o montante que o agricultor pagaria pelo uso da terra. Em condições de concorrência perfeita, o montante que o agricultor pagaria para o uso da terra é igual à diferença entre o valor da produção total, quando os fatores de produção estão empregados na área plantada, e o valor do produto adicional submetido a sua próxima melhor oportunidade (o que seria o quanto o agricultor teria de pagar pelos fatores de produção). Se os danos excederem o montante que o agricultor pagaria pelo uso da terra, o valor do produto adicional dos fatores de produção empregados alhures excederia o valor do produto total do uso atual, após os danos terem sido computados. Disso advém que seria desejável abandonar o cultivo da terra e liberar os fatores de produção empregados para a produção em outro lugar. Uma atividade que é meramente suficiente para o pagamento de danos, causado pelo gado, à safra, mas que não possibilita que o cultivo seja descontínuo, resultaria no emprego muito pequeno de fatores de produção na pecuária e muito grande no cultivo da messe. Dada a possibilidade de transações de mercado, uma situação na qual os danos à safra excedessem a renda da terra não perduraria. Se o criador de gado pagasse o fazendeiro para este deixar a sua terra não-cultivada ou ele mesmo arrendasse a terra pagando ao dono da mesma um valor ligeiramente superior ao que o fazendeiro pagaria (se o fazendeiro arrendasse a terra), o resultado final seria o mesmo e maximizaria o valor da produção. Ainda quando o fazendeiro é induzido a cultivar plantações que não fossem rentáveis para a venda no mercado, isto será simplesmente um fenômeno de curta duração e poder-se-ia esperar um arranjo no qual a plantação cessaria. O criador de gado permanecerá nessa localidade e o custo marginal da produção de carne permanecerá o mesmo que na situação anterior, não tendo, portanto, nenhum efeito de longo prazo na alocação de recursos.
Passo agora a analisar o caso no qual, em que pese a suposição de que o sistema de preços funciona suavemente (i.e., sem custos), a atividade danosa não é responsabilizado por qualquer dano que venha a causar. Essa atividade não tem de pagar pelos danos causados pelo seu funcionamento. Proponho mostrar que, nesse caso, a alocação de recursos será a mesma do que no caso anterior, em que a atividade danosa era responsável pelos danos que causava. Como já referi no caso anterior, quando a alocação de recursos era ótima, não será necessário repetir esta parte do argumento.
Retorno ao caso do agricultor e do criador de gado. Os danos causados ao agricultor seriam maiores quanto maior fosse o tamanho do rebanho. Suponha que o tamanho do rebanho do pecuarista seja de três bois (e esse seria o tamanho do rebanho que se manteria caso o dano à messe não fosse tomado em consideração). Então, o agricultor estaria propenso a pagar até $3, se o pecuarista reduzisse o seu rebanho para dois bois, até $5, caso o rebanho fosse reduzido para um boi, e até $6, na hipótese de abandono da atividade pecuária. O criador de gado receberia, assim, $3 do agricultor se mantivesse dois bois em vez de três. Estes $3 seriam parte do custo incorrido na manutenção do terceiro boi. Sejam estes $3 o pagamento que o criador de gado deve fazer para adicionar o terceiro boi ao seu rebanho (o que ocorreria caso o pecuarista fosse responsabilizado pelo dano causado à messe) ou sejam a quantia que receberia caso não mantivesse o terceiro boi (na hipótese de o pecuarista não ser responsabilizado pelo dano à messe) o resultado final não seria afetado. Em ambos os casos, $3 é parte do custo de adição do terceiro boi, a ser somado com os demais custos. Caso o aumento no valor da produção, da atividade pecuária, por meio do aumento do tamanho do rebanho, passando de dois bois para três, for maior do que os custos adicionais inerentes a
ar, impedia o funcionamento de um moinho^6. Um recente caso na Flórida relacionado a um prédio que criava sombra na cabana de banhistas, piscina e áreas de banho de sol de um hotel vizinho^7. O problema do gado desgarrado e o dano ocasionado às plantações o qual foi objeto de exame detalhado nos dois capítulos anteriores, apesar de aparentar ser um caso especial, são na verdade exemplos de um problema que se apresenta de diversas maneiras. Para esclarecer a natureza de meu argumento e para demonstrar sua aplicação geral, proponho ilustrá-lo de forma diferente relacionando-o com quatro casos reais.
Vamos reconsiderar primeiramente o caso Sturges v. Bridgman^8 o qual eu usei como ilustração do problema geral no meu artigo na “Comissão Federal de Comunicações”. Neste caso, um confeiteiro (na Rua Wigmore) usava dois almofarizes e pilões para realização do seu trabalho (um estava em operação na mesma posição por mais de 60 anos e o outro por mais de 26 anos). Um médico então veio a ocupar instalações vizinhas (na Rua Wimpole). O maquinário do confeiteiro não causava mal ao médico até, oito anos depois dele ter ocupado pela primeira vez suas instalações, ele construiu uma sala para consultas no final do seu jardim bem contra a cozinha do confeiteiro. Foi então que se descobriu que o ruído e a vibração causados pelo maquinário do confeiteiro criavam dificuldades para que o médico utilizasse de sua nova sala de consultas. “Particularmente...o barulho impedia que ele examinasse seus pacientes com doenças no peito por auscultação^9. Ele também se viu impossibilitado de envolver-se com efeito em qualquer atividade que requeresse atenção e raciocínio”. O médico, portanto, impetrou uma ação para forçar o confeiteiro a parar de usar seu maquinário. As cortes tiveram pouca dificuldade em garantir ao médico a ordem que ele buscava. “Casos individuais de necessidade podem ocorrer na estrita realização do princípio no qual baseamos nosso julgamento, mas a negação do princípio levará a uma maior necessidade individual, e vai ao mesmo tempo produzir um efeito prejudicial no desenvolvimento dos terrenos com fins residenciais”.
A decisão dos tribunais estabeleceu que o médico tinha o direito de impedir que o confeiteiro usasse seu maquinário. Mas, é claro, teria sido possível modificar os arranjos pensados pela sentença por meios de uma barganha entre as partes. O médico estaria disposto a renunciar seu direito e permitir que o maquinário continuasse em funcionamento se o confeiteiro pagasse a ele uma soma de dinheiro que fosse maior que a perda de renda que ele sofreria por ter que se mudar para um local mais caro ou menos conveniente, ou por ter que restringir suas atividades naquele local, ou, como foi sugerido como possibilidade, por ter que construir uma outra parede que levaria ao enfraquecimento do ruído e da vibração. O confeiteiro estaria disposto a fazer isto se a quantia que ele tivesse que pagar ao médico fosse menor que a queda na renda que ele sofreria se tivesse que mudar seu modo de operação na sua locação, encerar seu funcionamento ou mudar sua confeitaria para outra localidade. A solução do problema depende essencialmente em se o uso contínuo do maquinário acrescenta mais a renda do confeiteiro do que diminui da renda do médico^10. Porém, agora considere a situação se o confeiteiro tivesse ganhado o caso. O confeiteiro então teria o direito de continuar usando maquinário ruidoso e gerador de vibração sem ter que pagar qualquer coisa ao médico. A bota estaria no outro pé: o médico teria que pagar o confeiteiro para dissuadi-lo a parar de usar o maquinário. Se a renda do médico tivesse caído mais com a continuidade do
(^6) Ver Gale em ‘Easements’ 237-39 (13ª ed. M. Bowles 1959). (^7) Ver Fontainebleu Hotel Corp. v. Forty-Five Twenty-Five, Inc., 114 So. 2d 357 (1959). (^8) 11 Ch. D. 852 (1879). (^9) Auscultação é o ato de ouvir por ouvido ou estetoscópio a fim de, pelo som, avaliar as condições do corpo. (^10) Perceba que o que está sendo levado em conta é a mudança na renda após permitirem-se alterações nos
métodos de produção, localização, características do produto, etc.
uso do maquinário do que acrescentado à renda do confeiteiro, claramente haveria espaço para uma barganha na qual o médico pagaria ao confeiteiro para que parasse de usar seu maquinário. Ou seja, as circunstancias nas quais não valeria a pena ao confeiteiro continuar o uso do maquinário e compensar o médico pelas perdas que isto acarretaria (se o médico tivesse o direito de impedir o uso do maquinário pelo confeiteiro) seriam aquelas as quais seria do interesse do médico fazer o pagamento ao confeiteiro e assim persuadi-lo a não continuar com o uso do maquinário (se o confeiteiro tivesse o direito de usar o maquinário). As condições básicas são exatamente as mesmas neste caso como no exemplo do gado que destruía plantações. Sem custos de transação no mercado, as decisões dos tribunais a respeito da responsabilidade por dano não teriam efeito na alocação dos recursos. É claro que a visão dos juízes era que eles estavam afetando o funcionamento do sistema econômico – numa direção desejável. Qualquer outra decisão teria tido “um efeito prejudicial no desenvolvimento dos terrenos com fins residenciais”, um argumento que foi elaborado ao se examinar o exemplo de uma fundição operando em uma charneca infrutífera, a qual foi posteriormente desenvolvida para propósitos residuais. A visão dos juízes de que eles estavam estabelecendo como as terras deveriam ser usadas somente seria verdade no caso o qual os custos de transação para se realizar uma operação no mercado excedessem o ganho que poderia ser alcançado por qualquer rearranjo de direitos. E seria desejável preservar as áreas (Rua Wimpole ou a charneca) para uso residencial ou profissional (ao dar a usuários não- industriais o direito de, por sentença, parar o ruído, vibrações, fumaça, etc.) apenas se o valor adicional obtido nas instalações residenciais fosse maior que o valor da perda com as tortas e o ferro. Mas isto os juízes aparentam desconhecer.
Outro exemplo do mesmo problema é proporcionado pelo caso Coke v. Forbes^11. Um dos processos na tecelagem de tapetes de fibra de cacau era imergi-lo num líquido alvejante e após pendurá-lo para secagem. Vapores de um produtor de sulfato de amônia tinham o efeito de tornar o tapete de brilhoso para uma cor escurecida e embaçada. A razão para isto era que o líquido alvejante continha cloreto de estanho, o qual, quando afetado por hidrogênio sulfuroso, se torna de coloração escura. Uma ação foi impetrada para impedir a manufatura de emitir vapores. Os advogados do réu argumentaram que se o autor “não usasse...um determinado líquido alvejante, as fibras não seriam afetadas; que seu método de produção é atípico, contrário ao costume do comércio, e até danoso as seus próprios tecidos”. O juiz explanou: “...parece-me claro que uma pessoa tem o direito de, na sua propriedade, realizar um processo de manufatura em que se usa cloreto de estanho, ou qualquer tipo de corante metálico, e que seu vizinho não está na liberdade de inundar o ambiente com gás que vai interferir na sua manufatura. Se isto pode ser remontado a seu vizinho, então, compreendo eu, claramente ele terá o direito de vir aqui e pedir ajuda”. Mas diante do fato de que o dano foi acidental e ocasional, que precauções foram tomadas e que não havia risco excepcional, a injunção foi recusada, deixando ao autor a possibilidade de impetrar uma ação pelos danos sofridos se ele desejasse. Os desdobramentos subseqüentes neste caso eu desconheço. Porém parece claro que a situação essencialmente é a mesma encontrada em Sturges v. Bridgman , exceto que o produtor do tapete de fibra de cacau não pode ter assegurada uma injunção, mas poderia buscar reparação pelos danos do produtor de sulfato de amônia. A análise econômica da situação é exatamente a mesma que a do gado que destrói as plantações. Para evitar o dano, o produtor de sulfato de amônia poderia aumentar suas precauções ou se mudar para outro local. Qualquer das hipóteses presumivelmente aumentaria seus custos. Alternativamente, ele poderia pagar pelos danos. Ele faria isto se os pagamentos pelos danos ocasionados fossem menores que os custos adicionais que teriam incorrido para se evitar os danos. Os
(^11) L. R. 5 Eq. 166 (1867-1868).
ao interromper a circulação de fumaça da casa do querelante para um local...que o querelante não tem direito. O querelante produz a fumaça a qual interfere no seu conforto. Ao menos que...um direito de se livrar disto (da fumaça) de um modo específico tem sofrido intervenção pelos acusados, ele (o querelante) não pode processar os acusados, porque a fumaça produzida por ele mesmo, a qual ele não consegue fazer escapar adequadamente, o causa aborrecimento. É como se um homem quisesse se livrar de um líquido contaminado que tem origem em seu terreno por um ralo no terreno do vizinho. Até que um direito seja adquirido pelo usuário, o vizinho pode fechar o ralo sem incorrer em responsabilidade por fazer isto. Não há dúvidas que um grande inconveniente seria causado ao dono da propriedade a qual brota o líquido contaminado. Mas o ato de seu vizinho seria um ato válido de acordo com as leis, e ele não seria responsabilizado pelas conseqüências atribuídas ao fato de que o homem estaria acumulando líquido contaminado sem cuidar de um meio efetivo para se livrar dele.
Não proponho mostrar que qualquer modificação subseqüente da situação, resultado de barganha entre as partes (condicionada ao custo de armazenamento da madeira em outro lugar, ao custo de estender a chaminé mais alta, etc.), teria exatamente o mesmo resultado qualquer que fosse a decisão tomada pelos tribunais, haja vista que este ponto já foi abordado adequadamente no exame do exemplo do gado e nos dois casos anteriores. O que eu irei examinar é o argumento dos juízes da Corte de Apelações de que o incômodo pela fumaça não foi causado pelo homem que erigiu a parede, mas por aquele que acendeu a lareira. A novidade nesta situação é que o incômodo ocasionado pela fumaça é sofrido pelo homem que acende a lareira e não por uma terceira pessoa. A questão não é trivial, pois reside no centro do problema em análise. Quem causou o distúrbio pela fumaça? A resposta parece suficientemente clara. O distúrbio pela fumaça é causado por ambos, pelo homem que construiu a parede e pelo homem que acendeu a lareira. Dado a lareira, não haveria o incômodo sem a presença da parede; dado a parede, não haveria incômodo sem a lareira. Eliminada a parede ou a lareira o incômodo pela fumaça desapareceria. Conforme o principio marginal parece clara que ambos são responsáveis e ambos deveriam ser forçados a incluir a perda de conforte devido a fumaça como custo ao se decidir na continuidade da atividade que resulta na fumaça. E dada a possibilidade de transações de mercado, isto é o que de fato ocorreria. Apesar do construtor da parede não ser legalmente responsável pelo incômodo, como o homem das chaminés fumacentas estaria presumivelmente disposto a pagar uma quantia que fosse para ele igual ao valor monetário de eliminar a fumaça, esta quantia tornar- se-ia então para o construtor da parede, um custo para continuar tendo uma parede alta com madeira empilhada no teto.
A alegação dos juízes que foi o homem que acendeu a lareira quem sozinho causou o incômodo pela fumaça é verdade apenas se considerarmos que a parede é um fator determinado. Isto é o que os juízes fizeram ao decidir que o homem que erigiu a maior parede tinham o direito de assim fazer. O caso seria mais interessante ainda se a fumaça da chaminé prejudicasse a madeira empilhada. Ai quem estaria sofrendo o dano seria o construtor da parede. O caso então ficaria bem similar a Sturges v. Bridgman a há poucas dúvidas que o homem que acende a lareira teria sido responsabilizado pelos danos sucedidos a madeira, apesar do fato do dano não ocorrer até que a construção de uma parede mais alta fosse feita pelo dono da madeira.
Juízes devem decidir sobre a responsabilidade, mas isto não deveria confundir economistas sobre a natureza do problema econômico envolvido. No caso do gado e da plantação, é verdade que não haveria plantação danificada sem o gado. É igualmente verdade que não haveria danos na plantação se não houvesse plantação. O trabalho do médico não seria atrapalhado se o confeiteiro não tivesse operado seu maquinário; mas o maquinário não perturbaria ninguém se o médico não tivesse colocado seu consultório naquele local em
particular. O tapete era escurecido pelos vapores do produtor de sulfato de amônia; mas nenhum dano teria ocorrido se o fabricante de tapetes não tivesse pendurado seus tapetes naquele lugar específico e utilizado um agente alvejante também específico. Se formos discutir o tema em termos de causa, ambas as partes causaram o dano. Se formos nos ater numa alocação ótima de recursos, é desejável, portanto, que ambas as partes devem levar o efeito danoso (o incômodo) em consideração ao decidir seu curso de ação. Uma das belezas de um sistema de preços operando suavemente é que, como já foi explicado, que a queda no valor de produção devido a um efeito danoso tornar-se-ia um custo para ambas as partes.
Bass v. Gregory^13 vai servir como uma excelente ilustração final do problema. Os queixosos eram o proprietário e o inquilino de uma casa pública chamada Jolly Anglers. O acusado era o proprietário de alguns chalés e um jardim contíguos ao Jolly Anglers. Embaixo da casa pública havia uma destilaria escavada na rocha. Da destilaria, um buraco ou fossa havia sido esculpido até um antigo poço no jardim do acusado. O poço assim tornou-se o poço de ventilação para a destilaria. A destilaria “era usada para um propósito específico no processo de fermentação, o qual, sem ventilação, não poderia ocorrer”. A causa da ação foi que o acusado removeu uma grade da boca do poço, “de modo a parar ou impedir a livre passagem de ar para a destilaria através do poço...”. Não fica claro pelo relatório do caso o que levou o réu a tomar essa atitude. Talvez “o ar...impregnado pela atividade de fermentação” o qual “passava pelo poço de ventilação e saia a céu aberto” era para ele ofensivo. De qualquer forma, ele preferiu parar com o poço de ventilação no seu jardim. Primeiramente, o tribunal teve que determinar se os proprietários da casa pública poderiam ter o direito a uma corrente de ar. Se eles tivessem tal direito, este caso teria que ser distinguido do caso Bryant v. Lefever (já examinado). Isto, entretanto, apresentou nenhuma dificuldade. Neste caso, a corrente de ar estava confinada a “um canal bem específico”. No caso Bryant v. Lefever , o que estava envolvido era “a corrente geral de ar para toda raça humana”. O juiz então assegurou aos proprietários da casa pública que eles tinham o direito à corrente de ar, enquanto que o proprietário da casa privada em Bryant v. Lefever não tinha. Um economista poderia ficar tentado a acrescentar “mas o ar se move da mesma maneira”. Entretanto, tudo o que foi decidido neste estágio da argumentação foi que poderia haver um direito, não que os proprietários da casa pública possuíam um. Mas as evidências mostravam que o poço de ventilação da destilaria para o poço no jardim existia a mais de quarenta anos e que o uso do poço como um poço de ventilação deveria ser de conhecimento dos proprietários do jardim visto que o ar, quando emergia, cheirava devido ao processo de fermentação. O juiz então assegurou que a casa pública tinha tal direito pela “doutrina de perda de concessão”. Esta doutrina afirma que “se é provado que um direito existe e tem sido exercido por determinada quantidade de anos, convém a justiça presumir que este direito tem uma origem legal”^14. Assim o proprietário dos chalés e do jardim teve que permitir a ventilação do poço e suportar o cheiro.
(^13) 25 Q.B.D. 481 (1890). (^14) Poder-se-ia questionar porque a perda de concessão não poderia ter sido presumida no caso do confeiteiro que
usava um almofariz por mais de 60 anos. A resposta é que até o médico construir o consultório no fim do seu jardim não havia distúrbio. Assim o distúrbio não era continuo ao longo dos anos. É verdade que o confeiteiro no seu depoimento argumentou que “uma senhora inválida que ocupou a casa numa ocasião, uns trinta anos antes” a qual “requisitou se havia a possibilidade que ele não usasse as almofarizes antes as oito horas da manha” e que havia alguma evidência que a parede do jardim estava sujeita a vibrações. Mas o tribunal não teve muita dificuldade em descartar essa linha de argumentação: “...esta vibração, mesmo que existisse há tempos, eram tão pouca, e a queixa, se puder ser considerada uma queixa, da senhora inválida...era de um caráter tão insignificante, que...os atos do acusado não dariam origem a qualquer procedimento legal” (11 Ch.D. 863). Ou seja, o confeiteiro não tinha cometido nenhum distúrbio até o médico construir seu consultório.
Está claro que uma forma alternativa de organização econômica, a qual poderia alcançar o resultado a um custo menor do que o custo inerente às transações no mercado, capacitaria a elevação do valor da produção. Conforme explanei muito anos atrás, a firma representa essa forma alternativa à organização da produção através das transações no mercado^15. Na firma, as barganhas individuais entre os vários fatores de produção são eliminadas e substitui-se uma transação no mercado por uma decisão administrativa. O rearranjo da produção ocorre sem que seja necessária a barganha entre os proprietários dos fatores de produção. Um proprietário de terras que tem controle sobre uma larga área poderá dar várias destinações à mesma, levando em conta o efeito que as inter-relações entre as várias atividades terão sobre o valor da produção total, evitando, desse modo, barganhas desnecessárias entre os empreendedores das várias atividades. Os proprietários de prédios grandes ou de diversas propriedades contíguas podem atuar dessa forma. Deveras, a firma adquirirá o direito de todas as partes e o rearranjo das atividades não seguirá o rearranjo de direitos através dos contratos, mas, como resultado de uma decisão administrativa que tenha por objeto a destinação dos direitos.
Disso não deriva, é claro, que os custos administrativos de organizar a transação por meio da firma sejam, inevitavelmente, menores do que os custos das transações no mercado, que são substituídas. Entretanto, em situações nas quais a elaboração do contrato é, peculiarmente, difícil e a tentativa de descrever o que as partes acordaram ou não (e.g., a quantidade e o tipo cheiro ou barulho que fazem ou deixarão de fazer) necessitaria um comprido e muito intrincado documento, e, como é possível, nas situações em que um contrato de longo prazo fosse desejável^16 ; seria altamente surpreendente se o surgimento de uma firma ou a extensão das atividades de uma firma existente não fossem a solução adotada, em diversas situações, a fim de resolver o problema dos efeitos danosos. Tal solução seria adotada quando os custos administrativos da firma fossem menores do que os custos das transações no mercado, as quais são substituídas pelas decisões administrativas, e os ganhos, que resultariam do rearranjo de atividades, maiores dos os custos de organização da própria firma. Não se faz necessário examinar, detalhadamente, o caráter dessa solução, vez que já o fiz em meu artigo antecedente.
Mas a firma não é a única resposta possível a esse problema. Os custos administrativos de organizar as transações dentro da firma podem ser elevados e, particularmente, quando diversas atividades são submetidas ao controle de uma única organização. No caso padrão do dano causado pela emissão de fumaça, que pode afetar um vasto número de pessoas dedicadas a uma variedade de atividades, os custos de administração podem, da mesma forma, ser tão elevados de modo que torna impossível a tentativa de qualquer solução do problema através da firma. Uma alternativa é a regulação direta pelo governo. Em vez de estabelecer um sistema legal de direitos, o qual possa ser modificado pelas transações no mercado, o governo impõe regulamentos acerca do que as pessoas podem ou não fazer, devendo ser obedecidos. Dessa forma, o governo (por estatuto ou, talvez, mais provavelmente através de um agente administrativo) pode tratar o problema da emissão de fumaça, decretar quais métodos de produção deveriam ou não ser utilizados (e.g., que filtros devem ser instalados ou que carvão e óleo não devem ser queimados), ou, ainda, delimitar determinados tipos de atividades a certos distritos (zoneamento).
(^15) Ver Coase, ‘The Nature of the Firm’, 4 Economica, New Series, 386 (1937). Reimpressa em ‘Readings in
Price Theory, 331 (1952). (^16) Pelas razões explicadas no meu artigo anterior, ver ‘Readings in Price Theory’, n. 14 em 337.
O governo é, em certo sentido, uma super-firma (mas de um tipo muito especial), porquanto é capaz de interferir no uso dos fatores de produção por meio de decisões administrativas. Mas, as firmas ordinárias estão sujeitas a análise de suas operações em razão da concorrência com outras firmas, as quais podem administrar as mesmas atividades, mas a um custo menor, e, também, porque há sempre a alternativa das transações no mercado em vez da organização da firma, caso o custo administrativo se torne demasiadamente elevado. O governo é capaz, querendo, de evitar completamente o mercado, o que uma firma jamais poderá fazer. A firma tem de contratar com os detentores dos fatores de produção que utiliza, tal como o governo pode limitar ou apoderar-se da propriedade, da mesma forma que poderá decretar que os fatores de produção devem ser utilizados de determinada maneira. Tais métodos autoritários eliminam muitos problemas (para os responsáveis pela organização). Além disso, o governo pode valer-se da polícia e de outros métodos coercitivos para assegurar que seus regulamentos estejam sendo cumpridos.
Claro está que o governo tem ao seu dispor poderes que fazem com que consiga algumas coisas a um custo menor do que poderia fazer uma organização provada (ou, em qualquer nível, alguém sem poderes governamentais). Mas, a máquina administrativa governamental não funciona, per se, sem custos. Ao reverso, pode ser, em algumas situações, extremamente custosa. Outrossim, não há razão para se supor que os regulamentos restritivos e de zoneamento, realizados por uma falível administração submetida a pressões políticas e que opera sem o peso da concorrência, será, necessariamente, o potencializador da eficiência com a qual o sistema econômica opera. Ainda, tal regulação, aplicada a uma variedade de casos, será empreendida em situações para as quais se mostra completamente inapropriada. A partir dessas considerações, conclui-se que da regulação governamental direta não irão, necessariamente, derivar melhores resultados do que os originados do mercado ou da firma. Da mesma forma, não razão para não sustentar que, em certas ocasiões, a aludida regulação administrativa não levará à melhora da eficiência econômica. Particularmente, isso pode acontecer quando, como nos casos de emissão de fumaça, um grande número de pessoas está envolvido na situação e no qual, via de conseqüência, os custos para se tratar o problema através do mercado ou da firma forem muito altos.
Há, também, uma outra alternativa, que é a de não fazer nada a respeito. E dado que os custos envolvidos na solução do problema pela via dos regulamentos emitidos pela máquina administrativa do governo serão, frequentemente, altos (especialmente se aos referidos custos forem adicionadas as conseqüências advindas do engajamento do governo nesse tipo de atividade), será, sem dúvida, comumente o caso de os ganhos provenientes da regulação das atividades-fonte dos danos serem menores do que os custos envolvidos na regulação governamental.
A discussão do problema dos efeitos danosos nesta seção (quando os custos das transações no mercado são levados em consideração) é extremamente inadequada. Mas, pelo menos, demonstra claramente que o foco recai sobre a escolha do apropriado arranjo social quando da análise dos efeitos danosos. Todas as soluções acarretam custos e não há razão alguma para supor que a regulação governamental seja a mais apropriada, quando o problema não for satisfatoriamente resolvido através do mercado ou da forma. As posições políticas satisfatórias somente podem advir de um paciente estudo de como, na prática, o mercado, as firmas e os governos lidam com o problema dos efeitos danosos. Os economistas precisam estudar o trabalho do agente que organiza as partes, a efetividade dos acordos restritivos, os problemas de larga escala no desenvolvimento de companhias imobiliárias, a operação de zoneamento pelo governo e outras atividades regulamentadoras. É o meu sentir que os
O mundo deve conter fábricas, siderúrgicas, refinarias de petróleo, maquinário pesado e barulhento, ainda que à custa de alguma inconveniência à vizinhança e os autores de ações judiciais devem aceitar algum desconforto não-razoável em prol do bem comum.^18
Os escritores britânicos típicos não explicitam, tanto quanto aqui, que a comparação entre a utilidade e o dano produzido é um elemento a ser levado em conta ao se decidir se o efeito danoso deve ou não ser considerado um incômodo. Mas, semelhantes visões, ainda que menos tenazes, estão por ser encontradas.^19 A doutrina segundo a qual efeito danoso deve ser substancial para merecer atenção da corte é, sem dúvida, em parte, o reflexo do fato de que haverá quase sempre um ganho para compensar um dano. E, em relatórios de casos singulares, resulta claro que os juízes sopesavam o que seria perdido com o que se ganharia quando decidiam se concediam a tutela de emergência ou a indenização por perdas e danos. Assim, ao recusarem-se a evitar a destruição da paisagem em razão da construção de um novo edifício, os magistrados prolatavam:
Desconheço qualquer lei geral na common law , que... diga, que construir de modo a retirar a vista de alguém constitui-se em uma ofensa. Fosse assim, não existiriam grandes cidades; e eu concederei medidas de urgências a todas as novas construções da cidade...^20
Em Webb v. Bird^21 , resultou decidido que não se configurava um dano a construção de um prédio escolar tão próximo a um moinho de vento, de modo a obstruir as correntes de ar e prejudicar a funcionamento do engenho. Em um caso anterior, a solução dada ter andado na direção oposta. Gale comentou:
Nos antigos mapas de Londres, uma fileira de moinhos de vento aparecia nas montanhas ao norte da Cidade. No tempo do Rei James, considerar-se-ia, provavelmente, um caso alarmante, ao afetar o suprimento de alimentos da cidade, que alguém pudesse construir tão próximo aos moinhos, de modo a desviar o vento de suas asas.^22
Em um dos casos discutidos na Seção V, a saber, Sturges v. Bridgman , os juízes, claramente, levaram em consideração as conseqüências econômicas de diferentes decisões. Ao argumento de que, se o princípio que pareciam estar seguindo fosse concretizado de acordo com as suas conseqüências lógicas, resultar-se-iam nas mais sérias inconveniências práticas a serem enfrentadas –, por exemplo, no meio dos cortumes de Bermondsey , ou em qualquer outra localidade devotada a um certo tipo de comércio ou manufatura barulhenta e insalubre, ou pela construção de uma residência em um terreno desocupado causar-se-ia a interrupção, no todo, de comércio e da manufatura,
Os juízes responderiam que:
(^18) Ver W. L. Prosser, The Law of Torts 398-99, 412 (2d ed. 1955). A citação referente ao antigo caso da
fabricação de velas é retirado de Sir James Fitzjames Stephen, A General View of the Criminal Law of England 106 (1890). Sir James Stephen não fornece referência. Talvez, tenha pensado em Rex. v. Ronkett , constante de Seavey, Keeton and Thurston, Cases on Torts 604 (1950). Similar visão a expressa por Prosser, pode ser encontrada em F. V. Harper and F. James, The Law of Torts 67-74 (19S6); repetido, Torts , §§ 826, 827 e 828. (^19) Ver Winfield em Torts 541-48 (6th ed. T. E. Lewis 1954); Salmond em Law of Torts 181-90 (12th ed. R.F.V.
Heuston 1957); H. Street, The Law of Torts 221-29 (1959). (^20) Attorney General v. Doughty , 2 Ves. Sen. 453, 28 Eng. Rep. 290 (Ch. 1752). Compare, nesse sentido, a
prolação de um juiz norte-americano, citado em Prosser, op. cit. supra n. 16 at 413 n. 54: “Sem fumaça, Pittsburgh teria permanecido um pequeno vilarinho” ("Without smoke, Pittsburgh would have remained a very pretty village”), Musmanno, J., in Versailles Borough v. McKeesport Coal & Coke Co., 1935, 83 Pitts. Leg. J. 379, 385. (^21) 10 C.B. (N.S.) 268, 142 Eng. Rep. 445 (1861); 13 C.B. (N.S.) 841, 143 Eng. Rep. 332 (1863). (^22) Ver Gale on Easements 238, n. 6 (13th ed. M. Bowles 1959).
Se alguma coisa constitui-se ou não em um dano, é uma questão a ser determinada não, meramente, com base em uma consideração abstrata da coisa em si mesma, mas, em vista de suas conseqüências; aquilo que seria considerado um dano em Belgrave Square , não,necessariamente, o seria em Bermondsey ; e onde uma localidade é voltada para um comércio ou manufatura particular, empreendido por comerciantes ou produtores de forma particular e estabelecida, não constituindo um dano público, magistrados e jurados estariam fundamentados se decidissem, sendo confiados para tanto, que o comércio ou a manufatura empreendido naquela localidade não constitui uma ofensa privada ou passível de litígio.^23
Assim, a peculiaridade da localidade, como critério para definir se algo constitui, ou não, um dano, resulta plenamente estabelecida.
Aquele que não suporta o barulho do trânsito não deve erguer os seus adobes no coração de uma grande cidade. Aquele ama o silêncio e a paz, não deve viver em uma região destinada a fabricação de caldeiras ou de navios a vapor.^24
As decisões nesse sentido proferidas vêm sendo referidas como “planejamento e zoneamento pelo judiciário”.^25 Por certo, em alguns casos, a aplicação desse critério esbarra em dificuldades consideráveis.^26
Interessante exemplo do problema é encontrado em Adams v. Ursell^27 , caso em que um estabelecimento que comerciava peixe frito, em um distrito de residentes operários, foi instalado próximo a casa de “padrão mais elevado”. A Inglaterra sem fish-and-chips é uma contradição em termos, e o caso ganhou elevada importância.
O juiz asseverou:
Aduziu-se que a concessão da medida de urgência causaria grande onerosidade ao réu e às pobres pessoas que adquiriam alimentos em seu estabelecimento. A resposta a este argumento é no sentido de que nada impede que o réu empreenda em uma localidade mais adequada, dentro do próprio bairro. A isso não se segue que pelo fato de o comércio de peixe frito ser considerado uma turbação em um local, será, também, em outro.
Com efeito a medida que proibiu o Sr. Ursell de comerciar em um determinado local não se quedou extensiva à toda a rua. Assim, a ele era permitido mudar-se para outros lugares próximos a casas de “padrão menos elevado”, cujos habitantes, sem dúvidas, considerariam que a proximidade de um comércio de peixe frito superaria o impregnado odor e a “fumaça e névoa”, graficamente demonstradas pelo autor da ação. Não tivesse outro “local mais adequado dentro do mesmo bairro”, o caso experimentaria mais difícil solução, podendo-se ocorrer, até mesmo, a modificação da decisão. O que teria a “população pobre” para se alimentar? Nenhum magistrado inglês diria: “deixe que comam bolo”.
As cortes nem sempre referem, de forma clara, o problema econômico trazido pelos casos com os quais se deparam, mas parece provável que na interpretação de algumas palavras e frases, tais como, “razoável” ou “uso comum ou ordinário”, reconhece-se – talvez, inconscientemente e, por certo, não muito explícito – o aspecto econômico das decisões em
(^23) 11 Ch.D. 865 (1879). (^24) Salmond, em Law of Torts , 182 (12th ed. R.F.V. Heuston 1957). (^25) C. M. Haar, Land-Use Planning, A Casebook on the Use, Misuse, and Re-use of Urban Land 95 (1959). (^26) Ver, por exemplo, Rushmer v. Polsue and Alfieri, Ltd. [1906] 1 Ch. 234, versando sobre a situação de um residência localziada em distrito barulhento. (^27) [1913] 1 Cap. 269.
alguém reclame!”. O seu dever é tomar a precaução necessária e ver se o dano é reduzido ao mínimo. Não é a resposta adequada para se dizer: “Mas isto implicaria que devêssemos fazer o nosso trabalho de forma mais vagarosa do que gostaríamos, ou tal faria com que tivéssemos custos extras”. Todas estas questões são ditas à luz do senso comum e, claro está, resultaria desarrazoado esperar que as pessoas fizessem o seu trabalho de forma tão lenta ou de forma tão custosa, a fim de evitar um inconveniente passageiro, que o custo e o transtorno mostrar-se-iam impeditivos... Neste caso, a atitude da companhia ré pareceu ter tido continuidade até que alguém reclamasse e, além disso, que o seu desejo de apressar o trabalho e conduzi-lo de acordo com as suas próprias idéias e conveniência deveria prevalecer, caso houvesse um real conflito a sua atitude e o conforto dos vizinhos. Isso... não é o mesmo do que cumprir o dever de empregar os razoáveis cuidados e as habilidades... Os efeitos advieram... o autor sofreu um dano suscetível de reparação;... é-lhe devido, não uma quantia nominal, mas um quantia substancial, com base nos princípios... mas, para chegar ao montante devido... descontei qualquer perda de hóspedes... o que pode ter sido causada pela perda das comodidades, devido ao que se passava ao fundo...
O resultado foi a redução da condenação, a título de indenização, de £ 4,500 para £ 1,000.
Na presente seção, as discussões tem, até este ponto, cingido-se às decisões judiciais, da common law , referentes à causação de danos. Em razão de disposições legais, a delimitação de direitos é inerente. A maioria dos economistas assumiriam que o objetivo da ação governamental, nesta matéria, seria estender, pela via de lei, o âmbito da responsabilidade de quem causa danos, designando quais as atividades que, uma vez realizadas, para a common law , não o originariam. E está fora de dúvidas de que, algumas leis, como o Public Health Act , tiveram este efeito. Contudo, nem todas as ações governamentais se dão nesse sentido. O efeito da maior parte da legislação nessa área é proteger os empreendimentos das reclamações daqueles a quem causou danos. Há uma grande lista de danos não-indenizáveis.
Tal entendimento foi sintetizado na Halsbury's Laws of England , conforme segue:
Onde o legislador prescreveu que alguma coisa deve ser feita ou autoriza determinados trabalhados em locais específicos, ou, ainda, concede poder com a intenção de que tais venham a ser realizados, muito embora deixa alguma discricionariedade quanto à forma de execução, a common law não servirá de base para ações indenizatórias, o que se apresenta como o resultado inevitável, tendo em vista o poder concedido. Isso é assim, independentemente de o ato causador do dano ter tido a sua realização autorizada para fins de interesse público ou para a rentabilidade privada. Os atos realizados com base nos poderes conferidos pelas pessoas a quem o Parlamento delegou autoridade para tanto, por exemplo, sob ordens provisórias do Board of Trade , são reputados como sendo feitos sob os auspícios da lei. Na ausência de negligência, parece que um grupo que exerce poderes legais não será responsabilizado por um ato, meramente porque poderia, se agisse de outra forma, ter minimizado o dano causado.
A seguir, há exemplos referindo a não-responsabilização pela realização de atos autorizados:
Um ato não é considerado contrário ao exercício de poderes legais sem negligência no que se refere a inundação de terra decorrente de vazamento de água dos cursos d’água, do encanamento, dos drenos, ou de um canal; a fumaça oriunda de tubos; vazamento de esgoto; a sedimentação de uma estrada; trepidação ou barulho causado por uma ferrovia; disparo autorizado de armas de fogo; a poluição de um córrego em uma situação na qual a lei ordena que sejam empregados os melhores métodos disponíveis de purificação antes da descarga do efluente; interferência em um sistema de telefonia ou telegrafia por causada por uma estrada de bonde eletrônico;a inserção de estacas, no subsolo, para as estradas de bondes; incômodo causado por coisas razoavelmente necessárias para a escavação de trabalho autorizado; dano acidental causado pela instalação de placas de ferro em
uma ferrovia; vazamento de ácido; interferência ao acesso de um terreno pela instalação de um aparato de proteção contra o mau tempo ou grades de proteção na divisa entre a rua e a calçada;^29
A posição assumida pela legislação nos Estados Unidos parece ser a mesma da adotada na Inglaterra, a não ser pelo fato de que o poder dos legisladores para autorizar o que, de outro modo, constituiria um dano pela common law , pelo menos a exoneração de compensar a pessoa prejudicada, é, de certo modo, mais limitado, vez que há as restrições constitucionais.^30 Contudo, há a previsão e casos, mais ou menos, parecidos com os ingleses podem ser encontrados. A questão tem vindo à tona de forma intensa no que tange aos aeroportos e às operações das aeronaves. O caso Delta Air Corporation v. Kersey; Kersey v. City of Atlanta^31 é bom exemplo. O Sr. Kersey adquiriu um terreno e sobre o mesmo construiu uma casa. Alguns anos depois, o Município de Atlanta construiu um aeroporto em área contígua à adquirida pelo Sr. Kersey. Referiu-se que a sua propriedade era “um lugar sossegado, tranqüilo e apropriado para morar antes da construção do aeroporto, mas a poeira, o barulho e o vôo baixo das aeronaves, oriundos das operações do aeroporto, tornaram a sua propriedade imprestável para se ter, nela, uma casa”, uma situação que foi descrita no relatório do caso com uma lastimosa riqueza de detalhes. O magistrado, em primeiro lugar, referiu um caso antecedente, Thrasker v. City of Atlanta^32 , no qual se notou que o Município de Atlanta expressamente autorizou a operação do aeroporto.
De acordo com tal concessão, a aviação era reconhecida como uma atividade não só legal, mas, também, dotada de interesse público... todas as pessoas utilizando (o aeroporto) da maneira contemplada pela lei, estão sob a proteção e imunidade da concessão feita pela municipalidade. Um aeródromo não se configura em um dano per se , embora possa vir a ser, a depender da maneira de sua construção e de sua operação.
Uma vez que a aviação revelava-se uma atividade legal, e dotada de interesse público, e a construção do aeroporto obedecera às leis que a autorizavam, o magistrado, em segundo lugar, referiu o caso Georgia Railroad and Banking Co. v. Maddox^33 , no qual resultou decidido que:
Na situação em que um terminal ferroviário está estabelecido e sua construção fora, legalmente, autorizada, estando o mesmo construído e sendo operado de maneira adequada, não pode ser fonte de danos. Nesse sentido, prejuízos e inconveniências, às pessoas que residem nas adjacências, em decorrência do barulho das locomotivas, ronco dos carros, vibrações, fumaça, cinzas, fuligem, inerentes ao uso ordinário, necessário e, por isso, apropriado de tal estação, não constituem danos, sendo, tão-somente, o resultado necessário da operação da concessão ocorrida.
Em minha visão, o juiz decidiu que o barulho e a poeira reclamados pelo Sr. Kersey “podem, talvez, serem considerados como questões secundárias em relação à adequada operação de um aeroporto, e, como tais, não podem ser fontes de danos”. Entretanto, o caso dos vôos baixos era diferente:
...pode ser dito que os vôos... à baixa altura (25 a 50 pés acima da casa do Sr. Kersey), eminentemente perigosos à... vida e à saúde... são o resultado necessário do funcionamento de um aeroporto? Não pensamos que tal questão possa ser respondida afirmativamente. Não há razão para
(^29) See 30 Halsbury, Law of England 690-91 (3d ed. 1960), publicado em Public Authorities and Public Officers. (^30) Ver Prosser, op. cit. supra n. 16, p.421; Harper and James, op. cit. supra n. 16, p. 86-87. (^31) Suprema Corte do Estado da Georgia. 193 Ga. 862, 20 S.E. 2d 245 (1942). (^32) 178 Ga. 514, 173 S.E. 817 (1934). (^33) 116 Ga. 64, 42 S.E. 315 (1902).