Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA, Notas de estudo de Psicanálise

Em. Estudos sobre a histeria ([1893]1974) Freud menciona o termo “compulsão à repetição” no Caso Frau M. Von. N. No livro Fragmentos da análise ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neilson89
Neilson89 🇧🇷

4.4

(70)

224 documentos

1 / 87

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
LABORATÓRIO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL E PSICANÁLISE
ESPERIDIÃO BARBOSA NETO
O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA
RESSONÂNCIAS CLÍNICAS NA RE-ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DO
REPETIDO
Recife
2010
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57

Pré-visualização parcial do texto

Baixe O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA e outras Notas de estudo em PDF para Psicanálise, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

LABORATÓRIO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL E PSICANÁLISE

ESPERIDIÃO BARBOSA NETO

O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA

RESSONÂNCIAS CLÍNICAS NA RE-ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DO

REPETIDO

Recife

ESPERIDIÃO BARBOSA NETO

O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA

RESSONÂNCIAS CLÍNICAS NA RE-ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DO

REPETIDO

Dissertação apresentada à Universidade Católica de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação do Prof. Dr. Zeferino de Jesus Barbosa Rocha.

Recife

O CONCEITO DE REPETIÇÃO NA PSICANÁLISE FREUDIANA

RESSONÂNCIAS CLÍNICAS NA RE-ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DO

REPETIDO

ESPERIDIÃO BARBOSA NETO

PROF. DR. ZEFERINO DE JESUS BARBOSA ROCHA

Dissertação de mestrado submetida à banca examinadora como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica.

07 de janeiro de 2010

Banca examinadora:

Prof. Dr. Zeferino de Jesus Barbosa Rocha Orientador

Profa. Dra. Ana Lúcia Francisco Examinadora interna

Prof. Dr. Lincoln Braga Villas Boas Examinador externo

Recife

O sujeito vive [o que repete] como algo real e atual, sem saber que o passado é uma força atuante Sigmund Freud

AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. ZEFERINO ROCHA Seus ensinamentos, a postura compreensiva e humilde, maturidade no trato da pesquisa e da orientação, expressam grandeza como pesquisador e como homem. Ele me ensinou, com sutileza, a cuidar do texto.

Profa. Dra. ANA LÚCIA FRANCISCO A receptividade e disposição em colaborar com esta pesquisa, desde o Projeto, tem se traduzido em gesto muito significativo.

Prof. Dr. LINCOLN BRAGA VILLAS BOAS Disseminou a psicanálise em Alagoas desde a década de 1970, levando os acadêmicos de psicologia a se interessarem pelos ensinamentos freudianos. Suas aulas, supervisões, notoriedade no exercício da clínica, enraizaram a idéia da presente pesquisa.

PROFESSORES, FUNCIONÁRIOS DA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNICAP E TODOS OS MEUS COLEGAS (sem exceção) Receberam-me com cordialidade, têm me tratado com respeito e atenção. Este ambiente me encoraja a superar os trâmites que se interpõem na formação do pesquisador.

ELIZABETE SIQUEIRA Colaborou com esta pesquisa, direta e indiretamente. Sua competência e zelo com que trata a transmissão dos fundamentos da teoria e sua aplicabilidade, nos inspiram no verdadeiro espírito da pesquisa.

MARIA LUIZA SOARES Seu apoio foi decisivo. A tolerância, em meio às dificuldades, não avistou a consumação. Compartilhou da satisfação no empreendimento deste sonhado Projeto.

RESUMO

Repetição é um dos conceitos fundamentais da psicanálise. O caráter compulsivo da repetição está ligado à pulsão de morte: pura quantidade, afetos sem representações, projetados a esmo, furiosamente. O sujeito é impelido, contra sua vontade, a re-editar novas edições de acontecimentos traumáticos. A recorrência deste sofrimento, no âmbito da transferência, produz efeitos de cura. Para Freud, o tratamento consiste no uso da palavra: tanto a fala do analisando, quanto a do analista, incide sobre os afetos não representados, silenciados, mas indomados desde o trauma. A interpretação metafórica é capaz de dar nome ao indizível. O sujeito re-significa a experiência emocional à medida que os verbaliza, os atos repetitivos perdem consistência. Nesta pesquisa, de natureza teórica, trabalhou-se o conceito de repetição a partir da teoria de Freud, articulando-o ao tratamento. Contribuições de outros pesquisadores psicanalistas e Ilustrações clínicas foram utilizadas com o objetivo de caracterizar a clínica da transferência como lugar onde a compulsão à repetição pode ser tratada. Propõe-se, como conseqüência da pesquisa, um retorno à clínica. Pretende-se avançar no exame do que até aqui se fez, típico da elaboração científica, e que se constituiu o ofício de Freud.

Palavras-chave: compulsão à repetição; transferência; perlaboração; simbolização; metáfora; aparelho psíquico.

ABSTRACT

Repetition is one of the fundamental concepts of psychoanalysis. The compulsive character of repetition is linked to the death drive: pure quantity, affection without representations, designed at random, furiously. The subject is compelled against his will, re-edit new editions of traumatic events. The recurrence of this suffering, in the transfer, took effect healing. For Freud, the treatment is the use of the word: both the speech of the analyzed and the analyst, focuses on feelings not represented, silenced, but untamed since the trauma. The metaphorical interpretation is able to name the unspeakable. The subject re-signifies the emotional experience as the verbalizations, the repetitive acts lose consistency. In this research, theoretical, we worked on the concept of repetition from Freud’s theory, linking it to the treatment. Contributions from other psychoanalytic investigators and clinical illustrations were used in order to characterize the clinical transfer as where the repetition compulsion can be treated. It is, as a result of research, a return to the clinic. The aim is to advance the examination of what has been done so far, typical of scientific development, and that was the work of Freud.

Key-words: compulsion to repetition, transference, symbolization, elaboration (working through), metaphor; psychic apparatus.

INTRODUÇÃO

Freud construiu uma teoria a partir da clínica. Mesmo os textos metapsicológicos não se encontram desvinculados dela. Certos conceitos demandaram tempo para se consolidarem, devido a sua natureza psicológica peculiar: a sutileza do que não pode ser demonstrado empiricamente. Em Os instintos e suas vicissitudes (Freud, 1915) o criador da psicanálise nos dá uma nítida idéia do que significa construir conceitos quando se trata de realidade tão distanciada do empírico, como no caso da realidade psíquica. Ele faz referência a idéias que servirão para elaborar o material de pesquisa: “ inicialmente elas devem trazer consigo uma certa medida de indeterminação e não se pode falar de uma clara delimitação de seu conteúdo ” 1. Isto significa que somente após uma elaboração profunda do material pesquisado, se pode esperar maior precisão e compreensão dos conceitos científicos fundamentais, livres de contradição. Este debate sobre a teoria coincide com o procedimento clínico da psicanálise: tentar nomear experiências para as quais não se tem palavras, fazer com que o indizível possa ser representado. É o caso, por exemplo, dos conceitos de pulsão e de inconsciente. A partir do momento em que foi possível dar nome a determinados elementos do aparato psíquico, os conceitos foram se tornando fundamentais. Eles são destinados à prática clínica e, tendo surgido dela, vão sendo reformulados conforme novas descobertas por conta do tratamento. Este foi o ofício de Freud e dos que deram continuidade à sua obra. O conceito de Repetição tornou-se fundamental na psicanálise. Ele é mencionado ao longo de toda a teorização freudiana, trabalhado, sobretudo, em Recordar, repetir e elaborar (1914) e em Além do princípio de prazer (1920). Já na Primeira Tópica, a repetição adquire relevância na clínica; a atenção de Freud se volta para a interpretação do inconsciente: revelação do recalcado, decifração através dos sonhos, sintomas, etc. Há uma preocupação em se precisar o momento da cena que gerou o sintoma e, portanto, a implicação do que se repete. Na Segunda Tópica, com a introdução do conceito de pulsão de morte, a repetição adquire caráter compulsivo por conta

(^1) Tradução do alemão feita por Zeferino Rocha, obtido em trabalho de orientação.

da dimensão irrepresentável desta pulsão. Agora o interesse de Freud é no sentido de um trabalho psíquico com fins de ligação de representações: diante da impossibilidade da recordação e/ou “localização” da cena traumática, a atenção se dá em relação a todos os eventos psíquicos que possam minimizar o caos gerado por afetos sem representação, e que ameaçam a estabilidade da vida psíquica, gerando sofrimento. O acontecimento se faz traumático devido à incapacidade do aparelho psíquico em assimilar a excitação de grande magnitude. Isto ocorre diante das perdas inerentes à vida, sobretudo no período da tenra infância: do sujeito é subtraído algum aspecto da sua integridade psíquica. O processo de recalcamento funciona em defesa da vida psíquica, isto é, proteção do próprio sujeito. O conteúdo recalcado opera a partir do inconsciente, constituindo-se obstáculo constante na vida do sujeito. Um sofrimento inominável se estabelece e, paradoxalmente, a pessoa recorre a ele, mesmo contra sua vontade, e sem saber. O que não pode ser recordado é repetido, até que um processo de simbolização ocorra. Esta repetição, como ato compulsivo, é expressão de uma pulsão mortal e desesperadora que insiste em se apresentar no seu trajeto rumo à satisfação. Isto exige do aparelho psíquico um trabalho arrojado no sentido de capturar essa pulsão dispersa e ameaçadora, isto é, controlá-la de alguma forma. Freud teorizou o sofrimento psíquico não para descrevê-lo, simplesmente, mas no sentido de encontrar alternativas possíveis que minimizassem a dor, por meio do trabalho analítico. Trabalhar o conceito de repetição, na psicanálise dos dias de hoje, nos conduz a investigar, também, seu desdobramento terapêutico. À psicanálise interessa a repetição dada na transferência, porque não se trata de uma teoria “contemplativa”, mas uma teorização relacionada ao sofrimento humano acompanhada de meios para dirimir este mal-estar. Esta leitura, guiada pelas constatações freudianas e o nosso exercício clínico, motivou a presente pesquisa. Cada vez mais pessoas têm procurado o serviço de psicologia, acossadas por incômodos indeterminados. Elas se queixam de uma dor intensa, sem controle, de origem desconhecida. “Coisa do destino”, diz o paciente, para justificar sua recorrência a esse desprazer.

No Segundo Capítulo se articula o suporte teórico trabalhado no Primeiro à prática clínica. A compulsão à repetição teorizada por Freud é vista no âmbito da transferência, trabalhada, também, por psicanalistas cuja experiência clínica testemunha a viabilidade da re-significação do que se repete compulsivamente. O poder da fala no tratamento é evidenciado por ilustrações da nossa clínica. Este capítulo está dividido em duas partes: Repetição na transferência e Repetição e fala como função simbólica. Na primeira parte se articula o sofrimento implicado na compulsão à repetição e seu endereçamento; enfatiza-se o analista como superfície de ressonância dos elementos inconscientes a ele endereçados. Aponta-se o termo Perlaboração para identificar o trabalho psíquico no sentido da ligação da força compulsiva não representada. Na segunda parte, a Fala na transferência é considerada como função simbólica, instrumento que possibilita não apenas o acesso aos conteúdos inconscientes mas, sobretudo, viabiliza ligação de afetos a representações. Situa-se a metaforização no contexto analítico: a fala, tanto do analisando quanto do analista, tem poder de nomear a experiência afetiva, possibilitando dizer o indizível. O propósito da pesquisa, segundo a seqüência dos capítulos desta dissertação, é trabalhar o conceito de repetição com o intuito de remetê-lo à clínica. Não teria sentido, para nós, tratar um e/ou outro isoladamente – o conceito e a clínica -, de modo a se consumar cada um em si mesmo. Tal postura está de acordo com a motivação para o nosso projeto: partiu-se da clínica em busca de suporte teórico que pudesse fundamentá-la.

1. CAPÍTULO PRIMEIRO: O CONCEITO FREUDIANO DE REPETIÇÃO

Quando pessoas desfamiliarizadas com a análise sentem um medo obscuro, um temor de despertar algo que, segundo pensam, é melhor deixar adormecido, aquilo de que no fundo têm medo, é do surgimento dessa compulsão, com sua sugestão de posse por algum poder ‘demoníaco’. Freud, 1920

O tema repetição sempre esteve presente na obra freudiana. Em Estudos sobre a histeria ([1893]1974) Freud menciona o termo “compulsão à repetição” no Caso Frau M. Von. N. No livro Fragmentos da análise de um caso de histeria ([1905]1972) a paciente abandona o tratamento num ato de repetição, fato elucidado somente anos depois, nos pós-escritos do caso clínico. Ainda não se tratava da construção de um conceito. A repetição como conceito psicanalítico somente é trabalhado por Freud em Recordar, repetir e elaborar ([1914]1969), como retorno do recalcado, e em Além do princípio de prazer ([1920]1976) como compulsão. O presente capítulo tem o objetivo de trabalhar a evolução do conceito de repetição à luz do pensamento freudiano. Está dividido em duas partes: Repetição na primeira tópica e Repetição na segunda tópica. Na primeira a repetição é determinada pela resistência, que impede a recordação. Na segunda parte ela tem caráter compulsivo, sua força é impelida pela pulsão de morte – teor quantitativo, e devassador, de afetos sem representação.

1.1. REPETIÇÃO NA PRIMEIRA TÓPICA

Na primeira formulação teórica freudiana, dos primórdios da psicanálise até 1920, o objetivo do tratamento era a lembrança do acontecimento traumático. Logo Freud se deparou com um sério obstáculo: havia uma força agindo no sentido contrário, chamada resistência. Ao invés de recordar, a pessoa repetia o fato traumático em forma de atuação ( acting out ), sem saber que estava repetindo.

nunca confundir com a atual” (Freud, [1914]1969, p. 194). Nestes termos, a situação passada era tomada isoladamente, se repetindo do mesmo modo. A recordação tinha o sentido de uma reminiscência, simplesmente, um retorno do recalcado em forma de lembrança do passado sob o aspecto estritamente cronológico. É importante salientar que na recordação via hipnose o sujeito se encontrava em estado passivo, cujo processo sugestivo o fazia colar-se – de certa forma – à imagem, à cena traumática. O método catártico se fazia eficiente no sentido da remoção do sintoma, a cura se dava pela descarga que o “esvaziava”. Freud observou, no entanto, que a cura era transitória, pois a doença retornava posteriormente. Ele abandonou este método passando a utilizar a livre associação, pondo-se a ab- reação em segundo plano. Associando livremente, na análise, o próprio sujeito alcançava seu passado remoto pelo fluir de tudo que lhe vinha à mente, cujos elementos ou conteúdos psíquicos iam se revelando, supostamente ao acaso. O processo se dava a partir do uso livre das palavras, que associavam idéias, estas tecendo um fio no sentido de acessar o inconsciente, requisitando o acontecimento traumático. No método analítico que se prenunciava, no entanto, a recordação tornava-se severamente dificultada, o sujeito protelava, sob todas as formas, à lembrança do acontecimento vivido na infância. Enquanto não se rompia o bloqueio que impedia a recordação, ele repetia aquilo que não se lembrava, sem o saber. Isto levou Freud a investigar um fenômeno que funcionaria como empecilho da recordação: a resistência.

Resistência e recordação

Freud identificou a resistência como sendo um obstáculo que se interpunha entre o sujeito e o acontecimento traumático, impedindo sua recordação. Ela surge como uma força poderosa que determina o esquecimento, barrando a transposição do material inconsciente à consciência. Resistência é tudo aquilo que impele o analisando a justificar a interrupção do trabalho psíquico que se dá na análise. A resistência impôs um desafio ao novo método utilizado por Freud: encontrar um meio capaz de fazer o aparelho psíquico trabalhar no sentido de

deter essa força obstaculizadora. O uso da associação livre, como novo método, carecia de outros meios, implementados pelo terapeuta, no sentido da demolição das resistências. Então Freud fez surgir a interpretação. Ao invés de escutar, apenas, o que o sujeito dizia livremente, o terapeuta deveria interpretar as resistências, comunicando, em seguida, ao paciente, levando-o a relacionar situações e vinculações esquecidas. No método anterior, o catártico, a resistência era posta de lado e o sujeito, passivamente, se guiava pela sugestão, enquanto que no novo método ele recorda elaborando, de forma ativa. Neste há um distanciamento necessário à subjetivação, distanciamento entre o sujeito e o objeto, espaço onde opera a linguagem. Na análise a resistência se revela em sua plenitude, barrando o retorno do recalcado, fazendo com que ele se apresente de forma disfarçada: o sujeito repete (atua) ao invés de recordar. Freud observou que no tratamento a resistência encontra-se em alta. Ela prolifera, passando a ser valorizada pelo paciente. Antes ele, o paciente, até subestimava sua importância, desprezando-a. Apesar de lhe parecer absurda – mesmo sob lamento -, havia se acostumado com a doença, não lhe prestando atenção em muitos aspectos. Agora, no tratamento, o paciente cria coragem para observar, questioná-la, evidenciando-se conflitos até então silenciados. É no auge das resistências quando é possível conhecer os impulsos recalcados que a alimentam. Por isso que o paciente cria justificativas para cessar o tratamento, regozijando-se com o sintoma. O papel do terapeuta é mostrar ao sujeito a lógica deste fato e sua relevância.

Atuação e recordação

No Artigo de 1914 Freud situa a repetição como expressão da resistência que impede a recordação. O paciente começa o tratamento com uma repetição, diz ele, não recorda os impasses em suas pesquisas sexuais infantis, mas revela produção de sonhos de associações confusas; queixa-se de não ter sucesso em nada, sobretudo nos relacionamentos do cotidiano; fala e não leva a cabo o que empreende. Durante o tratamento não se lembra de ter tido, na infância, vergonha intensa de certas atividades sexuais e medo da descoberta delas, no entanto se envergonha do tratamento que ora faz,

associação livre, abandono do foco (quando à psicanálise não mais interessava um problema específico do paciente, focado pela atenção do analista. Os conteúdos inconscientes, à medida que surgem e se apresentam, segundo sua relevância, todos eles interessam a análise). O método catártico de Breuer tinha por objetivo a lembrança precisa do acontecimento traumático do período da infância. Pode-se dizer que recordar, aqui, é resgatar um fato empírico, lembrança pura. Depois da hipnose, a associação livre também visava a cena traumática, porém não diretamente. Associar livremente conduzia o sujeito, por caminhos indiretos, não ao fato da realidade externa, mas a uma realidade psíquica que era o inconsciente. O acontecimento traumático, neste caso, já não correspondia ao fato em si, mas ao tipo de representações que incluíam fantasias e uma temporalidade que subverte o aspecto cronológico. Tanto é que a resistência tinha que ser interpretada pelo analista, para que um novo tipo de recordação pudesse revelar a “cena” traumática. A recordação, na associação livre, incluía novos elementos além da vivência traumática em si, quando se tratava de representações da realidade e não ela própria, já que estamos no âmbito do inconsciente. As primeiras pesquisas de Freud tinham o objetivo de encontrar a ligação entre o sintoma e sua origem, cuja recordação, com certa precisão, significava a descoberta do elo que havia se perdido. Freud sempre procurou investigar, precisamente, a “cena” geradora do sintoma, mesmo sabendo a complexidade desse objetivo. Um empecilho o levou a criar métodos segundo os quais o termo recordação foi valorizado. Um novo salto de sentido é possível à recordação a partir do momento em que se abandona o foco, quando se procurava direcionar o trabalho de análise a uma época ou problema específico do sujeito. Nesta fase já se tinha a recordação da cena esquecida como impossível. O termo recordar passa a incluir uma construção cujos elementos se agregam para ocupar um espaço vazio e conflitante. Em todo caso, diz Freud, o objetivo dos diferentes métodos era o mesmo: preencher lacunas na memória, superar resistências. A clínica freudiana demonstrou que determinadas experiências infantis nunca podem ser lembradas, não foram compreendidas na ocasião e somente podem ser interpretadas a partir de sonhos ou confirmadas na neurose, como

no caso de O homem dos ratos (Freud, [1909]1969). O que não pode ser lembrado o paciente expressa pela atuação ( acting out ), diz Freud, ele reproduz como ação e não como lembrança; neste sentido, a repetição é uma maneira de recordar. O que está caracterizado, neste momento freudiano, é a impossibilidade de recordar a cena traumática. A experiência clínica de Freud levou-o a constatação desse impasse à psicanálise da época: o sujeito reproduz em ato aquilo que não se revela como marca do passado, cuja resistência cassa-lhe a recordação do traumático. A tese é de que a recordação é sempre falha. Trata- se da recordação dos acontecimentos de uma infância remota, a memória somente podendo alcançá-los indiretamente, ou seja, por aproximação, como no caso das lembranças encobridoras, por exemplo, e na construção analítica. Freud faz referência a um tipo especial de experiência que não foi compreendida na ocasião e nunca pode ser recuperada. Na análise a experiência infantil pode ser compreendida, interpretada; nunca recordada diretamente. Quando a pessoa rememora um fato de natureza traumática, este normalmente encontra-se dissociado, deslocado ou fragmentado, de modo a velar sua vinculação com outros aspectos os quais incidem diretamente sobre o sintoma. Tais constatações conduziram Freud ao abandono de uma confiança excessiva sobre a recordação, levando-o à investigação de forças que impedem o acesso do sujeito às experiências geradoras do sintoma, quando a recordação dá lugar a uma ação. É assim que Freud chega à conclusão de que a recordação completa é impossível. O fato da impossibilidade de recordação de certas experiências infantis Freud já o havia estudado em o Em O homem dos ratos ([1909]1969). Aquilo que o sujeito se lembra, e que considera razão do seu sintoma, não é, de fato, o que verdadeiramente motivou o trauma. Constatou-se que “no processo de construção de fantasias sobre sua infância, o indivíduo sexualiza suas lembranças” (Freud, [1909]1969, p. 209), e à medida que a criança vai crescendo ela procura apagar as recordações de suas atividades auto-eróticas. Como se vê, o termo recordação passa a agregar sentido específico no curso da teoria psicanalítica. Ele distancia-se tanto daquele empregado no método pré-psicanalítico como no uso corrente das palavras. Neste se faz