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Psicanálise e Literatura –. Dicionários. I. Andrade, Vania Maria Baeta, 1967-. II. Castello. Branco, Lucia, 1955-. III. Paula, Janaina de.
Tipologia: Resumos
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Edição: Cas´a´screver Bordados: Julia Panadés Preparação dos originais: Janaina de Paula, Maraíza Labanca e Vania Maria Baeta Andrade Projeto gráfico: Sebastião Miguel
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Priscila Oliveira da Mata – CRB/6-
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-68235-13-
Novo dicionário de migalhas da psicanálise literária [recurso eletrônico] / Organizadora: Vania Maria Baeta Andrade. – Belo Horizonte : Cas’a’screver, 2016. 1 recurso on-line.
N
CDD : 803
Resultado de um projeto de pós-doutorado CAPES/PNPD, supervisionado pela professora Dra. Lucia Castello Branco, que teve como bolsistas de pós-doc. Vania Maria Baeta Andrade e Janaina de Paula.
Disponível:<http://issuu.com/novodicionariodemigalhasdapsican ali/docs/novodicionario_psicanalise>
A proposta feita aos colaboradores desta pesquisa foi tomar o trabalho da citação^1 em sua dimensão de prática da letra. Trata-se de realizar, de alguma forma, o sonho ou o desejo de Walter Benjamin: construir um texto, inteira e intensamente, composto de citações. Portanto, descontextualizar e recontextualizar, produzindo uma nova constelação desejante, em que as vozes convocadas produzam um efeito que, certamente, há de desautomatizar algumas leituras cristalizadas, outras autorizadas como se fossem representantes das ideias do autor.
Não se trata, pois, aqui de compreender ou apreender este ou aquele conceito ou noção, mas de se aventurar na prática da letra, como testemunha Lacan em sua homenagem a Marguerite Duras: “Que a prática da letra converge com o uso do inconsciente é tudo de que darei testemunho ao lhe prestar homenagem”^2. Se o psicanalista emprega aí o termo “testemunhar”, não seria por que sua experiência de leitura do texto durasiano foi a de um arrebatamento que tocou as raias do impossível, ou seja, do Real , tal qual elaborado por ele?
Palavra em ponto de p
Como letra recortada da p oesia e da loucura, em 1998 a pesquisa “A devoração da Imagem: o p oético e o p sicótico”, financiada pelo CNPq, culminou no livro Coisa de louco , organizado pela Profa. Dra. Lucia Castello Branco. Nele, encontramos um artigo que, mais do que um artigo, definiu conceitualmente os rumos empreendidos pelo trabalho que ora apresentamos; menos que um artigo, tornou-se letra operadora do desejo de transmissão de uma prática: a prática da letra. Trata-se do texto “Palavra em ponto de p”, de onde “Palavra em ponto de dicionário”. Reconhecendo, pois, este trabalho como pertencente à linhagem inaugurada por aquele, buscamos aqui “sempre a coisa que o signo já não é, como se possível fosse”^3 ; buscamos “o além da linguagem, o impronunciável, o Real”^4.
Só assim, a partir da narrativa ao ponto poético da palavra, e da redução da palavra a seu ponto de letra, a seu ponto de p, pode-se renomear as coisas, acreditando, quem sabe, que os nomes de fato não são nomes, mas as coisas mesmas, em sua singularidade, em sua corporeidade, em sua matéria bruta.^5
“Desse processo ‘coisal’ da redução da palavra a seu ponto de materialidade, à própria materialidade da letra, os poetas e os psicóticos parecem saber bem”^6 , ensina-nos Lucia Castello Branco. Por isso, inicialmente, nosso projeto previa que as definições das palavras deste dicionário (que precedem o “mosaico de citações”) fossem elaboradas
1 Conforme elaborado por COMPAGNON, Antoine. O trabalho da citação. Trad. Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996. 2 LACAN. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein. In: LACAN. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 200. 3 BRANCO, Lucia Castello. Palavra em ponto de p. In: BRANCO, Lucia Castello (Org.) Coisa de louco. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1988, p. 36. 4 BRANCO, Lucia Castello. Palavra em ponto de p. In: BRANCO, Lucia Castello (Org.) Coisa de louco. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1988, p. 36. 5 BRANCO, Lucia Castello. Palavra em ponto de p. In: BRANCO, Lucia Castello (Org.) Coisa de louco. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1988, p. 36. 6 BRANCO, Lucia Castello. Palavra em ponto de p. In: BRANCO, Lucia Castello (Org.) Coisa de louco. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1988, p. 37.
em oficinas oferecidas em algumas Instituições da Rede Pública de Saúde Mental — umas já em funcionamento, herdeiras da pesquisa supracitada; outras em vias de criação, resultado desta pesquisa.
No entanto, a via literal conduziu-nos à radicalização da experiência, tomando a própria palavra escrita em sua acepção de phármakon : como uma pílula de (in)sanidade^7. Seguindo as raias do impossível, foram ofertadas aos colaboradores do dicionário (pesquisadores, psicanalistas, artistas, professores e escritores) oficinas (nomeadas de “prática da letra”, a fim de definir bem seu suporte teórico e seu escopo) que colocassem as palavras/verbetes e seus sujeitos a trabalho. Essa deriva apresenta um aspecto promissor, pois ela aposta na transmissão das práticas via experiência com profissionais, que têm potência de disseminar, ou seja, de manter “o começo prosseguindo”, conforme lemos em O começo de um livro é precioso , livro de Maria Gabriela Llansol, que orientou algumas práticas realizadas no percurso desta pesquisa:
O começo de um livro é precioso. Muitos começos são preciosíssimos. Mas breve é o começo de um livro — mantém o começo prosseguindo. Quando este se prolonga, um livro seguinte se inicia. Basta esperar que a decisão da intimidade se pronuncie. Vou chamar-lhe fio ______ linha, confiança, crédito, tecido. 8,^9
O resultado desse exercício de confiança não deixou de revelar seu caráter biografemático , o que pode ser vislumbrado nas definições a seguir, que precedem cada “mosaico de citações”. Poderia mesmo soar estranho que um dicionário revelasse traços biográficos, já que é de se esperar que esse seria o livro mais impessoal de todos os livros. Contudo, e mais uma vez, o vislumbre do poeta serviu-nos de horizonte: o lugar e a importância do estranho, assim como trabalhado por Freud em seu artigo “ Das unheimliche” , que incide como uma espécie de litoral entre literatura e psicanálise^10 ; o lugar e a importância de um “Glossário de transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) – ou menos” 11 , tal qual formulado por Manoel de Barros; o temor diante da “impostura da língua”, segundo Maria Gabriela Llansol, o que nos permitiu transitar “no intervalo do afecto entre os perigos do poço e os prazeres do jogo ”^12 , de forma a bordejar o insabido, reinstaurando-o; a leitura compartilhada com Juliano Pessanha, escritor que nos ensina: ler é emprestar sua ferida para receber a ferida do outro^13. Por fim, um dicionário sonhado como uma antologia lírica e autobiográfica, como o desejou um dia Guimarães Rosa.
Portanto, nesse processo “coisal” de redução da palavra a seu ponto de materialidade, à própria materialidade da letra , a seu ponto de p, que Lucia Castello
7 Cf. a esse respeito DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras, 1997. 8 LLANSOL, Maria Gabriela. O começo de um livro é precioso. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p.1. 9 Cf. a esse respeito BRANCO, Lucia Castello; COSTA, Erick Gontijo; OLIVEIRA, José Marcos; ROCHA, João. "Prática da letra". In: LEITE, Nina Virgínia de Araújo; MILÁN-Ramos, J. Guillermo; MORAES, Maria Rita Salzano (org.). De um discurso sem palavras. Campinas: Mercado das Letras, 2012. 10 Cf. a esse respeito PORTUGAL, Ana Maria. O vidro da palavra : o estranho, literatura e psicanálise. Belo Horizonte: Autêntica,
11 In: BARROS, Manoel de. Gramática expositiva do chão (Poesia quase toda). 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992, p. 214. 12 LLANSOL, Maria Gabriela. Amar um cão. In: LLASOL, Maria Gabriela. Cantileno. Lisboa: Relógio D´Água, 2000, p. 42. 13 Esse modo de ler nos foi transmitido nos encontros com o escritor Juliano Pessanha, em "práticas da letra" oferecidas aos colaboradores do dicionário durante o processo da pesquisa. A esse respeito cf. PESSANHA, Juliano Garcia. Ensaio de filosofia fisionômica: Nietzsche e o estranhamento do mundo. In: Revista Natureza humana - Filosofia e psicanálise. vol. 16, n. 1, 2014. pp. 141-148.
da palavra escolhida por Guimarães Rosa para nomear seu dicionário: autobiografia. A palavra procura uma escrita (seu sistema, sua pontuação, seus vazios e espaços, suas letras) que cifre o sonho de cada escrevente; a escrita que (re)vele o sopro de leitura no manuseio da cópia; a escrita que transporte, traduza, transponha a palavra-buraco de cada um.
Cada sujeito chegou a esta pesquisa com sua(s) palavra(s): assujeitado já a ela. Então, pesemos a palavra: cada uma foi sustentada e sustentou; foi suportada e suportou, durante os cinco anos deste trabalho, aquele que foi seu “verbetante”, seu “letrante”. Essas palavras ( verbetante , letrante ) foram surgindo durante o percurso da pesquisa, nomeando, assim, seus colaboradores, a partir da exclamação de Ruth Silviano Brandão, que bradou: — “Não estou sabendo verbetar”. Com esse verbo, dicionarizado, foi reativado o particípio presente — “verbetante”, em que ecoa “analisante”.
Resguardada a infinita diferença, que separa este trabalho daquele imenso empreendimento roseano, apenas apontamos, com um sorriso nos lábios, a convergência que descobrimos ao ler “Os vastos espaços” de Paulo Rónai, que introduz as Primeiras estórias de João Guimarães Rosa: “Outro meio de enriquecer a expressão é impedir-lhe o empobrecimento. A ele recorre o autor de Primeiras estórias ao reativar o particípio presente, em via de desaparecimento, restituindo-lhe toda a força verbal”^16.
Convergências
No primeiro semestre de 2012, no curso ofertado na pós-graduação da Faculdade de Letras da UFMG em virtude desta pesquisa, encontramos, no livro de Jacques Derrida — Mal d´archive —, a discussão em torno da leitura de Yosef Hayim Yerushalmi^17 de um certo judaísmo negado em Freud, ou melhor, de uma certa judeidade da psicanálise. Em meio a essa discussão, Yerushalmi coloca em relevo um documento precioso que, segundo ele, foi subestimado pelos historiadores, já que jamais obteve a devida atenção ou a relevância que mereceria. Trata-se de uma dedicatória escrita pelo arquipatriarca da psicanálise, Jakob Freud.
Em 1891, por ocasião do 35º aniversário de Sigmund Freud, seu pai resolve presenteá-lo de uma maneira pouco usual. Ele resolve “redoar-lhe”, ou seja, dar-lhe novamente o “ Livro dos livros ”, a Bíblia da infância de Freud. Nesse livro, uma Bíblia de Philippsohn, Freud aprendera a ler^18. E, agora, com uma nova capa de couro, com uma nova pele, o pai a oferece ao filho novamente, mas, dessa vez, com uma dedicatória, um texto escrito em hebraico, que poderia ser considerado como uma dedicatória-testamento ou, nas palavras de Derrida, um “Arqui-arquivo”:
Filho que me é querido, Shelomoh. No sétimo ano dos dias de tua vida, o Espírito do Senhor começou a te agitar e Ele se dirigiu a ti: Vai, lê no meu livro, este que eu escrevo, e se abrirão para ti as fontes da inteligência,
16 RÓNAI, Paulo. Os vastos espaços. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001, pp. 14-47. 17 YERUSHALMI, Yosef Hayim. Le Moïse de Freud. Judaïsme terminable et interminable. Paris: Éditions Gallimard, 1991. pp. 138-153. 18 Cf. O termo Trieb (conceito fundamental da psicanálise) na Bíblia judaica lida por Freud na infância. In: HANNS, Luiz. Dicionário comentado do alemão de Freud. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1996, pp. 341-342.
do saber e da sabedoria. Este é o livro dos livros onde os sábios mergulharam, onde os legisladores aprenderam o saber e o direito. Tu tiveste uma visão do Todo-Poderoso, tu escutaste e te esforçaste para fazer e voaste nas asas do Espírito. Desde então, o Livro ficou reservado, como os restos da mesa, numa arca aos meus cuidados. Nesse dia, onde teus anos chegaram a cinco mais trinta, eu o recobri com uma nova capa de pele e o chamei “jorrai, ó poços, cantai-o!” e dediquei-o a ti para que seja para ti um memorial, um lembrete da afeição de teu pai que te ama com amor eterno.
Jakob filho de R. Shelomoh Frei [ sic ] Em Viena, capital, 29 nissan [5]561. 6 de maio [1]891. 19
Essa dedicatória-testamento, segundo Yerushalmi, é o único texto canônico de Jakob Freud que chegou até nós. Ele é, então, de fulcral importância para, no mínimo, a história da psicanálise. Diante disso, o historiador se põe a lê-lo, ou seja, a decifrar o texto, já que ele é escrito como um melitzah , ou seja, justamente, como um “mosaico de citações”.
Àqueles que dentre vocês são versados na literatura hebraica ficará claro, imediatamente, que essa dedicatória é inteiramente redigida em melitzah, que ela é construída de um mosaico de fragmentos e de expressões extraídas da Bíblia , da literatura rabínica ou da liturgia, reunidas e tecidas juntas, de maneira a formar um texto coerente, refletindo os pensamentos do autor. De certa maneira, o procedimento se aproxima do desejo, expresso por Walter Benjamin, de escrever um dia uma obra unicamente composta de citações. Seja como for, essa era uma técnica abundantemente utilizada pelos poetas e prosadores da língua hebraica, desde a Idade Média até a Haskalah , e mesmo até o século XIX, pelos escritores tradicionais ou modernos. 20
No que diz respeito à interpretação da Torah, há quatro níveis possíveis de interpretação: 1) Pechat – interpretação literal ; 2) Rêmez – interpretação metafórica (a partir de um versículo, buscam-se significados não aparentes); 3) Derash – interpretação por meio da busca de novos significados (associação de diferentes versículos); 4) Sod
Ora, um texto redigido em melitzah tem de particular o fato de que cada palavra reenvia ao contexto do qual foi extraída, de tal forma que, para além de seu sentido imediato, as frases compostas de citações fazem ressoar
19 Cf. DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo. Uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 36. 20 « A ceux d´entre vous versés dans la littérature hébraïque, il apparaîtra immédiatement que cette dédicace est entièrement rédigée en melitzah, qu´elle est constituée d´une mosaïque de fragments et d´expressions tirés de la Bible, de la littérature rabbinique ou de la liturgie, réunis et tissés ensemble de façon à former un texte cohérent reflétant les pensées de l´auteur. D´une certaine manière, le pro- cédé s´apparente au désir exprimé par Walter Benjamin d´écrire un jour une œuvre uniquement composée de citations. Toujours est-il que c´était une technique littéraire abondamment utilisée par les poètes et les prosateurs de langue hébraïques depuis le Moyen Age jusqu´à la Haskalah, et même jusqu´au XIX e^ siècle par des écrivains traditionalistes ou modernes. »YERUSHALMI, Yosef Hayim. Le Moïse de Freud. Judaïsme terminable et interminable. Paris: Éditions Gallimard, 1991. pp. 138-153. (Tradução nossa).