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Teoria da Imputação Objectiva em Direito Penal, Notas de aula de Direito

A teoria da imputação objectiva em direito penal é uma alternativa à causalidade, que surgiu com o objetivo de conter os excessos do dogma causal material e evitar a cadeia infinita antecedente de responsabilidade. Ela propõe a atribuição de responsabilidade objetiva ao agente, independentemente de dolo ou culpa, quando há a realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico. No brasil, esta teoria ainda é discutida, mas não depende de reforma do código penal para ser adotada, pois a constituição federal prevê o princípio da reserva legal.

O que você vai aprender

  • O que prevê a Constituição Federal brasileira sobre a teoria da imputação objectiva em Direito Penal?
  • A teoria da imputação objectiva em Direito Penal é adotada no Brasil?
  • Como surgiu a teoria da imputação objectiva em Direito Penal?
  • Qual é o objetivo da teoria da imputação objectiva em Direito Penal?
  • Como é definida a responsabilidade objetiva na teoria da imputação objectiva em Direito Penal?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Aquarela
Aquarela 🇧🇷

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O declínio do dogma causal
Fernando Capez
Promotor de Justiça – SP
Para Juarez Tavares, não se deve a Stuart Mill e Von Buri a primeira
formulação desta teoria, mas a Julius Glaser, em 1858. Von Buri teria apenas
introduzido a teoria na jurisprudência. Do mesmo modo, o critério da elimina-
ção hipotética não provém do sueco Thyrén, mas também de Glaser.(1)
Da mesma forma, Mir Puig, para quem: “La teoria de la condición o
de la equivalencia de las condiciones, ideada por el procesalista Julius Glaser
y adoptada por el magistrado de Tribunal Supremo alemán del Reich, Von
Buri, sostiene que es causa de um resultado de la cual há dependido su
producción, com idependencia de su mayor o menor proximidad o
importancia”.(2)
Seja como for, as principais críticas dirigidas a este princípio dizem
respeito, não só a possibilidade objetiva do regresso causal até o infinito, mas
também a algumas hipóteses não solucionadas adequadamente pelo emprego
da conditio sine qua non. São essas as principais dificuldades:(3)
1ª) Dupla causalidade alternativa: ocorre quando duas ou mais causas
concorrem para o resultado, sendo cada qual suficiente, por si só, para a sua
produção. A e B, sem que um saiba da conduta do outro, ministram veneno a
C, com o intuito de matá-lo. Cada uma das doses é suficiente, por si só, para
produzir o evento letal. Se aplicarmos a eliminação hipotética, nenhuma das
duas poderá ser considerada causa. Senão vejamos: suprimida a conduta de A,
ainda assim o resultado ocorreria, já que a dose ministrada por B era suficiente
para matar a vítima; eliminada a conduta de B, ainda assim o resultado teria
ocorrido, pois a dose aplicada por A também era suficiente por si só para a
produção do evento. Em tese, por incrível que pareça, segundo o critério da
eliminação hipotética, nenhuma das duas condutas poderia ser considerada
causa, pois mesmo que suprimida uma delas hipoteticamente da cadeia causal,
o resultado ainda assim teria ocorrido. Poderíamos, em resposta a esta crítica,
fazer a seguinte afirmação: causador do resultado é aquele, cuja dose, efetiva-
mente, produziu, por uma ou por outra razão, a morte (se foi a dose ministrada
por A, este é o autor; se foi a de B, este responde pelo resultado), devendo o
(*) Fernando Capez é professor de Direito Penal e Processo Penal do Complexo Jurídico Damásio
de Jesus desde 1990.
Obs.: Notas explicativas no final do artigo.
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O declínio do dogma causal

Fernando Capez Promotor de Justiça – SP

Para Juarez Tavares, não se deve a Stuart Mill e Von Buri a primeira formulação desta teoria, mas a Julius Glaser, em 1858. Von Buri teria apenas introduzido a teoria na jurisprudência. Do mesmo modo, o critério da elimina- ção hipotética não provém do sueco Thyrén, mas também de Glaser. (1)

Da mesma forma, Mir Puig, para quem: “La teoria de la condición o de la equivalencia de las condiciones, ideada por el procesalista Julius Glaser y adoptada por el magistrado de Tribunal Supremo alemán del Reich, Von Buri, sostiene que es causa de um resultado de la cual há dependido su producción, com idependencia de su mayor o menor proximidad o importancia”. (2)

Seja como for, as principais críticas dirigidas a este princípio dizem respeito, não só a possibilidade objetiva do regresso causal até o infinito, mas também a algumas hipóteses não solucionadas adequadamente pelo emprego da conditio sine qua non. São essas as principais dificuldades: (3)

1ª) Dupla causalidade alternativa: ocorre quando duas ou mais causas concorrem para o resultado, sendo cada qual suficiente, por si só, para a sua produção. A e B, sem que um saiba da conduta do outro, ministram veneno a C, com o intuito de matá-lo. Cada uma das doses é suficiente, por si só, para produzir o evento letal. Se aplicarmos a eliminação hipotética, nenhuma das duas poderá ser considerada causa. Senão vejamos: suprimida a conduta de A, ainda assim o resultado ocorreria, já que a dose ministrada por B era suficiente para matar a vítima; eliminada a conduta de B, ainda assim o resultado teria ocorrido, pois a dose aplicada por A também era suficiente por si só para a produção do evento. Em tese, por incrível que pareça, segundo o critério da eliminação hipotética, nenhuma das duas condutas poderia ser considerada causa, pois mesmo que suprimida uma delas hipoteticamente da cadeia causal, o resultado ainda assim teria ocorrido. Poderíamos, em resposta a esta crítica, fazer a seguinte afirmação: causador do resultado é aquele, cuja dose, efetiva- mente, produziu, por uma ou por outra razão, a morte (se foi a dose ministrada por A, este é o autor; se foi a de B, este responde pelo resultado), devendo o

(*) Fernando Capez é professor de Direito Penal e Processo Penal do Complexo Jurídico Damásio de Jesus desde 1990. Obs.: Notas explicativas no final do artigo.

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2 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

outro ser punido pela tentativa. Não se provando qual das doses acarretou a morte, aplica-se o princípio do in dubio pro reo , e a nenhum dos autores será imputado o resultado, respondendo ambos por tentativa (a chamada autoria incerta). Mesmo assim, é forçoso reconhecer: ainda que suprimida a conduta de um dos autores, o resultado teria sido causado pela do outro. Outro exemplo interessante é a morte do Imperador César, assassinado com 23 (vinte e três) punhaladas. Neste caso, ainda que se eliminasse um dos golpeadores, o resul- tado teria ocorrido, o que representa uma falha na explicação do nexo causal pela teoria da conditio sine qua non. (4)

2ª) Dupla causalidade com doses insuficientes: e se no mesmo exem- plo, as doses fossem insuficientes, por si sós, para levar ao resultado morte, mas somadas, acabassem por atingir o nível necessário e assim, produzir a fatalidade? Nesse caso, nem a conduta de A, nem a de B, sozinhas, levariam ao resultado. Eliminada qualquer uma delas, o resultado desapareceria, pois so- mente juntas são capazes de provocar a morte. Ora, pelo critério da eliminação hipotética, ambas devem ser consideradas causa, pois excluída uma ou outra da cadeia causal, o resultado não ocorreria. Parece estranho não considerar como causa a hipótese anterior, em que as condutas tinham, isoladamente, idoneidade para produzir a morte, e considerar neste caso, em que, sozinhas, as condutas nada produziriam (podendo até mesmo cogitar-se de crime impos- sível pela ineficácia absoluta do meio, na medida em que falta a um ou outro comportamento capacidade para gerar, isoladamente, o resultado visado).

3ª) O resultado que ocorreria de qualquer modo: se um médico acelera a morte, de um paciente terminal, que já está com danos cerebrais irreversí- veis, desligando o aparelho que o mantinha vivo, não poderá ser considerado causador do homicídio, pelo critério da eliminação hipotética, já que, mesmo suprimida a sua conduta da cadeia causal, ainda assim a morte acabaria acon- tecendo, mais cedo ou mais tarde. Haverá nexo causal, é certo, mas por influ- ência de outra teorias que entram para socorrer a da equivalência dos antece- dentes (é o caso do princípio da alteração posterior, pelo qual o médico res- ponde pelo resultado porque seu comportamento alterou o estado de coisas no mundo naturalístico).

4ª) Decisões corporativas: uma empresa, por meio de um órgão colegi- ado, constituído de vários diretores, decide lançar um produto que provoca danos ao meio ambiente. Qualquer um dos votantes, poderia dizer que, ainda que não tivesse votado, os demais o teriam feito, de modo que, mesmo elimi- nada a sua conduta, ainda assim o resultado teria ocorrido.

5ª) Cursos causais hipotéticos ou desvios de cursos causais: o ladrão principiante, trêmulo e inseguro, aponta um estilete para um homenzarrão

4 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

sos decorrentes da conditio sine qua non , vai afastar, do ponto de vista jurídi- co, a relação de causa e efeito, por considerar a absoluta imprevisibilidade e improbabilidade entre uma efêmera soneca e um relâmpago assassino.

Ficam, portanto, descartadas, já na dita sede, todas aquelas ações ca- racterizadas por uma mínima possibilidade objetiva de realização do evento, mas presididas por vontade de causação do mesmo. Por exemplo, no caso da morte de um homem, atingido por um raio em um bosque, lugar que havia sido mandado por um inimigo precisamente para este fim. Não será possível, à luz da causalidade adequada, atribuir nexo causal, ainda que pela teoria da elimi- nação hipotética, fosse possível estabelecer um vínculo físico-naturalístico.

Resulta, assim, que solução final da subsunção dependerá de uma série de fatores normativos a estabelecer a relevância do nexo causal para o direito penal, independentemente de sua real existência no plano naturalístico.

A partir de tantas constatações, considera-se que somente pode ser causa a conduta que, isoladamente, tenha probabilidade mínima para provocar o resultado. Se entre o comportamento do agente e o evento houver uma rela- ção estatisticamente improvável, aquele não será considerado causa deste.

Ocorre que tal assertiva pode provocar problemas dogmáticos capazes de levar a distorções e injustiças. Senão, confira-se a seguinte hipótese: um condutor de um veículo, cujos freios estão gastos, dá causa a uma colisão com a traseira de um caminhão. Tal caminhão estava excepcionalmente trafegando na rodovia naquele dia, em que tal tráfego é proibido para veículos maiores, devido a uma autorização especial. Era o único em toda a estrada. Os freios não funcionaram não somente devido a seu estado, mas também porque o auto passou sobre uma poça de óleo que acabara de ser derramada. O acompanhan- te do motorista, justamente no instante do acidente resolveu regular o cinto de segurança e, por esta exclusiva razão, chocou-se contra o vidro dianteiro, ten- do recebido uma pancada no pulmão. Para sua infelicidade o impacto foi exa- tamente no pulmão no qual já existia um problema de insuficiência respirató- ria. Levado a um hospital, é submetido a uma cirurgia, mas o plantonista do dia não tinha tanta experiência em cirurgias de pulmão, pois embora clínico geral, sua especialidade era cardiologia. Devido a todos esses fatores, tragica- mente coincidentes, a vítima vem a falecer. Estatisticamente, a chance ter morrido nessas condições era a de uma em um milhão (foi muito azar).

Em outro exemplo: “si un veneno común, en una persona que se droga con un medicamento sumamente raro, a causa de su constitución modificada a través de es adicción, no surte efecto en el estómago – como suele – sino en el esófago (o no antes de los intestinos), a pesar de la extrema improbabilidad del curso causal concreto no cabe aportar razón para no imputar el resultado”. (7)

5 Área Criminal

Nesses casos, a teoria da condição adequada excluiria indevidamente o nexo causal, em face da improbabilidade do resultado. O motorista negligen- te e o autor do envenenamento não responderiam pela morte da vítima, o que não nos parece justo, nem correto.

Não parece ser a melhor solução. A lei das probabilidades, da mesma forma que a da causa e do efeito pertencente à ciência diversa da jurídica e, se adotada, poderia levar a soluções no mínimo arriscadas. Como bem lembra Antônio Magalhães Gomes Filho, em sua primorosa obra, “Direito à Prova no Processo Penal”, tratando de pro- cesso penal, mas em raciocínio que se ajusta perfeitamente ao campo penal, as conseqüências da adoção de uma teoria probabilística poderiam ser preocu- pantes e insatisfatórias. No processo People v. Collins , a jurisprudência norte- americana empregou de forma equivocada, como critério de avaliação das pro- vas, o chamado julgamento by mathematics ao seguinte caso: “uma senhora foi assaltada em Los Angeles e declarou ter percebido uma moça loira fugin- do; uma vizinha da vítima também afirmou ter visto uma jovem branca, com cabelos loiros e “rabo de cavalo”, sair do local do crime e entrar em um auto- móvel, dirigido por um homem negro com barba e bigode; dias depois, polici- ais conseguiram prender um casal com essas características, mas no julgamen- to, tanto a vítima como a testemunha não puderam reconhecê-los; ... a acusa- ção serviu-se então, de um perito matemático que, com base nas característi- cas apontadas – automóvel amarelo, homem com bigode, moça com rabo de cavalo, loira, negro com barba e casal negro-branca no carro –, e aplicando a esses dados as respectivas probabilidades de ocorrência, fundadas em estatís- ticas, multiplicou-se para extrair a conclusão que somente existia uma possibi- lidade, em doze milhões, que um casal preenchesse todos esses requisitos. Com base nisso, o júri condenou os acusados. A Suprema Corte da Califórnia anulou a decisão dos jurados, entendendo inadmissível o argumento trazido pelo perito matemático, por várias razões: primeiro, porque não havia base probatória suficiente para amparar as possibilidades individuais alegadas pela acusação, depois, porque mesmo que estivessem corretas, a multiplicação de- las seria possível se cada um dos fatores fosse absolutamente independente. Além disso, também restava a hipótese de que a dupla criminosa não tivesse efetivamente as características indicadas pelas testemunhas ou que houvesse na área de Los Angeles outro casal com características semelhantes...” (8)

A teoria da causalidade ou condição adequada é válida como questio- namento da equivalência dos antecedentes, mas também peca por não eviden- ciar o caráter valorativo da ciência jurídica como fator preponderante da defi- nição do nexo causal objetivo.

7 Área Criminal

de de limitar a causalidade, sem que fosse preciso recorrer à análise de dolo e culpa. A razão foi simples: naquele país, antes da reforma penal de 1953, havia responsabilidade objetiva quando ao resultado agravador, no caso dos detidos qualificados pelo resultado, ou seja, o agente respondia pelo mesmo, ainda que não o tivesse causado dolosa ou culposamente. Bastava o nexo causal.

“En esta situación legislativa, la cualificación por el resultado depen- dia en exclusiva de si había sido causado, de modo que, com arreglo a las máxi- mas de la teoría de la equivalencia, se respondía también por la cualificación aun cuando en una consideración valorativa el autor no fuera responsable del resultado, p. ej., a causa de predominar la propia culpa de la víctima o a causa de una desgraciada concurrencia de circunstancias en el caso”. (10)

Não podendo a intrigante hipótese ser resolvida pelo auxílio do nexo normativo, não restou outra estrada, senão a de enfrentar o problema de ser injusta a própria vinculação objetiva do resultado ao agente.

O dogma da causalidade precisava ser revisto. Depender só da ausência de dolo ou culpa já se mostrava insuficiente e perigoso. Nasceu então, a idéia de limitar o nexo causal, conferindo-lhe um conteúdo jurídico e não meramente naturalístico. Não bastaria mais o simples elo físico ditado pelas leis da causa e do efeito, pois se o nexo causal não tiver relevância jurídica, não haverá causalidade.

Como lembra Damásio de Jesus, “o positivismo do século XIX insistia na adoção do princípio natural de que todo conseqüente deveria possuir um antecedente preciso e determinado. No século XX, porém, a teoria da relativi- dade colocou em xeque essa regra, pondo em debate o tema da probabilidade, segundo a qual há sempre margem de indeterminação nas relações. Nada é absoluto. Trazida a discussão para as ciências sociais, exclareceu-se que não era admissível falar em causalidade nos fatos da vida em sociedade, uma vez que neles há essencialmente o fenômeno da interação, sendo inadequado esta- belecer uma relação de causa e efeito”. (11)

Criou-se então, a teoria da imputação objetiva, denominação que reve- la a preocupação de se trabalhar a dogmática no sentido de apontar respostas mais justas e adequadas para a própria atribuição objetiva do resultado, inde- pendentemente, de pedir socorro para o dolo e a culpa.

Sua meta principal é a de reduzir o âmbito de abrangência da equiva- lência dos antecedentes e, desta maneira, “restringir a incidência da proibição ou determinação típica sobre determinado sujeito”. (12)^ “Pretende substituir o dogma causal material por uma relação jurídica (normativa) entre conduta e resultado”. (13)

8 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

Nada tem a ver com responsabilidade sem dolo ou culpa, ou sem culpa- bilidade. Nem tampouco com imputabilidade penal. Consiste em atribuir um fato típico a seu autor do ponto de vista da causação objetiva, mediante critérios jurídico-valorativos e não categórico-naturalísticos. “Imputação objetiva signi- fica atribuir a alguém a realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um resultado jurídico”. (14)

Mediante essa interessante conjugação, a substituição deixa de ser um processo meramente mecânico, para incorporar um processo mental de ade- quação, em que será levado em conta muito mais do que a mera correspondên- cia exterior e formal entre conduta e descrição típica, ou do que a verificação da causalidade, mediante processos de ordem físico-naturalística. Ao contrá- rio da conditio sine qua non, torna-se insuficiente a ligação físico-naturalística entre conduta e acontecimento concreto.

Postula-se a exclusão do fato típico, quanto, a despeito de ser realizada a conduta formalmente descrita no tipo penal, o agente tiver se comportado dentro de seu papel social, ou seja, fizer exatamente o que a sociedade dele espera, não criando uma situação de risco intolerável. Quando a sua conduta nada mais representar do que um comportamento absolutamente normal e es- perado, não haverá fato típico, por ausência desta nova elementar. (15)

Partindo de um prosaico exemplo, Jakobs proporciona uma imediata compreensão dos efeitos da imputação objetiva no moderno direito penal: um agricultor adquire uma nova máquina de aragem do solo; um de seus emprega- dos, por curiosidade laborativa, a toca e acaba ferido. Inicia-se, então, uma teia de causalidades: a vítima deu causa à autolesão, uma vez que tocou impruden- temente a máquina; o agricultor também deu causa ao ferimento, pois, se não tivesse comprado o maquinário, o resultado não teria ocorrido, além do que, deveria ter tomado todas as cautelas para que ninguém dela se aproximasse; finalmente, o fabricante além de ter sido o criador do aparato mecânico, sem o qual não existiria a lesão, deveria ter cuidado para que todas as peças perigosas fosse seguras, quaisquer que sejam as condições de funcionamento.

Surgem então, as alternativas punitivas: responsabilidade da vítima, do patrão ou do fabricante? Responsabilidade de todos? Ou de nenhum, tratan- do-se de mero caso fortuito ( desgracia )? De acordo com Jakobs existe a firme convicción de que estas preguntas no puedem ser contestadas sin tener en cuenta el estadio de desarollo alcanzado por la sociedad concreta...”. (16)

Deste modo, uma sociedade saturada pela técnica esperará de um fa- bricante de máquinas que este não crie novos riscos, e, portanto, lhe imporá o dever de garantir a plena incolumidade de quem as usa, independente da forma com que se dê o manuseio.

10 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

O risco permitido, portanto, não é conceituado pela técnica, mas pelo sentimento social daquilo que cada um espera do outro, no sentido de uma convivência salutar e pacífica.

Ocorre, assim, uma proibição de regresso em relação ao comporta- mento padronizado, o qual, por ser esperado, acaba se tornando inócuo e não ingressa na cadeia de causalidade, nem como participação de menor importân- cia, pois uma sociedade que está necessitada de que se ofrezcan prestaciones estereotipadas, más aun, que requiere en general la existencia de condiciones estereotipadas del comportamiento social, no puede renunciar a ua prohibición de regresso. (18)

Se o risco decorre de uma conduta norma e socialmente adequada, ou mesmo permitida ou tolerada pelo ordenamento jurídico, não se poderá atri- buir eventual dano daí decorrente ao seu autor. O direito não pode permitir um comportamento e depois censurá-lo. Além disso, o banimento da responsabili- dade objetiva de todos os sistemas criminais modernos impede que se atribua um resultado jurídico lesivo, quando sua ocorrência estiver fora do âmbito do risco provocado pela conduta.

Como se percebe, a referenciabilidade social aparece como instrumento hermenêutico para a formação normativa e a definição do risco proibido.

Um fabricante de armas cria um risco que a sociedade aceita, quando permite a sua produção. Os crimes que venham a ser praticados com as armas produzidas não podem ser imputados ao industrial, pois a colocação dos ins- trumentos vulnerantes em sociedade é um risco aceito e permitido. Pondera- se, em uma relação de custo-benefício, se vale a pena correr certo perigo para, em contrapartida, estimular a economia, gerar empregos e alimentar o pro- gresso. A morte de alguém provocada por arma de fogo será, por conseguinte, um fato atípico em relação ao fabricante (não há regresso causal em relação a este). Cabe à sociedade decidir se quer menos perigo e menos progresso ou se busca um desenvolvimento mais acelerado, à causa de correr mais riscos.

Foi exatamente neste sentido que o plenário do Supremo Tribunal Fe- deral decidiu, aplicando postulados da imputação objetiva, no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Social Libe- ral (PSL), quando liminarmente, suspendeu os efeitos da Medida Provisória nº 2.045/2000, a qual proibia o registro de armas de fogo, por considerar não haver razoabilidade na norma impugnada, uma vez que ela, apesar de não proibir a comercialização de armas de fogo, praticamente a inviabilizava, sem produ- zir, em contrapartida, benefícios sociais que compensassem o sacrifício (ADInMC nº 2.290-DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18.10.2000, Informativo STF nº 16, de 20.10.2000, nº 207, pág. 1).

11 Área Criminal

Em outras palavras, reconheceu a mais alta Côrte de Justiça do Brasil, que os riscos provocados pelas armas produzidas são normais dentro da evolu- ção dinâmica da sociedade e, por essa razão, no que tange ao fabricante, são riscos permitidos que levam à desconsideração do nexo causal objetivo em relação a eventuais delitos praticados com tais instrumentos.

Ao contrário da equivalência dos antecedentes, não será sequer neces- sário indagar acerca do dolo ou culpa, pois a questão se resolve no plano da imputação do fato ao agente, sob o aspecto objetivo. Se o risco era tolerado socialmente, não haverá causalidade.

Hipótese idêntica é a da indústria automobilística, pois, pela imputa- ção objetiva (ao contrário da equivalência dos antecedentes) não há nexo cau- sal entre os acidentes de veículos e a conduta do fabricante. Quando a coletivi- dade aceitou a produção de automóveis, conhecia os riscos decorrentes do tráfego rodoviário, os quais foram sopesados e aceitos como necessários para o desenvolvimento.

Com efeito, risco existe em toda hora e lugar. Sem correr algum risco a humanidade não caminha. Ninguém sairia de casa e mesmo nela ficando, ainda assim, estaria sujeito a algum infortúnio. Qualquer contato social traz algum risco: um abraço, o tráfego ferroviário, rodoviário ou aéreo, a regular prática desportiva etc. Se acaso algum dano derivar de tais práticas, desde que desempenhadas dentro do que se espera, o mesmo será considerado como uma normal decorrência da vida em sociedade, não podendo ser imputado ao autor. O fato, por conseguinte, será atípico. Como diz Jesús-Maria Silva Sánchez, vivemos todos em uma sociedade de riscos. (19)^ Na mesma linha, Cuesta Agua- do, quando afirma: “...toda la vida en sociedade suporte la asunción de ciertos riesgos, los cuales están admitidos por la sociedad y permitidos por el ordenamiento jurídico. La intervención penal sólo empieza a partir del mo- mento que se excede el riesgo permitido”. (20)

Certos comportamentos, dada a sua importância para a sociedade ou a sua absoluta contextualidade, nada mais representam do que atos normais da vida cotidiana, os quais, ainda que provoquem naturalisticamente algum dano, não podem ser atribuídos ao autor. Uma sociedade que não tolera nenhum risco, também não progride.

Deveria ser proibida a construção de automóveis, porque propiciam grande número de acidentes de trânsito; de aviões, porque podem vir a ocorrer desastres, e, assim por diante? Evidentemente, não é o caso. Uma sociedade que não está disposta a assumir nenhum risco derivado do avanço tecnológico, ficará eternamente estagnada no atraso.

13 Área Criminal

Trata-se de uma teoria ainda em discussão no Brasil, mas que não de- pende de reforma do Código Penal para ser adotada, pois a Constituição Fede- ral, em seu art. 5º, XXXIX, ao prever o princípio da reserva legal, acometeu à lei, por meio de tipos penais, definir os crimes. A imputação objetiva é um elemento normativo implícito em todo o tipo, cuja ausência implica em exclu- são de elementar e conseqüente atipicidade do fato.

Do ponto de vista dos fins precípuos de um direito penal mais garantis- ta dos direitos fundamentais do jurisdicionado, a imputação objetiva constitui um componente relevantíssimo a propiciar uma interpretação evolutiva do or- denamento jurídico, mediante o emprego de um mecanismo hermenêutico muito mais célere e eficaz do que os lentos e burocráticos trâmites legislativos.

A necessidade de uma constante atualização do aparato legal, de acor- do com as intensas transformações sociais está a exigir uma maior flexibilida- de do intérprete, de acordo com fundamentos jurídicos e sociais, para delimi- tar o alcance da norma, de acordo com as peculiaridades de cada caso e o momento sócio-cultural de uma dada sociedade. Não se trata de descumprir a lei, mas de interpretá-la segundo as condições da época. Falar em imputação objetiva, por conseguinte, é pensar em fornecer ao juiz e aos operadores jurídicos em geral, importantíssimo elemento de conten- ção típica e acompanhamento das contínuas modificações sócio-culturais.

NOTAS E XPLICATIVAS (1) J. TAVARES. “Teoria do Injusto Penal”, Del Rey, 2000, págs. 210 e 211. (2) SANTIAGO MIR PUIG. “Derecho Penal: parte general ”. Barcelona, 5ª ed., 1998, pág. 218. (3) J. TAVARES. “Teoria do Injusto Penal”, Del Rey, 2000, págs. 210 e 211. (4) SANTIAGO MIR PUIG. “Derecho Penal: parte general”. Barcelona, 5ª ed., 1998, pág. 220. (5) DAMÁSIO E. DE JESUS. “Imputação Objetiva”, Saraiva, 2000, págs. 89/91. (6) RT 700/317, 596/411, 580/372, 528/320, 455/276; RJTJSP 25/565; RJDTACrimSP 11/109. (7) GÜNTHER JAKOBS. “Derecho penal, Fundamentos y teoría de la imputación” , Marcial Pons, 2ª ed., 1997, traducción Joaquin Cuello Contreras y Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo, págs. 240 e 241. (8) ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO. “Direito à Prova no Processo Penal”, São Paulo, RT, 1997. (9) JUAN BUSTOS RAMÍREZ. “La imputación objetiva” , in “Teorías actuales en el Derecho penal”. Buenos Aires, Ad-Hoc, 1998, pág. 211. (10) GÜNTHER JAKOBS. “Derecho penal: parte general, Fundamentos y teoría de la imputación” , Marcial Pons, 2ª ed., 1997, traducción Joaquin Cuello Contreras y Jose Luis Serrano Gonzales de Murillo, pág. 238. (11) DAMÁSIO E. DE JESUS. “Imputação Objetiva”, Saraiva, 1ª ed., 2000, pág. 23. (12) J. TAVARES. “Teoria do Injusto Penal”, Del Rey, 2000, pág. 222. (13) DAMÁSIO E. DE JESUS. “Teoria da Imputação Objetiva”, pág. 23. (14) Idem , pág. 33. (15) Cf. GÜNTHER JAKOBS. “La Imputación Objetiva” , trad. Manuel Cancio Meliá (Universidad Autónoma de Madrid, Ad-Hoc, Buenos Aires, 1ª ed., 1996, 1ª reimpresión, 1997.

14 Justitia – Matérias aprovadas para publicação futura

(16) GÜNTHER JAKOBS. “La imputación objetiva en derecho penal”. Tradução de Manuel Cancio Meliá, Universidad Autónoma de Madrid, Ed. Ad-Hoc, Buenos Aires, 1996, págs. 15, 16 e 17. (17) JAKOBS, ob. cit., pág. 24. (18) Ob. cit., pág. 34. (19) JESÚS-MARIA SILVA SÁNCHEZ. “La expansión de Derecho penal: aspectos de la Política Criminal en las sociedades postindustriales”. Madrid, Civitas, 1999, pág. 24. (20) PAZ MERCEDES DE LA CUESTA AGUADO. “Tipicida e Imputación Objetiva”. Argentina, Ediciones Jurídicas Cuyo, 1995, pág. 148. (21) GÜNTHER JAKOBS. “La Imputación Objetiva” , trad. Manuel Cancio Meliá (Universidad Autónoma de Madrid, Ad-Hoc, Buenos Aires, 1ª ed., 1996, 1ª reimpresión, 1997, pág. 17. (22) WOLFGANG FRISCH. “Tipo Penal e Imputación Objetiva”. Traductores Manuel Cancio Meliá, Beatriz de la Gándara Vallejo, Manuel Jaén Vallejo e Yesid Reyes Alvarado. Madrid, Editorial Colex, 1995, pág. 34. (23) DAMÁSIO E. DE JESUS. “Imputação Objetiva”. Cit., pág. 24. (24) WOLFGANG FRISCH. “Tipo Penal e Imputación Objetiva”. Traductores Manuel Cancio Meliá, Beatriz de la Gándara Vallejo, Manuel Jaén Vallejo e Yesid Reyes Alvarado. Madrid, Editorial Colex, 1995, pág. 27.