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Conceito e eficácia da confusão no Direito das obrigações, Notas de aula de Direito

Este documento discute o conceito de obrigação no contexto do fenômeno jurídico da confusão no direito das obrigações, abordando problemas teóricos e práticos relacionados a esta figura. Além disso, analisa a eficácia da confusão em diferentes situações, como confusão na mesma pessoa do credor e devedor, confusão em relação a terceiros e confusão em obrigações indivisíveis.

O que você vai aprender

  • Como a eficácia da confusão é regulamentada no Direito cambiário?
  • Quais são os problemas teóricos e práticos relacionados à figura da confusão no Direito das obrigações?
  • Como é definido o conceito de obrigação no contexto da confusão no Direito das obrigações?
  • Quais são os efeitos da confusão em virtude de cessão de crédito?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Ano 4 (2018), nº 5, 1175-1231
O INSTITUTO DA CONFUSÃO NO DIREITO
COMPARADO DAS OBRIGAÇÕES
Marcel Moraes Mota
Sumário: I. Introdução. II. Noção. III. Direito francês. IV. Di-
reito alemão. V. Direito italiano. VI. Direito português. VII. Di-
reito brasileiro. VIII. Síntese comparativa. IX. Natureza jurídica
da confusão. X. Conclusão. Referências
Resumo: Este trabalho procura investigar o instituto da confusão
à luz do Direito comparado, a fim de determinar sua eficácia na
situação jurídica obrigacional. Ao examinar diferentes ordens
jurídicas, reuniremos elementos adequados, que nos permitem
definir a natureza jurídica do instituto em estudo. Para nossa pes-
quisa comparativa, escolhemos os Direitos francês, alemão, ita-
liano, português e brasileiro. Serão examinados: a) regime legal;
b) eficácia; c) casos subjetivamente complexos; d) cessação; e)
proteção de interesses de terceiros. Determinaremos se, bem
como em que circunstâncias, a confusão extingue a obrigação, o
que é importante para fins práticos e teóricos. Verificamos que
os sistemas jurídicos ora comparados têm regime semelhante
quanto à confusão, apesar das diferentes técnicas legislativas.
Pensamos que é correto definir a confusão como causa tenden-
cialmente extintiva da obrigação, sem prejuízo do possível efeito
modificativo.
Palavras-Chave: Confusão; Obrigação; Direito comparado; Di-
reito português; Direito brasileiro; Direito alemão; Direito
Professor de Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Romano, Hermenêutica
Jurídica e Conceitos Jurídicos Fundamentais do Centro Universitário Farias Brito (FB
UNI). Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis,
pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela
Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Direito pela UFC. Advogado.
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Ano 4 (2018), nº 5, 1175- 1231

O INSTITUTO DA CONFUSÃO NO DIREITO

COMPARADO DAS OBRIGAÇÕES

Marcel Moraes Mota

Sumário: I. Introdução. II. Noção. III. Direito francês. IV. Di- reito alemão. V. Direito italiano. VI. Direito português. VII. Di- reito brasileiro. VIII. Síntese comparativa. IX. Natureza jurídica da confusão. X. Conclusão. Referências Resumo: Este trabalho procura investigar o instituto da confusão à luz do Direito comparado, a fim de determinar sua eficácia na situação jurídica obrigacional. Ao examinar diferentes ordens jurídicas, reuniremos elementos adequados, que nos permitem definir a natureza jurídica do instituto em estudo. Para nossa pes- quisa comparativa, escolhemos os Direitos francês, alemão, ita- liano, português e brasileiro. Serão examinados: a) regime legal; b) eficácia; c) casos subjetivamente complexos; d) cessação; e) proteção de interesses de terceiros. Determinaremos se, bem como em que circunstâncias, a confusão extingue a obrigação, o que é importante para fins práticos e teóricos. Verificamos que os sistemas jurídicos ora comparados têm regime semelhante quanto à confusão, apesar das diferentes técnicas legislativas. Pensamos que é correto definir a confusão como causa tenden- cialmente extintiva da obrigação, sem prejuízo do possível efeito modificativo. Palavras-Chave: Confusão; Obrigação; Direito comparado; Di- reito português; Direito brasileiro; Direito alemão; Direito  (^) Professor de Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Romano, Hermenêutica Jurídica e Conceitos Jurídicos Fundamentais do Centro Universitário Farias Brito (FB UNI). Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis, pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito (Ordem Jurídica Constitucional) pela Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Direito pela UFC. Advogado.

_ 1176 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 francês; Direito italiano. Abstract: This paper seeks to investigate the union of the quali- ties of creditor and debtor in the same person in the light of com- parative law, in order to establish its efficacy in obligation. By inquiring different legal systems, we will gather appropriate el- ements that allow us to define the legal of the institute under study. For our comparative research, we chose French, German, Italian, Portuguese and Brazilian legal systems. It will be exam- ined: a) legal regime; b) efficacy; c) subjectively complex cases; d) cessation; e) protection of third party interests. We shall de- termine if and under what circumstances such union of qualities extinguish the obligation, which matters for practical and theo- retical purposes. We found that the legal systems now compared have similar regime, despite of different legislative techniques. We think it is correct to define the union studied as a cause tend- ing to the extinction of obligation, which does not exclude the possible modifying effect. Keywords: Union of the qualities of creditor and debtor; Obli- gation; Comparative Law; Portuguese Law; Brazilian Law; Ger- man Law; French Law; Italian Law. I. INTRODUÇÃO

ste artigo tem por objetivo investigar o instituto da confusão, na perspectiva comparatística, a fim de determinar sua eficácia na situação jurídica obri- gacional. O método da comparação dos Direitos tem a virtude de tornar mais amplo o referencial normativo do fenômeno obrigacional considerado, avançando-se

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_ 1178 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 de extinção da obrigação, como causa de paralisação do crédito, ou como fato jurídico modificador da situação jurídica obrigaci- onal. Se a obrigação está extinta, liberam-se os fiadores, não interessa mais a prescrição. Se o crédito, em virtude da confusão, está neutralizado, a prescrição não corre, mas pode voltar a cor- rer, uma vez desfeita a situação que causou a confusão. A mera modificação, por sua vez, indica que o crédito não foi extinto.

  1. O desenvolvimento deste trabalho começa com uma noção sobre a confusão, ocasião oportuna para proceder a uma aproximação ao conceito de obrigação. Posteriormente, trataremos da confusão nas distintas or- dens jurídicas já mencionadas. Em seguida, cuidaremos da síntese comparativa, formu- lando um juízo de semelhanças e diferenças encontradas quanto aos sistemas em cotejo. Após a síntese comparativa, cabe enfrentar o tema da na- tureza jurídica da confusão. Por fim, a título de conclusão, apresentamos, de forma resumida, os resultados fundamentais desta investigação, que di- zem respeito à comparação jurídica e à eficácia da confusão no âmbito obrigacional. II. NOÇÃO
  2. A obrigação, de acordo com o artigo 397º do Código Civil português, consiste no “vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação”.^3 (^3) Sobre uma definição pessoalista de obrigação, v. Friedrich Karl von SAVIGNY. Sys- tem des heutigen Römischen Rechts. v. I. Berlin: Veit, 1840, pp. 338-339. SAVIGNY refere-se a duas formas de relação obrigacional ( Schuldverhältnis ). A primeira relação seria de sujeição de uma pessoa a outra de forma semelhante a uma coisa (p. 338). A segunda possibilidade é concebida sem destruição ( Zerstörung ) da liberdade, “assim o domínio tem que ser obtido não sobre a outra pessoa como um todo, mas somente

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1179 _ Conforme Menezes Cordeiro, a obrigação, no sentido do artigo 397º, é caracterizada como situação jurídica complexa, plurissubjetiva e compreensiva.^4 É situação jurídica complexa, porque envolve situações jurídicas contrapostas. O credor é titular de direito subjetivo, uma situação jurídica ativa, a que corresponde o dever de reali- zar a prestação, situação jurídica passiva do devedor. A plurissubjetividade da situação jurídica obrigacional é decorrência da relatividade do vínculo jurídico obrigacional, que pressupõe, pelo menos, um credor e um devedor. O caráter compreensivo da obrigação resulta de sua for- mação histórico-cultural, que remonta ao Direito romano.^5 Nas Institutiones , define-se: “obrigação é o vínculo jurídico, pelo qual somos necessariamente adstritos a pagar a alguém uma coisa, segundo o Direito de nossa cidade”^6. Parece-nos que a concepção de obrigação expressa no ar- tigo 397º do Código Civil português oferece, claramente, rele- vante ponto de partida para uma reflexão mais apurada em torno do conceito de situação jurídica obrigacional. Não é, em todo caso, tarefa do legislador fixar conceitos, sobre sua ação individual; essa ação será então como removida da liberdade do agente e considerada submetida à nossa vontade” (p. 339). Traduzimos. No original: “ so muss die Herrschaft nicht auf die fremde Person im Ganzen, sonder nur auf seine einzelne Handlung derselben bezogen werden; diese Handlung wird dann, als aus der Freiheit des Handelnden angeschieden, und unserm Willen unterworfen gedacht ”. (^4) António MENEZES CORDEIRO. Tratado de direito civil: introdução, fontes do direito, interpretação da lei, aplicação das leis no tempo, doutrina geral. v. I. 4. ed. reformu- lada e actualiz. Coimbra: Almedina, 2016, pp. 864- 8 70. (^5) Cfr. António MENEZES CORDEIRO. Tratado de direito civil: direito das obrigações. v. VI. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2012, pp. 23-48, Peter BIRKS. The Roman law of obligations. Oxford: Oxford University Press, 2014, pp. 2-5. (^6) I. 3. 13. pr. Traduzimos. No original: “ obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis iura ”. Massimo BRU- TTI. Il diritto privato nell’antica Roma. 3. ed. Torino: Giappichelli, 2015, p. 426, “A ideia de vínculo assim enunciada é perfeitamente referível às relações obrigacionais, as quais se configuram nos direitos civis modernos”. Traduzimos. No original: “ L’idea di vincolo così enunciata è perfettamente riferibile ai rapporti obbligatori, quali si configurano nei diritti civili moderni ”.

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1181 _ das obrigações, com a consolidação, instituto do Direito das coi- sas.^10 Há consolidação quando se reúnem, em uma pessoa, di- reito real limitado e propriedade, de sorte a compor-se domínio exclusivo sobre a coisa. Situações concretas de confusão podem resultar de atos jurídicos entre vivos, ou em razão da extinção de um dos titula- res das situações jurídicas. Assim, por exemplo, se o devedor, em virtude de cessão de crédito, torna-se cessionário da própria quantia que deveria pagar, ocorrerá a confusão na data do vencimento. Se, v.g. , o devedor é único herdeiro de seu credor, que deixou bens e não tinha dívidas, verificar-se-á a confusão, após o pagamento do imposto sucessório. Na seara empresarial, exemplos de confusão podem ser vislumbrados na operação de fusão da sociedade cre- dora com a sociedade devedora, ou na incorporação de uma das sociedades em questão por outra. Debate-se, no plano doutrinário, a eficácia da confusão. Por exemplo, Vaz Serra alude ao problema da caracteri- zação da confusão como modalidade de extinção da obrigação, ou como instituto que apenas paralisa a pretensão, já que nin- guém pode deduzir ação contra si mesmo.^11 A querela é antiga e dividia juristas romanos.^12 O deslinde da questão não é óbvio, tampouco carece de repercussão prática, haja vista que a confusão pode afetar (^10) Ver, v.g. , Mário Júlio de ALMEIDA COSTA. Direito das obrigações. 12. ed. rev. e act. Coimbra: Almedina, 2016, p. 1117. Há consolidação, por exemplo, quando se reúnem, na mesma pessoa, usufruto e propriedade. (^11) Adriano Pais da Silva VAZ SERRA. Dação em cumprimento, consignação em depó- sito, confusão e figuras afins: estudo de política legislativa. Lisboa: [s/n], 1954, p.

(^12) Artur MARQUES DA SILVA. Confusão. In: Renan LOTUFO; Giovanni ETTORE NANNI (Coord). Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011, p. 518, “A doutrina não é pacífica (e nem os romanos foram) no tocante à influência da confusão na relação obrigacional. Alguns doutrinadores se filiam aos Sabinianos e outros aos Proculeianos. Enquanto que os primeiros entendem que a confusão extingue a dívida, a obrigação, ou a ação, os últimos entendem que a confusão apenas fá-la adormecer, isto é, impede o exercício da dívida, da obrigação, da ação”.

_ 1182 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 legítimos interesses de terceiros, ou da própria pessoa em que se reuniram as situações contrapostas da obrigação. Os casos mais simples de confusão decorrem da reunião, em uma pessoa, na mesma obrigação, das qualidades de credor e devedor, sem que haja outros credores e devedores. Nessas hi- póteses, observa-se a confusão total. Diante de obrigações com pluralidade de sujeitos, sejam solidárias, sejam obrigações indivisíveis, pode ocorrer a confu- são parcial. Ademais, impende indagar quais devem ser as conse- quências jurídicas da cessação da confusão. Começaremos a examinar essas questões a partir do Có- digo Civil de cada ordem jurídica, apresentando elementos dou- trinais e jurisprudenciais. Realizada a síntese comparativa, poderemos firmar posi- ção, como propusemos acima, quanto à natureza da confusão. Nas próximas seções, cumpre discorrer acerca dessas questões, à luz dos Direitos francês, alemão, italiano, português e brasileiro. III. DIREITO FRANCÊS

  1. O Código Civil francês, desde o início de sua vigência, trata da confusão em capítulo relativo à extinção das obrigações. Por mais de dois séculos, nos artigos 1300 e 1301. Por força da Ordonnance n.º 2016/131^13 , a matéria passou a ser regulada nos (^13) No JORF nº 0035, de 11 de fevereiro de 2016, texto nº 25, disponível em www.le- gifrance.gouv.fr, afirma-se que “As regras do Código Civil sobre confusão foram re- escritas em um objetivo de clarificação, mas as soluções de direito positivo estão inal- teradas”. Traduzimos. No original: “ Les règles du code civil sur la confusion ont été réécrites dans un objectif de clarification mais les solutions du droit positif sont in- changées ”. O mérito clarificador da reforma do Code Civil é reconhecido por António MENEZES CORDEIRO. A reforma francesa do Direito das obrigações (2016). Revista de Direito Civil, Coimbra, ano II, nº 1, pp. 9-29, 2017, p. 28, que prevê: “afigura-se-nos que a influência francesa nas áreas do Direito privado vai ser ampliada: os novos tex- tos são muito claros, servindo para ilustrar diversas categorias civis”.

_ 1184 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 “obstáculo à execução da obrigação”^20 , “acarreta um tipo de im- possibilidade de execução”^21 , “é menos uma causa de extinção da obrigação do que um obstáculo à sua execução”^22 , “faz desa- parecer a relação jurídica”^23. Conclui-se que, possuindo natureza de impossibilidade de execução, a confusão não é, verdadeiramente, uma causa de extinção das obrigações.^24 Destaca-se, por outro lado, que a confusão implica “ex- tinção da dívida”^25 sem pagamento. De forma menos contun- dente, ressalta-se que a confusão tem efeito de extinção da obri- gação, porém “é necessário nuançar esse efeito extintivo”^26. Além disso, assevera-se que a confusão tem efeito extin- tivo relativo, concernente às partes da obrigação.^27 Na mesma linha, sustenta-se que a confusão “não extingue de maneira ab- soluta o direito que ela afeta”^28. Concentradas em uma pessoa as posições de credor e de- vedor da mesma obrigação, desaparece, obviamente, o vínculo p. 484. Traduzimos. No original: “ impossibilite d’exécution ”. (^20) Henri MAZEAUD ; Léon MAZEAUD; Jean MAZEAUD. ob. cit., p. 1054. Traduzimos. No original: “ obstacle à l’exécution de l’obligation ”. (^21) Alex WEILL. Droit civil: les obligations. Paris: Dalloz, 1971, p. 972. Traduzimos. No original: “ entraîne une sorte d’impossibilité d’exécution ”. (^22) Ambroise COLIN; Henri CAPITANT. Traité de droit civil: obligations, théorie gé- nérale, droits réels principaux. v. II. Paris: Dalloz, 1959, p. 879. Traduzimos. No original: “ est moins une cause d’extinction de l’obligation qu’un obstacle à son exécu- tion ”. (^23) Georges RIPERT. Traité de droit civil d’aprés le traité de Planiol: obligations, droits réels. v. II. Paris: LGDJ, 1957, p. 697. Traduzimos. No original: “ fait disparaître le rapport juridique ”. (^24) Alex WEILL. ob. cit., p. 972, “não há uma verdadeira extinção”. Traduzimos. No original: “ il n’y a pas une vraie extinction ”. (^25) Alain BÉNABENT. Droit des obligations. 15. ed. Paris: LGDJ, 2016, p. 636. (^26) Rémy CABRILLAC. Droit des obligations. 12. ed. Paris: Dalloz, 2016, p. 420. (^27) Nicolas DISSAUX; Christophe JAMIN. Réforme du droit des contrats, du régime gen- eral et de la preuve des obligations (Ordonnance nº 2016-131 du 10 février 2016): commentaire des articles 1100 à 1386-1 du code civil. Paris: Dalloz, 2016, p. 225. (^28) Pascal ANCEL et al. Code civil annoté. 116. ed. Paris: Dalloz, 2017, p. 1879. Traduzimos. No original: “ n’éteint pas d’une manière absolue le droit qu’elle con- cerne ”.

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1185 _ intersubjetivo, que pressupõe pelos menos dois sujeitos. Do ponto de vista prático, a pessoa em que se reuniram as qualida- des de credor e devedor não tomará qualquer medida de co- brança em face de si mesma. Ainda assim, remanesce a indagação se a confusão im- plica a extinção da obrigação, ou se apenas paralisa a pretensão, subsistindo o elemento objetivo do vínculo interpessoal desfeito. A discussão dos efeitos da confusão pode parecer bizan- tina, sem reflexos práticos, mas não é o caso.^29 Colhem-se, na jurisprudência francesa, relevantes elementos empíricos que aju- dam a elucidar a questão. Em clássico aresto, a Cour de Cassation reconheceu a adquirente de imóvel, do qual era locatário, o direito à prorroga- ção legal do contrato, contra interesse de terceiro, com quem o alienante, quanto ao mesmo imóvel, havia celebrado arrenda- mento.^30 Ora, ao comprar o imóvel, o locatário se tornou proprie- tário, verificando-se a confusão, na medida em que passou a ocu- par os dois polos da situação jurídica contratual. Nos termos da decisão do tribunal superior francês, a superveniência da confu- são não retira o direito do outrora locatário a continuar no imó- vel, em razão da aludida prorrogação legal. Dessa forma, a Corte de Cassação manteve os efeitos do antigo contrato de locação, mesmo desaparecida a alteridade do vínculo contratual. Cabe extrair da decisão o princípio de que a confusão não deve prejudicar direito adquirido, de que é titular a pessoa em que se juntam as qualidades de credor e devedor, contra tercei- ros. O caso do arrendatário que se tornou proprietário, sem perder o direito à prorrogação do contrato de arrendamento, (^29) No mesmo sentido, v. Henri MAZEAUD; Léon MAZEAUD; Jean MAZEAUD. ob. cit., p. 1054. (^30) Alex WEILL. ob. cit., p. 972, julgado de 11 de maio de 1926.

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1187 _ de extinção da obrigação. No exemplo da pessoa que adquire crédito contra si mesma, sobre o qual terceiro tem garantia, a interpretação literal do art. 1349 conduz a distintas consequências jurídicas, uma para o adquirente, outra para o terceiro. Sob o prisma do adquirente, opera-se a extinção do cré- dito. Na perspectiva do terceiro, a confusão não afeta seu direito de garantia, que incide sobre o crédito. Por um lado, há extinção do crédito. Por outro, não. Como pode um crédito, ao mesmo tempo, extinguir-se e manter-se? Em termos de lógica formal, a contradição é mani- festa. Avulta a insuficiência do elemento literal da interpretação. Em termos jurídicos, é possível argumentar que o artigo 1349, ao proteger expressamente direitos a favor ou contra ter- ceiros, resolve, de forma satisfatória, as questões práticas que não eram devidamente contempladas pelo antigo artigo 1300. Bastaria reconhecer que a eficácia extintiva da obrigação tem caráter relativo, verifica-se em face daquele em que se reú- nem as condições de credor e devedor, sem prejuízo de posições jurídicas adquiridas a favor ou contra terceiros. Perderia, dessa maneira, relevância concreta a diferenciação entre extinção da obrigação e paralisação da pretensão. Trata-se de solução acei- tável? Em nosso entendimento, a chamada eficácia relativa da extinção não é uma noção precisa. Ou o crédito é extinto, ou não é. Melhor seria examinar a eficácia extintiva sob o prisma da utilidade da manutenção do crédito. Desse aspecto trataremos adiante.

  1. Sobre as hipóteses de solidariedade passiva e ativa, dispõe o artigo 1349- 132 que a confusão somente afeta a parte (^32) Art. 1349 - 1, primeira parte: “Quando há solidariedade entre vários devedores ou entre vários credores, e a confusão somente concerne a um deles, a extinção somente tem lugar, quanto aos demais, na parte dele”. Traduzimos. No original: “ Lorsqu'il y a solidarité entre plusieurs débiteurs ou entre plusieurs créanciers, et que la confusion ne concerne que l'un d'eux, l'extinction n'a lieu, à l'égard des autres, que pour sa

_ 1188 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 daquele em que se realizou a confusão. Com isso, a novo dispo- sitivo corrige omissão do antigo artigo 1301^33 , cujo texto não fazia referência à solidariedade ativa. Então, por exemplo, se há três devedores solidários e um deles sucede o credor, operando-se a confusão, deve-se abater do montante da dívida a parte do devedor que virou credor, que corresponde a um terço do débito, salvo disposição em contrário. Havendo, v.g. , dois credores solidários e um deles é su- cedido por um dos dois devedores, ocorrendo a confusão, o dé- bito cairá pela metade, ressalvada disposição contrária. A segunda parte do artigo 1349-1 trata das obrigações garantidas por fiança. Regula três situações: a) confusão na pes- soa do devedor de obrigação afiançada; b) reunião, na mesma pessoa, das qualidades de devedor e fiador; c) confusão na pes- soa de um dos fiadores solidários. Quando a confusão atinge a obrigação afiançada, o fia- dor, em princípio, fica liberado.^34 Trata-se de aplicação do prin- cípio de que o acessório segue a sorte do principal. Extinta a obrigação, extingue-se a fiança, salvo se a preservação de direito adquirido de terceiro exigir solução diversa. Se a confusão tem por objeto uma das fianças, o devedor principal não fica liberado.^35 Ora, o acessório segue a sorte do part ”. (^33) Artigo 1301, terceira parte: “A que se opera na pessoa do credor somente aproveita aos codevedores solidários na porção da qual era devedor”. Traduzimos. No original: “ Celle qui s'opère dans la personne du créancier, ne profite à ses codébiteurs solidai- res que pour la portion dont il était débiteur ”. (^34) Artigo 1349-1, segunda parte: “Quando a confusão concerne a uma obrigação afi- ançada, a fiança, mesmo solidária, é liberada (...)”. Traduzimos. No original: “ Lorsque la confusion concerne une obligation cautionnée, la caution, même solidaire, est libérée (...)”. Essa disposição normativa mantém, substancialmente, a disciplina da primeira alínea do antigo artigo 1301, segundo o qual “A confusão que se opera na pessoa do devedor principal aproveita às suas fianças”. Traduziu-se. No original: “ La confusion qui s'opère dans la personne du débiteur principal, profite à ses cautions ”. (^35) Artigo 1349-1, segunda parte: “(...) Quando a confusão concerne a obrigação de uma das fianças, o devedor principal não é liberado”. Traduzimos. No original: “ (...) Lorsque la confusion concerne l'obligation d'une des cautions, le débiteur principal n'est pas libéré ”. Reproduz-se o regime da segunda alínea do original artigo 1301,

_ 1190 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 da anulação ou de declaração de invalidade absoluta do fato que ensejou a confusão, cabe afirmar que a obrigação deve ser resta- belecida, afastando-se os efeitos da inválida extinção.^39

  1. Em face do exposto, podemos concluir que não há, na doutrina francesa, consenso acerca da natureza da eficácia da confusão na situação jurídica obrigacional. A circunstância de a confusão ser regulada em capítulo dedicado à extinção da obrigação é, em nosso entendimento, cla- ramente insuficiente para a definição de sua natureza jurídica.^40 Os casos citados da jurisprudência e a redação do novo artigo 1349, que protege expressamente os direitos contra ou a favor de terceiros, indicam a importância da análise das peculi- aridades do caso concreto, a fim de que se compreenda adequa- damente os efeitos do fenômeno da confusão. IV. DIREITO ALEMÃO
  2. O Código Civil alemão, ou BGB, não contém dispo- sitivos específicos sobre a confusão. Na seção destinada à extin- ção das obrigações, há dispositivos relativos ao cumprimento, à consignação em depósito, à compensação e à remissão. Encon- tram-se referências ao fenômeno da confusão em dispositivos que tratam das obrigações solidárias, bem como em artigos que integram o Livro do Direito das sucessões, que serão expostos logo mais. Baseia-se, então, na interpretação sistemática do BGB, o reconhecimento do instituto da confusão no Direito teutônico. O acúmulo, na mesma pessoa, das posições de credor e devedor é uma vicissitude da situação jurídica obrigacional, que pode decorrer de fatos entre vivos ou causa mortis , implica con- sequências jurídicas na vida das pessoas, que reclamam reflexão (^39) Nessa linha, v. Pascal ANCEL et al. ob. cit., p. 1880, nota 7, em que se encontra referência a julgado sobre a matéria pela 3ª Câmara Cível da Cour de Cassation , pro- ferido em 22 de junho de 2005. (^40) Ver item IX.

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1191 _ da doutrina alemã. Com efeito, define-se a confusão como “união total e fi- nal de direito e vinculação na mesma pessoa”^41 , de modo que se rompe o liame jurídico obrigacional. Trata-se da confusão total. No Livro relativo ao Direito das sucessões, como já anunciado, há referências ao fenômeno da confusão. Por exem- plo, o §1976 estabelece, para o fim de estabelecer os limites da responsabilidade dos herdeiros diante da cobrança de credores do de cujus , que não se consideram extintas as obrigações em virtude da reunião, na pessoa do herdeiro, das qualidades de cre- dor e devedor. A razão do aludido texto normativo reside em proteger o direito dos credores^42 , de modo que a confusão, sendo o caso, somente se opera depois que as dívidas cobradas tenham sido satisfeitas. Com isso, o dispositivo aponta pressupostos da confusão, precisamente a reunião das qualidades de credor e devedor, ou união das qualidades de direito e vinculação ( Vereinigung von Recht und Verbindlichkeit ), ainda que dela não trate especifica- mente. Ademais, o §1976 deixa entrever o efeito extintivo da confusão, que não ocorrerá quando houver patrimônios separa- dos, justamente a situação de que trata o referido texto norma- tivo.

  1. Colhemos da jurisprudência alemã o seguinte ex- certo: “Enquanto no Direito das obrigações vale o princípio ir- refutável, de que ninguém pode ter um crédito contra si mesmo”^43. Indagamos se se trata de questão de natureza lógica. (^41) Hans Theodor SOERGEL; Wolfgang SIEBERT. Bürgerliches Gesetzbuch: Schuldrecht I-1, §§ 241-432. v. II-1. 12. ed. Stuttgart: Kohhammer, 1990, p. 1741. Traduzimos. No original: “ Endgültige und vollständige Vereinigung von Recht und Verbindlichkeit in derselben Person ”. (^42) Otto PALANDT. Bürgerliches Gesetzbuch. 71. ed. München: Beck, 2012, p. 2224. (^43) BGH ( Bundesgerichtshof ), decisão proferida em 15.04.2010 (V ZR 182/09). Traduzimos. No original: “ Während im Schuldrecht der unumstößliche Grundsatz gilt, dass niemand gegen sich selbst eine Forderung haben kann ”. O inteiro teor pode

RJLB , Ano 4 (2018), nº 5________ 1193 _ sucessão, em virtude da confusão, no que diz respeito ao legado ( in Ansehung des Vermächtnisses ). Já o §2377, para o caso de compra da herança ( Erbscha- ftskauf ), na mesma linha dos dispositivos anteriores, dispõe que ressurgem as relações obrigacionais extintas em razão da confu- são, em decorrência da abertura da sucessão, no que se refere à relação entre alienante e alienatário. O afastamento do efeito extintivo da confusão, para além das regras de Direito das sucessões, também deve ser reconhe- cido na seara do Direito das garantias. A título de ilustração, unindo-se, na mesma pessoa, as qualidades de credor e devedor, o crédito, se for objeto de ga- rantia pignoratícia em favor de terceiro, deverá ser tratado como existente em face do titular do direito de penhor.^46 Enneccerus, além da garantia do penhor, menciona, v.g. , os direitos reais de usufruto e hipoteca. Em caso de união, na mesma pessoa, de direito e vinculação, havendo direito de usu- fruto sobre o crédito de terceiro, o autor salienta que o credor pignoratício manterá as mesmas faculdades, como se o crédito ainda existisse. Quanto à hipoteca, esclarece que, no ordena- mento alemão, independe da subsistência do crédito pessoal.^47 Em síntese, a ocorrência da confusão não deve prejudicar a esfera jurídica de terceiros, que têm direito adquirido sobre o crédito.^48

  1. E como se justifica, no plano teórico, a manutenção de direito de penhor, ou de direito de usufruto, sobre o crédito, em relação ao qual devedor e credor são a mesma pessoa? Para Enneccerus, a questão é resolvida a partir da (^46) Karl LARENZ. ob. cit. p. 270. (^47) Ludwig ENNECCERUS. Derecho de obligaciones. Tradução de Blas Pérez e José Al- guer. v. I. 11. ed. Barcelona: Bosch, 1933, pp. 371-372. (^48) No mesmo sentido, v. HANS BROX. Allgemeines Schuldrecht. 6. ed. München: Beck, 1977, p. 107, que esclarece: “O crédito não se extingue, contudo, então, se direitos de terceiros estão em jogo”. Traduzimos. No original: “ Die Forderung erlischt jedoch dann nicht, wenn Rechte Dritter im Spiel sind ”.

_ 1194 ________ RJLB , Ano 4 (2018), nº 5 compreensão dos direitos sobre direitos^49 , da ideia de que um direito pode ter por objeto um direito. Sustenta que os direitos sobre direitos “podem sobreviver ao direito objeto”^50. Logo, nessa perspectiva, ainda que reconhecido o efeito extintivo da confusão sobre o crédito em razão da confusão, não há óbice à manutenção de direitos de terceiro sobre o crédito, como nos exemplos de usufruto e penhor. O estabelecimento das exceções à eficácia extintiva da confusão, com fundamento na lei ou na concretização do fenômeno jurídico, tem ocorrido de forma satisfatória. O princí- pio da tutela dos direitos de terceiros contribui para elucidá-las. Já a elaboração teorética da confusão tem causado maio- res dificuldades. Não se trata de mero problema de lógica for- mal, como já indicado por Larenz. Então, não satisfaz afirmar que ninguém pode ser devedor de si mesmo, para dar por encer- rada a apreensão do fenômeno jurídico da confusão. Gernhuber assevera que os dispositivos do BGB, acima enunciados, têm caráter de ficção negativa, porque determinam que se considerem não extintas situações jurídicas obrigacionais atingidas pela confusão.^51 Ao apontar o caráter ficcional dos referidos dispositivos do Código Civil alemão, o mencionado autor expõe a solução artificial adotada pelo legislador, no intuito de harmonização sis- temática. No fundo, o problema da caracterização teórica da con- fusão, com os correspondentes reflexos de ordem prática, reside em justificar, em determinadas situações, a manutenção do ele- mento objetivo da situação jurídica obrigacional, quando haja desaparecido a estrutura relativa do vínculo intersubjetivo. Após denunciar a fragilidade das construções formalistas (^49) Ludwig ENNECCERUS. ob. cit. v. I. 11. ed. Barcelona: Bosch, 1933, pp. 371-372. (^50) Id. Derecho civil: parte general. Tradução de Blas Pérez e José Alguer. 13. ed. Barcelona: Bosch, 1934, p. 305. (^51) Joachim GERNHUBER. Die Erfüllung und ihre Surrogate. Tübingen: Mohr, 1983, p.