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Castro Alves: Poesia e Sociedade - Análise do Poema 'O Navio Negreiro', Notas de aula de Literatura

Uma análise literária do poema 'o navio negreiro' de castro alves, enfatizando a relação entre a poesia e a sociedade. O texto aborda a necessidade do poeta de buscar exaltação para sua obra, a presença da vaidade social e a importância da forma poética na expressão da tragédia. Além disso, são discutidos os elementos sociais e históricos presentes na obra.

O que você vai aprender

  • Como a vaidade social influencia a busca de exaltação poética em Castro Alves?
  • Qual é a importância da forma poética na expressão da tragédia em 'O Navio Negreiro'?
  • Quais elementos sociais e históricos estão presentes na obra 'O Navio Negreiro'?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Gustavo_G 🇧🇷

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“O Navio Negreiro
Maria Braga Barbosa*
* Mestranda em Literatura pela UnB, professora de Literatura, Ensino Médio
e Tecnológico, do Instituto Federal de Brasília. Contato: marbrag@gmail.com
Resumo
“O navio negreiro” de Castro Alves é um poema mo-
delo para o discurso da lírica e sua relação com a socie-
dade. Tal relação não se limita ao tema do poema, mas
está presente desde a forma até a própria necessidade
que o poeta (consciente de um papel elevado) tem de
buscar um tom de exaltação para sua obra. A vaidade,
que só é possível no social, surge como elemento mo-
tor na busca da performance poética que, por sua vez,
está presa ao ditame histórico, a um certo preestabe-
lecimento, ainda que o gênio criador seja proclamado
pelo mérito de sua originalidade.
de Castro Alves
Consciência Lírica e Exaltação
Poética
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“O Navio Negreiro”

Maria Braga Barbosa

  • Mestranda em Literatura pela UnB, professora de Literatura, Ensino Médio e Tecnológico, do Instituto Federal de Brasília. Contato: marbrag@gmail.com Resumo “O navio negreiro” de Castro Alves é um poema mo- delo para o discurso da lírica e sua relação com a socie- dade. Tal relação não se limita ao tema do poema, mas está presente desde a forma até a própria necessidade que o poeta (consciente de um papel elevado) tem de buscar um tom de exaltação para sua obra. A vaidade, que só é possível no social, surge como elemento mo- tor na busca da performance poética que, por sua vez, está presa ao ditame histórico, a um certo preestabe- lecimento, ainda que o gênio criador seja proclamado pelo mérito de sua originalidade.

de Castro Alves

Consciência Lírica e Exaltação

Poética

Palavras-chave: Castro Alves. Sociedade. Exaltação. Voz lírica. Colonialismo. Abstract Castro Alves’ “The slave ship” is a model for the lyrical speech and its relation with society. Such a relation is not confined to the theme of the poem, but is present since the form until the poet’s necessity (conscious of his important role) of seeking for a tone of exaltation to his work. Vanity, which is only possible in the social, arises as driving force in the pursuit of poetic perfor- mance, which is attached to the historic ruling, to a cer- tain pre-establishment, even though the genius creator is proclaimed by the merit of its originality. Keywords: Castro Alves. Society. Exaltation. Lyric voice.

Colonialism.

A lírica engajada de Castro Alves no poema “O navio negreiro” vem servindo ao discurso tradicional do ensi- no de História e Literatura nas salas de aula. Trata-se de uma obra literária muito claramente ligada ao social, à sua face cruel, à insensibilidade dos interesses mer- cadológicos e à falta de razão humana. O condoreiro, então, advoga a causa dos escravos através de um eu lírico altamente consciente da sua função e capacida- de, usando os argumentos irrefutáveis que só na poesia são possíveis. A veemência de uma ilustração poética como esta se deve ao esforço em demonstrar a dimen- são de tal tragédia e, consequentemente, a grandeza da obra que a traduz, embora a lírica moderna tenha mostrado que não é necessário um tema grandioso pa- ra que se alcance eloquência e beleza na forma. “O navio negreiro” se compõe de exaltação em todos os seus aspectos. A arte lírica, como trabalho que é, e dependente de um labor do poeta, também não se manifesta despretensiosa ou desinteressadamente. Este talvez seja um dos instantes que confere à poe- sia seu caráter mais social. Seria então possível partir da seguinte questão: o poeta busca a grandiosidade na forma para alcançar a eficácia no seu tratado sobre este tema de peso, grandioso e polêmico (o tráfico de escravos, o martírio de homens sem culpa e a partici- pação da pátria amada em tal processo), convencendo o leitor sobre o tamanho da tragédia? Ou, ao contrá- rio, o tema de peso, essa grande tragédia , é que será indispensável para o alcance de uma forma poética grandiosa? Qual o objetivo primordial de uma constru- ção lírica tão empolgada, tão euforicamente retórica? A conscientização do leitor ou a elevação da obra de arte em si mesma? Talvez não seja o caso da conclusão de Auerbach sobre Baudelaire contagiado pela idolatria da arte: “Que estra- nho fenômeno, um profeta de desgraças que não espe- ra outra resposta de sua audiência senão a admiração pelo resultado artístico alcançado”^1. A resposta espera- da desta poesia de desgraças é sem dúvidas o despertar de consciências; mas não apenas, e, para o gênio cria- dor, talvez muito mais, como propõe nossa questão. A partir da mesma questão, o elemento social dentro do poema poderá ser pensado, ou mesmo dissecado no seu conteúdo e forma. Ultrapassemos aqui o óbvio, ou seja, a campanha abolicionista, a sensibilização dos leitores, a indignação clara com a crueldade do tráfico e do sistema escravista. As dimensões de “O navio ne- greiro”, enquanto produto modelo de um sistema lite- rário, revelam ligações estreitas com outros aspectos daquela sociedade e do seu patamar histórico. Sabe-se que foi apenas este patamar histórico que permitiu uma

segundo mais impressionantemente trágico, o qual será descrito mesmo dentro de um horror fantástico. O tom de grandeza e exaltação tem início desde as primeiras estrofes, como é possível ver na escolha vo- cabular do grandioso: infinito, firmamento, pleno mar, grande espaço, imensidade, sublime, majestade. O posi- cionamento do eu lírico contribui para uma autoridade sobre-humana: ‘Stamos em pleno mar. De quem é a voz que se delicia com os sons e a beleza do mar? Quem está em pleno mar além do albatroz e das pessoas naquele navio? O tráfico de escravos havia sido proibido 18 anos antes. É necessário um eu lírico deslocado no tempo e no espaço, muito além do humano, como um deus, ob- servando do céu, em alto mar, o cenário a ser descrito. Bem feliz quem ali pode nest’ hora Sentir deste painel a majestade!... Embaixo – o mar... em cima – o firmamento... E no mar e no céu – a imensidade! Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! Que música suave ao longe soa! Meu Deus! como é sublime um canto ardente Pelas vagas sem fim boiando à toa! 5 A voz lírica se reveste de uma autoridade divina, reve- lando a consciência de que só o poeta estaria em condi- ções para falar de tão grande tragédia, só ele teria tais asas, tanto para apreciar a beleza do mar como para fazer entender o tamanho do horror a bordo de um na- vio de tráfico humano. O lugar do poeta é sublime; ele detém não apenas a autoridade da palavra lírica, mas também o primeiro deleite com esse trabalho e esfor- ço. O lugar do poeta, a condição de liberdade da poesia e dos marinheiros também se posicionam como con- traste para o que se segue na narrativa poética. O tema ruge a um passo do poeta, dentro de mais algumas redondilhas os negros se estor- cerão nos tombadilhos sinistros, logo mais o próprio Deus será apostrofado: mas o pintor não se interrompe até que seja completado o painel marítimo, e pede aos fantasmas impa- cientes que esperem. 6 Esperai! Esperai! Deixai que eu beba Esta selvagem, livre poesia... Orquestra – é o mar que ruge pela proa E o vento, que nas cordas assobia... ............................... Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! Desce mais, ainda mais... não pode o olhar [humano^7 No entanto, ao lado da grandeza da tragédia e do uso de uma voz divina, é necessário ao poeta buscar mais elementos entendidos como grandes. É necessário conferir à obra um tom de riqueza e majestade – apon- tar o brilho das coisas, sua face dourada, revestindo a leitura de dignidade , buscando outras credenciais para torná-la bem aceita ao olhar dos leitores. Parece existir no poema, contribuindo com a tradicional evocação, outro apelo, observável por outra escolha vocabular, a da riqueza: dourada borboleta, astros, espumas de ouro, líquido tesouro, brilho, aceso, ardentias. A exaltação po- ética também se mostra com valor de mercadoria_._ Isso revela não o que existe de originalidade ou de individu- alismo na obra, mas um completo enquadramento no social e nas suas constituições de valores. Para tornar- se atraente – e isso talvez fuja à consciência do poeta –, o poema necessita desta opção de linguagem, tão bem compreendida pelo tipo de sociedade que o receberá. Da mesma forma é preciso ressaltar quem são os már- tires aclamados. A credibilidade dessa informação vem da própria musa que se apodera, em dado momento, da voz lírica para informar a nobreza daqueles povos. A nobreza, outro conceito de fácil compreensão, tam- bém é atributo necessário para validar os direitos dos negros ao não martírio e validar o apelo de quem canta

sua causa. Talvez não lhes bastasse serem humanos, havia mesmo, segundo relatos históricos, o cinismo de levantar dúvidas sobre tal fato. Além de humanos eram nobres, valentes nas suas terras exóticas, heróis anô- nimos, e vinham de longe, ou seja, podiam esconder segredos, magias e, quem sabe, tesouros. Onde a terra esposa a luz. Onde voa em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados, Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão... Homens simples, fortes, bravos...^8 Assim, para muito além do tema, os reflexos do mo- mento histórico e das motivações sociais estão presen- tes na forma poética. Os críticos defensores da não existência da chamada poesia pura, etérea, ensimesmada na sua hermeticida- de, não citariam “O navio negreiro” em argumentação crítica. Em trabalho deste gênero, Afonso Berardinelli busca os elementos menos óbvios que aparecem em outras entrelinhas, nas vanguardas ou nos delírios simbolistas. Ele lembra Adorno e observa que “não há ‘lírica individual’, que não se comunique subterranea- mente com uma corrente coletiva, sem a qual nenhu- ma experiência histórica é concebível”^9. No caso de “O navio negreiro”, a corrente subterrânea de Adorno citada por Berardinelli percorre o poema em todos os níveis. Está presente na escolha vocabular, na perfei- ção métrica, no emparelhamento dos decassílabos e na sonoridade das rimas. Está na motivação ideológica da construção do poema, nas palavras selecionadas e no reconhecimento do valor de cada uma. O tom de mistério Finalmente, outro aspecto, e este talvez decisivo para colocar o poema no patamar do grandioso e exaltado, é o tom de mistério. A face do mistério está presente desde a evocação (que busca relações com o divino, conferindo beleza épica ao poema, e aqui transita en- tre musa e albatroz ) até o cenário dos horrores maríti- mos. As formas ocultas da noite e seus luminares em pleno mar, o cenário dantesco, as figuras espectrais no tombadilho , desconhecidas naus e os rodeios da morte, todos preenchem com mistério o quadro pintado pe- lo poeta. Existe uma distância imensurável até o local da tragédia – o grande e vazio mar, comparável ao de- serto, tão inóspito e majestosamente incompreensível quanto o Saara , vago e, dadas as circunstâncias, alcan- çável apenas pela imaginação do leitor. Em Anseios de amplidão – ensaio sobre o afastamento e temas de viagens relacionados à obra de Euclides da Cunha, de T. E. Lawrence e Joseph Conrad –, Walnice Nogueira Galvão toca na questão do deserto e seus ele- mentos semânticos que servem à tradição literária: No caso de todos os que escreveram sobre o deserto, a equiparação com o mar é a linha de menor resistência pra a construção de analo- gias. Enquanto espaço homogêneo, percebi- do em sua generalidade, o deserto tem sido imemorialmente comparado ao oceano. Nem escapou a Homero, que, operando ao contrá- rio e invertendo a direção, cunhou a fórmula: “o mar estéril”. Enquanto espaços hetero- gêneos, decomposto o deserto em seus ele- mentos constitutivos, a areia é equiparada à água e suas ondulações à arrebatação.^10 Nos versos do nosso poeta: Neste Saara os corcéis o pó levantam Mas não deixam rastro.^11

Entretanto, para além de uma oposição apaixonada, o apelo do poeta, no nível ao qual chega dentro do poe- ma, é tão somente uma figura de linguagem, uma hi- pérbole que também compara a tragédia real com ou- tra possível. O fato de este apelo ser ou não ouvido pela sociedade talvez não fosse deveras o mais importante porque a construção poética (o real objetivo) já estaria pronta. “O navio negreiro” surge para a literatura bra- sileira como produto da história e do gênio criador, pri- meiramente para um deleite estético, usado só em um segundo momento como brado abolicionista. O poeta advogado das vítimas da escravidão, consciente deste papel e deste dom , estaria envolto no aperfeiçoamento e contemplação da sua defesa , lapidando-a, atento aos pequenos detalhes. Em segundo plano fica o sentido prático da obra, para dar lugar ao sentido artístico. Não importará a vida das partes após a sentença , se a justi- ça prevaleceu ou não, importará a eficácia do tratado lírico, o seu desempenho e enlevo. O jovem poeta tra- balha nos moldes do frenesi romântico, solicitamente, para transformar em arte a matéria podre da violência, o obscurantismo e os horrores da história. Referências bibliográficas ADORNO, T.W. “Palestra sobre lírica e sociedade”. In: Notas de Literatura I (trad. Jorge Almeida). São Paulo: Duas Cida- des, 2003. ALVES, Castro. “O navio negreiro”. In: Os escravos. Belo Hori- zonte: Editora Itatiaia, 1977. AUERBACH, Erich, “ Les fleurs du mal di Baudelaire e il subli- me” [1951]. In: Da Montaine a Proust. Bari: De Donato, 1970. [Ed. Bras: “ As flores do mal e o sublime”, trad. José Marcos Macedo e Samuel Titan Jr. In: Inimigo Rumor , n. 8, Rio de Ja- neiro, 7 Letras, 2002]. BERARDINELLI, Afonso. Da poesia à prosa. São Paulo: Cosac Naify, 2007. CANDIDO , Antonio. Literatura e sociedade , vol. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. CUNHA, Fausto. “Castro Alves”. In: A literatura no Brasil. (org.) Afrânio Coutinho e Eduardo de Faria Coutinho, vol. 3 , 3ª edição, Rio de Janeiro: UFF, 1983. GALVÃO, Walnice Nogueira. Anseios de amplidão”. Cader- nos de Literatura Brasileira – Euclides da Cunha. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. Notas 1 Erich Auerbach, “As flores do mal e o sublime”, pp. 171-172. 2 Antonio Candido, Literatura e sociedade , 1965, p. 14. 3 Fausto Cunha, “Castro Alves”, In: A literatura no Brasil , pp. 222-223. 4 Theodor W. Adorno, Palestra sobre lírica e sociedade , p. 174. 5 Castro Alves, Os escravos , p. 177. 6 Fausto Cunha, “Castro Alves”, In: A literatura no Brasil , p. 215. 7 Castro Alves, op. cit. , p. 177. 8 Ibidem , p. 177. 9 Afonso Berardinelli, Da poesia à prosa , p. 38. 10 Walnice Nogueira Galvão , Anseios de amplidão , p. 196. 11 Castro Alves, op. cit., p. 170. 12 Theodor W. Adorno, Palestra sobre lírica e sociedade , p. 73.