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Guias e Dicas
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Princípio do juiz natural no processo judicial brasileiro, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este documento aborda a importância do princípio do juiz natural no sistema jurídico brasileiro, baseado na constituição federal de 1988. O princípio do juiz natural remonta à carta magna de 1215 e garante que as partes envolvidas em um processo tenham o direito de serem julgadas por um juiz imparcial e competente. O texto discute as consequências da ofensa a este princípio, como a incompetência absoluta do magistrado processante e a preclusão da matéria. Além disso, é abordado o caso de uma instituição financeira que entrou em um processo como litisconsorte ativo após a concessão de uma medida liminar, violando o princípio do juiz natural.

O que você vai aprender

  • Como o princípio do juiz natural se relaciona com a estabilidade da demanda?
  • Por que a admissão de litisconsorte ativo após o deferimento da medida liminar contraria o princípio do juiz natural?
  • O que é o princípio do juiz natural no Brasil?
  • Quais são as consequências da ofensa ao princípio do juiz natural?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aldair85
Aldair85 🇧🇷

4.8

(25)

224 documentos

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Parte Geral  Doutrina
OLitisconsórcioFacultativoAtivoUlterioreosPrincípiosdo'JuizNatural'
edo'DevidoProcessoLegal'
ATHOSGUSMÃOCARNEIRO
MinistroaposentadodoSuperiorTribunaldeJustiça.
AdvogadoemPortoAlegreeBrasília
SUMÁRIO:I.Sinopsedosfatos;II.Da estabilizaçãodademanda;III. Dos princípios
constitucionaisdo juiz natural edo devido processol egal;IV. Da nãoocorrência
depreclusão;V.Dosprecedentesjurisprudenciais;
Fuiconsultadoporinstituiçãobancária,atravésdeseusilustresprocuradoresjudiciais,arespeitoda
legalidadedoingressodelitisconsortefacultativoativonosautosdeaçãocautelar,apóstersido
concedidamedidaliminarehaveremsidocitadosdoisdoscorequeridos.
Coubeme,assim,examinaraespéciepara,aofinal,habilitarmearesponderaosquesitosformulados
peloConsulente.
I.Sinopsedosfatos
1.AutoViaçãoMarechalLtda.ajuizou,nacomarcadeCuritiba,açãocautelarinominada,requerendo
acitação,comoréus:a)doBanco...omissis...;b)daURBSUrbanizaçãodeCuritibaS/A.ec)do
MunicípiodeCuritiba,esseposteriormenteexcluídodacausa.
Emsíntese,nainicialnarrouaAutoraque,nacondiçãodepermissionárianaexploraçãodoserviço
públicodetransportecoletivomunicipal,celebraracomdeterminadoBanco,em27deabrilde1994,
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devidosàpostulante.
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Parte Geral Doutrina

O Litisconsórcio Facultativo Ativo Ulterior e os Princípios do 'Juiz Natural'

e do 'Devido Processo Legal'

ATHOS GUSMÃO CARNEIRO Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça. Advogado em Porto Alegre e Brasília

SUMÁRIO:I. Sinopse dos fatos;II. Da estabilização da demanda;III. Dos princípios constitucionais do juiz natural e do devido processo legal;IV. Da não ocorrência de preclusão;V. Dos precedentes jurisprudenciais;

Fui consultado por instituição bancária, através de seus ilustres procuradores judiciais, a respeito da legalidade do ingresso de litisconsorte facultativo ativo nos autos de ação cautelar, após ter sido concedida medida liminar e haverem sido citados dois dos co requeridos. Coube me, assim, examinar a espécie para, ao final, habilitar me a responder aos quesitos formulados pelo Consulente.

I. Sinopse dos fatos

  1. Auto Viação Marechal Ltda. ajuizou, na comarca de Curitiba, ação cautelar inominada, requerendo a citação, como réus: a) do Banco ...omissis... ; b) da URBS Urbanização de Curitiba S/A. e c) do Município de Curitiba, esse posteriormente excluído da causa. Em síntese, na inicial narrou a Autora que, na condição de permissionária na exploração do serviço público de transporte coletivo municipal, celebrara com determinado Banco, em 27 de abril de 1994, um contrato pelo qual a referida instituição bancária lhe concedeu um empréstimo no valor de CR$ 5.277.235.000,00 (cinco bilhões, duzentos e setenta e sete milhões, duzentos e trinta e cinco mil cruzeiros reais). Nesse instrumento de mútuo figuraram, na qualidade de anuentes, os litisconsortes Município de Curitiba e URBS S/A, essa como gerenciadora do sistema de transporte coletivo de Curitiba. Sustentou a requerente que as cláusulas contratuais, além de "tipicamente potestativas", revelavam nítida "supremacia" dos interesses do Banco. Assim, requereu concessão de liminar, em caráter de urgência, para que lhe fosse assegurado o direito de proceder ao depósito judicial das prestações, em valores calculados consoante "os critérios legais de atualização monetária", suspendendo se, outrossim, os descontos que a URBS efetivava, em favor do Banco requerido, sobre os créditos devidos à postulante.
  1. O processo foi distribuído, aos 28 de dezembro de 1995, à 2ª Vara da Fazenda Pública da aludida comarca, com imediata concessão da liminar postulada pela Auto Viação Marechal Ltda., em decisão do seguinte teor:

"Vistos.

Atendendo aos argumentos expendidos pela autora em sua petição vestibular e à documentação que a instrui, analisados sumariamente dada a natureza cautelar e emergencial da medida, evidenciada a ocorrência do fumus boni juris e do periculum in mora que autorizam o acolhimento de plano do pedido, hei por conceder, liminarmente, a cautelar pleiteada, autorizando a requerente a depositar, em Juízo, as prestações mensais vincendas referente ao contrato de mútuo bem como a suspensão de descontos, pagamentos ou apropriações pela URBS em favor do banco requerido, valores esses a serem depositados em conta poupança, em nome das partes, à ordem e disposição deste Juízo, até decisão final a ser prolatada nos autos em ação ordinária, no Posto Montepar do Banco do Estado do Paraná S/A, na forma requerida.

Após, citem se os requeridos, para contestarem, querendo. Ciência à Promotoria de Justiça" (grifamos). No dia 08 de janeiro de 1996 foram efetivadas as citações dos co requeridos, o Município de Curitiba e a URBS.

  1. Em 12 de janeiro de 1996 a empresa Auto Viação Nossa Senhora do Carmo Ltda. requereu sua admissão ao processo cautelar na qualidade de litisconsorte ativa, argüindo haver celebrado com o Banco ...omissis... um contrato de mútuo análogo ao firmado pela demandante Auto Viação Marechal Ltda. e pedindo lhe fossem estendidos os efeitos da liminar deferida. A MM.ª Juíza de Direito Substituta, em decisão concisa, admitiu o "aditamento" e mandou "incluir" a nova requerente na relação processual, como litisconsorte ativa, a ela estendendo os efeitos da medida liminar concedida à Autora original (fl. 117). A magistrada, nessa decisão, determinou "nova carta e mandado de citação" dos réus para responderem a esse "aditamento" à petição inicial; em decorrência, desde então vem a Auto Viação Nossa Senhora do Carmo Ltda. usufruindo os efeitos da liminar que fora deferida em favor da Autora Auto Viação Marechal Ltda.
  2. Cabe, desde logo, destacar que os co requeridos Município de Curitiba e URBS, já citados em 08 de janeiro de 1996, receberam "nova citação" aos 15 de janeiro de 1996. Já com relação ao Banco, as citações foram feitas pelo correio, através cartas postadas em 16 de janeiro de 1996 e recebidas pelo Banco, na cidade de São Paulo, em 17 de janeiro de 1996 e 18 de janeiro de 1996, respectivamente. Posteriormente, os "Avisos de Recebimento" foram juntados aos autos da ação cautelar em 20 de janeiro e 1º de fevereiro de 1996.

Essa proibição passa a incidir após 'feita a citação' do réu, ou de um dos réus em se cuidando de litisconsórcio passivo, e é relativa na etapa entre a citação e o provimento judicial que declara saneado o processo, porquanto a alteração objetiva nessa fase ainda é permitida com o consentimento expresso e inequívoco do réu (ou dos réus); torna se absoluta após o saneamento processual na audiência preliminar (art. 331). Já a alteração subjetiva da demanda é absolutamente defesa após a citação.

  1. No caso ora em exame ocorreram modificações processuais tanto sob o aspecto subjetivo, como pelo ângulo objetivo. Com efeito, após realizadas as citações de dois dos réus o Município de Curitiba e a URBS , ingressou no processo, a título de litisconsorte facultativa ativa e com invocação ao art. 46, II, III e IV do CPC, a empresa Auto Viação Nossa Senhora do Carmo Ltda. Fê lo sem o consentimento dos réus já citados e, por óbvio, do réu ainda não citado, o Banco ...omissis.... Note se que a modificação não se limitou ao surgimento de uma pluralidade de partes no polo ativo da relação processual. A "nova" requerente da cautelar formulou um novo pedido, a seu benefício, de concessão de cautela com extensão da medida liminarmente concedida à requerente original, e isso com base em uma nova causa petendi, o contrato de mútuo firmado entre a postulante Auto Viação Nossa Senhora do Carmo e o Banco já mencionado. Em suma, diante do litisconsórcio facultativo ativo, passamos a ter, in simultaneus processus, duas relações processuais, dois pedidos, duas causae petendi.
  2. Sustentaram as agravadas, no entanto, que a estabilização do processo apenas ocorreria "com a citação válida e regular de todos os litisconsortes, pouco importando se o litisconsórcio em questão é unitário, facultativo ou necessário". Laboram em equívoco as agravadas. Com efeito, qual foi o pedido formulado na inicial da demanda cautelar? Sustentando, de mérito, a ilegitimidade da aplicação da taxa ANDIB ao contrato de mútuo, a Auto Viação Marechal Ltda. postulou a concessão de cautela no sentido de autorizá la a realizar o depósito judicial das prestações mensais vincendas, e pediu outrossim fosse determinada "a suspensão de quaisquer descontos, pagamentos ou apropriações ... omissis ... realizados pela URBS em favor do Banco requerido, retirados dos créditos a que faz jus a Autora pela prestação dos serviços de transporte municipal, garantindo se a esta (autora) o recebimento integral dos valores mensais devidos junto à URBS." (da inicial, fl. 13).
  3. Em suma, a Auto Viação Marechal requereu (e obteve liminarmente) a alteração da cláusula contratual pela qual autorizara a URBS Urbanização de Curitiba S.A., a proceder ao desconto, dos pagamentos a que tinha direito ela mutuária pelo desempenho dos serviços coletivos de transporte, das importâncias bastantes ao pagamento das prestações devidas ao mutuante Banco. Com efeito, pela decisão judicial concessiva da liminar: a) a requerente foi autorizada a depositar diretamente as prestações em favor do Banco mutuante, "na forma requerida", e b) foi determinada a "suspensão dos descontos, pagamentos ou apropriações pela URBS em favor do banco requerido".

Note se a vinculação essencial entre as duas pretensões deferidas liminarmente: a do depósito direto, pela mutuária, das prestações devidas ao Banco BMC S.A. (em montante arbitrado unilateralmente pela devedora!), dependeria da sustação dos descontos efetuados pela URBS em favor do Banco; de outra parte, é de convir que não seria autorizada tal sustação dos descontos se a mutuária não devesse adimplir, diretamente, as prestações devidas ao mutuante. Não era possível, portanto, ao juiz deferir o depósito direto sem ordenar a suspensão dos descontos, nem ordenar tal suspensão independentemente da obrigação da mutuária em pagar diretamente ao credor (embora em montante a seu nuto!).

  1. A natureza dos pedidos, o formulado contra o Banco e o formulado perante a URBS, conduziram destarte ao litisconsórcio passivo necessário e unitário, porquanto a lide cautelar havia de ser decidida de modo uniforme perante todos os demandados.

"A relação jurídica litigiosa é a res in iudicium deducta, e o pronunciamento que sobre ela emita o juiz formará o conteúdo da decisão de mérito". É possível, então, definir litisconsórcio unitário como aquele que se constitui, do lado ativo ou do passivo, entre pessoas para as quais há de ser obrigatoriamente uniforme, em seu conteúdo, a decisão de mérito (Moreira, J.C. Barbosa. Litisconsórcio Unitário. Forense, 1972, 73).

"Se as diversas posições individuais dos co litigantes se inserem homogeneamente ao menos sob certos aspectos na situação global, e se o efeito visado se destina a operar sobre algum ponto em que a inserção é homogênea, a decisão de mérito só pode ter o mesmo teor para todos eles, e unitário é o litisconsórcio" (...) "O eixo de referência é sempre o resultado prático a que tende o processo, à vista do pedido e da causa petendi" (id. ibidem, nº 85).

"No litisconsórcio unitário existe, por definição, a imprescindibilidade de decisão uniforme, no plano do Direito Material, para todos os que no pólo do processo figurem como litisconsortes, no sentido de a ação ter de ser julgada procedente para todos, ou, então e sempre, haver de ser julgada improcedente para todos os litisconsortes" (Alvim, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. ed. RT, v. II, 6. ed. 1997, 41).

  1. Portanto, no presente processo não estamos frente a um litisconsórcio passivo facultativo, com possibilidade de decisões diversas para os litisconsortes, unidos apenas por liames de conexão ou de afinidade de questões, e portanto com pluralidade de relações jurídicas processuais in simultaneus processus. "Aqui, a relação processual é uma só, estando no pólo passivo, em litisconsórcio necessário e unitário, o Banco ...omissis... e a URBS". Assim delineada a situação processual, vê se com evidência plena que a estabilização da demanda ocorreu no momento em que foi citado um dos litisconsortes unitários, surgindo então a relação processual a ser integrada pelos demais litisconsortes, sob pena de ineficácia da futura sentença. No litisconsórcio necessário e unitário (e também no litisconsórcio necessário não unitário), basta a ausência de consentimento de um dos litisconsortes para que fique vedada, desde sua citação, qualquer alteração objetiva ou subjetiva no processo, salvante aquelas substituições (arts. 41 a 43 do CPC) expressamente previstas em lei. Estabilizada a demanda quando da citação da litisconsorte unitária URBS Urbanização de Curitiba S.A., tornou se defeso a qualquer outra empresa pretender ingressar no processo, em litisconsórcio ulterior, sem o expresso consentimento dos litisconsortes já citados, e este expresso consentimento não ocorreu.
  1. O princípio do "juiz natural", prestigiado por tradição muitas vezes centenária, remonta à Carta Magna de 1215, quando os barões ingleses rebelados impuseram a João, dito Sem Terra, em reforço ao pacto feudal, o julgamento dos nobres apenas pelos seus pares, e dos "homens livres" pelo julgamento de seus pares e pela "lei da terra"; mais tarde, a Petition of Rights de 1628 e o Bill of Rights de 1688 atribuíram ao princípio do juiz natural maiores dimensões, de proibição de juízes constituídos ex post facto, de vedação da instituição de juízes extraordinários e de juízos de exceção. Como ensina ADA PELLEGRINI GRINOVER, entre nós e na atualidade a garantia do juiz natural desdobra se em três conceitos: "só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; ninguém pode ser julgado por órgãos constituídos após a ocorrência do fato; entre os juízes pré constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja" (O Princípio do Juiz Natural e sua Dupla Garantia, art. dout. in Revista de Processo RePro, Ed. RT v. 29/11 33) (grifamos). Já a Constituição do Império do Brasil, de 1824, dispunha no art. 179, XI, que: "Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na forma por ela prescrita." A respeito o magistério do clássico BARBALHO, de que esta proibição tinha duplo sentido: de uma parte, protegia a pessoa contra julgamentos por tribunais não previstos na Constituição e nas leis com ela conformes; de outra, proibia as decisões dos juízos e tribunais "excessivas do círculo de jurisdição que a cada um deles é atribuído, ou porque o caso não se compreenda nos de que consta seu poder de julgar, ou porque envolva indivíduo alheio à sua circunscrição judiciária" (Comentários, 1924, p. 434).
  2. A vigente Constituição brasileira garante o juiz natural em dois preceitos fundamentais: não haverá juízo ou tribunal de exceção art. 5º, XXXVII; ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente art. 5º, LIII. Pela autoridade competente: portanto, não pela autoridade judiciária que entenda de alargar sua esfera de competência; não a critério da parte, que resolva "escolher" determinado juízo, por ser de sua conveniência que a esse juízo, ou juiz venha a tocar sua demanda. O prof. KARL SCHWAB, em estudo publicado na RePro 48/124 e ss., alude ao princípio da abstração, pelo qual a divisão de competência deve ser feita consoante "aspectos abstratos, gerais e objetivos, a fim de evitar se uma designação ad hoc", o que no Brasil se opera, em havendo vários juízos com igual competência, mediante a técnica processual da distribuição igualitária CPC, arts. 251 a 257. A respeito, observou FREDERICO MARQUES que "a competência de juízo não pode ser substituída por convenção das partes: não há eleição de juízo (só existe a eleição de foro), pelo que não será permitida a escolha de vara ou juízo do foro competente (inclusive no foro de eleição), para ali ser ajuizada a ação e correr o processo" (Manual de Direito Processual Civil. Saraiva, v. I, 1974, nº 200) (grifamos).

Igualmente no magistério de BOTELHO DE MESQUITA: "Caráter comum às normas que regem a competência funcional e a competência interna, que se explica pelo manifesto interesse público que as determina, é a sua inderrogabilidade por vontade das partes. À parte jamais é dado escolher o juiz, nem o juiz é dado escolher a causa ou as partes que queira julgar ...omissis... "A competência que resulta da distribuição não pode ser modificada pela vontade das partes, nem do juiz. Neste sentido, como já salientara CARNELUTTI em relação à distribuição das causas entre secções igualmente competentes do mesmo tribunal, essa competência é absoluta; 'tipicamente absoluta', enfatiza o mestre" (Sistema, v. II, UTHEA, Buenos Aires, 1944, p. 342) (in RePro, v. 19/216 217) (grifamos). Realmente, pudesse a parte autora escolher o juiz de sua predileção, dispensando a distribuição dos feitos nos casos de vários juízos igualmente competentes, então estaríamos "transformando a justiça pública em negócio particular, num trágico retrocesso de vários séculos na história do processo" (Botelho de Mesquita, ib., p. 218).

  1. O notável constitucionalista JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO analisou o princípio do juiz natural, que denomina "juiz legal", atribuindo lhe os seguintes pressupostos: a) a existência de prévia individualização através de leis gerais; b) a neutralidade e independência; c) a conformidade com o princípio de fixação da competência, isto é, de aplicação das regras decisivas para a determinação do juiz da causa; d) a observação das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição dos processos) (apud CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil de 1988, Saraiva, v. 2, 1989, p. 205). A fundamental necessidade da prévia distribuição, nos termos do CPC e das leis de organização judiciária, a fim de assegurar a prevalência do princípio do juiz natural, foi ressaltada pelo mestre MONIZ DE ARAGÃO, verbis:

"Logo, não faz sentido, em face dos modernos postulados do Direito Processual Civil, considerar irrelevante a ausência de distribuição. A adoção de tal tese facultando se ao autor, em conseqüência, a possibilidade de se dirigir diretamente ao juízo de sua preferência importa em subordinar ao poder dispositivo da parte matéria que é de ordem pública e paira acima da própria intervenção dos juízes, que não a podem modificar para atender quaisquer interesses. Juiz que concorda em despachar assunto que não lhe foi previamente distribuído estará sempre sujeito a parecer suspeito de parcialidade aos olhos da parte contrária e do público" (Comentários ao CPC, Forense, v. II, 9 ed. nº 405) (grifamos). Vale lembrar, no azo, a advertência de CARNELUTTI, de que realmente cuida se de competência absoluta, "por la propria naturaleza de la competencia interna, que recuerda la competencia por razón de la función, tipicamente absoluta" (Sistema de Derecho Procesal Civil, trad. esp., UTHEA, 1994, v. II, p. 342).

  1. No caso que nos foi exposto, em vias de julgamento pela eg. Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, além da ofensa ao princípio da "estabilização da demanda" e da contrariedade à regra pela qual a nova demanda deveria ser objeto de distribuição para fixação do juízo competente, outro motivo grave conspira para que se decrete a nulidade da decisão agravada. Diante de caso similar, em que um litigante buscou "aproveitar" uma liminar já concedida e "escolher" juízo que de antemão já sabia favorável à sua tese, o ilustre prof. SÉRGIO PORTO (da PUC/RS e Procurador de Justiça no RS) escreveu o seguinte:
  1. A violação ao princípio do juiz natural, pela conduta ofensiva a normas sobre competência absoluta (tal como a "escolha" do juízo pelo pretendente a tornar se litisconsorte facultativo ativo ulterior), importou ruptura de normas imperativas, que o são na tutela do interesse público. Ora, segundo GALENO LACERDA, "a violação de normas imperativas, ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, deve ser declarada de ofício pelo magistrado". O ilustre processualista, em sua clássica obra "Despacho Saneador", afirmou, outrossim, que nulidade dessa ordem não preclui:

"Verificado o erro, a qualquer tempo deverá o juiz retratar se, a fim de cumprir a norma imperativa ditada pelo interesse público. Assim, embora haja pronúncia judicial no sentido da validade do ato, poderão ser sempre reexaminadas questões relativas à incompetência absoluta, à suspeição, à litispendência ... omissis ... Tais vícios tornam absolutamente nulo o ato processual e a decisão interlocutória que erroneamente o considerasse válido nenhuma eficácia teria. Em outras palavras, o despacho saneador não terá efeito preclusivo sempre que der pela legitimidade de ato absolutamente nulo (1953, pp. 161/162) (grifamos).

  1. A chamada preclusão pro iudicato, impeditiva de o juiz reapreciar a questão já decidida no processo, opera tão somente em se tratando de questão dependente de iniciativa da parte, de matéria disponível. Mas não em se cuidando de matéria de ordem pública. Assim tem sido dito pelo Superior Tribunal de Justiça:

"O instituto da preclusão, em princípio, dirige se às partes, como expressa o art. 473 do CPC, podendo o juiz de superior instância reexaminar decisões interlocutórias, máxime se pertinentes à prova" (4ª Turma, REsp 2.340, EDcl, Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, J. 23.10.1990, DJU 12.11.1990, p. 12.872).

"Nas instâncias ordinárias, não há preclusão para o órgão julgador enquanto não acabar o seu ofício jurisdicional na causa pela prolação da sentença definitiva" (4ª Turma, REsp 24.258, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, J. 03.05.1994, RSTJ 64/156). A decisão que provê sobre o andamento do processo não faz preclusos os fundamentos para isso deduzidos, não ficando por ela predeterminado o conteúdo da sentença (3ª Turma, REsp 19.015, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, J. 09.02.1993, DJU 15.03.1993, p. 3.816). Conforme observou NELSON NERY JÚNIOR, "se a decisão recorrível tiver por objeto matéria de ordem pública ou de direito indisponível e dela não se interpuser agravo, não haverá incidência da preclusão, segundo o CPC 267, § 3º e 471, II. O limite final para a apreciação das questões de ordem pública e de direitos indisponíveis é a preclusão máxima, denominada impropriamente de 'coisa julgada formal' (nas instâncias ordinárias) ou, em se tratando do juiz de primeiro grau, a prolação da sentença de mérito, quando cumpre e acaba seu ofício jurisdicional" (glosa nº 3 ao art. 471, in CPC Comentado, Ed. RT, 2. ed. p. 848).

  1. Já BUZAID havia declarado que "acerca dos pressupostos processuais e das condições da ação, pode haver preclusão para a parte, não, porém, para o juiz, a quem é lícito, em qualquer tempo e grau de jurisdição, reexaminá los, não estando exaurido o seu ofício na causa. Para o juiz só opera a preclusão maior, ou seja, a coisa julgada relativa ao julgamento da lide, que o direito brasileiro erigiu à eminência de garantia constitucional" (STF, Tribunal Pleno, ACO nº 268, J. 28.04.82, Rel. Min. Alfredo Buzaid, RTJ 101/901).

"À toda evidência, no caso ora em exame não se operou a preclusão pro iudicato, eis que a matéria concernente ao 'juiz natural' e à 'competência absoluta' do juízo é inequivocamente de ordem pública, fora da disponibilidade das partes".

V. Dos precedentes jurisprudenciais

  1. Muitos são os precedentes jurisprudenciais no sentido de que não pode o titular de uma pretensão ingressar em juízo "aderindo", em atípico litisconsórcio "ulterior", a outro processo, máxime se neste já houver sido concedida liminar, pois, como inclusive disse OTHON SIDOU (referindo se ao mandado de segurança, mas em lição aplicável a qualquer demanda), não há de ser admitido o litisconsórcio ativo depois de expedida a ordem liminar, já que tal prática afronta a moral jurídica, que seria decerto alguém postular em juízo com uma decisão antecipada a seu favor (Do Mandado de Segurança, RT, 3. ed. 1969, p. 514) (grifamos). Cônsono decidiu o eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 3ª Turma, no AI 0005496,

"... deve ser indeferido o pleito de ingresso de terceiro, como litisconsorte ativo facultativo, formulado em ação cautelar inominada após deferimento da liminar. A uma, porque quebra o princípio do Juiz natural, que determina a livre distribuição dos processos, coibindo a parte de escolher o juiz para a sua causa, máxime com liminar já deferida. A duas, porque, independentemente da vontade dos requerentes originários, atrasa o rito célere da cautelar" (grifamos).

  1. Na decisão proferida no REsp 87.641, de que foi relator o eminente Ministro ARI PARGENDLER (STJ, 2ª Turma, v.u., J. 17.03.1998, DJU 06.04.1998), está na respectiva ementa:

"A admissão de litisconsorte ativo após o deferimento da medida liminar contraria o princípio do juiz natural, convertido em norma legal pelo art. 251 do Código de Processo Civil; a regra evita que a parte escolha o juiz da causa, bem assim os inconvenientes daí decorrentes, até de ordem moral. Recurso especial conhecido e provido". O corpo do aresto é transcrito trecho de obra doutrinária do eminente Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, verbis:

"Nos termos do art. 19 da Lei nº 1.533/51, o litisconsórcio é admitido no mandado de segurança. A intervenção do litisconsorte ativo não deve ser autorizada após a prestação das informações pela autoridade coatora. A sua admissão só cabe, portanto, antes de estabelecida a relação processual.

Passo, já agora, a responder aos quesitos que nos foram formulados pelo agravante Banco ... omissis ... : 1º Quesito: O ingresso de Auto Viação Nossa Senhora do Carmo Ltda. nos autos da ação cautelar de nº 1.168/95, ora em curso perante a 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, ocorreu conforme os princípios constitucionais e os princípios e normas processuais aplicáveis?

Resposta: "Não. O ingresso da aludida empresa na ação cautelar já em curso contrariou os princípios constitucionais do juiz natural e do devido processo legal, bem como as regras infraconstitucionais alusivas à estabilidade da demanda e à necessidade de distribuição". 2º Quesito: Em caso de resposta negativa ao quesito acima, indaga o consulente acerca da natureza do vício que macula o ingresso de Auto Viação Nossa Senhora do Carmo Ltda. nos autos da ação cautelar referida.

Resposta: "Cuida se de ofensa a normas de ordem pública, pois regram interesses indisponíveis, motivando a nulidade absoluta da decisão judicial agravada". 3º Quesito: Por fim, indaga, ainda, o Consulente se esse vício se coonestaria pelo instituto da preclusão, caso contra ele não se tenha insurgido algum dos co requeridos por agravo de instrumento ou por ocasião da contestação.

Resposta: "Não. Cuidando se de ofensa grave a princípios de ordem pública, tais como os princípios constitucionais fundamentais do juiz natural e do due process of law, assim como os princípios infraconstitucionais da estabilidade da demanda e da livre distribuição, que com aqueles se imbricam, o juiz poderá e deverá agir de ofício, a fim de restabelecer o império da norma constitucional e da lei, a primazia da competência absoluta, independentemente da conduta das partes no curso do processo".