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Unidade do Sistema Jurídico: Conceitos e Questões, Provas de Direito

Este documento aborda o conceito de unidade do ordenamento jurídico, enfatizando a importância da hierarquia e unidade terminológica. Discutem-se diferentes abordagens para a unidade, incluindo a unidade formal e material, e a noção de norma fundamental. Também são apresentadas propostas para encontrar um fator de unidade em um ordenamento jurídico.

O que você vai aprender

  • Quais são as propostas para encontrar um fator de unidade em um ordenamento jurídico?
  • Como é definida a unidade do ordenamento jurídico?
  • Qual é a função da norma fundamental no ordenamento jurídico?
  • Qual é a importância da hierarquia e unidade terminológica no ordenamento jurídico?
  • O que é a unidade formal e material no contexto jurídico?

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neilson89
Neilson89 🇧🇷

4.4

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O problema da unidade do ordenamento jurídico.
Reflectindo sobre CASTANHEIRA NEVES e o seu “sistema aberto e de
reconstrução dialéctica
I
1. Sobre o problema 1 da unidade do ordenamento jurídico debruçou-se
CASTANHEIRA NEVES em vários dos seus estudos 2. Da leitura cientificamente atenta
dos seus textos, ganha relevo o “diálogo” crítico que estabeleceu com as escolas
positivistas–normativistas, principalmente com KELSEN 3, rejeitando as visões analítico-
lógico-formais por estas preconizadas e assumindo a ideia de que é através da
“consciência jurídica geral” que tal unidade é conseguida.
Sem embargo da valia do contributo dado, tal problema, hoje, merece ser
repensado. Num momento em que a abertura — “vertical” 4 e ”horizontal” 5 — do Estado
* Texto originalmente publicado em Ars Ivdicandi, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Castanheira
Neves, Vol. I, Coimbra editora, Coimbra, 2008, páginas 1009 e ss..
1 Concebe-se a unidade do ordenamento jurídico (ainda) como um problema em face das dificuldades que
uma primeira abordagem poderia suscitar, nomeadamente ao classificá-la como um “ideal” (Ideal), “ideia”
(Gendanken), ”ideia condutora” (Leitgedanken), “objectivo” (Ziel), ”objectivo fundamental” (großen Ziel),
”princípio” (Prinzip), ”postulado lógico- jurídico” ( rechtslogischen Postulat), “exigência” (Forderung),
etc. V., a propósito destas dificuldades de conceitualização, FELIX, Dagmar : Einheit der Rechtsordnung.
Zur verfassungsrechtlichen Relevanz einer juristischen Argumentationsfigur , Mohr Siebeck (Jus
Publicum 34), Tübingen, 1998, 5 e ss.
2 V., entre outros, “A unidade do sistema jurídico: o seu problema e o seu sentido”, Digesta, 2.º volume,
Coimbra editora, Coimbra, 1995, 95 e ss.; “O Direito (O problema do Direito)”, in “Curso de Introdução ao
Estudo do Direito” (policop.), Coimbra, 43; “Quadro das perspectivas actuais de compreensão da
juridicidade” (policop.), Coimbra, 1995, 21 e ss. e 65 e ss.; “Teoria do Direito” (lições proferidas ao ano
lectivo de 1998 / 1999, policop.), Coimbra, 1998, 101; e “O actual problema metodológico da interpretação
jurídica - I”, Coimbra editora, Coimbra, 2003, 368 e ss.
3 V. “A unidade …”, cit., 95.
4 V. BRUGGER, Winfried, “Der moderne Verfassungstaat aus Sicht der amerikanischen Verfassung und
des Grundgesetzes”, in AöR, 126, 3, 2001, 354, 391 e ss.; SCHWARZE, Jürgen, “Ist das Grundgesetze ein
Hindernis auf dem Weg nach Europa?”, in JZ, 1999, 13, 637-638; WAHL, Rainer, Elemente der
Verfassungsstaatlichkeit”, JuS, 2001, 11, 1042-1043; do mesmo autor, e acerca dos diversos tipos de
“cláusulas de abertura”, cfr. Der offene Staat und seine Rechtsgrundlagen”, JuS, 2003, 12, 1147. Em
sentido bastante crítico, cfr. KIRCHHOF, Paul, Der deutsche Staat in Prozeß der europäischen
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O problema da unidade do ordenamento jurídico.

Reflectindo sobre CASTANHEIRA NEVES e o seu “sistema aberto e de

reconstrução dialéctica ” ∗

I

  1. Sobre o problema 1 da unidade do ordenamento jurídico debruçou-se CASTANHEIRA NEVES em vários dos seus estudos 2 . Da leitura cientificamente atenta dos seus textos, ganha relevo o “diálogo” crítico que estabeleceu com as escolas positivistas–normativistas, principalmente com KELSEN 3 , rejeitando as visões analítico- lógico-formais por estas preconizadas e assumindo a ideia de que é através da “consciência jurídica geral” que tal unidade é conseguida. Sem embargo da valia do contributo dado, tal problema, hoje, merece ser repensado. Num momento em que a abertura — “vertical” 4 e ”horizontal” 5 — do Estado
  • Texto originalmente publicado em Ars Ivdicandi, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Castanheira Neves, Vol. I, Coimbra editora, Coimbra, 2008, páginas 1009 e ss.. (^1) Concebe-se a unidade do ordenamento jurídico (ainda) como um problema em face das dificuldades que uma primeira abordagem poderia suscitar, nomeadamente ao classificá-la como um “ideal” ( Ideal ), “ideia” ( Gendanken ), ”ideia condutora” ( Leitgedanken ), “objectivo” ( Ziel ), ”objectivo fundamental” ( großen Ziel) , ”princípio” ( Prinzip ), ”postulado lógico- jurídico” ( rechtslogischen Po stulat ), “exigência” ( Forderung ), etc. V., a propósito destas dificuldades de conceitualização, FELIX, Dagmar : “Einheit der Rechtsordnung. Zur verfassungsrechtlichen Relevanz einer juristischen Argumentationsfigur “, Mohr Siebeck ( Jus Publicum 34), Tübingen, 1998, 5 e ss. (^2) V., entre outros, “A unidade do sistema jurídico: o seu problema e o seu sentido”, Digesta , 2.º volume, Coimbra editora, Coimbra, 1995, 95 e ss.; “O Direito (O problema do Direito)”, in “Curso de Introdução ao Estudo do Direito” (policop.), Coimbra, 43; “Quadro das perspectivas actuais de compreensão da juridicidade” (policop.), Coimbra, 1995, 21 e ss. e 65 e ss.; “Teoria do Direito” (lições proferidas ao ano lectivo de 1998 / 1999, policop.), Coimbra, 1998, 101; e “O actual problema metodológico da interpretação jurídica - I”, Coimbra editora, Coimbra, 2003, 368 e ss. (^3) V. “A unidade …”, cit., 95. (^4) V. BRUGGER, Winfried, “ Der moderne Verfassungstaat aus Sicht der amerikanischen Verfassung und des Grundgesetzes ”, in AöR, 126, 3, 2001, 354, 391 e ss.; SCHWARZE, Jürgen, “ Ist das Grundgesetze ein Hindernis auf dem Weg nach Europa ?”, in JZ, 1999, 13, 637-638; WAHL, Rainer, “ Elemente der Verfassungsstaatlichkeit ”, JuS, 2001, 11, 1042-1043; do mesmo autor, e acerca dos diversos tipos de “cláusulas de abertura”, cfr. “ Der offene Staat und seine Rechtsgrundlagen ”, JuS, 2003, 12, 1147. Em sentido bastante crítico, cfr. KIRCHHOF, Paul, “ Der deutsche Staat in Prozeß der europäischen

constitucional, o pluralismo normativo ( rectius : o pluralismo dos núcleos de produção normativa e a correspondente “hipertrofia e dispersão” 6 ), e a inflação legislativa se podem configurar como nódulos problemáticos e parecem prenunciar, ou já atestar, um estado de patologia do Direito, cumpre fazer uma reflexão sobre o estado de coisas e procurar averiguar se as soluções até ao momento propostas ainda conseguem dar resposta às inquietações entretanto surgidas ou se, diferentemente, se deve procurar construir em novas bases todo o edifício da abordagem 7 . As maiores angústias parecem surgir por via — ou por causa — do Direito da União europeia, onde o principal problema consiste em saber se as normas provenientes do ordenamento europeu comunitário constituem, juntamente com as normas do ordenamento português, um corpo unitário, no sentido de terem um fundamento comum de validade. Como se pode ver, a colocação da questão nestes termos leva assumida a aceitação da ideia de que uma norma só vale se integrada num agregado mais vasto do qual faça parte (ordenamento jurídico) 8 e já tem por contornadas ou superadas inúmeras outras, como as da aceitação da tese da osmose de ordenamentos jurídicos^9 — que traz implícita a impossibilidade de estabelecimento de uma rígida hierarquia entre os respectivos actos 10 , atenta as dúvidas actuais acerca da titularidade da Kompetenz- Integration ”, in INSENSEE e KIRCHHOF (org.), “ Handbuch des Staatsrechts der BRD ”, VII, C.F. Müller, Heidelberg, 1992, 882. (^5) Cfr. HECKER, Jan, “ Grundgesetz und horizontale Öffnungen des Staates ”in AöR, 127, 2, 2002, 291-292. (^6) A expressão é, nomeadamente, de SODAN. Cfr. “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit der Rechtsordnung ”, JZ, 1999, 18, 864. (^7) Já no plano da ciência política parecem ser as novas formas de “pluralismo de soberanias” (nas sub- dimensões de pluralismo democrático, auto-determinação e pactualismo político) que colocam em evidência as fragilidades do Estado actual. Neste sentido, LINDAHL, Hans, “ Sovereignity and the institutionalization of normative order ”, OxfordJLS, 2001, 21, 1, 168-170. (^8) Assim, por exemplo, SANTIAGO NIÑO (“ Introducción al análisis del Derecho ”, 9.ª edição, Ariel, Barcelona, 1999, 102; SCHILLING, Theodor, “ Rang und Geltung von Normen in gestuften Rechtsordnungen ”, Nomos verlagsgesellschaft., Berlin, 1994, 159-160. (^9) CHALTIEL, Florence, “ Droit Constitutionnel et droit communautaire ”in RTDEur, 35 (3), 1999, 402 e ss. (^10) Neste sentido, e afirmando que o tão falado primado diz respeito apenas à aplicação normativa e não estabelece qualquer hierarquia entre as normas, FELIX, Dagmar: “Einheit … ”, cit., 152.

pretensiosas e infundadas, à luz da academia Coimbrã, algumas das propostas de argumentação aqui apresentadas. a) Em primeiro lugar, a defesa da ideia da exclusão de componentes material- substantivas necessárias da ideia de Direito. Não se trata de resgatar posturas já assumidas de total indiferença axiológica do Direito; concordamos mesmo que o Direito se encontra numa indesmentível situação pós-positivista 16 , se por “positivismo” entendermos a acrítica subsunção do que é valioso ao que é válido. Contudo, um positivismo actualizado saberá reconhecer que valor e validade , além de serem distintos, não se confundem, pelo que é perfeitamente possível afirmar a existência de Direito válido injusto e Direito justo inválido. O que não se poderá fazer, naturalmente, é reduzir o valor à validade, da mesma forma que, no extremo oposto, não poderá um certo jusnaturalismo reduzir a validade ao valor, ao afirmar que a norma para ser válida tem de ser valiosa. Assim, a norma válida (i.é., existente, introduzida correctamente no ordenamento jurídico) será norma independentemente do seu conteúdo, das suas propriedades de justiça ou de injustiça. Certamente que o Direito não deve ser axiologicamente neutro – deve procurar prosseguir alguns conteúdos de justiça, no quadro da ideia de Direito em que se insere. Contudo, repare-se que dissemos “não deve ser”, pelo que, em abstracto, deve ser deixada aberta a porta da possibilidade contrária e deve-se distinguir o Direito que deve ser e o Direito que é. b) Ver os fenómenos jurídicos como axiologicamente neutros terá, por outro lado, consequências em relação ao sector do conhecimento que sobre eles se debruça. A ciência do direito, ou se preferirmos a jurisprudência em sentido amplo, será assim um domínio do saber que apresenta propriedades descritivas, ou essencialmente descritivas, e não propriedades valorativas ou de correcção material. Neste sentido, pode ser afirmada a existência do direito como ciência neutral e de pendor marcadamente positivista, que procura estudar as normas existentes num ordenamento. (^16) Assim, CASTANHEIRA NEVES, “Teoria…”, cit., 125.

c) Afirmar tal, contudo, ainda é pouco, pelo que cumpre fazer uma delimitação teórica de extrema importância. Que normas são essas? As que são criadas nesse ordenamento, ou as que são nele aplicadas? Aqui, assumindo a bipartição sugerida por ALEXY 17 procuraremos acentuar a vertente da produção normativa e da existência e validade jurídicas, em detrimento das vertentes da reacção normativa e da eficácia jurídica. Quer isto dizer, desde logo, e no âmbito das noções de Direito e de ordenamento jurídico, que o Direito será Direito porque criado por um órgão legitimado para essa criação (e não, por exemplo, porque é efectivamente aplicado, seja no sentido de lhe corresponder um determinado aparato sancionatório, seja no de reflectir uma expectativa normativa de comportamento ou uma convicção íntima de obrigatoriedade). II

  1. Debrucemo-nos agora sobre a ideia de unidade. Utilizada num sentido amplíssimo, tal ideia apela à referência a uma totalidade ordenada. Partindo-se da constatação de que um corpo é um agregado constituído pelos vários elementos que o compõem, alcança-se a ideia de unidade — neste sentido amplo, confundida com a de sistema — quando se procura concluir que tais elementos constitutivos se encontram dispostos numa relação ordenada e coerente. Trata-se, contudo, de uma perspectiva indiciadora de uma abordagem precipitada, pois, em rigor, verifica-se que dois problemas estão aqui a ser mesclados: por um lado, o de saber se os vários elementos fazem ou não parte do corpo a que julgam pertencer e, por outro lado, se eles, entre si, estão dispostos numa relação de coerência 18 . Uma visão analítica da questão leva-nos a concluir que a unidade em sentido próprio — a efectiva unidade, (^17) ALEXY, Robert “ Begriff und Geltung des Rechts ”, Verlag Karl Alber, Freiburg / München, 2002. (^18) Vejam-se, por exemplo, as palavras de LARENZ [“ Methodenlehre der Rechtswissenschaft ”, (trad. Portuguesa: Metodologia da ciência do Direito, Fund. Calouste Gulbenkian, Lisboa, 531)], que, com base na distinção entre “sistema externo” e ” sistema interno” se refere quer à “conexão multímoda” das normas umas com as outras, quer às “ideias jurídicas directivas, princípios ou pautas gerais de valoração (…)”.

Desta forma, embora se deva concordar com o postulado de que um ordenamento consiste numa totalidade ordenada e que todos os seus elementos devem estar em relação harmónica com o todo e em relação coerente entre si, a unidade apenas se refere à primeira destas premissas. Assim, questões como “conflitos de normas” 22 , “interpretação sistemática” 23 ou “concordância prática” 24 (e até “unidade da Constituição” 25 ) dirão menos respeito à unidade do que à sistematicidade.

  1. Por aqui já se pode concluir que não está a ser feita referência à unidade do sistema (científico) de abordagem do Direito, mas à unidade deste em si mesmo, ou melhor, à unidade do ordenamento em que este se materializa. Seguimos aqui a advertência do próprio CASTANHEIRA NEVES 26 , no sentido da distinção entre unidade do sistema de conhecimento teórico do Direito e unidade do Direito enquanto tal ou, se preferirmos, unidade sob um ponto de vista epistemológico e unidade sob um ponto de vista ontológico. É que, por exemplo, quando autores como KELSEN se referem a uma teoria pura do Direito, parecem estar a ter menos em vista o Direito em si Em todos os casos, fala-se em sistematicidade ou em carácter sistémico e não rigorosamente em unidade. Em sentido diverso SCHILLING, Theodor, “ Rang und Geltung …”, cit., 372; e — no sentido da existência de uma unidade formal [horizontal (no seu duplo aspecto temporal e sistemático) e vertical] e material —, SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 868 e ss. V. ainda BOBBIO, Norberto, “O positivismo jurídico (lições de filosofia do Direito) ”, ícone editora, S. Paulo, 1995, 203 e ss; ZIPPELIUS, Reinhold, “ Juristische Methodenlehre ”, cit., 37 e ss.; SAMPER, Christophe, “ Argumentaire pour l´application de la systémique au droit ”, Arc. Phil. Droit, 43, 329; e, entre nós, BLANCO DE MORAIS “As leis reforçadas. As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos”, Coimbra editora, Coimbra, 1998, 234 e ss. (^22) Cfr,. SCHILLING, Theodor, “ Rang und Geltung …”, cit., 371 e ss.. (^23) V. BLECKMANN, Albert, “ Zu Methoden der Gesetzesauslegung in der Rechtsprechung des BVerG ”, JuS, 2002, 10, 944; SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 871. (^24) SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 871. HESSE, Konrad, “ Grudzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland ”, 20.ª edição, C. F. Müller, Heidelberg, 28 (^25) SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 871; HESSE, Konrad, “ Grudzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland ”, 20.ª edição, C. F. Müller, Heidelberg, 27; INSENSEE, “Verfassungsrecht als politisches Recht”, in INSENSEE e KIRCHHOF (org.), “Handbuch des Staatsrechts der BRD”, VII, C.F. Müller, Heidelberg, 1992, 127. (^26) V. “A unidade…”, cit., 161.

considerado do que a(s) disciplina(s) que sobre ele incide(m) o seu estudo 27

. Afirmar, neste sentido, uma teoria pura do Direito significa defender um método de investigação e de conhecimento da realidade jurídica que se desprenda de considerações extra- jurídicas, sem que a tal necessariamente corresponda uma concepção de Direito expurgada de tais considerações. Por isso se procura deixar presente a ideia de que a correcta captação e compreensão dos problemas inerentes à unidade de um ordenamento jurídico pressupõe a assunção da distinção básica que deve ser feita entre Direito e Ciência do Direito e, naturalmente, entre objecto do Direito e objecto da ciência do Direito — o primeiro constituído por determinados padrões comportamentais humanos que constituem a referência de certos modelos (formais) linguístico-comunicacionais, e o segundo constituído pelas regras de Direito, as normas jurídicas em que esses modelos linguístico- comunicacionais se traduzem (não sendo, contudo, correcta a assunção da conclusão de que a ciência jurídica é um mero repositório das normas jurídicas vigentes, em certo momento, num determinado ordenamento; muito mais do que isso, ela, recorrendo aos ensinamentos da lógica, procura sanar os conflitos que entre tais normas se podem desencadear, criando regras de resolução de conflitos). Note-se, aliás, que esta distinção entre objecto do Direito e objecto da ciência do Direito é de crucial importância para a aceitação ou não de juízos de valor acerca das normas e regras. Enquanto a Ciência do Direito abstém-se de formular tais valores — admitindo que uma norma não pode ser boa nem má, apenas existe, é uma norma —, o Direito pode formular juízos de valor acerca de determinado comportamento, permitindo- o ou proibindo-o. Daí a sua importante função prescritiva, diferente da primeira que tem uma função descritiva. Paralelamente, as proposições da ciência do Direito podem ser alvo de juízos de verdade ou falsidade, enquanto as normas jurídicas não o podem — uma norma não é, nem pode ser, verdadeira ou falsa. A unidade do Direito ( rectius : do ordenamento jurídico) não passará, assim, pela resposta à questão de se saber como deve o fenómeno jurídico ser abordado de uma maneira unitária — problema sério e interessante, é certo, mas que constituirá objecto de (^27) V., a propósito, SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 866 e ss.

(ii) Já na perspectiva do segundo, o ordenamento jurídico é encarado do ponto de vista da sua evolução temporal, não se configurando tanto como um conjunto de normas, mas antes uma sucessão de normas – uma sequência de “conjuntos sincrónicos de normas”. A esta sequência diacrónica de conjuntos normativos sincrónicos os mesmos autores chamam ordem jurídica. Esta é uma das formas de evitar os problemas levantados com o primeiro enfoque. Ora, quando se pretende encontrar a unidade do ordenamento jurídico, a referência está a ser feita, como se compreende, à primeira destas visões. Na perspectiva ordenamental diacrónica é mais ajustada a indagação, não da sua unidade, mas da sua continuidade, formal e / ou material. III

  1. Antes de uma breve digressão teórica por alguns dos enfoques que incidiram sobre a ideia de unidade do ordenamento, estará na altura de perguntar: será todo este trabalho absolutamente necessário? Ou, por outras palavras: será a unidade um elemento constitutivo da própria noção de ordenamento — não existindo ordenamentos que não sejam unitários — ou, menos do que isso, uma sua característica típica? Deve-se, enfim, exigir unidade a um ordenamento jurídico? Parece-nos que sim. A fundamentação da exigência de unidade pode ser feita a partir de perspectivas distintas. a) Por um lado, pode ser dimensionada a partir de uma reclamação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente densificadora de exigência de segurança jurídica, especificamente através da ideia de determinabilidade na aplicação normativa 32. Esta perspectiva — que tem em vista principalmente a unidade em sentido formal — assenta na premissa de que os destinatários das normas jurídicas devem, com razoabilidade, poder prever, quer os efeitos destas, quer os efeitos das suas próprias condutas com (^32) Assim, SCHILLING, Theodor, “ Rang und Geltung …”, cit., 377; PAPIER, MÖLLER, “ Das Bestimmtheitsgebot und seine Durchsetzung ” in AöR, 122, 2, 1997, 178 e ss.

ressonância no mundo do Direito, o que passa, entre outros aspectos, pela existência de normas suficientemente claras (= isentas de conceitos obscuros e polissémicos), densas (= sem apelo exagerado a cláusulas abertas ou discricionárias) e determinadas (= que individualizem, com precisão adequada, os seus destinatários e as situações sobre as quais incidem), e pela inexistência de contradições 33

. Tal será conseguido, no quadro da perspectiva que ora analisamos, se os conceitos jurídicos forem elaborados e interpretados de uma forma, senão unitária, pelo menos aproximada, o que convoca as ideias de unidade a partir de um sistema de coerência conceitual. Mas não apenas deste ponto de vista. Também um modelo de unidade a partir da existência de uma norma suprema ou superior pode ser útil na prossecução dos objectivos inerentes ao Princípio do Estado de Direito. Pode-se entender que a certeza na aplicação das normas jurídicas apenas será conseguida se estiver previamente dimensionada uma construção escalonada ( Stufenbau ) do ordenamento que permita, com toda a segurança, identificar — a par das diversas relações de infra e supra- ordenação (que, em rigor, dirão respeito ao carácter sistémico desse ordenamento) — a sua fonte última e avaliar do nexo de pertença (existência ou validade jurídicas) de uma determinada norma ao todo. Poder- se-á, neste contexto, afirmar com ZIPPELIUS 34 que a unidade do Direito passa pela ordenação de competências. b) De acordo com um outro enfoque a unidade de um ordenamento pode ser perspectivada como uma exigência do princípio da igualdade 35. Trata-se aqui de procurar assegurar a ausência de contradições do ordenamento, não tanto ao nível das relações das normas entre si 36 , mas ao nível mais elevado da procedência material do mesmo fundamento axiológico de validade. Esta perspectiva, como está claro de ver, apela principalmente à unidade em sentido material e assenta na consideração de que a (^33) SCHILLING, Theodor, “ Rang und Geltung …”, cit., 377. (^34) Cfr. “ Juristische Methodenlehre ”, C.H. Beck, München, 1999, 37. (^35) Neste sentido, SODAN, Helge, “ Das prinzip der Widerspruchsfreiheit …”, cit., 865. (^36) Neste sentido (i.é, referência à sistematicidade, e não à unidade, do ordenamento), KISCHEL, Uwe, “ Systembindung… ”, cit., 175 e ss.

base principiológica, axiológica ou sociológica, como por exemplo, as teses apelativas de um “sentimento difuso” ou de uma axiologia transpositiva. Não se trata, contudo, de modelos estanques e colocados em oposição um em relação ao outro. Sendo certo que representam, ou pelo menos indiciam, diferentes abordagens do Direito, não se pode deixar de reconhecer que uma teoria normativista pura deixa-se perpassar por elementos não normativos que de certa forma a mitigam; similarmente, muitas teses valorativas não se conseguem desprender da exigência de uma consagração normativo-positiva que a tornam mais flexível. Ainda assim, o carácter pedagógico da bipartição parece ineliminável e útil na compreensão do problema da unidade e das soluções que lhe são apontadas.

  1. Uma das tentativas mais difundidas de resolver os problemas em questão passa por procurar a unidade de um ordenamento jurídico através do apelo a uma construção baseada numa pura coerência conceitual. a) Parte-se aqui da consideração de que o pensamento abstractor apreende um objecto, não tendo em atenção todas as suas particularidades, mas apenas algumas notas distintivas isoladas, e destas notas formam-se conceitos aos quais se subsumem todas as realidades que as apresentem. Deste modo, vão-se formando conceitos com um grau de abstracção cada vez mais elevado e com cada vez menos notas distintivas — os conceitos abstractos, ou seja “formados de notas distintivas que são desligadas, abstraídas dos objectos em que aparecem e, na sua generalização, são isoladas, separadas, tanto umas das outras, como em relação aos objectos a que sempre estão ligadas de um modo determinado” 41 —, o que tem como consequência o facto de que os conceitos mais elevados têm poucas características individualizadoras e uma alta possibilidade de subsunção, na medida em que não se torna difícil encontrar realidades que neles se revejam. Este modo de proceder tem ainda uma larga tradição no domínio do Direito privado, onde é comum a criação de “institutos” (contrato, obrigação, negócio, etc.), e de (^41) Cfr. LARENZ, “ Methodenlehre… ” cit., 534.

“partes gerais” que, nos diversos diplomas normativos, compilam as regras aplicáveis a uma multiplicidade fenoménica 42 . Posteriormente, e em termos epistemológicos, a partir de um sistema de enunciados, faz-se uma “teoria científica”, que satisfaça as exigências da consistência e da comprovação 43 . b) À luz de um modelo conceitual assim elaborado, o ordenamento jurídico será unitário quando nele não coexistam espaços de tensão motivados por diferentes interpretações do mesmo conceito ou, o mesmo é dizer, quando um conceito é interpretado de forma única nesse ordenamento (princípio da unidade terminológica, enquanto oposição do princípio da relatividade dos conceitos jurídicos - Prinzip der “Relativität der Rechtsbegriffe” ) 44

. Este problema põe-se, por exemplo, a propósito da utilização de conceitos de Direito privado pelo legislador fiscal 45. Com efeito, no momento em que as normas de imposto procuram definir os pressupostos de facto que querem sujeitar a imposição, importam muitas vezes conceitos de outros ramos de Direito, nomeadamente conceitos civilísticos (“transmissão”, ”contrato”, ”renda”, salário”, etc.) e levanta-se o problema de saber qual o sentido a dar a estes últimos conceitos: se aquele que têm no sector de onde são oriundos, se um especial sentido revelado pelo legislador fiscal 46. (^42) Cfr. SAMPER, Christophe, “ Argumentaire… ”, cit., 337. (^43) V. LARENZ, “ Methodenlehre …”, cit., 547. (^44) FELIX, Dagmar : “Einheit … ”, cit.,189 e 190; ZIPPELIUS, Reinhold, “ Juristische Methodenlehre ”, cit.,

(^45) V. exemplo semelhante em FELIX, Dagmar : “Einheit … ”, cit., 157. V. ainda KRUSE, “ Steuerrecht ”, München, 194; CIPOLLINA, “ La legge civile e la legge fiscale ”, Pádua, 1992, 46; PISTONE, “ La giuridificazione tributaria in rapporto agli altri rami del diritto ”, Cedam, Milão, 1994, 106. (^46) A nossa Lei Geral Tributária procura, neste particular ponto, ser sensível ao postulado da unidade ao prescrever (art.º 11.º, n.º2) que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm”, embora acrescente logo de seguida “salvo se outro decorrer directamente da lei”.

ilicitude 50

. Na sua formulação mais simples, significa este enfoque que unidade representa a exigência de uma única valoração global vinculativa para todo o ordenamento, não devendo neste ser encontrados juízos diferentes acerca dos factos e actos que contrariam as normas existentes. Em termos práticos: o que for válido para um sector do ordenamento não pode ser inválido para outro 51. As palavras de KIRCHHOF parecem-nos, para ilustrar este segmento de raciocínio, paradigmáticas 52 : “ Die Geschloßenheit (…) der Rechtsordnung fordert eine für die gesamte Rechtsordnung verbindliche Bewertung. (…) Die Überzeugungskraft rechtlicher Wertungen stutzt sich auf eine einheitliche Rechtsgüterordnung; Die Zugehörigkeit eines Rechtssatzes zu dieser Ordnung begründet ihre Wirkkraft ”. Exemplo similar ao acima apontado pode aqui ser referido, a propósito das relações que se estabelecem entre o Direito Fiscal e o Direito Criminal, nomeadamente em sede de resolução do problema da tributação de rendimentos derivados de actividades e actos ilícitos. Pretende-se a este propósito convocar o princípio da unidade do ordenamento para sustentar a ideia de que não devem existir contradições entre as soluções de um ramo de Direito e de outro. Dito de outro modo: se as normas criminais proíbem e condenam determinadas condutas, fazendo delas tipos de ilícito, não se poderá admitir que o Direito Fiscal, a despeito de tais valorações negativas, e em patente contradição com elas, as aceite e reconheça, tributando os rendimentos delas derivados. (^50) V., além da paradigmática jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão (principalmente BVerfGE, 7, 198 e ss.), KIRCHHOF, Paul, ““ Unterschiedliche Rechtswidrigkeiten in einer einheitlichen Rechtsordnung ”, C.F. Müller, Heidelberg, 1978; LEISNER, Walter, “ «Werteverlust», «Wertewandel» und Verfassungsrecht ”, in JZ, 2001, 7, 313 e ss., SCHAPP, Jan, “ Grundrechte als Wertordung ”, in JZ, 1998, 19, 913 e ss; e, numa visão actualista, SCHRÖDER, Meinhard, “ Wirkungen der Grundrechtscharta in der europäischen Rechtsordnung ”in JZ, 2002, 18, 851 - 852. (^51) FELIX, Dagmar : “Einheit … ”, cit., 159. (^52) V. “ Unterschiedliche …”, cit., 8.

Pense-se, por exemplo, nos juros derivados de um contrato de mútuo usurário — condenado em termos criminais — sujeito a imposto sobre o rendimento 53. Do mesmo modo, se no Direito Civil reconhecemos a prescrição da nulidade como sanção típica do contrato celebrado sem a forma legalmente exigida, não poderá a posteriori , vir o fisco reclamar o pagamento do imposto por uma eventual transferência da propriedade. Enfim, violaria a unidade a admissão da ideia de que, existindo uma norma jurídica que valora negativamente determinado facto (v.g., criminalizando-o) — e por via disso expressasse a desaprovação pela violação de um interesse relevante protegido —, se “reutilizasse” 54 esse mesmo facto para dele arrancar um provento que iria ser o pressuposto do imposto 55.

  1. Procuremos provisoriamente concluir. A partir de tudo quanto já foi dito — e mesmo que se aceite que o ordenamento não é um bloco indivisível (SCHMIDT: ungeteilter Block 56 ), mas pode ser “compartimentado” em categorias jurídicas abstractas, em núcleos competenciais ou domínios de vida — pode-se sem esforço buscar uma síntese que passe pela consideração de que é possível, além da consideração normativa ou não normativa, encarar a unidade de um ordenamento jurídico de duas maneiras, ou utilizando dois distintos conceitos de unidade: a unidade formal e a unidade material 57 . A primeira procurando fundamentar-se a partir de elementos axiologicamente neutros e alheando-se de considerações de correcção material; a segunda, por seu lado, apelando à identidade de opções valorativas no ordenamento e à correcção e justiça das suas escolhas. (^53) Como se sabe, o legislador não foi sensível a esta argumentação e consagrou expressamente a regra da tributação dos “rendimentos ilícitos” (art.º 10.º da LGT). (^54) PARLATO, “ Considerazione sulla tassabilità dei proventi derivanti da attività illecite ”, in DPT., l, LXIII, 6, 1992, 2215. (^55) POLLARI, Nicolò e GRAZIANO, Giuseppe, “ Ancora sulla vezata quaestio della tassazione dei proventi da illecito e — in particolare — delle «tangenti» ”, in Il Fisco , 24, 1994, 5833. (^56) In “ Vielfalt des Rechts – Einheit der Rechtsordnung ?” apud FELIX, Dagmar : “Einheit … ”, cit., 162, (nota 130). (^57) FELIX, Dagmar : “Einheit … ”, cit., 162, 163.

conhece são apenas aqueles que determinado sistema pode conhecer 61 —, o que constituiria uma contradição insanável.

  1. Por conseguinte, à unidade de um ordenamento jurídico — continua CASTANHEIRA NEVES, no âmbito da sua “teoria crítico-reflexiva” 62 — “só pode corresponder um sistema aberto e de reconstrução dialéctica ” 63 , tendo ela como referente a consciência jurídica geral, enquanto conjunto de princípios que traduzam o sentido e a validade fundamentantes do direito, no momento histórico em que o problema se põe (“no nosso momento histórico-cultural”) 64 . Tal visão sistemática material parte da consideração de que a intenção de fundamentação de validade subjacente a um qualquer ordenamento passa por um processo de contínua reconversão (“reconversão de intencionalidade”), após se ter corporizado numa “experiência problemática” e que encontra na realização do Direito o seu “momento nuclear” 65. Vale isto por dizer que não apenas “o objecto problemático-capital do pensamento jurídico deve deixar de pôr-se na (^61) CASTANHEIRA NEVES, “Teoria…”, cit., 112. (^62) Id ., ibid ., 45, 51. (^63) CASTANHEIRA NEVES, “A unidade…”, cit., 171. (^64) Em virtude da sua eminente heterogeneidade, essa mesma consciência jurídica geral densifica-se em três níveis de intencionalidade normativa: (i) em primeiro lugar, surge um nível caracterizado por alguma mutabilidade e que é o reflexo de um conjunto de escolhas mais contingentes, produto, portanto, de opções motivadas pela oportunidade momentânea. Trata-se dos princípios normativos e critérios jurídicos positivados no direito vigente; (ii) em segundo lugar, surge um estrato composto por realidades jurídicas subtraídas à contingência da mutabilidade histórico-intencional (v. “A unidade…”, cit., 176.), em que a escolha e a valoração assumem um papel extremamente reduzido, falando-se em “princípios normativo-jurídicos fundamentais”, que constituem elementos irrenunciáveis da juridicidade. (iii) finalmente, surge o mais indisponível núcleo de material jurídico, que tem como referente a incontornável ideia de dignidade da pessoa humana. Trata-se do conjunto de princípios que apontam para um “absoluto pressuposto de sentido axiológico” ( idem , 177) e fundam o próprio sentido comunitário. Neste particular, o ordenamento jurídico (sistema) como que encontraria em si a solução para os seus próprios problemas, pois as rupturas que se verificassem no primeiro nível — v.g., normas positivadas “injustas” — seriam controladas pelo segundo e as rupturas que se encontrassem no segundo seriam controladas pelo terceiro. Em conclusão, a unidade rever-se-ia na totalização destes três elementos estruturais e na solidariedade normativo-dialéctica entre eles, constituindo um esforço de realização histórica de uma consciência jurídica ( Idem , 180). (^65) CASTANHEIRA NEVES, “Teoria…”, cit., 115.

norma para se pôr antes no caso concreto decidendo ” 66 , mas também que o sistema jurídico realiza-se e constitui-se em círculo: se é pela realidade que os princípios se realizam, é pelos princípios que a realidade se fundamenta 67 - os princípios direccionam- se à realidade (intenção de realização) e a realidade procura rever-se nos princípios (intenção de constituição). Este processo dialéctico encontra a sua superação pela problemática constituição de novos princípios, em que, de novo, os princípios se procuram direccionar à realidade, podendo, por isso, dizer-se que o direito é uma “intenção axiológico-regulativa em diálogo problematicamente normativo com a realidade social que o solicita e em que é vigente e se cumpre” 68 .

  1. Daqui resulta a estratificação tripartida (a famosa tridimensionalidade — facto , valor e norma — nas palavras de MIGUEL REALE 69 ) da realidade jurídica, materializada em outros tantos “momentos” 70 : (i) um momento de subjectividade do sistema, reflectido nas opções valorativas e nos princípios. Trata-se do “momento em que a intenção axiológico-normativa se assume e, portanto, o momento verdadeiramente normativo ou de regulativa validade fundamentante ”; (ii) um momento de objectivação, corporizado nas normas prescritas e “elaboração racionalmente normativa da dogmática doutrinal”; e (iii) um momento conclusivo ou de síntese, composto pela realidade jurídica em que o direito se cumpre. O Direito não é assim objecto ou pressuposto — como, por exemplo, o parecerá preconizar KELSEN —, mas acto histórico 71 , ou, se preferirmos, não é tão só objecto, mas também sujeito. (^66) CASTANHEIRA NEVES, Id ., ibid ., 115. (^67) CASTANHEIRA NEVES, “A unidade…”, cit., 173. (^68) CASTANHEIRA NEVES, Id ., ibid ., 174. (^69) V. as “Lições preliminares de Direito”, Almedina, Coimbra, 10.ª edição, 1982, 64. (^70) CASTANHEIRA NEVES, “A unidade…”, cit., 172. (^71) CASTANHEIRA NEVES, “A unidade…”, cit., 173.