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O Conflito de Direitos Fundamentais: Direito à Vida vs. Liberdade de Crença e Religião, Trabalhos de Direito

O conflito entre o direito à vida e a liberdade de crença religiosa, utilizando o caso de uma paciente que necessita de transfusão de sangue, mas cujo esposo, por motivos religiosos, se recusa a autorizar o procedimento. O texto explora a ponderação de direitos fundamentais, a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e a atuação do poder judiciário em casos de risco iminente de morte.

Tipologia: Trabalhos

2024

Compartilhado em 24/10/2024

karol-cordeiro
karol-cordeiro 🇧🇷

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Aluna: Karolline Cordeiro Viana – 10º A
PARECER N°: XXX
PROCESSO N°: XXX
INTERESSADO: JOÃO
ASSUNTO: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM ADEPTO DE TESTEMUNHA DE
JEOVÁ E O CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
EMENTA: Direito Constitucional e Penal. Colisão de
direitos fundamentais. Direito à vida versus liberdade de
crença e religião. Paciente Testemunha de Jeová em risco
de morte por anemia falciforme. Negativa à transfusão de
sangue. Óbito. Ponderação de princípios. Prevalência do
direito à vida. Ação judicial para autorização de transfusão
forçada. Responsabilidade criminal dos médicos afastada.
Estrito cumprimento do dever legal. Impossibilidade de
responsabilização criminal do cônjuge pela negativa de
autorização com base em convicções religiosas
compartilhadas pela paciente.
I – RELATÓRIO
Dispenso o relatório.
II- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
II.1. DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA
VERSUS DIREITO À LIBERDADE DE CRENÇA E RELIGIÃO
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Baixe O Conflito de Direitos Fundamentais: Direito à Vida vs. Liberdade de Crença e Religião e outras Trabalhos em PDF para Direito, somente na Docsity!

Aluna: Karolline Cordeiro Viana – 10º A

PARECER N°: XXX

PROCESSO N°: XXX

INTERESSADO: JOÃO

ASSUNTO: TRANSFUSÃO DE SANGUE EM ADEPTO DE TESTEMUNHA DE

JEOVÁ E O CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

EMENTA: Direito Constitucional e Penal. Colisão de

direitos fundamentais. Direito à vida versus liberdade de

crença e religião. Paciente Testemunha de Jeová em risco

de morte por anemia falciforme. Negativa à transfusão de

sangue. Óbito. Ponderação de princípios. Prevalência do

direito à vida. Ação judicial para autorização de transfusão

forçada. Responsabilidade criminal dos médicos afastada.

Estrito cumprimento do dever legal. Impossibilidade de

responsabilização criminal do cônjuge pela negativa de

autorização com base em convicções religiosas

compartilhadas pela paciente.

I – RELATÓRIO

Dispenso o relatório.

II- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

II.1. DA COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS: DIREITO À VIDA

VERSUS DIREITO À LIBERDADE DE CRENÇA E RELIGIÃO

Maria fora diagnosticada como portadora de anemia falciforme, o que exigia, com

urgência, uma transfusão de sangue, pois corria risco de morte. Contudo, ela se

negou a realizar o tratamento por ser adepta da doutrina da Testemunha de

Jeová. Não obstante o agravamento do quadro clínico da paciente, João, esposo

de Maria, se negou a dar autorização para a realização da transfusão sanguínea,

mesmo tendo sido informado que não havia outra solução para salvar a vida de

sua esposa que não fosse a transfusão. Maria acabou vindo a óbito.

Os direitos humanos têm sua base na dignidade inerente a todas as pessoas,

conforme estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,

que destaca que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Esses

direitos se fundamentam em três princípios: a inviolabilidade, a autonomia e a

dignidade da pessoa, sendo este último o cerne dos direitos fundamentais,

garantindo que os indivíduos sejam tratados conforme suas ações, sem prejuízo

por características alheias a esses atos (Mazzuoli, 2021, p. 27).

Para efeitos de tutela jurídica, o direito à vida, que é um direito humano, refere-

se à garantia de todos os seres humanos de viver, abrangendo sua existência

biológica e fisiológica. Esse direito procura afastar qualquer concepção moral,

social, política, religiosa ou racial que tente diferenciar entre vidas dignas e

indignas de serem vividas, garantindo que todas sejam reconhecidas e

protegidas pela ordem jurídica (Sarlet; Marinoni; Mitidiero, 2022, p. 611).

Disciplina a Carta Magna de 1988 acerca desse direito fundamental:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]

Ademais, preleciona Sarlet, Marinoni e Mitidiero que o direito à integridade física

e psíquica, embora relacionado ao direito à vida, protege a integridade corporal

e mental de maneira distinta, complementando, mas não se confundindo com a

proteção da existência física. A violação do direito à vida implica sempre uma

afetação da integridade corporal, enquanto intervenções nessa integridade

ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito – insuperável pela subsunção – é o ambiente próprio de trabalho da ponderação. Relembre-se que norma não se confunde com dispositivo: por vezes uma norma será o resultado da conjugação de mais de um dispositivo. Por seu turno, um dispositivo isoladamente considerado pode não conter uma norma ou, ao revés, abrigar mais de uma. Ainda neste estágio, os diversos fundamentos normativos – isto é, as diversas premissas maiores pertinentes – são agrupados em função da solução que estejam sugerindo. Ou seja: aqueles que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo. Na segunda etapa, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Relembre-se, na linha do que foi exposto anteriormente, a importância assumida pelos fatos e pelas consequências práticas da incidência da norma na moderna interpretação constitucional. Embora os princípios e regras tenham uma existência autônoma, em tese, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real sentido. Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência. Até aqui, na verdade, nada foi solucionado, nem sequer há maior novidade. Identificação das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam os casos fáceis, sejam difíceis. É na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Relembre-se, como já assentado, que os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Pois bem: nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, será preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade [...]

Não há dúvida de que a proteção à liberdade de crença religiosa é preceito

fundante do Estado de Direito, consistente na proteção da personalidade moral

e espiritual, possibilitando-se ao indivíduo autodeterminar-se e externar a crença

que lhe convém, bem como o direito de não crer.

No entanto, incontestável que a liberdade de crença apenas garante a

manifestação da religião em todas as suas formas se não ofendidos alguns

outros valores. É nesse sentido que o art. 12, item 3, do Pacto São José da Costa

Rica, do qual o Brasil é signatário, prevê, verbis:

Art. 12 Liberdade de Consciência e de Religião

  1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. (...)
  2. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pelas leis e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou moral pública ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.

Sobre o direito à vida, Paulo Gustavo Gonet Branco entende que:

A existência humana é pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduos os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (...) Proclamar o direito à vida responde a uma exigência que é prévia ao ordenamento jurídico, inspirando o e justificando o. Trata-se de um valor supremo na ordem constitucional, que orienta, informa e dá sentido último a todos os demais direitos fundamentais.

Desta feita, no juízo de ponderação dos direitos fundamentais envolvidos, o

direito à vida se sobreleva ao direito de liberdade religiosa, em especial porque,

sem vida, não será possível exercer qualquer outro direito fundamental garantido

constitucionalmente. Ademais, a transfusão de sangue era imprescindível para

salvar a vida de Maria, não havendo outro meio menos gravoso, conforme

atestaram os médicos.

(Apelação Cível n.º 5669883-73.2009.8.13.002, TJMG, 7.ª Câmara Cível, Rel. Des. Wilson Benevides. Julgado em: 07/11/2018).

Outrossim, o STJ, por meio do Agravo De Instrumento nº 1.163.911 - RS

(2009/0045459-0) e do Agravo em Recurso Especial nº 2664951 - ES

(2024/0210393-8) também defendeu a prevalência do direito à vida em face do

direito à liberdade religiosa, em caso de iminente risco de morte do paciente,

como é o do caso em análise. Ademais, o STF recentemente submeteu a

temática (Tema 1069/RE 1212272) à julgamento, na qual se discute o direito de

autodeterminação das Testemunhas de Jeová de submeterem-se a tratamento

médico realizado sem transfusão de sangue, em razão da sua consciência

religiosa.

II.3 DA IMPOSSIBILIDADE DE IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

CRIMINAL AOS MÉDICOS DO HOSPITAL E AO JOÃO

Em virtude do agravamento do quadro clínico de Maria (risco iminente de vida),

a direção do hospital resolveu ingressar com ação judicial para tentar obter

autorização do Judiciário para forçá-la a realizar a transfusão de sangue à força,

haja vista que não possuía meios alternativos à salvação da vida. Nesse cenário,

emerge a seguinte indagação: Os médicos do hospital poderiam ser

responsabilizados criminalmente caso obtivessem êxito na submissão de Maria

ao procedimento?

O Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM n. 1.021/80,

orienta os profissionais médicos que adotem as seguintes medidas nos casos

em que pacientes, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, se

recusam à transfusão de sangue:

(...) Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis.

2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis. (...) Resolução nº 2.232/2019 (estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico- paciente): Art. 11. Em situações de urgência e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica.

A conduta do hospital, ao acionar o Judiciário para realizar a transfusão da

paciente à força, visou única e exclusivamente a preservar a vida de Maria, bem

maior do indivíduo, razão pela qual depreende-se que os médicos agiram em

estrito cumprimento de um dever legal, o que afasta a responsabilização criminal,

consoante estabelece o art. 23, III, do Código Penal.

Já quanto a conduta de João, que se manteve fiel às suas crenças, diante da

iminente e posterior morte de sua esposa, seu comportamento poderia, em tese,

ser analisado sob a perspectiva da omissão em face de perigo, nos termos do

Código Penal, verbis:

Relevância da omissão Art. 13 O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Ou seja, João, na condição de esposo, poderia ser considerado garantidor da

vida de Maria, conforme o dever de proteção inerente ao casamento. No entanto,

o indivíduo em tela agiu conforme as convicções religiosas do casal, que eram

compartilhadas por Maria. Sua negativa não resultou de negligência,

imprudência ou imperícia, mas da estrita observância de sua crença religiosa.