Baixe O patrimônio científico-tecnológico do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG)-Uni e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Cultura, somente na Docsity!
A criança Maria Rondon, em pé (de vestido azul claro) ao lado de sua mãe, Francisca Xavier
O patrimônio científico-tecnológico do
Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
(IMPG)-Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ): as memórias encobertas nas
anotações de Maria Rondon
por
Ana Paula Alves Teixeira van Erven Louzada
Aluna do Curso de Doutorado em Museologia e Patrimônio
Linha 0 2 – Museologia, Patrimônio e Desenvolvimento
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS (UNIRIO/MAST).
Orientador: Professor Doutor Luiz Carlos Borges
UNIRIO/MAST - RJ, 06 de agosto de 202 4.
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DEDICATÓRIA Dedico a essa pesquisa a duas mulheres que passaram no IM/IMPG. Primeiro, à Maria Rondon, produtora da documentação. Sem ela, essa pesquisa não seria possível. Depois à Dilma Cayres, parceira querida e maior incentivadora dos meus projetos na biblioteca.
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RESUMO LOUZADA, Ana Paula Alves Teixeira van Erven. O patrimônio científico-tecnológico do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG)-Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): as memórias encobertas nas anotações de Maria Rondon_._ Rio de Janeiro. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2024. Orientador: Luiz C. Borges. RESUMO: Este trabalho enfoca um conjunto de pastas encontrado em gavetas da Biblioteca do atual Instituto de Microbiologia Paulo de Goes (doravante IMPG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Descobrimos que os documentos foram preparados e arquivados nas pastas por Maria de Molina da Silva Rondon (doravante, Maria Rondon), bibliotecária que exerceu suas funções no Instituto de 1959 a 19 98. Essa documentação composta por: 34 pastas, 34 fichas manuscritas, 24 fichas catalográficas e 5 folhas rascunhadas relaciona-se a histórias e práticas cotidianas, no final do século XIX e primeira metade do século XX, experenciados, especialmente, no Rio de Janeiro. O cenário vivido nessa dinâmica, pôde ser viabilizado pela comunidade da microbiologia, a partir de fragmentos documentais e mnemônicos, permitindo, desse modo, a reconstituição da trajetória do campo da microbiologia e áreas afins. O procedimento técnico dessa bibliotecária, tal como uma rota de navegação, nos faz convergir entre anotações, correspondências, documentos oficiais que, ao desaguarem nas rotas do patrimônio científico na UFRJ, suscitam debates os campos da história, memória, patrimônio científico e museus, pois, apuramos que, além das pistas que alinhavam um conjunto de objetos à trajetória do IMPG, houve um propósito museal. Nesse processo acadêmico, a travessia é o IMPG, com ancoragem na Biblioteca, lugar de memória e de divulgação cientifica desse Instituto. Em vista disso, nosso propósito é o de, recorrendo ao método indiciário e aos estudos do patrimônio e da memória, analisar as anotações de Maria Rondon, correlacionando-as ao potencial patrimônio salvaguardado e a proposta de um Museu de Microbiologia nessa unidade acadêmica. Palavras-chave: Museologia; Patrimônio; Memória; Maria Rondon; IMPG.
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ABSTRACT LOUZADA, Ana Paula Alves Teixeira van Erven. The scientific-technological heritage of the Paulo de Góes Microbiology Institute (IMPG)-Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ): the hidden memories of Maria Rondon. Rio de Janeiro. Tese (Doutorado) – Programa de Pós- Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2024. Orientador: Luiz C. Borges. Abstract: This paper focuses on a set of folders found in drawers of the library of the current Paulo de Goes Microbiology Institute (hereinafter IMPG) of the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ). We discovered that the documents were prepared and filed in the folders by Maria de Molina da Silva Rondon (hereinafter, Maria Rondon), a librarian who worked at the Institute from 1959 to 1998. This documentation, composed of 34 folders, 34 handwritten cards, 24 catalog cards and 5 drafted sheets, relates to stories and daily practices, in the late 19th century and first half of the 20th century, experienced especially in Rio de Janeiro. The scenario experienced in this dynamic was made possible by the microbiology community, based on documentary and mnemonic fragments, thus allowing the reconstruction of the trajectory of the field of microbiology and related areas. The technical procedure of this librarian, like a navigation route, makes us converge between notes, correspondence, and official documents that, when they flow into the routes of scientific heritage at UFRJ, raise debates in the fields of history, memory, scientific heritage, and museums, since we found that, in addition to the clues that aligned a set of objects with the trajectory of the IMPG, there was a museum purpose. In this academic process, the crossing is the IMPG, anchored in the library, a place of memory and scientific dissemination of this Institute. In view of this, our purpose is to, using the evidentiary method and studies of heritage and memory, analyze Maria Rondon's notes, correlating them with the potential heritage safeguarded and the proposal of a Microbiology Museum in this academic unit. Keywords: Museology; Heritage; Memories; Maria Rondon; IMPG
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IMN Inspetoria de Monumentos Nacionais
IMPG Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
INCE Instituto Nacional de Cinema Educativo
INT Instituto Nacional de Tecnologia
IOC Instituto Oswaldo Cruz
IPAHN Instituto de Patrimonio Artístico e Histórico Nacional
MAST Museu de Astronomia e Ciências Afins
MEC Ministério da Educação e Cultura
MHN Museu Histórico Nacional
MINC Ministério da Cultura
MN Museu Nacional
MS Mato Grosso do Sul
NBR Normas Brasileiras Regulamentadoras
PPG-PMUS Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio
PR4 Pró-Reitoria de Extensão
SAB Society of American Bacteriologists
SARS-CoV- 2 Novo Coronavírus
SBC Sociedade Brasileira de Ciências
SBE Sociedade Brasileira de Educação
SCIELO Scientific Electronic Library Online
SIARQ Sistema de Arquivos
SiBI Sistema de Bibliotecas
SIMAP Sistema de Museus, Acervos e Patrimônio Cultural
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
TCC's Trabalhos de Conclusão de Curso
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UB Universidade do Brasil
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
URJ Universidade do Rio de Janeiro
USP Universidade de São Paulo
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INTRODUÇÃO
Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo;
todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme.
John Donne, 1623
Mais de setenta anos se passaram entre um polo de ensino em microbiologia da
Universidade do Brasil (UB) e o atual Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG),
localizado no bloco I, do Centro de Ciências em Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). As atividades de ensino e pesquisa em Microbiologia iniciaram-se, em
1950, no pavilhão desativado (e que, anteriormente, era um dos refeitórios do Hospital dos
Alienados), como uma das unidades da antiga Universidade do Brasil (UB), localizada no
bairro da Urca, na cidade do Rio de Janeiro.
Com a criação da cidade universitária, na ilha do Fundão, na década de 1970, a
unidade foi definitivamente transferida para lá, em 1974, já como Instituto de Microbiologia
(IM) da UFRJ, sigla pela qual a antiga UB passou a ser denominada. Após vinte anos, em
homenagem a seu fundador, o IM passou a denominar-se, em 1995, IMPG, uma unidade
acadêmica dedicada à produção de conhecimento e à formação de pesquisadores em
microbiologia.
Em 2013, celebrou-se na unidade, o centenário de nascimento de Paulo de Góes,
médico e fundador do IM. Como parte dessa celebração, foi planejada pela equipe da
Biblioteca da unidade, a exposição “Um olhar memorialista sobre a Ciência”. Ocorrida na
biblioteca, do agora IMPG, a exibição apresentou a releitura do movimento acadêmico-político
de Góes. Esse evento memorialista que envolveu a própria história da UB/UFRJ (uma
universidade centenária a partir de 2020), evidenciou a institucionalização do IM, através das
ações políticas de seu idealizador, destacou, também, cooperações (inter)institucionais por
personalidades científicas que passaram pela universidade, assim como o desempenho
desses pares, no núcleo do próprio Instituto, ainda como UB.
Ações, pós-comemoração, acabaram-se tornando-se a base para o surgimento de
fragmentos ou vestígios de memórias mais abrangentes. Isso significa dizer que outros
vestígios envolvendo as Ciências da Saúde, especialmente, a microbiologia, iam sendo
encontrados. Descobertas que se deram passo a passo, quando a Biblioteca do IMPG, após
as celebrações do aniversário do patrono da unidade, incorporava à rotina do espaço,
atividades extensionistas que, guardando e, ao mesmo tempo, (re)exibindo certificados,
diplomas e fotografias, desvelavam novas camadas que recobriam a trajetória do Instituto.
Em meio a exposições temporárias apresentadas na biblioteca, a dissertação “a
Biblioteca do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes e a construção dos campos da
bens (documentais e de outras tipologias) arquivados e, em alguns casos, deixados em
silêncio, ou ignorados, em pastas da biblioteca há cerca de 25 anos, tendo em vista que, Maria
Rondon deixava o IMPG, definitivamente, nos idos de 1998.
O conjunto documental, guardado por mais de duas décadas, nas gavetas da
biblioteca de uma unidade científico-acadêmica (IMPG/UFRJ), nos impulsionou a pensar
sobre o legado patrimonial em Ciência e Tecnologia (C&T), materializado e representado por
diferentes objetos, refletindo a ideia integradora de documentos em bibliotecas, arquivos e
museus, como instituições-memória, o que nos leva a refletir, também, sobre instrumentos de
representação e construção de localidades.
No que se refere a espaços, assim como os documentos da biblioteca, os objetos
exibidos nos armários da Congregação do IM/IMPG, suscitam reflexões acerca de coleções
e patrimônio cultural, de natureza científica e tecnológica da UFRJ. Ainda, nesse sentido, se
faz importante destacar que, nessa documentação descortinou-se um Museu de Microbiologia
do IM.
Pelos caminhos do patrimônio e pelo fenômeno memória, alinhavando passado e
presente, é que, na conjectura dessa investigação, concebemos pois que, por meio do ofício
biblioteconômico de Maria Rondon, pretendia-se que bens culturais representativos de uma
das áreas da saúde fossem organizados, mas, sobretudo, difundidos no âmbito do IM. Desse
modo, anunciamos que essa pesquisa acadêmica está inserida na linha 2 “Museologia,
Patrimônio Integral e Desenvolvimento” no Doutorado em Museologia e Patrimônio, do
Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da UNIRIO.
Assim posto, dividimos e analisamos esse estudo, nos 4 capítulos descritos abaixo:
Primeiro capítulo – Navegação geral (objetivo, problematização e fundamento
metodológico). Descrição do conjunto documental: rascunhos, notas e fichas, produzidos ou
organizados por Maria de Molina da Silva Rondon. Apresentação da vida pessoal e caminhada
profissional dessa bibliotecária, como a timoneira que nos conduziu pelas memórias cientificas
de um grupo social. Para desdobramento das investigações e fundamentação acadêmica,
elencamos sete entrevistados: personalidades, pessoal e profissionalmente, envolvidas com
IMPG. Esses sujeitos, mesmo acordando com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) (Apêndice A), tiveram suas identidades sob anonimato, atendendo exigências da
Plataforma Brasil (CAAE-69340222.2.0000.5285). Como alternativa aos seus nomes legais,
cada ator, dentro da proposta acadêmica do estudo, recebeu a alcunha de um capitão,
personagem de literaturas ficcionais. Um breve relato sobre o porquê do nosso estudo estar
alinhado ao campo da Museologia e do Patrimônio. Definição de patrimônio científico, bem
como da Biblioteca do IMPG, como embarcação, mas, como lugar de memória, que
salvaguarda uma documentação que retrata os eventos científicos, desde o século XIX até a
atualidade.
Segundo capítulo – Alicerçados nas pastas da Rondon, abordamos o
desenvolvimento científico-acadêmico no Rio de Janeiro, na área da microbiologia. A partir de
documentação encontrada, foi possível trilhar os caminhos percorridos pela UFRJ, nos quais
se entrelaçaram personalidades e Instituições cientificas. Partindo de alguns vestígios
documentais, destacamos a Academia Nacional de Medicina (ANM) e a Academia Brasileira
de Ciências (ABC). Nesse contexto, identificamos o Museu Nacional (MN), como a célula
inicial da pesquisa no Brasil, no qual emergem os pesquisadores Fritz Muller e Bruno Lobo.
Terceiro capítulo – História em torno da formação e do desenvolvimento do IM, como
unidade consolidada no campo da microbiologia com graduação e pós-graduação da UFRJ.
Pensar sobre essa ciência até a atualidade, trazendo relatos dos entrevistados, sobre o
crescimento e a consolidação de uma unidade de ensino. Nesse contexto, o IMPG é a
travessia que nos levará, através do conjunto documental dos primeiros tempos da ciência
micróbios, em uma instituição acadêmica do Rio de Janeiro. Além do debate sobre a
Biblioteca (como espaço de memória e de divulgação científica) tratamos dos métodos
centrados nos dados marginais, resíduos: pistas, indícios, sinais, vestígios que envolvem os
fragmentos encontrados nesse lugar de memória.
Quarto capítulo – Pistas, vestígios notas e, por extensão, a menção a um “Museu
de Microbiologia”, fazem de acervos, instrumentos, coleções ou fundos, testemunhos do fazer
científico (eles mesmos, por definição, patrimônios) identificados na Biblioteca e na Sala de
Congregação do IMPG. Nesse capítulo trazemos à tona, o projeto de extensão, que
possibilitou a recuperação, a higienização e a divulgação de objetos científicos, tal como a
vitrine expositora no corredor do IMPG. Também, o cosimento de dados, recompilando o
conjunto documental, referenciado por Maria Rondon, ao patrimônio encontrado nessas
localidades da unidade, apontando para 34 pastas, representada em apêndices e anexos.
À vista em todos os capítulos da tese, os registros de Maria Rondon deságuam no
patrimônio cultural, e sua relação com histórias e práticas cotidianas que se destacam no
ambiente acadêmico do Rio de Janeiro. Nessa dinâmica, o cenário vivido pela comunidade
da microbiologia pôde viabilizar a reconstituição da trajetória desse campo, a partir desses
fragmentos documentais e mnemônicos.
Em relação ao objeto que cerca essa pesquisa, podemos afirmar que, além da
curiosidade desta pesquisadora sobre a temática memória (materializada no conjunto
documental organizado por uma colega de profissão), existe um interesse pessoal direcionado
às atividades extensionistas, que formam o tripé ensino-pesquisa-extensão universitária. Ao
nosso ver, as ações de natureza extensionista permitem que transpassemos o muro da
universidade, concatenando Academia e Sociedade, o que deve ou deveria, de certa forma,
estimular a comunidade acadêmica a pensar em propostas mais criativas de atuação.