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Este ensaio examina as relações entre as políticas globais que equacionam a migração indocumentada com o tráfico de drogas, crime organizado e terrorismo internacional, e a formulação de políticas migratórias e de controle de fronteiras no brasil. O texto aborda as contradições e tensões entre direitos humanos e securitização, e os efeitos dessas políticas na vitimização, criminalização e violência contra migrantes e refugiados.
Tipologia: Provas
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Dossiê - migrações e políticas de acolhida: o direito à acolhida e o caráter securitário das leis de migração
_Bela Feldman-Bianco_*
Os anos de 2013 e 2014 destacam-se pela intensa participação das lideranças transmigrantes e de entidades que atuam junto a migrantes e refugiados na formulação de políticas públicas. Em nível de local, em maio de 2013, após anos de lutas, foi finalmente instituída a C oordenação de Políticas para Migrantes (CPMig), pela prefeitura de São Paulo, em meio à chegada de contingentes de haitianos que, após entrarem por via terrestre no Brasil pelo Acre, se dirigiam a essa cidade. Em nível nacional, recorrentes demandas de entidades e movimentos sociais em prol da substituição do malfadado Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980), baseado em segurança nacional, por uma nova lei de migração focalizando migrantes como sujeitos de direitos, pareciam enfim surgir como possibilidade concreta. Enquanto o Projeto de Lei nº 5.655, de 2009, conhecido como “projeto Lula”, continuava engavetado no Congresso Nacional, o Senado encaminhava um novo anteprojeto de lei de imigração, de autoria do Senador Aloysio Nunes (Projeto de Lei do Senado nº 288, de 2013). Também o Ministério da Justiça havia designado uma Comissão de Especialistas para a formulação de uma proposta mais ampla, que se intitulava “Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil” (Portaria nº 2.162, de 2013). Como parte dessa mesma proposta, ainda em finais daquele ano, a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ/MJ) criou, no âmbito da organização da 1º Conferência Nacional de Migração e Refúgio (COMIGRAR), o Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil sobre as Ações de Migração e Refúgio (CASC) Migrante^1 ). Assim, a SNJ planejou a 1º COMIGRAR como um amplo debate público capaz de oferecer subsídios para a criação de políticas públicas para migrantes e refugiados 2. Realizada em meados de 2014,
* Agradeço as leituras cuidadosas e sugestões de Eduardo Domenech e Marcia Anita Sprandel e as interlocuções sobre a temática com Reginaldo Nasser e Daniel Hirata, a quem também agradeço pelas indicações bibliográficas.
a COMIGRAR foi considerada um marco histórico para o debate das migrações no Brasil 3 , deixando, segundo o então secretário Paulo Abrão, “um legado de mobilização e sensibilização” 4. Mas, enquanto o processo de sua organização se constituiu em importante manifestação de democracia participativa, a inserção de uma Feira Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Experiências de Políticas Migratórias em sua programação oficial, sem sequer discussões prévias com os membros do CASC- Migrante, foi, no mínimo, paradoxal. Se a formulação do Anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes respondeu às demandas dos movimentos sociais, a inclusão de questões relacionadas ao tráfico de pessoas refletiu o alinhamento do Brasil às políticas globais de combate ao tráfico de drogas, ao crime organizado e ao terrorismo internacional que passaram a vigorar com maior veemência após o 11 de setembro de 2001. Apesar de reconhecer a relevância dessa problemática, que foi, aliás, objeto de várias oficinas no âmbito dessa I COMIGRAR, o Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), por mim coordenado, considerou que a parceria com uma organização que lidera os esforços transnacionais de combate ao tráfico de drogas, crime organizado e terrorismo internacional tinha o potencial de criminalizar a questão migratória. Como nossa avaliação foi feita com base em pesquisas, decidimos nos manifestar contra a manutenção dessa Feira, cuja concepção, no nosso entender, trazia à tona
[...] uma contradição entre o projeto democrático participativo da COMIGRAR - baseado em consultas prévias e foco nos direitos humanos – e a pauta anti- tráfico de pessoas produzida por agências multilaterais e utilizada, especialmente por governos do hemisfério norte, como instrumento de contenção da mobilidade humana, do livre exercício da prostituição e, em última análise, de criminalização da imigração (ABA, 2014, p.1). 5
Com o intuito de melhor explicitar e desenvolver essa proposição e descontinuidades posteriores, argumento, nesse ensaio, que as confluências e tensões entre migração e criminalidade - e, mesmo, entre direitos humanos, humanitarismo e securitização se tornaram parte constitutiva do desenho de um regime global de controle das migrações numa conjuntura de um capitalismo altamente destrutivo que tem ampliado as desigualdades sociais e criado contingentes de despossuídos (SASSEN, 2014). Assim, ao mesmo tempo em que predominam ideologias e retóricas ancoradas em “direitos humanos” e no humanitarismo, se produzem categorias sociais e políticas de governança tecnocrata de securitização, criminalização e desumanização da pobreza. Com a intensificação dos deslocamentos sociais e ecológicos, expulsões, brutalidade e precariedade da vida humana, o controle da circulação de migrantes
Nesse sentido, convém ainda esclarecer que organizações internacionais, como a Organização Internacional para as Migrações (OIM), UNODC e International Centre for Migration Policy Development (ICMPD) têm atuado na padronização e disseminação de visões hegemônicas sobre o fenômeno migratório e na consolidação de lógicas policialescas e securitizadas de “governança internacional das fronteiras”, formuladas a partir de nações centrais (Feldman 2011, Dias 2014, 2018)^9. Dessa forma, estratégias comumente utilizadas por imigrantes tendem a ser redefinidas em termos de contrabando de migrantes , tráfico de pessoas e imigração ilegal. A escolha de estrutura criminal para questões relacionadas à mobilidade humana resulta numa imbricação e tensões entre a questão migratória, securitização e o campo da justiça criminal produzindo, em última análise, violência (Dias, 2014). Como parte das estratégias de difusão dessas visões hegemônicas, inclusive para a América Latina, essas organizações internacionais têm reelaborado discursos de direitos humanos para a efetivação de práticas de vigilância e controle da mobilidade que enfatizam simultaneamente a proteção do bem-estar dos imigrantes e da integridade das fronteiras territoriais. Essa lógica, implícita no anúncio da Feira de Enfrentamento do Tráfico e Experiências de Migração , também norteia o Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular. Assim, ao mesmo tempo em que a Declaração de New York visa “proteger a segurança, a dignidade, os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os migrantes, em todos os momentos, independentemente do seu status migratório”, a noção de controle migratório e, por conseguinte, da migração enquanto problema , subjaz no uso de terminologia neoliberal e, principalmente, na ênfase em
fortalecer a governança global da migração, através do desenvolvimento de um pacote global para migração segura, ordenada e regular, inclusive trazendo (para esse fim) a OIM para a familia da ONU (IOM-OIM, 2018, [s/p] 10 ).
Como o Pacto Global das Migrações está sendo discutido com a participação dos movimentos sociais, cujas contribuições são de fundamental importância para direcionar as políticas em prol da proteção dos migrantes e contra a atual securitização e criminalização, torna-se importante problematizar e desconstruir categorias sociais como migração segura, ordenada e regular , imigrante irregular ou ilegal , assim como a atual equação entre migração indocumentada, tráfico de seres humanos, contrabando e terrorismo. Além do mais, como houve grandes mudanças no panorama nacional desde a realização da I COMIGRAR, é imprescindível levar em consideração as transformações institucionais ocorridas no Brasil desde o impeachment de Dilma Rousseff, incluindo a alteração de prioridades estabelecidas desde a era Lula: de um foco na América do Sul e na cooperação com os chamados países
emergentes, à reelaboração de uma visão de fronteira construída essencialmente a partir de programas e projetos que visam promover segurança via vigilância e controle (Sherma 2017) 11. Ademais, é preciso examinar as mudanças ocorridas na geopolítica do continente sul-americano, como também as possíveis repercussões e influências das vitórias do Brexit, na Inglaterra, e de Trump nos Estados Unidos, na reelaboração do nacionalismo brasileiro. Dessa perspectiva, pretendo examinar as relações entre, de um lado, políticas globais que equacionam a migração indocumentada com o tráfico de drogas, crime organizado e terrorismo internacional e, de outro, a formulação de políticas migratórias e de controle de fronteiras no Brasil, desde a I COMIGRAR, à luz dessas tensões entre direitos humanos e securitização. Com esse intuito, dedicarei especial atenção aos modos pelos quais as contradições e tensões inerentes à noção simultânea de proteção aos imigrantes e proteção às fronteiras tem engendrado vitimização, criminalização e violência, indicando ainda os processos atuais de crescente criminalização de pessoas e de controle militarizado de fronteiras e cidades, que são também inerentes às políticas globais da atualidade.
Análises sob a ótica do capital, como as da socióloga Saskia Sassen (2014), assinalam que as políticas e práticas neoliberais dos últimos trinta anos resultaram numa maior concentração de renda, inclusive numa nova lógica de expulsões (e dominação) representada por uma intensificação do número de pessoas, empresas e lugares que estão sendo expelidos do centro da ordem social e econômica. Por sua vez, o geógrafo David Harvey (2005) utiliza a noção de acumulação por despossessão para explicitar o papel central desempenhado pela despossessão/ou expulsões na modernidade neoliberal. Sua análise, com foco nos Estados Unidos e Europa, indica a emergência de um novo imperialismo que se nutre dos deslocamentos espaciais e temporais inerentes à acumulação por despossessão para a abertura de novos mercados, por meio de uma política internacionalista neoliberal de privatizações e de pressões exercidas por organismos mundiais, como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC). Crises como as ocorridas nas décadas de 1980 e 1990 na América Latina, assim como a grande recessão de 2008-2009 na Europa e nos Estados Unidos expressam formas de se lidar com problemas crônicos de superacumulação de capital. Essas crises afetam a vida das pessoas acarretando migrações,
Vale relembrar que historicamente a construção do “outro” –, classificado como estrangeiro racializado – tem representado, desde a formação do Estado- nação, ameaça latente por trazer à tona a questão da cidadania e a relação entre Estado e Nação (Bourdieu 1998). Categorias dicotômicas têm sido recorrentemente utilizadas para diferenciar imigrantes considerados desejáveis daqueles avaliados como indesejáveis , assim como a contínua centralidade das proibições de ingresso e das expulsões na construção social do imigrante enquanto problema. Classificações e racializações tanto por parte de políticas do Estado-nação quanto a violência estrutural do cotidiano são recorrentes no presente, como foram no passado – não só em relação aos imigrantes, mas também em relação a outras populações subalternas. No passado, numa conjuntura de formação de nação e de difusão de ideologias eugênicas e higienistas, as políticas imigratórias estabelecidas no século XIX visavam predominantemente o branqueamento através do recrutamento de determinados imigrantes europeus considerados agentes da civilização e progresso. Essas políticas classificavam como indesejáveis os chineses, os doentes físicos e mentais, os “subversivos” – nomeadamente os anarquistas, e os delinquentes, marginais e transgressores de leis jurídicas e morais, como as prostitutas, também conhecidas como escravas brancas, os traficantes de prostitutas ou ainda de entorpecentes (Domenech 2015; Seyferth 1997; Seyferth, 2000). Apesar de eventuais mudanças de legislação, as políticas de segurança nacional se perpetuaram no decorrer do século XX. Basta lembrar as campanhas de nacionalização da década de 1930, no esteio das políticas assimilacionistas americanas que apregoavam o “ melting pot ”. Mas, enquanto nos Estados Unidos essas políticas seletivas visavam a incorporação de imigrantes europeus e excluíam as “raças”, a campanha de nacionalização no Brasil demandava a assimilação de todos os imigrantes e, ao mesmo tempo, a miscigenação das “três raças” formadoras da nação (Seyferth, 2000). Durante o Estado Novo (1937- 1945), essa campanha, que contou com um grande protagonismo do Exército, “foi concebida como “guerra” para erradicação de ideias alienígenas, com o objetivo de impor o “espírito nacional”, através da erradicação das “escolas estrangeiras”, condenação do uso de idiomas estrangeiros, e nacionalização do ensino, entre outras violências (Seyferth, 1997:) Além dos debates no país refletirem, já naquela conjuntura, o fortalecimento de políticas internacionais mais controladoras e restritivas em relação ao processo migratório ao nível global, a discussão sobre cotas especialmente dirigidas ao “perigo amarelo” estava associada aos projetos eugenistas e de discriminação racial da época (Geraldo, 2009, p.206). Essas políticas, que relacionavam deportação e anarquismo ou comunismo, baseavam-se em uma construção hegemônica dos imigrantes anarquistas ou comunistas enquanto sujeitos perigosos cuja ideologia desafiava o Estado nacional e tornava legítima a violência do Estado (Domenech, 2015). Subsequentemente, o Estatuto do Estrangeiro, que esteve em vigor por 37 anos, de 1980 a 2017, guardou fortes referências à questão da segurança nacional do Estado Novo, apesar de algumas poucas modificações introduzidas
em 1991. Essa legislação criada durante a ditadura militar (1964-1984) que continuava a conceber os imigrantes como “caso de polícia” e lhes negava o direito de manifestação política e sindical, tornou-se anacrônica após o processo de redemocratização do país. Inúmeros de seus artigos entraram em contradição com o artigo 5º da Constituição de 1988, segundo a qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Com o processo de redemocratização, o Conselho Nacional da Imigração (CNIg), criado no âmbito do Estatuto do Estrangeiro e refundado em 1996, passou a contornar essa ultrapassada legislação através da formulação, coordenação e orientação de política migratória por meio de normativas baseadas em decretos e resoluções pontuais, envolvendo a solução de casos omissos no que se refere aos migrantes. Sua composição tripartite - com representantes de diversos órgãos do governo, sindicatos de trabalhadores, patronato, comunidade científica e observadores da sociedade civil - permitiu a incorporação de diferentes visões na construção de políticas Essa refundação do CNIg coincidiu com as mobilizações de lideranças da Casa do Brasil de Lisboa que, em conexão com suas lutas contra as políticas restritivas europeias, começaram a demandar direitos de cidadania no Brasil para os Brasileiros no Exterio r. Encontros entre migrantes brasileiros, governo, igreja e academia, realizados através dos anos, confluíram em torno de um movimento social global que orientou políticas públicas. Dada a conjuntura de recessão econômica, as políticas restritivas e de fechamento de fronteiras no Norte Global, a contínua migração transnacional de brasileiros e a intensificação das mobilizações, as intervenções do CNIg passaram a articular a emigração e a imigração. Consequentemente, na década de 2000, foram também formuladas várias ações para a proteção dos direitos dos migrantes brasileiros em interlocução com as propostas desse movimento social. Resoluções específicas também foram dirigidas aos novos contingentes migratórios que ingressaram no Brasil, formados por refugiados ambientais do Haiti, solicitantes de refúgio da África e do Oriente Médio, assim como chineses e sul-americanos, numa conjuntura marcada pela crise de 2008- e, no caso dos haitianos, especialmente devido ao terremoto de 2010. Esse foi o caso de medidas tomadas como resposta à massiva migração de haitianos que chegaram pelo Arco Norte do país, como consequência do desastre natural, sem a documentação para o ingresso no Brasil. Como a lei de refúgio (Lei nº 9.474, de 1997) não contempla o status de “refugiados climáticos” ou “refugiados ambientais”, optou-se pela emissão de vistos humanitários. Devido ao seu processo burocrático ser mais simples e rápido, esse tipo de visto também foi outorgado para os solicitantes de refúgio que escaparam dos conflitos do Oriente Médio. Essas medidas agilizaram procedimentos de registro, de controle e de regularização da situação migratória, contornando
outubro de 1988, a obrigatoriedade de permanência de migrantes já residentes que tenham cometido crime no país, a livre circulação de indígenas e populações tradicionais entre fronteiras, dentre outros vetos^15 .Igualmente, por pressão do Executivo, o CNIg foi excluído da nova lei pelo relator Tasso Jereissati, quando da discussão da nova lei no Senado 16. Por isso, esse conselho deverá se restringir à análise de questões laborais no âmbito das migrações internacionais. No processo de regulamentação que se seguiu e que deu origem ao decreto nº 9.199, de 2017, participaram, juntamente com a Casa Civil, os Ministérios da Justiça, Relações Exteriores e do Trabalho, este último representado pelo CNIg. Apesar de pressões de representantes das organizações que atuam junto aos migrantes e refugiados, inclusive através de carta assinada por mais de cem entidades pela aprovação da nova lei sem vetos, a única consulta presencial dirigida à sociedade civil foi realizada precisamente pelo fórum de participação social do CNIg. Como bem sumarizado por Acosta, Espinoza e Brumat (2018), o resultante decreto contradiz a Constituição de 1988 ao tornar possível a prisão de migrantes em situação indocumentada enquanto aguardam expulsão. Além de delegar extensos poderes à Polícia Federal em assuntos referentes à admissão, residência e expulsão de não-nacionais, o decreto não especifica as condições para a concessão de residência humanitária aos não nacionais, deixando essa decisão para ser feita conjuntamente pelos Ministérios da Justiça, Trabalho e Relações Internacionais numa outra fase 17. Dada essa situação, muito embora representantes da sociedade civil continuem a salientar os avanços representados pela mudança de paradigma da nova lei – da segurança nacional para um foco nos direitos humanos- chamam a atenção, ao mesmo tempo, os “retrocessos” que pautam o processo de regulamentação Na medida em que o processo de regulamentação trouxe à tona o espectro do antigo Estatuto do Estrangeiro e, por conseguinte, também as antigas agendas de securitização, podemos inserir esse decreto da nova lei no quadro de uma política de crescente securitização e militarização adotada pelo governo Temer, através da qual o Ministério da Defesa, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e a Polícia Federal reganharam o poder, resultando inclusive na criação de um novo Ministério da Segurança. Essa política também se reflete no decreto nº 8.903, de 2016, que instituiu o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras e organiza a atuação de unidades da administração pública federal para a sua execução com vistas ao fortalecimento da prevenção, do controle, da fiscalização e da repressão aos delitos transfronteiriços 18. Da mesma forma, a Operação Hashtag que prendeu dez pessoas um pouco antes da realização das Olimpíadas do Rio, através do acionamento da lei antiterrorista (Lei nº 13260, de 2016), sancionada por Dilma Rousseff, exemplifica essa tendência à securitização e criminalização. Ao mesmo tempo, a espetacularização dessas prisões também deve ser vista como resposta à pressão do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (GAFI) para que o Brasil adotasse leis com punições específicas para o financiamento do terrorismo, tendo em vista a proximidade desses grandes jogos esportivos 19. Não
por acaso essa lei antiterrorista, embora tenha recebido oito vetos, foi criticada por organismos internacionais, como ACNUR e a Green Peace, assim como pelo Instituto de Defensores de Direitos Humanos, Justiça Global, Conectas e movimentos sociais, como o MST e o MTST. Mais recentemente, a intervenção militar no Rio de Janeiro e mesmo a Medida Provisória nº 820, de 2018 e os dois decretos de Temer referentes aos venezuelanos que chegaram a Roraima, apesar da ênfase no caráter humanitário, também exacerbam a equação militarismo e segurança nas fronteiras e, como consequência, trazem à tona o perigo do Brasil se transformar em um “Estado policialesco”. Essa agenda de securitização e militarização superpõe-se e amplia a inserção do Brasil no combate global ao tráfico de drogas, tráfico de seres humanos e terrorismo. Também reflete um posicionamento diverso do país no continente sul-americano, indicando assim o surgimento de uma nova geopolítica que inclui alianças com a Colômbia, Peru e Estados Unidos, especialmente com referência à Venezuela. Torna-se, portanto, necessário refletir sobre o impacto dessas mudanças institucionais na mobilidade (e imobilidades) de migrantes, refugiados e outros deslocados, no contexto das tensões prevalecentes entre proteção às pessoas e proteção às fronteiras e processos recentes de progressiva securitização e militarização inerentes ao regime global de controle das migrações internacionais.
Vale relembrar que quando o Comitê Migrações e Deslocamentos da ABA se posicionou, ainda em 2014, contrariamente à realização da Feira de Enfrentamento do Tráfico e Experiências de Migração no âmbito da I COMIGRAR, pesquisas antropológicas em andamento salientavam que o acionamento do regime de combate ao tráfico de pessoas, através do Protocolo de Palermo, tendia a categorizar pessoas consideradas vítimas de tráfico simultaneamente enquanto vítimas e migrantes em situação indocumentada , sujeitas, por conseguinte, à criminalização e deportação ( Dias e Sprandel 2011; Piscitelli 2012, Silva, Blanchette e Bento 2013). Assim, as estratégias nacionais, estimuladas principalmente por organizações supranacionais e internacionais, voltavam-se à prevenção e controle da migração internacional de brasileiras e brasileiros considerados das camadas pobres, racializadas e potenciais aspirantes ao trabalho sexual, assim como às ações policiais repressivas sobre a prostituição em diversas cidades do Brasil (Piscitelli 2017). Levando em conta o cenário internacional, Piscitelli e Lowenkron (2015), num estudo comparativo entre Brasil e Espanha argumentaram que, apesar de diferenças significativas no que se refere à implementação do Protocolo de Palermo – que é o principal instrumento de combate ao tráfico de pessoas e de proteção aos direitos fundamentais das
Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF) e a já extinta Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) do Governo Dilma Rousseff são bastante semelhantes. Não por acaso ambos investem em política similar, através da atuação integrada e coordenada de órgãos de Segurança, Inteligência, Receita Federal e do Estado-Maior das Forças Armadas. Nesse sentido, chama a atenção que a publicação de um importante diagnóstico, intitulado Segurança Pública nas Fronteiras (Neves, Baptista, Engel e Misse, 2016), realizado entre 2012 e 2014 sob encomenda da Secretaria Nacional de Justiça, que teve o mérito de problematizar e desconstruir as políticas de securitização e militarização, fundadas em
uma prevalecente visão homogeneizante sobre a fronteira enquanto local de práticas ilegais, de grande insegurança cotidiana e de localização de grupos criminosos estrangeiros ativos, em grande parte originada por um desconhecimento do que ocorre nesses municípios de fronteira (...), result(ando) na estigmatização das populações fronteiriças, especialmente as mais vulneráveis e de baixa renda (NEVES, BAPTISTA, ENGEL, MISSE, 2016, p.23)
sequer tenha sido levada em consideração pelo então recém empossado Governo Temer. Das regiões pesquisadas, o Arco Norte - formado pelo Amapá, Pará, Amazonas, Acre e Roraima - se distingue por abranger 63% dos 16. quilômetros totais da linha de fronteira do Brasil - cruzando especificamente com a Guiana Francesa, o Suriname, a República da Guiana, a Venezuela, a Colômbia, o Peru e a Bolívia - e, ao mesmo tempo, pelas vastas extensões de “espaços vazios” 20. Segundo o diagnóstico em pauta, no transcurso dos grandes e sucessivos projetos de desenvolvimento econômico nem sempre bem- sucedidos, as populações da região têm se dedicado a uma economia incipiente que, embora pouco articulada com o resto do país, é vital para os seus habitantes. Portanto, a circulação de pessoas e mercadorias, realizada, sobretudo, por meio dos rios, é estruturadora das trocas e interações sociais que se conformam na região, tanto no âmbito do território nacional como em suas relações com os países vizinhos ao Brasil. Embora certos fluxos de mercadorias ilícitas ou de contrabando utilizem os mesmos caminhos das mercadorias legais, a circulação de pessoas, que em sua maioria procuram trabalhar e viver, é fundamental para o desenvolvimento sustentável da região. Como os grandes contrabandos de drogas são realizados por grupos política e economicamente poderosos através de via fluvial, não se pode penalizar o pequeno varejo realizado pelas assim chamadas “mulas” das camadas mais baixas da população que usam a fronteira terrestre. Por isso, os autores do diagnóstico advertem que “(a)s questões de segurança pública não podem de forma nenhuma bloquear ou dificultar esta
rede de troca tão importante para o Arco Norte sob o risco de produzir efeitos deletérios não apenas para a economia da região como também para a própria área de segurança pública” (NEVES, BAPTISTA, ENGEL, MISSE, 2016:40)^21 Essa conclusão está implícita na análise realizada por Daniel Hirata (2015) que participou da equipe de pesquisadores responsáveis por esse diagnóstico, cuja perspectiva histórica lhe possibilitou detectar a substituição, desde o final da década de 1990, de uma lógica bipolar prevalecente, centrada em guerras entre nações, por políticas globais que intercruzam políticas de segurança contra oponentes internos e políticas de defesa nacional contra inimigos externos em torno do combate às drogas, ao crime organizado transnacional, tráfico de pessoas e o terrorismo que ameaçam os espaços urbanos. Segundo ele, esse entrelaçamento de políticas voltadas à proteção das fronteiras e ao combate aos chamados ilícitos fronteiriços que abastecem os mercados de drogas nas grandes cidades encontraram ressonância na história local reforçando, assim, a tendência histórica de povoamento da região através do estabelecimento de bases militares e a centralidade do militarismo. Nesse contexto, no seu afã de seguir a agenda e o formato internacional de combate ao tráfico de drogas, tráfico de pessoas e o contrabando, a atuação estatal do Arco Norte deslocou-se de um projeto de desenvolvimento iniciado em 2004, que apenas tangenciava a segurança pública, para um projeto de segurança pública voltado a combater a circulação dos assim chamados bens ilícitos que perigosamente margeiam questões relacionadas ao desenvolvimento da região por seu potencial de entrar em conflito com a economia e o sistema de trocas locais. Para além do sistema de trocas locais e transnacionais e do comércio de mercadorias licitas e ilícitas, migrantes internacionais e solicitantes de refúgio têm ingressado no Brasil, por via terrestre através das fronteiras do Arco Norte, principalmente dos estados do Acre, Roraima e Amazonas. Basta lembrar o grande afluxo de haitianos, logo após o terremoto de 2010 e, em menor proporção, de senegaleses pelas fronteiras dos estados de Amazonas e Acre. Mais recentemente, diferentes segmentos da população venezuelana, inclusive indígenas que não possuem uma concepção ocidental de fronteira e que não pretendem se fixar no Brasil, têm chegado principalmente via Roraima. Entretanto, esses fluxos de pessoas têm sido invariavelmente categorizados como causando uma “crise” ou “invasão”, seja no caso de haitianos, ou de venezuelanos. Para além da falta de infraestrutura e de políticas de acolhimento e acompanhamento, essas categorizações também apontam para a implícita discriminação e xenofobia contra o “outro”: estrangeiras e estrangeiros racializados, vivendo em situação de precariedade. Apesar de detenções iniciais, esses migrantes conseguem cruzar as fronteiras brasileiras, já que o padrão tem sido, no mais das vezes, não a de negar a entrada, mas, sim, de controlar, registrar, regularizar e emitir vistos para quem entra. No caso dos haitianos, a Resolução Normativa nº 97, de 2012 do CNIg, que concedeu o visto em caráter humanitário, permitiu gerenciar a suposta “crise”
Venezuela, a situação é mais complexa. Um trecho do pronunciamento de um representante do Ministério das Relações Exteriores no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, deixa clara a relação entre a chegada de venezuelanos à Roraima e a situação política e econômica da Venezuela, inclusive a posição do Brasil face ao atual governo venezuelano.
Sobre os fatores de expulsão desses fluxos (de venezuelanos), não há como deixar de mencionar a crise política...a violação dos direitos humanos. (... ). Há um regime de arbítrio que motivou inclusive a suspensão da Venezuela do Mercosul (...) Quadro preocupante de violação sistemática dos direitos humanos. (Esse) regime de arbítrio motivou a suspensão da Venezuela do Mercosul (...). Estamos empenhados em aumentar a pressão visando a restauração do regime democrático (COSTA, 2018, [s/p]^25.
É nesse sentido que necessitamos examinar o papel destacado do Ministério de Defesa em Roraima que deve ser entendido não somente em relação à situação dos venezuelanos em Roraima, mas também no que concerne à antiga logica bipolar de segurança nacional. Dessa perspectiva, podemos entender a contradição apontada por Asano (2018) em relação a emissão de vistos de residência temporário, em vez de vistos de acolhida humanitária, assim como a possibilidade de se conseguir residência temporária sem a necessidade de desistir de eventual solicitação de refúgio no Brasil. Aliás, refúgio e refugiados são categorias que expressam posicionamentos diferentes em relação à Venezuela. Assim, enquanto a presença da Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) em Roraima proporciona legitimidade ao uso dessas categorias, outras organizações, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), não aceitam essa definição para os imigrantes venezuelanos. Independentemente das políticas locais, mais favoráveis ou menos favoráveis à entrada de imigrantes, migrantes haitianos, senegaleses ou venezuelanos enfrentam condições precárias de abrigamento, falta de infraestrutura e violências tanto do Estado como no cotidiano. Dada a ausência de políticas de acolhida e acompanhamento, são os agentes que trabalham com imigrantes, como Igrejas e ONGs, inclusive organizações internacionais, que assumem a responsabilidade assistencial. Basta lembrar dos haitianos despachados de ônibus do Acre diretamente para a Missão Paz e a atual violência xenofóbica em Roraima, com queima de acampamentos, expulsão de venezuelanos e registro de mortes em Macajaí. Apesar de planos e alocação de verbas de R$ 190.000.000, ao Ministério da Defesa para assistência emergencial e acolhimento humanitário para imigrantes venezuelanos, ainda não foram apresentados programas concretos relacionados aos direitos fundamentais dos cidadãos, sejam eles brasileiros ou imigrantes 26.
As ações do governo federal em Roraima também se cruzam com a intervenção militar no Rio de Janeiro. Tanto a região do Arco Norte como a cidade do Rio de Janeiro possuem sucessivas experiências de militarização. Enquanto no caso do Arco Norte, a militarização esteve historicamente voltada à proteção das fronteiras territoriais, no Rio de Janeiro, as experiências urbanas militarizadas, como por exemplo, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) têm como focos as favelas da cidade. Caracterizadas até a década de 1970 como territórios de trabalhadores, favelas e periferias passaram a ser consideradas como loci do crime e do narcotráfico (FELTRAN, 2016). Analises de processos judiciais e administrativos relacionados a assassinatos de moradores de favela praticados por policias – os chamados autos de resistência - trazem à tona uma narrativa dominante que define a favela como espaço de desordem caracterizado pela ausência ou presença precária do Estado. Essa alegada precariedade serviu como justificativa para o estabelecimento de políticas de pacificação e militarização da favela. Em contraposição, militantes e movimentos de familiares de pessoas assassinadas por policiais - no mais das vezes homens negros - buscavam construir e denunciar tais mortes como homicídio e estabelecer, através de provas documentais, outro relato sobre os assassinados capaz de desfazer a narrativa do auto de resistência que os categoriza como traficantes, bandidos ou vagabundos para que possam ser reconhecidos como trabalhadores e respeitadores da ordem e ultimamente como vítimas (Vianna e Facundo 2015; Sanjurjo e Feltran 2015; Sanjurjo, 2018). Essa violência de Estado voltada contra moradores das favelas e das periferias está centrada numa criminalização e racialização seletiva, que inclui pacificação, encarceramento ou mesmo exterminação. Essas políticas estatais trazem, portanto, à tona a atual lógica de exclusão subjacente no capitalismo corporativo contemporâneo que descarta massas de despossuídos consideradas inúteis e que sequer têm direito a serem humanos. A intervenção federal militarizada decretada pelo governo Temer, combinando a tradição autoritária da elite brasileira com as atuais políticas globais, segue a mesma lógica de securitização.
Ao explicitar as razões que levaram o Comitê Migrações e Deslocamentos da ABA a se manifestar contra a inserção de uma Feira Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Experiências de Políticas Migratórias no âmbito da I COMIGRAR, confrontei-me com o desafio de discernir, através de uma perspectiva global das migrações e deslocamentos, as contradições e tensões que permearam a demanda, formulação e regulamentação de uma nova política nacional de migração e a ratificação de políticas globais que combinam retóricas de direitos humanos, humanitarismo e governança tecnocrata de securitização, criminalização e desumanização da pobreza. Esse desafio me fez retroceder ao período 2002-2010 quando, concomitantemente às demandas de migrantes
As tensões entre direitos humanos e políticas de securitização também foram constitutivas do processo de formulação e regulamentação da nova lei de migração que deu origem ao decreto nº 9.199, de 2017. Mas, enquanto a versão da lei aprovada no Congresso Nacional foi essencialmente resultado de negociações entre movimentos sociais de/e/ ou que atuam junto a migrantes e refugiados e governo, as polarizações entre os que eram a favor e os que eram contra à aprovação da nova lei recrudesceram após a deposição de Dilma Rousseff da presidência da República e das vitórias do Brexit na Inglaterra e de Trump nos EUA. No contexto desses embates e da posterior ausência de participação social no processo de regulamentação, esse decreto trouxe à tona, como vimos, a superposição da antiga lógica bipolar de segurança nacional vigente no Estatuto do Estrangeiro com o temor “às novas ameaças”, representadas pela atual equação entre migração indocumentada, tráfico de drogas, terrorismo, acrescida do “ perigo” da “islamização” do Brasil. Apesar das significativas alterações impostas à versão que havia sido aprovada no Congresso Nacional, representantes da Igreja, de ONGs e da academia que atuam junto/ ou estudam migrantes e refugiados consideram que a nova lei significa uma mudança de paradigma – da segurança nacional aos direitos humanos. Porém, ao mesmo tempo, juntamente com alguns deputados, continuam empenhados em contornar vetos presidenciais, como por exemplo, a anistia aos imigrantes em situação indocumentada, através de resoluções do Congresso Nacional. Comparativamente, as políticas do governo neoliberal de Temer mesclando o tradicional autoritarismo das elites brasileiras, antigas noções de segurança nacional e o temor às novas ameaças, refletem a guinada para a direita que está ocorrendo no continente sul-americano (DOMENECH 2017). Além de dar continuidade às políticas de securitização das gestões Dilma Rousseff, esse governo federalizou e militarizou a escala local (Rio de Janeiro) no que tange à “ guerra às drogas” e estadual (Roraima), no que concerne à imigração venezuelana e à proteção de fronteiras. No processo, ampliou a inserção do Brasil no combate global ao tráfico de drogas, tráfico de seres humanos e terrorismo e, portanto, no regime global de controle das migrações. Ao se afastar dos movimentos sociais e restringir a participação social, faz relembrar o aforismo de Sergio Buarque de Holanda (1936) de que no Brasil (atual) “a democracia não passa de um grande mal-entendido”. Não por acaso, esse governo representa o (velho) nacionalismo e os interesses da antiga e nova direita com suas demandas por políticas de securitização e militarização do país e, inclusive, pelo retorno do Estatuto do Estrangeiro. Mas, surpreendentemente, enquanto o CNIg, com sua composição tripartite, contornava o anacronismo desse malfadado Estatuto através da formulação, coordenação e orientação da política de migração por meio de normativas baseadas em decretos e resoluções específicas, envolvendo a solução de casos omissos, após a regulamentação da Nova Lei, ainda não está claro como será realizada a política migratória. Dada a federalização de Roraima, por exemplo, a centralização está sendo feita pela Casa Civil.
No caso da intervenção federal no Rio de Janeiro, os assassinatos de Marielle Franco, vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e defensora dos direitos dos negros, favelados e homossexuais, e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, expõem a existente polarização entre direitos humanos e políticas de securitização e militarização da pobreza. Se, de um lado, essas mortes, definidas como “execuções”, apontam para uma direção trilhada pelo México - de avanço das milícias e paramilitares; de outro lado, a comoção diante dessa violência institucionalizada e as contínuas manifestações de repúdio a essa violência – tanto em nível local, quanto nacional e internacional – têm o potencial de direcionar a luta em prol da dignidade humana.
(^1) A Coordenação de Políticas para Migrantes (CPMig) foi criada no âmbito da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, a partir do Artigo 242 da Lei nº 15.764, de 27/5/13. Seu objetivo é articular as políticas públicas migratórias no município de forma transversal, intersetorial e intersecretarial. Para mais informações sobre os serviços e funcionamento da CPMig, acesse o link. http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ direitos_humanos/migrantes/coordenacao/index.php?p=
(^2) Esse comitê, formado por representantes de 18 entidades da sociedade civil que atuam junto a migrantes e refugiados, se tornou responsável pelo acompanhamento, orientação, consulta e supervisão das políticas públicas, ações e programas sobre migrações e refúgio. À respeito ver: http://www.ikmr.org.br/2013/12/secretaria-nacional-de-justica-cria-estrutura- especializada-em-refugio/ www.ikmr.org.br/2014/02/comigrar-faz-apresentacao-na-reuniao-de-instalacao-do-comite- de-acompanhamento-pela-sociedade-civil-sobre-acoes-de-migracao-e-refugio/
(^3) A I COMIGRAR resultou de um processo participativo bastante abrangente, com a realização de 202 conferências preparatórias em mais de 10 estados brasileiros, abarcando as cinco regiões do país e o exterior. Contou com um total estimado de mais de 5 mil pessoas que participaram de conferências livres, organizadas por entidades da sociedade civil e universidades, ou de conferências municipais e estaduais convocadas pelos governos locais, e que produziram cerca de 2.800 propostas. Para saber mais informações acesse o link: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/migracoes/conferencia-nacional-sobre-migracoes- e-refugio
(^4) Ver: http://desacato.info/comigrar-um-ano-depois/
(^5) Ver: http://participa.br/comigrar#.WmPRXa6nF1s.
(^6) Petição do Comitê Migrações e Deslocamentos/ Associação Brasileira de Antropologia sobre a I COMIGRAR. A Petição está disponível em: http://www.portal.abant.org.br/images/Noticias/28_Peti%C3%A7%C3%A3o_ Comit%C3%AA_Migra%C3%A7%C3%B5es_e_Deslocamentos-ABA_sobre_a_I_Comigrar.pdf
(^7) Domenech (2017) apresenta uma excelente revisão bibliográfica sobre a construção de um regime global de controle das migrações internacionais.