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Guias e Dicas
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Cena da peça 'O Jardim das Cerejeiras' de Anton Chekhov, Provas de Tradução

Descrição da cena em que os personagens liubov andreievna, gaiev, simeonov-pichtchik, lopakhin, duniacha, vária, iacha, charlotta ivanovna e outros se reúnem em uma casa de campo, onde discutem sobre a venda do jardim das cerejeiras e outros assuntos pessoais. A cena retrata a decadência da aristocracia russa e a ascensão da classe média burgea.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rio890
Rio890 🇧🇷

4.8

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Título do original russo
A.P. TCHEKHOV POLNOIE SOBRANIE SOTCHINENII
Gosudarstvennoiê Isdatelstvo Khodogestvvennoii
Literaturi Moska 1946-1951
Tradução e notas
Gabor Aranyi
Preparação
Ronaldo Antonelli (A gaivota e O tio Vania)
e
Maria Cristina Guimarães (As três irmãs e O jardim das
cerejeiras)
Todos os direitos desta tradução reservados a
G. ARANYI LIVROS ME
EDITORA VEREDAS
Al. Dos Bicudos, 7 Alpes da Cantareira
07600-000 Mairiporã-SP Brasil Fone: 485-1764 (011)
1994
O JARDIM DAS CEREJEIRAS
Comédia em quatro atos
1903-1904
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Título do original russo

A.P. TCHEKHOV POLNOIE SOBRANIE SOTCHINENII Gosudarstvennoiê Isdatelstvo Khodogestvvennoii Literaturi Moska 1946-

Tradução e notas Gabor Aranyi

Preparação Ronaldo Antonelli ( A gaivota e O tio Vania ) e Maria Cristina Guimarães ( As três irmãs e O jardim das cerejeiras )

Todos os direitos desta tradução reservados a G. ARANYI LIVROS ME EDITORA VEREDAS Al. Dos Bicudos, 7 – Alpes da Cantareira 07600-000 – Mairiporã-SP – Brasil – Fone: 485-1764 (011)

1994

O JARDIM DAS CEREJEIRAS

Comédia em quatro atos

PERSONAGENS

RANIEVSKAIA, LIUBOV ANDREIEVNA, proprietária de terras ÂNIA, sua filha de dezessete anos VÁRIA, sua filha adotiva de vinte e quatro anos GAIEV, LEONID ANDRÊIEVITCH, irmão de Ranievskaia LOPAKIN, IERMOLAI ALEKSÊIEVITCH, comerciante TROFÍMOV, PIOTR SERGUÊIEVITCH, estudante SIMEONOV-PICHTCHIK, BÓRIS BORÍSOVITCH, proprietário de terras CHARLOTTA IVANOVNA, preceptora EPIKHODOV, SEMION PANTELEIEVITCH, contador DUNIACHA, criada FIRS, velho criado de oitenta e sete anos IACHA, jovem criado Um jovem andarilho O chefe dos correios Convidados, criadagem

A ação se passa na propriedade de Liubov Andreievna Ranievskaia.

PRIMEIRO ATO

O “quarto das crianças”, como ainda é chamado. Uma das portas dá para o quarto de Ânia. Alvorada cinzenta, mas o sol logo irá surgir. É o mês de maio; lá fora as cerejas estão em flor, mas ainda faz frio no jardim, e sopra um vento matinal. As vidraças estão fechadas.

Entram Duniacha empunhando uma vela e Lopakhin com um livro na mão.

LOPAKHIN Bem, graças a Deus, o trem finalmente chegou. Que horas são?

DUNIACHA Logo serão duas. (Apaga a vela.) Já está amanhecendo.

LOPAKHIN Quanto atrasou o trem afinal? Umas duas horas, pelo menos.( Boceja e se espreguiça com um gesto largo. )Também, sou um palerma, venho até aqui para buscá-los na estação e aí durmo e perco a hora...Dormi sentado! Caramba! Ao menos você podia ter me acordado!

DUNIACHA Mas se eu pensava que o senhor já tinha saído há tempo para recebê-los! (Escuta.) Ouça – parece que estão chegando.

LOPAKHIN (Escuta também) Ah, que nada. Até receberem as malas, mais isso mais aquilo, leva um bom tempo. (Pausa.) A nossa Liubov Andreievna passou exatamente cinco anos no estrangeiro – será que mudou muito?... Era uma pessoa muito boa, cordial e tão simples! Ainda guardo na memória: eu era rapazote ainda, talvez tivesse uns quinze anos. Meu falecido pai, que Deus o tenha, me acertou na cara, comecei a pôr sangue pelo nariz. Não estava lá muito sóbrio, o meu velho. Ele tinha uma loja na aldeia e nós estávamos de passagem aqui na propriedade, tratando de algum negócio. E Liubov Andreievna – ai como ela era jovenzinha então, meu Deus, e delgada e magrinha! – me segurou a mão e me trouxe aqui,no quarto das crianças direto para o lavatório. “Não chore, seu camponesinho”, disse, “quando casar sara”.

apoiado numa bengala. Veste um libré surrado e uma cartola. Balbucia frações de palavras ininteligíveis. Atrás do palco a balbúrdia vai crescendo. Uma voz: “ Por aqui, por favor, por aqui!” Entram em cena: Liubov Andreievna, Ánia e Charlotta Ivanovna, que traz um cachorrinho preso a uma corrente. As três vestem roupas de viagem. São seguidas por Vária, com um lenço na cabeça, Gaiev, Simeonov-Pichtchik, Lopakhin, Duniacha, com uma valise e um guarda- chuva, e criadas carregando malas. Todos atravessam o “quarto das crianças”.

ÁNIA Por aqui. Mãezinha ainda se lembra que quarto é este?

LIUBOV ANDREIEVNA (feliz, em meio às lágrimas) O quarto das crianças!

VÁRIA Que frio está fazendo, tenho as mãos congeladas. (A Liubov Andreievna.) Os dois quartos da senhora, mãezinha, o branco e o cor de violeta, estão exatamente como a senhora os deixou.

LIUBOV ANDREIEVNA O quarto das crianças! O meu querido, o meu maravilhoso quarto das crianças!... Eu dormia aqui quanto era menina. (Chora.) E ainda sou como uma criança. (Beija o irmão, em seguida a Vária, de novo o irmão.) E a nossa Vária também continua a mesma, como uma freirinha... Também a Duniacha reconheci imediatamente... (Beija Duniacha também.)

GAIEV O trem atrasou exatamente duas horas, não é? Bela situação.

CHARLOTTA (a Pichtchik) Meu cachorrinho come até nozes!

PICHTCHIK (admirado) Imagine só! (Saem todos, à exceção de Ánia e Duniacha.)

DUNIACHA Mal agüentamos esperá-los... (Ajuda a tirar o casaco e o chapéu de Ánia.)

ÁNIA Não dormi quatro noites durante a viagem... Estou totalmente enrijecida...

DUNIACHA Quando a senhora foi embora havia neve por todo lado e que frio! Em plena Quaresma! E agora... ai querida senhorinha! (Rindo e beijando Ánia pelo rosto todo.) Ai, não pode imaginar com que entusiasmo esperava a sua chegada, minha queridinha, minha luz, minha flor... Vou logo dizendo, não agüento esperar nem mais um minuto...

ÁNIA (cansada) Outra vez algo...

DUNIACHA Epikhodov, o contador, pediu a minha mão na Páscoa!

ÁNIA Sempre a mesma história... (Alisa o cabelo.) Perdi todos os grampos... (Mal se sustenta em pé de cansaço.)

DUNIACHA Não sei o que pensar...Ele me ama, está muito apaixonado.

ÁNIA (olha para a porta, com voz enternecida) O meu quartinho, a minha janelinha. Como se nem os tivesse deixado... finalmente estou aqui de novo... em casa!... Amanhã bem cedo me levanto e corro para o jardim... Se pudesse finalmente dormir agora... Estava tão excitada durante toda a viagem... A preocupação me consumia...

DUNIACHA Anteontem chegou também Piotr Serguêievitch, viu?

ÁNIA (alegre) Pétia?

DUNIACHA Nós o acomodamos na casa de banhos, ele passa lá o dia todo e dorme lá também. Não quer incomodar ninguém, diz ele (Consulta o relógio de bolso.) Na verdade deveríamos acordá-lo agora, mas a senhorita Vária nos proibiu de fazer isso. “Não vá acordá-lo, hem”, disse ela.

Entra Vária, com molho de chaves preso na cintura.

VÁRIA Duniacha, traga café, rápido. Mãezinha pediu.

DUNIACHA Já nem estou aqui! (Sai.)

VÁRIA Graças a Deus vocês chegaram...Estão de novo em casa. Em casa, minha alminha. Em casa, meu encanto...

ÁNIA Saí daqui domingo de Páscoa, fazia muito frio. Tive muitos problemas.

VÁRIA Imagino!

ÁNIA E ainda por cima essa Charlotta! Não parou de falar durante a viagem inteira e atormentava a todos com seus velhos truques de carta! Por que você me obrigou a levá-la?

VÁRIA Eu não podia deixar você fazer essa grande viagem sozinha! Uma criança de dezessete anos!

ÁNIA Então imagine: chegamos em Paris. Primeiro: fazia um frio terrível. Segundo: naturalmente os meus conhecimentos de francês me abandonaram por completo. Mãezinha morava no quarto andar, chegamos lá, ela estava com visitas: franceses de todo tipo, diversas senhoras e um velho padre com seu livro de reza, fumaça de cigarro; foi muito desagradável. De repente tive tanta pena da pobre mãezinha. Tomei seu rosto entre as mãos, apertei-a em meus braços e não quis soltá-la mais. E ela apenas me acariciava, me acariciava em silêncio e chorava baixinho...

VÁRIA (entre lágrimas) Ai, não me conte... Não me conte mais nada.

ÁNIA A essa altura já tinha vendido há muito a casa de campo em Menton e não lhe restava nada, mas nada mesmo. A mim tampouco sobrara um único copeque, e foi um milagre divino termos conseguido de algum modo voltar para casa. E além disso mãezinha não faz a mínima idéia sobre nada...Lá estamos nós sentados no carro- restaurante para comer alguma coisa, e é claro que ela pede logo o

prato mais caro e dá um rublo de gorjeta a cada um dos garçons. Charlotta e o infame do Iacha tampouco se incomodam com os gastos. É terrível! Iacha é o novo Iacaio, pois mãezinha também contratou um. Nós o trouxemos conosco.

VÁRIA Vi a sua cara de malandro.

ÁNIA E aqui em casa, quais são as novas? Vocês pagaram os juros?

VÁRIA Muito longe disso.

ÁNIA Meu Deus, meu Deus...

VÁRIA Em agosto a propriedade será leiloada...

ÁNIA Ai, meu Deus...

LOPAKHIN (assoma a cabeça à porta e dá balidos) Me-e-e-e... (Logo se retira.)

VÁRIA (entre lágrimas, ameaça Lopakhin com o punho) Que vontade tenho de dar-lhe uma sova!

ÁNIA (abraça Vária; em voz baixa) Em que pé vocês estão? Ele já lhe pediu a mão? (Vária move a cabeça negativamente.) Mas ele a ama... Porque vocês não conversam sobre isso? Estão esperando o quê?

VÁRIA Creio que não vai dar em nada. Ele tem tanta coisa para fazer, nem se lembra de mim... que vá com Deus... Mas aqui todos falam que Lopakhin pedirá a minha mão, casará comigo... me dão os parabéns... ilusão... (Mudando de tom.) Olhe só, que broche você tem! Parece uma abelhinha!

ÁNIA (triste) Foi mãezinha quem comprou. (Dirige-se a seu quarto, e repentinamente está de novo alegre como uma criança.) Sabe, em Paris eu cheguei a andar num balão dirigível!

GAIEV Na caçapa do fundo! Lembra-se, querida irmãzinha...Outrora nós dois dormíamos neste quarto... e... e agora eu sou um pobre e velho bebê de cinqüenta e um anos. Que estranho, não é?

LOPAKHIN Pois é, o tempo passa.

GAIEV O que disse?

LOPAKHIN Digo apenas que o tempo, infelizmente, voa.

GAIEV Que cheiro é este?

ÁNIA Vou me deitar. Boa noite, querida mãezinha. (Beija Liubov Andreievna.)

LIUBOV ANDREIEVNA Minha filhinha adorada!... (Beija as mãos de Ánia.) Então, feliz por estar de novo em casa? Para mim tudo isso ainda parece um sonho.

ÁNIA Boa noite, tio Leonid.

GAIEV (Beija Ánia no rosto e nas mãos) Deus a abençoe, meu anjinho. Sabe quanto você se parece com sua mãe? (A Liubov Andreievna.) Você, Liubov, quando tinha essa idade era igual... igualzinha... (Ánia aperta a mão de Lopakhin, depois a de Pichtchik, dirige-se ao seu quarto e fecha a porta atrás de si.)

LIUBOV ANDREIEVNA Está morta de cansaço...

PICHTCHIK Pudera... a viagem foi longa...

VÁRIA (a Lopakhin e a Pichtchik) Bem, senhores, são quase três horas, já é tempo de os senhores se lembrarem da boa educação.

LIUBOV ANDREIEVNA (às gragalhadas) Você continua a mesma, Vária. (Puxa-a contra si e a beija.) Bem, vou só tomar o café, depois nos recolhemos todos. (Firs traz uma almofada e a coloca sob os pés de sua

patroa.) Obrigada, querido. Como me acostumei ao café! Tomo-o dia e noite. Agradeço-lhe muito, meu velho. (Beija Firs.)

VÁRIA Vou verificar se trouxeram tudo... (Sai.)

LIUBOV ANDREIEVNA Sou eu mesma quem está sentada aqui?... (Sorri.) Tenho vontade de dançar e bater palmas. (Cobre o rosto com as mãos.) Como se fosse um sonho... Deus é testemunha de quanto amo a minha pátria... Quanto a amo... Não podia olhar pela janela da cabine durante a viagem toda... começava a chorar... (Entre lágrimas.) Mas eu vou tomar este café logo. Muito obrigada, querido Firs, muito... Se soubesse, velho, como me alegro por você estar ainda vivo!

FIRS Anteontem.

GAIEV O velho ouve mal.

LOPAKHIN E eu devo tomar o trem das cinco para Kharkov... é uma pena... Gostaria tanto de ter podido conversar mais com a senhora... de contemplá-la.

PICHTCHIK (respira com dificuldade) Está ainda mais bonita do que antigamente... nesse belo vestido parisiense... Com os diabos, está uma beleza!

LOPAKHIN Seu irmão, Leonid Andrêievitch, diz que eu sou um camponês, um sujeito bronco. Para mim tanto faz. Ele pode falar... O que importa é que eu continuo merecendo a confiança da senhora, como antigamente... e que se digne olhar para mim com esses olhos assombrosos... como antigamente!... Oh, Deus! Meu paizinho foi outrora servo de seu digno paizinho e de seu avô. Mas a senhora me fez um bem tão grande que eu esqueci tudo e gosto da senhora do fundo da alma, como a uma irmã... Mais que a uma irmã...

LIUBOV ANDREIEVNA Não sei o que está acontecendo comigo, mas não consigo ficar sentada. (Levanta-se de um salto e anda de um lado para o outro, muito excitada.) Não poderei sobreviver a esta sensação

de felicidade... Está bem, está bem, vocês podem rir dessa bobagem... meu velho armário querido!... (Beija o armário.) Minha velha mesinha querida!

GAIEV Enquanto você esteve fora a babá morreu.

LIUBOV ANDREIEVNA (senta-se, toma o café.) Eu sei, contaram-me nas cartas, que descanse em paz.

GAIEV Morreu também Anastasii. E o vesgo Petrucha saiu daqui e foi para a cidade. Agora é ordenança do chefe de polícia. (Tira do bolso uma caixinha de balas. Põe-se a chupar uma.)

PICHTCHIK Minha filha, Dachenka, manda-lhe saudações...

LOPAKHIN Eu teria algo agradável para lhe dizer, se quisesse ouvir. (Olha para o relógio.) Mas já tenho de partir, portanto devo falar muito rapidamente... Numa palavra, o assunto é o seguinte: como a senhora já sabe, o jardim das cerejeiras será leiloado no dia 22 de agosto. Ou seja, esse é o último prazo para liquidar as dívidas. Mas eu, ao contrário, lhe digo: não se preocupem com isso; podem dormir sossegados, pois há uma ótima solução. Rogo-lhes que prestem um pouco de atenção, ouçam o que imaginei. A propriedade dos senhores fica apenas a vinte verstas da cidade e é margeada pela estrada de ferro. Pois então! Se lotearmos o jardim das cerejeiras, e mais as terras a beira do rio, em terrenos para construção de casas de campo poderemos obter um rendimento garantido de mais de vinte e cinco mil rublos, livres!

GAIEV Perdoe-me, mas isso é uma grande bobagem!

LIUBOV ANDREIEVNA Não estou compreendendo bem, Iermolai Aleksêievitch.

LOPAKHIN A senhora alugaria os terrenos a veranistas e poderia pedir-lhes, por baixo, vinte e cinco rublos ao ano por hectare. Se começássemos já, garanto-lhes que quando chegasse o outono não

haveria um único pedaço de chão por alugar, cada pedaço encontraria o seu dono rapidamente. Pois então, minhas congratulações, os senhores estão salvos. O lugar é uma beleza, a posição é adequada e o rio é profundo. É claro, primeiro teria de pôr tudo em ordem, demolir as construções decrépitas, por exemplo, esta casa velha, que já não vale mesmo nada... e também o jardim de cerejeiras deveria ser derrubado...

LIUBOV ANDREIEVNA Cortar as minha cerejeiras? Ai, minha alma, perdoe-me, mas o senhor não sabe mesmo o que está dizendo. Em toda a região não há outro jardim de cerejeiras tão grandioso quanto o nosso.

LOPAKHIN A grandiosidade desse jardim resume-se ao fato de ele ser tão grande. Mas a produção de cereja é boa só a cada dois anos, quando muito, e mesmo então não se sabe o que fazer com ela. Ninguém a compra!

GAIEV Mas esse jardim é mencionado até nas enciclopédias!

LOPAKHIN (olha o relógio) Por favor, se não encontrarmos uma solução logo, no dia 22 de agosto era uma vez o jardim das cerejeiras e todo o resto... pertencerá a quem der mais por ele! Pois então, por que não se decidem logo? Acreditem, não há outra solução, eu lhes asseguro!

FIRS Em outros tempos, uns quarenta ou cinqüenta anos atrás, a cereja, uma vez colhida, era seca, faziam-se conservas, licores e geléias, e sempre...

GAIEV Fique calado, Firs.

FIRS Havia tanta cereja seca que nós mandávamos carroças e mais carroças cheinhas para Moscou e Kharkov. E o dinheiro não parava de chegar! E como era gostosa aquela cereja seca, tão macia, saborosa e doce...E cheirosa...Havia um segredo para prepará-la.

LIUBOV ANDREIEVNA E onde parou esse tal segredo?

VÁRIA Há três anos ele anda dizendo coisas sem sentido, nós já nos acostumamos.

IACHA Caduquice. (Charlotta, de roupa branca, com a cintura terrivelmente apertada, um lornhão preso ao cinto, atravessa a cena.)

LOPAKHIN Perdão Charlotta Ivanovna, ainda nem tive tempo de cumprimentá-la. (Faz menção de beijar-lhe a mão.)

CHARLOTTA (retira a mão) Se eu lhe desse o dedinho, logo iria querer todo o braço... e também um pedaço do ombro.

LOPAKHIN É inútil, hoje estou sem sorte! (Todos riem.) Mostre-nos algumas de suas mágicas.

LIUBOV ANDREIEVNA Vamos, Charlotta, bem que você poderia mostrar-nos algo...

CHARLOTTA Não tenho vontade. Estou com sono. (Sai.)

LOPAKHIN Bem, então... até daqui a três semanas. (Beija a mão de Liubov Andreievna.) Até lá, adeus! Estou com pressa. (A Gaiev.) Adeus! (Troca beijos com Simeonov-Pichtchik.) Adeus! (Aperta a mão de Vária, Firs e Iacha, sucessivamente.) Não sei... está difícil sair daqui hoje. (A Liubov Andreievna.) Pense bem nessa história do loteamento, e se decidir algo, por favor, mande me avisar. Posso obter sem demora um empréstimo de uns cinqüenta mil rublos. Pense sobre o assunto seriamente!

VÁRIA (irada) Vá andando, pelo amor de Deus!

LOPAKHIN Já vou indo... Já nem estou mais aqui. (Sai.)

GAIEV Que grosseirão! Aliás, perdão... Vária vai casar com ele. Não é mesmo?... Ele é o noivo escolhido... não é?

VÁRIA Titio, não diga tais bobagens!

LIUBOV ANDREIEVNA Por que não, Vária? Eu ficaria muito contente com isso. Ele é um homem direito, uma boa pessoa...

PICHTCHIK É sim... posso afirmar isso, é uma ótima pessoa... A minha Dachenka também diz isso... sim... (No meio da conversa adormece, ronca e acorda sobressaltado.) Hum...minha alminha, não poderia emprestar-me duzentos e quarenta rublos? É que amanhã eu terei de pagar os juros sobre a hipoteca...

VÁRIA (com voz assustada) Não temos! Não temos!

LIUBOV ANDREIEVNA Pois é, minha alminha, nós também estamos sem nenhum...

PICHTCHIK De um jeito ou de outro, sempre acaba aparecendo algo. (Ri.) Eu nunca perco a esperança. Pois já houve ocasião em que cheguei a pensar que estava tudo perdido... e o que aconteceu?... resolveram passar o leito da ferrovia pelas minhas terras e me coube uma boa soma. Por que não pode acontecer algo semelhante de novo?...se não hoje, então amanhã?... Dachenka pode ganhar duzentos mil rublos, ela comprou um bilhete de loteria.

LIUBOV ANDREIEVNA Bem, já tomamos nosso café... Agora podemos ir descansar.

FIRS (escova a roupa de Gaiev; com voz ranzinza) De novo pôs a calça que não combina com o casaco.

VÁRIA (em voz baixa) Pss...Ánia está dormindo. (Abre a janela em silêncio.) Nasceu o sol, já não está tão frio. Veja, mãezinha, que beleza de árvores! Meu Deus, que ar! E como cantam os estorninhos!

GAIEV (abre a outra janela) Todo o jardim é uma brancura só. Liuba, lembra? A longa alameda, como é reta, até não poder mais... e tem um brilho prateado nas noites enluaradas. Você se lembra? Não se esqueceu?

LIUBOV ANDREIEVNA (olha pela janela) Oh, minha infância, minha pureza! Eu dormia neste quarto, daqui olhava o jardim. Toda manhã a felicidade acordava junto comigo, e o jardim continua igualzinho ao que era, não mudou nada! (Rindo de alegria.) É tão majestosamente branco! Meu querido jardim! Nem o outono desbotado nem o inverno gelado conseguem maltratá-lo, você está jovem de novo e feliz, e não foi abandonado pelos anjos celestiais... Meu Deus, se pudesse ainda uma vez livrar os ombros dessa pesada pedra, se pudesse esquecer o passado!

GAIEV E agora, por estranho que pareça, esse jardim será leiloado...

LIUBOV ANDREIEVNA Olhe só para aquilo...A nossa querida mãe andando pelo jardim... de vestido branco... (Rindo de alegria.) É ela!

GAIEV Onde?

VÁRIA Por Deus! Mãezinha!

LIUBOV ANDREIEVNA Não há ninguém, era apenas uma miragem... Há no pavilhão uma árvorezinha branca inclinada para a frente... parecia uma figura de mulher... (Entra Trofimov, de óculos, vestindo um surrado uniforme de universitário.) Que jardim prodigioso! Flores brancas, céu azul...

TROFIMOV Liubov Andreievna! (Liubov Andreievna volta-se.) Quis apenas saudá-la, e já vou indo. (Beija-lhe a mão, comovido.) Disseram para esperar até amanhã... mas eu não agüentei mais... (Liubov Andreievna olha para ele surpresa.)

VÁRIA (entre lágrimas) É Pétia Trofimov...

TROFIMOV Pétia Trofimov, que era preceptor de Gricha... Será que mudei tanto? (Liubov Andreievna abraça-o e chora silenciosamente.)

GAIEV (comovido) Bem, já chega, Liuba... já chega...

VÁRIA (chora) Está vendo, Pétia, eu disse que esperasse até amanhã...

LIUBOV ANDREIEVNA Meu Gricha... meu pobre filhinho... Gricha, minha alminha...

VÁRIA O que podemos fazer, mãezinha? Foi a vontade de Deus.

TROFIMOV (com voz doce e chorosa) Já chega... Está bem, está bem...

LIUBOV ANDREIEVNA (chora baixinho) Está morto, morreu afogado, o meu filhinho... Por quê? Meu amigo, me diga, por quê? (Acalmando- se.) No quarto ao lado dorme minha filhinha e eu aqui falando alto... Diga-me Pétia, o que foi que lhe aconteceu para ficar tão feio assim? Como envelheceu!

TROFIMOV Pois é... No trem uma camponesa me chamou de “senhor desbotado”.

LIUBOV ANDREIEVNA E era um mocinho tão bonitinho então, um estudantinho tão alegre e cheio de vida... E agora, como rareia o seu cabelo... e usa óculos também... E ainda é estudante? (Encaminha-se para a porta.)

TROFIMOV Ao que parece, serei um eterno estudante.

LIUBOV ANDREIEVNA (beija o irmão, depois a Vária) Bem, vamos dormir... Você também, Leonid, está envelhecido!

PICHTCHIK (seguindo-a) Então, para a cama... Ai! a minha gota! Vou ficar aqui em sua casa... Liubov Andreievna, minha querida amiga, eu necessitaria muito daqueles... hum... duzentos e quarenta rublos.

GAIEV E esse, sempre com a mesma cantilena!

PICHTCHIK Duzentos e quarenta rublos... para pagar os juros!

mesmo, o que acabou de dizer da pobre mãezinha, da sua própria irmã querida?

GAIEV É verdade... é verdade. (Cobre o rosto com a mão de Ánia.) Isso de fato é horrível! Que Deus tenha misericórdia de mim. E o discurso bobo que fiz há pouco diante do armário de livros! Só ao terminá-lo me dei conta de quanta besteira havia dito...

VÁRIA Na verdade, titio, seria melhor se o senhor falasse menos. E ainda melhor se ficasse calado...

ÁNIA Se se calasse teria mais tranqüilidade... acredite...

GAIEV Está bem...está bem... já me calei. (Beija a mão de Ánia e de Vária.) Só mais uma palavra sobre o assunto. Quinta-feira passada estive no fórum, e no grupo onde conversava falávamos disso e daquilo, como acontece nessas ocasiões – pois bem, disseram que se podia obter um empréstimo assinando uma promissória... e assim seríamos capazes de pagar os juros ao banco.

VÁRIA Ai, se Deus quisesse nos ajudar!

GAIEV Terça-feira voltarei à cidade e tratarei do assunto novamente. (A Vária.) Deixe de choradeira... (A Ánia.) Sua mãe deve falar com Lopakhin, que com certeza atenderá a seu pedido. E você, assim que se recuperar da fadiga da viagem, irá a Iaroslavl, fazer uma visita à sua tia condessa. Se atuarmos nessas três frentes o sucesso será garantido. Tudo se arranjará. Pagaremos os juros, com certeza nós os pagaremos... (Coloca uma bala na boca.) Dou minha palavra de honra que a propriedade não cairá em mãos estranhas! (Cada vez mais acalorado.) Juro pela minha felicidade! Aqui tem a minha mão, pode me chamar de canalha sem honra se eu permitir que haja leilão! Juro por tudo o que é sagrado!

ÁNIA (recobrou a calma , feliz) Como você é bom, querido titio, e como é inteligente! (Abraça-o.) Você me tranqüilizou. Estou tão feliz!

Entra Firs.

FIRS (em tom de reprovação) Leonid Andrêievitch, não teme a Deus? Quando irá se recolher?

GAIEV Já vou, já vou... Vá, Firs, eu me trocarei sozinho... Bem, criancinhas... para a cama. Amanhã discutiremos tudo, tintim por tintim, agora vamos dormir... (Beija Ánia e Vária.) Eu pertenço à geração dos anos 80. É um período que não recebe muitos elogios, mas posso dizer que não foram poucas as ocasiões em que tive de me sacrificar devido às minhas convicções. Não é à-toa que os meus camponeses gostam de mim. Pois é preciso conhecer os camponeses, queridinha! É preciso saber...

ÁNIA Titio, já está começando de novo!

VÁRIA Fique calado, titio.

FIRS (zangado) Leonid Andrêievitch!

GAIEV Está bem, está bem... já vou indo. E vocês vão se deitar... mato uma bola da vez, depois jogo uma numerada com castigo... (Sai. Firs o segue.)

ÁNIA Agora estou tranqüila. Não tenho a mínima vontade de ir a Iaroslavl, pois quero ficar bem longe da titia condessa, mas apesar disso, o titio conseguiu me tranqüilizar completamente... sou-lhe grata por isso... (Senta-se.)

VÁRIA Mas agora vamos dormir...Durante a sua ausência tivemos uma pequena contrariedade por aqui...Sabe, lá embaixo, na casa menor, vivem os colonos mais velhos, Iefimuchka, Polia, Ievstigniei, e também Karp... Um dia desses veio ao meu conhecimento que eles deixavam entrar todo tipo de vagabundo para passar ali a noite. Fiz que não sabia, o que mais podia fazer? Porém um dia ouço dizer que eles estão falando que eu sou pão-dura, que só lhes mando servir ervilha seca para o almoço, etc. Fiquei sabendo que quem os instigava era o

inútil do Ievstigniei. Muito bem, penso... e mando chamar o Ievstigniei... (Boceja.) Ele entra... e eu começo: ouça, Ievstigniei, que sujeito tolo você é... (Olha para Ánia.) Aniuta! (Pausa.) Dormiu, a minha alminha... (Conduz Ánia.) Dormiu, a minha alminha... Assim... (Saem. De longe, para além do jardim das cerejeiras, ouve-se o som de uma flauta. Trofimov atravessa a cena e se detém ao ver as duas moças.) Psiu...Está dormindo... adormeceu... vamos, meu anjinho...

ÁNIA (em voz baixa, meio em sonho) Que cansaço... Estou ouvindo campainhas... titio... o titio é tão bonzinho... mãezinha... querida mãezinha... e o titio...

VÁRIA Venha, queridinha, venha... (As duas saem de cena, entrando no quarto de Ánia.)

TROFIMOV (emocionado) Meu sol, minha primavera!

Cortina.

SEGUNDO ATO

O campo. Uma velha capelinha abandonada, ameaçando ruir. Junto a ela um poço com grandes pedras de granito, que algum dia certamente foram lápides; um velho banco. Vê-se o caminho que conduz à propriedade de Gaiev. De um lado se elevam álamos que projetam a sua sombra; ali começa o jardim das cerejeiras. Mais distante uma fileira de postes telegráficos e bem longe, no horizonte, vêem-se os contornos vagos de uma cidade grande, nítidos apenas nos dias claros. Logo o sol irá se pôr.

Sentados no banco estão Charlotta, Iacha e Duniacha; Epikhodov, de pé ao seu lado, toca violão.Todos o ouvem, em devaneios. Na cabeça de Charlotta um velho chapéu caçador; ela tira uma espingarda do ombro e se ocupa com a fivela da correia.

CHARLOTTA (com ar meditativo) Não tenho nem mesmo um registro de nascimento...Nem sei ao certo a minha idade, sempre me parece que ainda sou pequenina. Quando era menina percorria com meus pais as feiras de todo o país, e fazíamos apresentações muito boas. Eu dava saltos mortais e fazia todo tipo de truques de mágica. Quando meus pais morreram eu fui recolhida por uma senhora alemã que começou a me educar. Está bem. Cresci e tornei-me instrutora. De onde venho - não sei. Quem eram meus pais, talvez nem fossem casados...não sei_. (Tira do bolso um pepino e começa a mastigá-lo.)_ Não sei nada... (Pausa) Gostaria tanto de poder ter uma longa conversa com alguém...mas quem seria esse alguém? Não tenho ninguém neste mundo.

EPIKHODOV (toca o violão e canta) “O mundo pode desabar sobre mim, nada me importa...” Como é agradável tocar bandolim.

DUNIACHA É apenas um violão, e não um bandolim. (Olha-se no espelho e passa pó-de-arroz no rosto.)

Está vindo alguém... decerto são os senhores... (Duniacha o abraça impetuosamente.) Vá para casa agora mesmo e faça como se tivesse ido banhar-se no rio... Vá por esse atalho, para que não a vejam. Eles podem pensar que tive um encontro marcado consigo, e eu não gostaria disso.

DUNIACHA (tossindo de leve) Acho que a fumaça do seu charuto me deu dor de cabeça... (Sai. Iacha fica sozinho, senta-se no banco junto à capelinha.)

Vêm Liubov Andreievna, Gaiev e Lopakhin.

LOPAKHIN Está mais que na hora de tomar uma decisão. O tempo não espera. Querem o loteamento ou não querem? Preciso de uma resposta o mais breve possível: sim ou não? Apenas uma palavra!

LIUBOV ANDREIEVNA Quem fuma charutos tão horríveis aqui? (Senta-se.)

GAIEV É mesmo bem conveniente o trem passar tão perto daqui_. (Senta-se.)_ Se quisermos ter um bom almoço, basta nos sentarmos numa cabine; o trem só para na cidade... uma bola da vez, depois uma numerada... De bom grado iria agora para casa e jogaria uma partidinha...

LIUBOV ANDREIEVNA Tem tempo...

LOPAKHIN Apenas uma palavra! (Com voz suplicante.) Por favor, uma resposta!

GAIEV (boceja) O quê?

LIUBOV ANDREIEVNA (olhando dentro da bolsa) Ontem a minha bolsa ainda estava cheia de dinheiro e hoje de novo se esvaziou... A pobre Vária economiza, só nos serve sopa de leite, a criadagem come

dia após dia ervilha seca... E eu esbanjo o dinheiro, como uma tonta. (Deixa cair a bolsa, as moedas de ouro se espalham pelo chão.) Agora esse restinho rola pelo chão! (Está aborrecida.)

IACHA Se me permite, vou catá-las. (Apanha o dinheiro.)

LIUBOV ANDREIEVNA Obrigada, Iacha... Que sentido tinha tudo isso...ir à cidade só para almoçar. E ainda por cima num lugar tão miserável... a musica estava sofrível, a toalha da mesa cheirava a sabão barato... Para que comer tanto, Lionia? Para que comer? E para que falar tanta tolice?... No restaurante, de novo, você andou falando a torto e a direito coisas sem nenhum propósito, sobre os anos 70 e os decadentes... e para quem? Deu uma aula aos garçons sobre a poesia dos decadentes!

LOPAKHIN Sim!

GAIEV (faz um gesto com a mão) Pois é, sou incorrigível. Parece ...(A Iacha, irritado.) E você, o que faz aqui? Não sai da minha frente!

IACHA (ri com descaramento) Peço-lhe perdão, mas basta eu ouvir a sua voz e desato a rir...

GAIEV (a irmã) Peço-lhe que escolha: ou eu ou ele...

LIUBOV ANDREIEVNA Iacha, vá embora, por favor.

IACHA (devolve-lhe a bolsa) Já vou... (Mal consegue controlar o riso.) Estou indo_. (Sai)_

LOPAKHIN O ricaço Deriganov está interessado na propriedade, dizem que virá pessoalmente ao leilão.

LIUBOV ANDREIEVNA E como o senhor sabe disso?

LOPAKHIN Comenta-se na cidade.

GAIEV A tia de Iaroslavl prometeu mandar o dinheiro... Mas quando e quanto, ainda não sei.

LOPAKHIN Mas quanto ela poderá mandar? Cem mil? Duzentos mil?

LIUBOV ANREIEVNA Ora! Se mandar dez ou quinze mil já lhe seremos agradecidos.

LOPAKHIN Perdoem-me, mas gente tão leviana como os senhores, tão estranha e pouco prática, eu nunca vi. Expliquei-lhes com bastante clareza, sem deixar dúvidas, que a sua propriedade será leiloada... e parece que isso não entrou na cabeça dos senhores...

LIUBOV ANDEIEVNA Mas o que podemos fazer? Aconselhe-nos!

LOPAKHIN Dia após dia não faço outra coisa senão dar-lhes conselhos. Dia após dia falo e falo, cem vezes a mesma coisa. O jardim das cerejeiras e a gleba à beira do rio devem ser loteados e alugados aos veranistas, e agora mesmo, sem perda de tempo. O leilão está muito próximo! Compreendem?! Assim que se decidirem de vez pelo loteamento o dinheiro começará a jorrar sem parar, e os senhores estarão salvos!

LIUBOV ANDEIEVNA Casas de veraneio, veranistas – perdoe-me, mas isso é algo tão vulgar!...

GAIEV Estou totalmente de acordo com você, mana!

LOPAKHIN Ouvindo isso tenho vontade de chorar ou de quebrar tudo, ou de ter um ataque! Não posso mais! Vocês me atormentam_. (A Gaiev.)_ O senhor... O senhor não passa de uma velha!

GAIEV O que está dizendo?

LOPAKHIN Uma velha! (Quer se retirar.)

LIUBOV ANDREIVNA (assustada) Não vá! Fique aqui, querido... peço- lhe! Talvez encontremos uma solução.

LOPAKHIN Mas que outra solução?

LIUBOV ANDREIEVNA Não vá embora, peço-lhe! A sua presença me tranqüiliza, fico mais alegre... (Pausa.) Estou sempre temendo algo... algo terrível... como se a casa estivesse prestes a desabar sobre as nossas cabeças.

GAIEV (mergulhado em pensamentos) Direto na caçapa do canto...

LIUBOV ANDREIEVNA Esse é o castigo pelos nossos grandes pecados.

LOPAKHIN E que pecados podem os senhores ter?

GAIEV (põe uma bala na boca) Sobre mim dizem que engoli toda a fortuna em balas.

LIUBOV ANDREIEVNA Oh, os meus pecados! Sempre esbanjei dinheiro como uma doida... Casei-me com um homem que só soube fazer dívidas e morreu de tanto beber champanhe... Depois veio um outro... nada melhor. O primeiro castigo foi a morte de meu filhinho... foi como de eu tivesse levado um golpe na cabeça... Fugi às cegas para bem longe...para o estrangeiro... Não queria ver esse rio que roubou meu filhinho... mas esse homem me seguiu, desapiedada e brutalmente. E quando adoeceu, comprei a casa de campo perto de Menton e cuidei dele. Durante três anos não tive descanso dia e noite, ele me deixou esgotada, e a minha alma secou. Até que no ano passado, quando as muitas dívidas me obrigaram a vender a casa, mudamos para Paris... e aquele homem pilhou-me todo o dinheiro que ainda me restava... depois o miserável me abandonou e foi viver com outra mulher. Então quis me suicidar... É tão tolo, tão vergonhoso... E de repente a saudade se abateu sobre mim. Voltar para casa, para a Rússia, para a minha querida filhinha... (Enxuga as lágrimas.) Oh, meu Deus, meu Deus, tenha misericórdia, perdoe os meus inúmeros pecados. Não me

FIRS (não ouviu bem) Digo o mesmo, a gente sabia quem era o camponês e quem era o senhor. Agora está tudo misturado, não se entende nada.

GAIEV Cale a boca, Firs! Amanhã devo ir de novo à cidade. Serei apresentado a um general, talvez ele me dê dinheiro contra uma promissória.

LOPAKHIN Não acredito. O senhor não conseguirá pagar os juros com isso, tenho certeza.

LIUBOV ANDREIEVNA Está delirando. Esse general nem existe!

Vem Trofimov, Ánia e Vária.

GAIEV Olhe a juventude chegando!

ÁNIA Mãezinha está aqui sentada no banco!

LUBOV ANDREIEVNA (com ternura) Venham, venham, minhas queridas! (Abraça Ánia e Vária.) Se soubessem quanto as amo. Sentem-se aqui junto de mim, assim! (Todos se sentam.)

LOPAKHIN O nosso eterno estudante prefere sempre a companhia das senhoritas.

TROFIMOV Não é da sua conta!

LOPAKHIN Daqui a pouco fará cinqüenta anos e é ainda estudante.

TROFIMOV Guarde as piadas de mau gosto para si mesmo.

LOPAKHIN Por que está zangado, seu parvo?

TROFIMOV Deixe-me em paz!

LOPAKHIN (dá uma gargalhada) Permita-me perguntar-lhe, que opinião o senhor tem a meu respeito?

TROFIMOV A seu respeito? Bem se quiser saber, Iermolai Aleskêievitch, é a seguinte: o senhor é um homem rico, logo mais será milionário. E assim como no metabolismo da natureza é necessário uma fera para devorar tudo o que atravessa o seu caminho, assim também o senhor é necessário .(Todos riem.)

VÁRIA Pétia, melhor seria se nos falasse sobre a vida das estrelas.

LIUBOV ANDREIEVNA Não, prefiro que retomemos o tema de ontem.

TROFIMOV Sobre o que falávamos?

GAIEV Sobre o homem orgulhoso.

TROFIMOV Falamos muito, sem chegar a conclusão alguma... Segundo a sua idéia, existe algo místico no homem orgulhoso. Talvez, a seu modo, os senhores possam ter razão, mas se refletirmos sobre o assunto sem complicações nem rodeios, com simplicidade e bom senso

  • como se pode falar de orgulho e, de resto, que sentido pode ter isso, se o corpo humano é imperfeito, se a maioria dos homens é grosseira e profundamente infeliz! Não fiquemos tão encantados conosco mesmos. Melhor seria trabalhar.

GAIEV De qualquer modo, no fim todos morreremos.

TROFIMOV Quem sabe... E além do mais o que significa morrer? Talvez o homem tenha cem sentidos, dos quais a morte só consiga destruir cinco e os restantes noventa e cinco continuem funcionando.

LIUBOV ANDREIEVNA O senhor é um homem tão instruído, Pétia!

LOPAKHIN (irônico) Dá até medo!

TROFIMOV A humanidade progride e aperfeiçoa cada vez mais suas potencialidades. O que hoje ainda lhe é inalcançável, algum dia dominará, mas até lá é necessário trabalhar, pois só assim é possível atingir a meta proposta. E temos de ajudar com todas as forças aqueles que procuram a verdade... Na nossa Rússia só poucos trabalham. A grande maioria da inteligentzia que eu conheço não está à procura de nenhuma verdade, não faz nada, e por enquanto está incapacitada para o trabalho. Chamam a si mesmos de inteligentzia mas tuteiam os criados e tratam os camponeses como animais. Sua cultura é superficial, não lêem nada a sério, sobre a ciência só sabem falar, e não têm nenhum sentimento para com as artes... Aqui todos têm ares de importância, fazem cara séria, filosofam e discursam sobre temas elevados, enquanto os trabalhadores se alimentam como animais, dormem sem travesseiro, trinta ou quarenta num quarto, em meio à sujeira e ao mau cheiro, e por toda parte há vermes, imundície, putrefação moral! Os belos discursos e as palavras bonitas só servem para enganarmos os outros e a nós mesmos... Mostrem-me as creches, as bibliotecas populares de que tanto se fala! Só existem nos romances, na realidade onde estão? O que há é somente sujeira, vileza, herança asiática... Eu temo as caras excessivamente graves e os discursos sobre assuntos demasiado profundos, não gosto deles... Melhor seria permanecermos calados!

LOPAKHIN Pois veja então: levanto-me às cinco da madrugada, trabalho da manhã até tarde da noite, muito dinheiro passa pelas minhas mãos, meu e de outros, e por isso eu vejo com bastante clareza como são as pessoas. Basta começar a fazer alguma coisa e logo qualquer um se dará conta de como são poucas as pessoas decentes e honradas. Quando não consigo dormir à noite me ponho a pensar: “Meu bom Deus nas alturas, o Senhor nos deu florestas enormes, terras sem fim, campos imensos, mas a nós, homens, que vivemos no centro de tudo, não nos criou gigantes condizentes com isso!”

LIUBOV ANDREIEVNA Você gostaria de ver gigantes à sua volta, mas eles são bons só nos contos infantis; na vida real nos assustam. (Pelo fundo Epikhodov atravessa a cena, toca violão.)

LIUBOV ANDREIEVNA (pensativa) Lá vai Epikhodov com o seu violão...

ÁNIA (pensativa) Epikhodov com o seu violão...

GAIEV Senhoras e senhores, o sol se pôs...

TROFÍMOV Sim.

GAIEV ( em voz baixa, como se declamando ) Ó natureza, maravilhosa natureza! Você brilha com eterno resplendor, cheia de beleza e dignidade silenciosa, e nós a chamamos de mãe. Vida e morte estão juntas em você, que nos alimenta e destrói por igual...

VÁRIA (com voz suplicante) Titio!

ÁNIA Ai, tio, de novo?

TROFÍMOV O senhor faria melhor se encaçapasse uma numerada no canto....

GAIEV Tudo bem, tudo bem. Já estou calado... Todos permanecem sentados, com ar pensativo. Reina o silêncio, ouvem-se apenas os resmungos de Firs. De repente chega de longe um som, como que vindo do céu. Ressoa triste e agonizante como a corda de um instrumento ao romper-se.

LIUBOV ANDREIEVNA O que foi isso?

LOPAKHIN Não sei o que pode ter sido. Talvez em alguma mina uma caçamba tenha se desprendido. Mas deve ter sido um bocado longe.

GAIEV Pode ter sido um pássaro... uma garça ou uma grua...

TROFIMOV Ou alguma coruja...