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Norbert Elias Introdução à Sociologia, Notas de estudo de Sociologia

Introdução ao Estudo da Sociologia no Direito

Tipologia: Notas de estudo

2015

Compartilhado em 10/10/2015

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Baixe Norbert Elias Introdução à Sociologia e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity!

p:EDUCAÇÃO E SOCIOLOGIA, Émile Durkl

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9' HISTORIA

(^) DA GEOGRAFIA, Paul Claval

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NORBERT ELIAS INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA

Assinada por um dos nomes máximos da Sociologia contemporânea, esta introdu- ção tem o mérito de constituir uma abor- dagem diferente, nada convencional e de grande poder de síntese. Sucessivamente, Norbert Elias retoma as interrogações

formuladas por August Comte acerca da Sociologia; fala do papel do sociólogo como destruidor de mitos, das caracterís- ticas universais da sociedade humana e da teoria do desenvolvimento social.

Introdução

à Sociologia

Título original: Was ist Soziologie?

© Juventa Verlag, Munique 1970

Tradução: Maria Luísa Ribeiro Ferreira

Capa de F.B.A.

Depósito Legal n° 283730/

Biblioteca Nacional de Portugal - Catalogação na Publicação

ELIAS, Norbert, 1897-

Introdução à sociologia. - Reimp. - (Biblioteca 70 ; 16) ISBN 978-972-44-1486-

CDU 316

Impressão e acabamento: PENTAEDRO para EDIÇÕES 70, LDA. Outubro de 2008

ISBN: 978-972-44-1486- ISBN da 3a^ edição: 972-44-1227-X ISBN da 2a^ edição: 972-44-1005- ISBN da 1a^ edição:972-44-0400-

Direitos reservados para todos os países de língua portuguesa por Edições 70

EDIÇÕES 70, Lda. Rua Luciano Cordeiro, 123 - 1° Esq° - 1069-157 Lisboa / Portugal Telefs.: 213190240-Fax: 213190249 e-mail: geral@edicoes70.pt

www.edicoes70.pt

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor. Qualquer transgressão à lei dos Direitos de Autor será passível de procedimento judicial.

PREFÁCIO À EDIÇÃO INGLESA

Norbert Elias foi um dos cientistas alemães que fugiu dá Alemanha nos anos 30, fazendo da Inglaterra o seu lar. A sua contribuição cientifica fundamental, Über den Pro- zess der Zivilisation, foi publicada em 1939 na Suíça, sendo também publicada aí, em 1969, uma nova edição, com um novo e importante prefácio. No entanto, só agora as prin- cipais obras de Elias, incluindo o presente livro, começam a ser acessíveis aos leitores ingleses. Contudo, a obra de Norbert Elias como professor na Universidade de Leices- ter teve uma influência considerável. Podemos hoje -falar de toda uma geração de sociólogos ingleses que foram seus alunos e que, como tal, difundiram o seu entusiasmo con- tagiante por este tema. Os leitores deste livro reconhece- rão o que os cativou —os dotes naturais de Elias como professor. Também podemos falar de um interesse reno- vado pela obra deste autor na Alemanha e na Holanda onde, depois de reformado pela Universidade de Leicester em 1962, leccionou em diversas universidades como pro- fessor visitante. O destino de Norbert Elias tem sido sin- gular pois se o seu maior impacto como professor se deu em Inglaterra, o impacto posterior do seu trabalho cien- tífico tem-se dado no universo acadêmico da Alemanha. What is Sociology? foi publicado pela primeira vez em 1970, produto tardio da carreira do seu' autor. Na última frase de uma última nota diz-se: «ToçLa a teoria tardia se desenvolve simultaneamente como continuação de teorias anteriores e como ponto de partida critico decorrente destas.» Embora esta afirmação se refira a Marx, ela também se aplica a Elias. Numa breve intro- dução, ilusoriamente superficial, o leitor descobrirá uma

nova justificação da sociologia, recorrendo-se às idéias básicas primeiramente traçadas por Augusto Comte. Pos- teriormente, Elias irá retomar categorias básicas do pen- samento sociológico, continuando assim a «tradição socio- lógica» embora tomando uma posição crítica relativamente a contributos maiores tais como os de Marx, Weber e Par- sons. Neste processo vai induzindo o leitor a repensar temas fundamentais do discurso sociológico tais como indi- víduo, grupo e owíros. A idéia deste tipo de abordagem decorre da própria obra socio-histórica do autor. Esta versa essencialmente sobre padrões mutáveis de interdependência relativamente às relações de poder entre os homens em sociedade. A uma primeira análise das mudanças de etiqueta, relativas ao aparecimento do «absolutismo» monárquico (na França medieval), seguiu-se um estudo da sociedade cortesã CDie hõfische Gesellschaft, 1969). Em ambas as obras o autor acentua que

da interpenetração de inúmeros interesses e intenções indivi- duais— sejam eles compatíveis ou opostos e hostis — algo vai decorrendo que, ao revelar-se, se verifica não ter sido planeado nem requerido por nenhum indivíduo. No entanto apareceu devido às intenções e actos de muitos indivíduos. E isto, na verdade, representa todo o segredo da interpenetração social — da sua obrigatoriedade e regularidade, da sua estrutura, da sua natureza processual e do seu desenvolvimento; isto é o segredo da sociogénese e da dinâmica sociais. [Über den Pro- zess der Zivilísation (1969), II, p. 221].

É evidente que Elias clarifica o Jacto de, nesse jogo de interdependências, governantes e reis, personagens impor- tantes e outros, terem uma influência considerável, insis- tindo no entantç no facto de eles próprios constituírem uma parte das interdependências em que são relativamente dominantes [Die hõfische Gesellschaft (Neuuned: Hermann Luchterhand Verlag, 1969), pp. 213-221]. Ao relatar sistematicamente esta visão da história e das diferenças de poder, Norbert Elias deu um contributo fundamental para a moderna sociologia. A introdução que se segue pode ser proveitosamente lida em separado, mas o leitor aperceber-se-á de que Introdução à Sociologia se baseia num trabalho científico, que reúne simultanea- mente aspectos de história política, de psicologia das pro- fundezas e de sociologia, numa síntese original de consi- derável vigor. REINHARD BENDIX Universidade da Califórnia, Berkeley

INTRODUÇÃO

Para compreendermos de que trata a sociologia, temos que nos distanciar de nós mesmos, temos que nos consi- derar seres humanos entre os outros. Na verdade, a socio- logia trata dos problemas da sociedade e a sociedade é formada por nós e pelos outros. Aquele que estuda e pensa a sociedade é ele próprio um dos seus membros. Ao pensarmo-nos na sociedade contemporânea, é difícil fugir ao sentimento de estarmos a encarar seres humanos como se fossem meros objectos, separados de nós por um fosso intransponível. Este sentido de separação é expresso, reproduzido e reforçado pôr conceitos e idiomas correntes que fazem com que este actual tipo de experiência surja como evidente e incontestável. Falamos do indivíduo e do seu meio, da criança e da família, do indivíduo e da socie- dade ou do sujeito e do objecto, sem termos claramente presente que o indivíduo faz parte do seu ambiente, da sua família, da sua sociedade. Olhando mais de perto o chamado «meio ambiente» da criança, vemos que ele con- siste primariamente noutros seres humanos, pai, mãe, irmãos e irmãs. Aquilo que conceptualizamos como sendo a «família», não seria de todo uma família se não hou- vesse filhos. A sociedade que é muitas vezes colocada em oposição ao indivíduo, é inteiramente formada por indi- víduos, sendo nós próprios um ser entre os outros. No entanto, os instrumentos convencionais com que Pensamos e falamos são geralmente construídos como se tudo aquilo que experienciássemos como externo ao indi- víduo fosse uma coisa, um «objecto»' e, pior ainda, um objecto estático. Conceitos como «famüia» ou «escola» referem-se essencialmente a grupos de seres humanos

muitas vezes se diz numa linguagem reificante. Entre essas pessoas colocamo-nos nós próprios. ' Tal como já foi dito, para compreender de quê trata a sociologia temos que estar conscientes de nós próprios como seres humanos entre outros seres humanos. À pri- meira vista isto parece um lugar comum. Cidades e aldeias, universidades e fábricas, estados e classes, famílias e gru- pos operacionais, todos eles constituem uma rede de indi- víduos. Cada um de nós pertence a esses indivíduos — é isso que significam as expressões «a minha, aldeia, a minha uni- versidade, a minha classe, o meu país». Ao nível de uma linguagem quotidiana, tais expressões são perfeitamente usuais e inteligíveis. No entanto, se quisermos pensar de um modo científico, geralmente esquecemos que é possível designar essas estruturas sociais de «minha», «dele», «nos- sas», «vossas», «deles». Em vez disso, referimo-nos habi- tualmente a essas estruturas como se elas existissem não só acima e para além de nós mesmos, mas também acima e para além de qualquer pessoa. Neste tipo de pensamentp, parece evidente que o «eu» ou «os indivíduos particulares» estão de um lado, havendo do outro lado a estrutura social, o «meio ambiente» que me rodeia, a mim e aos outros «eus». Isto explica-se por várias razões; aqui apenas nos orien- tamos para uma delas. O constrangimento característico que as estruturas sociais exercem sobre aqueles que as formam é particularmente significativo. Procuramos dar uma explicação satisfatória a esta imposição, atribuindo uma existência a essas estruturas — uma realidade objectiva, que se coloca acima dos indivíduos que as constituem e para além desses próprios indivíduos. A maneira corrente de formarmos ás palavras e os conceitos reforça a ten- dência do nosso pensamento para reificar e desumanizar as estruturas sociais. Isto conduz, por um lado, à «caracte- rística metafísica das estruturas sociais», que hoje tantas vezes aparece no pensamento quotidiano e no pensamento sociológico. Uma das suas expressões mais típicas reside na imagem da relação entre o indivíduo e a sociedade, simbolizada na figura 1. Esta concepção metafísica é posteriormente sustentada pela transposição automática de modos de pensar e de falar, primeiramente desenvolvidos e testados na investiga- ção de relações naturais em física e em química. Esses modos foram transpostos para a investigação das relações sociais entre os indivíduos. Antes de ser possível uma aproximação científica dos factos naturais, as pessoas

explicavam as forças naturais em termos e modos de pen- sar decorrentes da experiência que tinham das forças inter- pessoais. O sol e a terra, as tempestades e os sismos, que hoje consideramos manifestações naturais de forças físicas e químicas, eram interpretados em termos da sua própria experiência de fenômenos humanos e sociais. Viam-nos quer como pessoas, quer como resultados de acções e desígnios de pessoas. Só gradualmente se operou a transição do pensamento mágico e metafísico para o pensamento científico interpretativo dos aspectos físico- -químicos do universo. Esta mudança de perspectiva está largamente dependente do desaparecimento de modelos explicativos heterónomos e ingenuamente egocêntricos, cujas funções foram assumidas por outros modelos de discurso e de pensamento, mais estreitamente correspon- dentes à dinâmica imanente dos acontecimentos naturais. Ao procurarmos alargar a nossa compreensão dos pro- cessos humanos e sociais e adquirir uma base crescente de conhecimentos mais sólidos acerca desses processos — isto já em si constitui uma das tarefas fundamentais da sociologia — confrontamo-nos com uma tarefa seme- lhante de emancipação. Também nesta esfera as pessoas verificam que estão sujeitas a forças que as compelem. Procuram compreendê-las para que, com a ajuda deste conhecimento, possam adquirir um certo controlo sobre o decurso cego dessas forças compulsivas, cujos efeitos são muitas vezes destruidores e destituídos de qualquer significado, causando muito sofrimento. O objectivo é orientar essas forças de modo a encontrar-lhes signifi- cado, tornando-as menos destruidoras de vidas e de recur- sos. Daqui decorre ser fundamental para o ensino da socio- logia e para a sua prática de investigação, a aquisição de uma compreensão geral dessas forças e um aumento de conhecimentos seguros das mesmas, através de campos especializados de investigação. O primeiro passo não parece muito difícil. Não é difícil compreender que o que pretendemos conceptualizar como forças sociais são de facto forças exercidas pelas pessoas, sobre outras pessoas e sobre elas próprias. No entanto, logo que queremos continuar, partindo deste princípio, verificamos que o mecanismo social do pensa- mento e da linguagem apenas coloca à nossa disposição quer modelos de um tipo ingenuamente egocêntrico como ° mágico-mítico, quer modelos tirados das ciências natu- rais. Encontramos os primeiros sempre que as pessoas Procuram explicar as forças que as compelem com base

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nas representações que elas próprias formam conjunta- mente com os outros, totalmente em termos de caracter pessoal ou de objectivos ou intenções pessoais de outros indivíduos ou grupos de indivíduos. É muito comum esta necessidade de nos excluirmos <ou de excluirmos o nosso grupo) de uma explicação em termos de representações formadas com base noutras pessoas. É mesmo uma das muitas manifestações de um egocentrismo ingênuo ou (o que é quase a mesma coisa) de um antropomorfismo primário, que ainda enforma o nosso pensamento e o nosso discurso no que diz respeito aos processos sociais. Estes modos de expressão, ingenuamente egocêntricos, estão ligados a outros que, modelados pelo vocabulário usado na explicação das forças compulsivas da natureza, passaram agora a ser usados para explicar as forças com- pulsivas da sociedade. Tem-se verificado uma tendência para tornar cientí- ficos modos de pensamento e de expressão usados naquilo que hoje designamos por ciência física, em nítida distin- ção com o mundo humano e social. Muitas das descober- tas das estruturas químicas e físicas passaram para o stok de conceitos e palavras usados quotidianamente na sociedade européia, enraizando-se nela. Muitas palavras e conceitos cujas formas actuais derivam essencialmente da interpretação de factos naturais, foram transferidos inde- vidamente para a interpretação dos fenómeros humanos e sociais. .Juntamente com as diversas manifestações de pensamento mágico e mítico, contribuem para que se per- petuem nas ciências humanas muitos modos usuais de discurso e de pensamento totalmente inadequados a esses domínios. Impedem assim que se desenvolva um modo mais autônomo de falar e de pensar, mais adequado às particularidades específicas das configurações humanas. Consequentemente, as tarefas da sociologia incluem não só o exame e interpretação de forças compulsivas específicas que agem sobre as pessoas nos seus grupos e sociedades empiricamente observáveis, mas também a libertação do discurso e do pensamento relativos a essas forças, das suas ligações com modelos heterónomos ante- riores. Em vez de palavras e de conceitos marcados pela sua origem mágico-mítica ou vindos das ciências naturais, a sociologia deverá produzir gradualmente outros concei- tos, que sejam mais adequados às particularidades das representações sociais do homem. Isto seria fácil se já dispuséssemos de uma visão clara da fase que hoje corresponde ao desenvolvimento das

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ciências naturais, onde novos processos de falar e de pen- sar, mais adequados do que os anteriores, substituíram os velhos processos mágico-míticos. No entanto, sabemos muito pouco a este respeito. Muitos dos conceitos funda- mentais das ciências da natureza, que gradualmente se foram desenvolvendo, foram provando ser mais ou menos adequados à observação e manipulação de processos físico- -químicos. Por esta razão, estes conceitos fundamentais surgem àqueles que os herdam como se fossem eterna- mente válidos e consequentemente eternos. As correspon- dentes palavras, categorias e modos de pensamento pare- cem tão evidentes, que é fácil imaginar que cada ser humano os conheceu intuitivamente. Foram precisas mui- tas gerações de cientistas que, à custa de uni trabalho duro de observação, de uma luta árdua e por vezes peri- gosa, chegaram a noções tais como as de causalidade mecânica ou causalidade não intencional, não dirigida e não planeada. Só muito lentamente e com muita dificul- dade estes conceitos emergiram de noções e modos de pen- sar antropomórficos e egocêntricos. Por fim, essas noções foram difundidas por uma pequena elite, até que hoje enfermam o pensamento e o discurso quotidianos de cer- tos grupos sociais. Aparecem actualmente às gerações pos- teriores como conceitos e modos de pensamento «verda- deiros», «racionais» ou «lógicos». Passam em geral no teste da observação constante e da acção e, por conseguinte, já não nos interrogamos sobre o como e o porquê de uma tão perfeita adaptação do pensamento humano rela- tivamente a este nível particular de integração no cosmos. Daqui decorre que esta evolução social do discurso e do pensamento, sobre as forças compulsivas dos pro- cessos naturais, tenha sido negligenciada como tema de investigação sociológica. A concepção filosófica de um conhecimento científico estático, considerado como forma de conhecimento «eternamente humana», impediu quase completamente qualquer investigação sobre a sociogénese e a psicogénese do vocabulário científico e sobre modos de discurso ou de pensamento. No entanto, só investiga- ções deste tipo nos colocarão no caminho certo, que nos Permite explicar esta reorientação da experiência e do Pensamento humanos. O problema é geralmente minimi- zado mesmo antes de ser colocado pois é visto como «Um assunto meramente histórico», oposto aos chamados Problemas de teoria sistemática. Mas esta distinção cons- titui em si mesma uma ilustração de como é inadequada a (^) utilização de modelos vindos das ciências naturais na

Tendo presente este objectivo, a discussão da dificul- dade e morosidade de uma tal reorientação da linguagem social e do pensamento podia dar-nos já uma idéia do tipo de forças que as pessoas exercem umas sobre as outras. Seria mais fácil compreender que tais forças são total- mente distintas, se a nossa linguagem e pensamento não estivessem tão totalmente penetrados por palavras e con- ceitos tais como «necessidade causai», «determinismo», «leis científicas» e outras do mesmo tipo. Estes denotam mode- los derivados de uma experiência prática no campo das ciências naturais, da física e da química. Foram mais tarde transferidos para outros campos de experimentação, para os quais não" tinham sido de modo algum primeiramente destinados, como por exemplo o campo das relações huma- nas, a que chamamos sociedade. Neste processo perdeu-se a consciência da sua relação original com as descobertas relativas a acontecimentos físico-químicos. Assim, apresen- tam-se-nos agora como conceitos gerais, que, de certo modo, surgem como concepções a priori do modo como os acontecimentos se interligam; todos os homens pare- cem possuí-los como fazendo parte de um senso comum ou de uma razão inatos, independentes da experiência. Na maioria dos casos, quando penetramos numa nova área de experiência, deparamos simplesmente com uma insuficiência de conceitos adequados ao tipo de forças e de relações que aí encontrámos. Tomemos por exemplo a noção de «força». A nossa utilização da linguagem vulgar, com que comunicamos uns com os outros, exerce uma espécie de força sobre o discurso e o pensamento dos indivíduos. Este gênero de força é de tipo muito diferente por exemplo da força da gravidade que, de acordo com as leis científicas, atrai uma bola para a terra quando esta é lançada ao ar. No entanto, quais são hoje os con- ceitos distintos e específicos que conseguem exprimir esta diferença de um modo claro e inteligível? Talvez que as sociedades científicas, mais do que outros tipos de socie- dade, tenham uma maior oportunidade de inovação no campo lingüístico e social. Mesmo assim, a sua oportu- nidade não é ilimitada. Levada muito longe, corre o risco de não ser compreendida pelos outros indivíduos. Além disso, os nossos próprios discurso e pensamento são de um modo geral controlados pelos outros e, se esse con- trolo se perder totalmente, também corremos o risco de perdermos o controle sobre nós mesmos, ou de nos per- dermos em especulações sem limites, em fantasias, brin-

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cando com as idéias. É muito difícil dirigir um precurso entre o Cila da física e o Caríbides da metafísica. Não se deveria esperar demasiado de um simples livro. Uma orientação e inovação radicais como as que agora se esboçam, apresentadas com o esforço de definir sociologicamente as relações sociais, não podem ser man- tidas pela imaginação e o poder criativo de qualquer indi- víduo. Precisam dos esforços convergentes de muita gente. Afinal de contas, o factor crítico é a direcção do desen- volvimento social em todos os seus aspectos — o desen- volvimento da teia de relações humanas como um todo. Uma onda forte de novas idéias pode influenciar o decurso do desenvolvimento social global, contando que as tendên- cias de flutuação na distribuição do poder e nas conse- qüentes lutas para o adquirir não levem esta reorientação a uma paralização total, destruindo o impulso que a sus- tenta. Na situação actual, as ciências sociais encontram a mesma dificuldade que afligiu as ciências naturais durante os séculos da sua ascensão: quanto maior for a cólera e a paixão surgidas com o conflito, menor será a possibilidade de uma mudança para um pensamento mais realista e menos fantasioso. E quanto mais fantasioso — mais longe da realidade — for o seu pensamento, menos controláveis serão a cólera e a paixão. Na antigüidade, surgiu rapidamente uma concepção da natureza mais de acordo com a realidade; mas foi posteriormente destruída com o aparecimento de um novo surto da mitologia ligado à absorção de estados menores, auto-governados, por gran- des estados imperialistas. Isto mostra como pode ser frá- gil uma tentativa prematura de mudança. Outro exemplo é o desenvolvimento de idéias utópicas saindo do pensamento científico de caracter social, durante os séculos XIX e XX. Ambos os exemplos apontam para um círculo vicioso; este representa em si mesmo uma das forças compulsivas que necessitam de uma investigação mais precisa. Referências a este facto poderão lançar luz sobre as tendências de cientifização do pensamento, que ainda não tiveram a atenção que merecem^2. Uma das características que distingue a aquisição cien- tífica do conhecimento de uma aquisição pré-científica do mesmo, está intimamente ligada ao mundo real dos objec- tos. O modo científico dá às pessoas a possibilidade de distinguir mais claramente, à medida que se vai avan- çando, as idéias fantasiosas dos realistas. À primeira vista, isto pode parecer demasiado simplificado. A forte corrente de nominalismo filosófico, que ainda invade e obscurece

o pensamento filosófico, veio desacreditar conceitos tais como «realidade» e «facto». Mas não se trata aqui de especulação filosófica, quer de tipo nominalista quer de tipo positivista; trata-se sim de, relativamente à teoria da ciência, estabelecer algo que possa ser verificado por obser- vações detalhadas e, se possível, revisto. Numa certa oca- sião pensou-se que a lua era uma deusa. Hoje temos uma idéia mais adequada, mais realista da lua. Amanhã poder- -se-á descobrir que há ainda elementos fantasiosos na idéia que hoje temos da lua, podendo as pessoas chegar a uma concepção deste planeta, do sistema solar e de todo o universo, mais aproximada da realidade do que aquela que actualmente temos. O comparativo desta asserção é importante; pode ser utilizado para conduzir as idéias entre os dois potentes e inamovíveis rochedos do nomina- lismo e do positivismo, servindo para deter a corrente de uma evolução a longo prazo de conhecimentos e de pen- samentos. Descrevemos a orientação desta corrente, cha- mando especial atenção para a diminuição dos elementos fantasiosos e para o aumento dos elementos realistas do nosso pensamento, como sendo características da cienti- fização dos nossos modos de pensamento e de aquisição de conhecimentos. Seria preciso um estudo muito mais profundo do que aquele que podemos desenvolver neste livro, para que se investigassem as mudanças de equilíbrio, a freqüência relativa e o peso de elementos fantasiosos e realistas nos conceitos aceites relativamente às socieda- des humanas. Ambos os conceitos podem ser vistos a mui- tos níveis. O de fantasia por exemplo; pode referir-se aos sonhos individuais, aos sonhos acordados e aos desejos, à expressão imaginativa pela arte, à especulação metafí- sica, aos sistemas colectivos de crenças ou às ideologias, e a muitos mais para além destes. No entanto houve um tipo de fantasia que desempe- nhou um papel indispensável no processo de cientifização e nos processos de aquisição crescente de domínio sobre a realidade. Foi o tipo de fantasia simultaneamente colo- cada em cheque e tornada frutífera por um contacto estreito com a observação factual. Como regra, nas suas meditações os filósofos nominalistas não se dignam tra- çar a relação complexa dos factos com a fantasia nem os assimilam conceptualmente. Consequentemente, não estão em posição de explicar ao seu público os efeitos da cres- cente cientifização do pensamento no que respeita a fenô- menos naturais não humanos. À medida que ocorre este processo, com um constante feedback sobre os aspectos

práticos, podem aumentar as possibilidades de evitar o perigo dos acontecimentos naturais, aumentando também as oportunidades de nos encaminharmos para metas que nós próprios escolhemos. Por exemplo, como podemos explicar que em muitas sociedades haja uma melhoria de nível de vida e de saúde, senão pelo facto dos nossos conhecimentos e pensamentos nesses campos se terem tornado menos carregados de emotividade e menos fanta- siosos, menos mágico-míticos e mais objectivos e realistas? Hoje em dia, muita gente, incluindo os próprios soció- logos, fala da ciência com uma preocupação evidente, por vezes mesmo com um certo desprezo. Perguntam. «O que é que todas essas descobertas científicas — máquinas, fábri- cas, cidades, bombas nucleares e todos esses horrores da guerra tecnológica — têm feito por nós?» Este argumento é um exemplo típico da supressão de uma explicação mal aceite e da sua substituição por um tipo de explicação mais aceitável (um processo chamado «deslocação»). De facto, os progressos da bomba de hidrogênio foram insti- gados por homens de estado, que seriam os primeiros a ordenar a sua utilização caso a pensassem necessária. Con- tudo, para nós, a bomba nuclear funciona como uma espé- cie de feitiço, como um objecto no qual projectamos os nossos medos, enquanto o perigo real na hostilidade recí- proca manifestada por grupos de pessoas nas suas rela- ções umas com as outras. É de certo modo essa hostilidade recíproca que faz com que grupos hostis dependam uns dos outros, podendo tornar-se tão profundamente envolvi- dos que já não consigam encontrar uma saída para essa situação. Censuramos a bomba e a actividade c os cientis- tas, cuja investigação a possibilitou, como pretexto para escondermos a nós mesmos a cumplicidade que temos nessa hostilidade recíproca, pelo menos para escondermos a nossa incapacidade de uma ameaça ou de uma contra- -ameaça. Censurando os cientistas, também fugimos à obri- gação de procurar uma explicação mais realista para os conflitos sociais, que levam a uma troca crescente de ameaças entre grupos de pessoas. A queixa de que nos tornámos «escravos da máquina» ou da tecnologia, é seme- lhante. Apesar dos pesadelos da ficção científica, as máqui- nas não têm uma vontade própria. Não podem por si niesmas inventar ou produzir e não podem obrigar-nos a que as sirvamos. Todas as decisões que tomam e acti- vidades que desempenham são decisões e actividades huma- nas. Projectamos nelas ameaças e coerções mas, se as exa- minarmos mais atentamente, veremos sempre grupos de

dos responsáveis pelos surtos de peste tendo muitos deles sido massacrados. Neste tempo, não se conhecia uma causa mais científica e realista para explicar estas mor- tíferas epidemias maciças. Como acontece tantas vezes, os grupos dominantes convertiam em fantasias a sua ansiedade (tal como hoje, não controlada por um saber mais realista), o seu medo dos horrores inexplicáveis da peste e a sua cólera apaixo- nada contra aquilo que percepcionavam como um ataque incompreensível, fantasias pelas quais viam nos estrangei- ros e nos grupos socialmente mais fracos a causa do seu próprio sofrimento. O resultado era o assassinato em massa. Durante o século XIX, as sociedades européias foram atacadas por várias epidemias de cólera. Graças ao desenvolvimento do controle estatal no que respeita ao domínio da saúde pública, graças ao progresso dos conhecimentos científicos e à difusão de explicações cien- tíficas para a epidemia, esta infecção foi finalmente con- trolada. No século XX, tanto a competência da ciência como o grau de prosperidade social cresceram, tornando possível que teorias sobre a higiene pública se concreti- zassem em medidas preventivas. Assim, pela primeira vez desde que a densidade populacional começou a aumentar, os europeus estão quase livres da ameaça de uma doença epidêmica e quase se esqueceram dela. No entanto, os nossos pensamentos e acções, no que diz respeito à coexis- tência social, estão quase no mesmo nível de desenvolvi- mento que o pensamento e comportamento dos medievais, no que respeitava à peste. Em assuntos sociais, ainda hoje as pessoas estão sujeitas a pressões e ansiedades que não conseguem compreender. Como não conseguem viver na angústia, sem que para tal tenham uma explicação, preen- chem os lapsos de compreensão com fantasias. No nosso tempo, o mito Nacional Socialista foi um exemplo deste tipo de interpretação para a inquietação e angústia sociais. Para elas procurou alívio através da acção. Também aqui, tal como no caso da peste, a ansie- dade e inquietação sobre as misérias sociais encontraram saída em explicações fantasiosas, que consideravam as minorias socialmente fracas como agitadoras e culpadas, levando consequentemente ao seu extermínio. Constatamos que é característica do nosso tempo a coexistência de uma compreensão factual altamente realista, no que res- peita a aspectos físicos e técnicos, e de soluções fanta- siosas dadas aos problemas sociais, problemas esses que

actualmente não queremos ou ainda não conseguimos expücar^ e^ ultrapassar com mais eficiência. A esperança do Nacional Socialismo em resolver pro- blemas sociais com o extermínio dos judeus surge como um^ exemplo máximo^ do^ que^ ainda^ prevalece universal- mente na vida social da humanidade. No entanto, demons- tra a função desempenhada pelas explicações fantasiosas para a miséria social e para a ansiedade, cujas verdadeiras causas não podemos ou não queremos ver. Simultanea- mente, é sintomática de um dualismo significativo do pen- samento contemporâneo — que haja como que uma capa de respeitabilidade dada pelas ciências naturais e pela biologia a envolver uma fantasia social. A palavra fantasia parece inofensiva. Não se trata de discutir se a fantasia desempenha um papel indispensável e construtivo na vida humana. Tal como a capacidade de apresentar uma série de expressões faciais, de nos rirmos ou de chorarmos, a elevada capacidade que o homem tem de fantasiar é sua característica exclusiva. Mas aqui refe- rimo-nos à fantasia de um determinado tipo, ou mais pro- priamente a fantasias que são erradamente aplicadas à vida social. Quando não controlado pelo conhecimento dos factos, este tipo de fantasia, especialmente numa ocasião de crise, coloca-se entre os impulsos mais falíveis e mesmo mais assassinos que governam a acção humana. Nestas situações, as pessoas não precisam de ser loucas para dar livre curso a estes impulsos. Hoje gostamos de pensar que o elemento de fantasia, que desempenha um papel importante na orientação das acções e idéias de um grupo relativamente às suas metas, não é mais do que um esconderijo — um disfarce sedutor e excitante de propaganda. Imaginamos que líderes astu- ciosos a usam para esconder os seus fins arrojados que, em termos dos seus «próprios interesses», são altamente «racionais» ou «realistas». É claro que por vezes o são. Mas quando usamos o conceito de «razão» em expressões tais como «razões de estado» e o conceito de «realismo» em termos como Realpolitik e muitos outros conceitos semelhantes, ajudamos a reforçar a idéia já muito difun- dida de que as considerações racionais objectivas e realis- tas são geralmente as que dominam, quando há grupos Ç[ue lutam. A utilização do conceito de ideologia — mesmo Por parte dos sociólogos — mostra a mesma tendência. Porém, num estudo mais aprofundado, não é muito difícil verificarmos que tanto idéias realistas como fantasiosas inipregnam grandemente a concepção de «interesses de

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grupo»! Planos de mudança social realizados de um modo realista e metódico — mesmo temporários — traçados com a ajuda de modelos científicos de desenvolvimento, são uma inovação muito recente. Muitas vezes os próprios modelos de desenvolvimento são ainda muito imperfeitos, não correspondendo adequadamente às estruturas sociais sempre mutáveis a que se referem. Até agora, a história não tem sido mais do que um cemitério de sonhos huma- nos. Os sonhos realizam-se muitas vezes a curto prazo; contudo, no seu longo curso, parecem sempre acabar esva- ziados de toda a substância, sendo, portanto destruídos. A causa é que esperanças e objectivos a alcançar estão de tal forma saturados de fantasia, que o actual curso de contecimentos na sociedade lhes desfere golpes con- secutivos e o choque com a realidade revela a sua irrea- lidade, como sonhos que são. A esterilidade particular de muitas análises de ideologias resulta da tendência para as considerarmos basicamente como estruturas racionais de idéias, coincidindo com actuais interesses de grupos. A sua carga de afectividade e de fantasia, a sua falta egocêntrica ou etnocêntrica de realidade é omitida, pois presumimos que elas são uma camuflagem calculada para um conteúdo altamente racional. Como exemplo, consideramos a situação de conflito entre as grandes potências. Esta persiste desde a Segunda Guerra Mundial, tendo influenciado e obscurecido de um modo sempre crescente os conflitos entre estados em todo o mundo. Parece que os representantes de cada uma das grandes potências pensam possuir um carisma nacional único e que só eles e os seus ideais estão aptos a gover- nar o mundo. É muito difícil descobrir qualquer real conflito de interesses justificativo da grande escalada de preparação para a guerra. As diferenças sociais práticas entre esses representan- tes são obviamente muito menores de que seria de espe- rar, se tivermos presentes os contrastes nítidos entre os seus sistemas de crenças e de ideais. Muito mais do que qualquer conflito real de interesses, o que faz com que as grandes potências — e não só elas — sejam reciproca- mente tão dura e irremediavelmente hostis é a colisão dos seus sonhos. Este antagonismo, que hoje assume uma dimensão mundial, assemelha-se consideravelmente na sua estrutura ao antagonismo existente numa antiga Europa, em que os sonhos de príncipes e generais protestantes e católicos se chocavam. Nesses tempos, as pessoas eram tão apaixonadamente ávidas de matar-se indiscriminada-

mente umas às outras, devido aos seus sistemas de cren- ças, como hoje parecem desejosas de matar indiscrimina- damente, pela simples razão de que alguns preferem o sistema de crenças dos russos, outros o dos americanos e outros o dos chineses. Tanto quanto podemos observar, é essencialmente a contradição entre os sistemas de cren- ças dos estados e o seu sentido carismático de uma mis- são nacional que torna este tipo de interligação opaco e incompreensível para aqueles que são apanhados nela, o que, por conseguinte, os torna incontroláveis. (Inciden- talmente, os sistemas nacionais de crenças têm pouco a ver com a análise feita por Marx do antagonismo de clas- ses dentro dos estados, análises que, nessa altura, foi muito adequada). Também isto é um exemplo da dinâmica das inter- conexões sociais, cuja investigação sistemática cabe à sociologia. A este nível, as configurações são formadas por grupos interdependentes de pessoas, organizados em esta- dos e não por indivíduos singulares interdependentes. Mas' também aqui, as unidades a que as pessoas se referem na primeira pessoa — não só o «eu» singular mas também o «nós» plural — são experienciadas como se fossem total- mente autônomas. Quando crianças, na escola, já tinham aprendido que o estado possuía uma «soberania» ilimi- tada, que era conceptualmente independente dos outros estados. A imagem etnocêntrica da humanidade dividida em estados nacionais é análoga à imagem egocêntrica expressa na figura 1. As elites dominantes e muitos dos seus seguidores em cada nação (ou pelo menos em cada grande potência) imàginam-se no centro da humanidade, como se estivessem numa fortaleza, reprimidos e rodeados por todas as outras nações e, no entanto, separados delas. Também neste caso, ainda não se alcançou propriamente o estádio de autoconsciência em pensamento e acção, expresso na figura 2 — tomando-se aqui como unidade de base as nações e não os indivíduos singulares. Presentemente, ainda mal começou a esboçar-se a con- cepção da nossa própria nação como sendo uma entre muitas outras interdependentes e a compreensão da estru- tura das configurações que todas formam. É raro encon- trarmos um modelo sociológico inteligível da dinâmica das relações entre os estados. Tomemos, por exemplo, a dinâ- mica da «guerra fria» entre as grandes potências. Ambas 48 partes envolvidas procuram aumentar o potencial do Seu próprio poder, à custa do medo perante o potencial de (^) poder do adversário. Assim se justificam os seus receios

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argumentam que as investigações científicas feitas em indi- víduos humanos por indivíduos humanos — algo que não querem — são simplesmente impossíveis. Mas como homens, a quem falta uma compreensão mais sólida da dinâmica das interconexões sociais, vogando desamparados de actos insignificantes de autodestruição para outros muito mais graves, e de um deslize para outro, tal ignorância român- tica perde muito do seu encanto como permissão para todos os sonhos.

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A SOCIOLOGIA

- AS QUESTÕES POSTAS POR COMTE

Seja ou não sociólogo, quem abordar com idéias pré- -concebidas as obras de grandes homens que durante o século XIX fizeram evoluir a ciência da sociedade, priva-se de uma herança intelectual importante. Vale a pena sepa- rar algumas das idéias que ainda são de utilidade na ten- tativa de construir uma análise científica das sociedades, das que são mera expressão dos valores transitórios da época. Enquanto a nossa concepção da herança marxista tem sido demasiadas vezes distorcida por ódios e louvores, Augusto Comte (1798-1851), que foi o primeiro a destacar a palavra «sociologia» para título expresso de uma nova ciência, tem sido muito menos falado. A marca da herança de Comte (que. é como que um fantasma presente nos livros de estudo) apresenta-se como uma peça poierenta de museu. E podemos, na verdade, deixar alegremente ao pó uma parte considerável dos seus escritos. Comte escreveu muito. O seu estilo foi muitas vezes pomposo. Tinha obsessões, como por exemplo a noção de que todas as coisas importantes eram triparti- das — e muito provavelmente foi um tanto ou quanto louco. E, no entanto, se limparmos as suas idéias do pó das manias, excentricidades e perturbações, encontramos na obra de Comte conceitos que são virtualmente novos, idéias que foram parcialmente esquecidas ou mal com- preendidas e que são, a seu modo, tão importantes para ° desenvolvimento da sociologia como as de Marx — que sairia do túmulo se soubesse que ele e Comte poderiam vir a ser mencionados num mesmo momento. Mas a dis- Paridade entre as suas atitudes políticas e os seus ideais não deveria constituir obstáculo. Aqui, eles não represen-

tam a salvação. Para sermos categóricos, Comte foi um grande homem, e a discrepância entre os problemas que lhe dizem respeito e as idéias que geralmente lhe são atribuídas é, na maior parte dos casos, espantosa. Nem sempre é fácil encontrar as razões desta discrepância e não será aqui que o faremos. Comte fez muito mais para o desenvolvimento da sociologia do que simplesmente arranjar-lhe uma designação. Como todos os pensadores, Comte construiu a partir daquilo que os seus antecessores já tinham produzido. Não vamos analisar detalhadamente quais as idéias que Comte foi buscar a Turgot, Saint-Simon e outros autores e quais das suas idéias foram totalmente originais. Ninguém começa do nada; todos começam onde outros ficaram. Comte definiu uma série de questões de um modo mais claro do que os seus predecessores. Trouxe nova luz para uma quantidade de problemas. Muitos foram hoje esquecidos, embora tenham um grande significado científico. Da sua rejeição podemos inferir que a ciência não progride em linha recta. Considera-se Comte não só como o pai da sociologia, mas também como o fundador do positivismo filosófico. A sua primeira grande obra, que apareceu em seis volu- mes entre 1830 e 1842, foi o Cours de philosophie positive. A palavra «positivo» foi usada por Comte como sinônima de «científico», entendendo por este termo a aquisição de conhecimentos por meio de teorias e observações empí- ricas^1. Comte passou a ser chamado «positivista». E um positivista é habitualmente considerado como aquele que defende a teoria da ciência que sustenta serem e cognição e o trabalho científico exclusivamente baseados na obser- vação a partir da qual se constróem as teorias. A idéia de que Comte foi um positivista deste tipo é uma das muitas distorções a que foi sujeito o seu pensamento. De tempos a tempos, as pessoas troçam da ingenuidade deste «positivismo grosseiro». Admiram-se como foi pos- sível imaginar que se podem fazer observações não havendo previamente uma teoria determinante da selecção de factos a observar e uma definição do problema ao qual esperá- vamos responder por meio da dita observação. E, no entanto, ninguém melhor do que Comte salientou explí- cita e consistentemente a interdependência da teoria e da observação, como núcleo de todo o .trabalho científico.

Pois se, por um lado, toda a teoria positiva deve necessa- riamente basear-se na observação, por outro, é também verdade que, para que se possam efectuar observações, os nossos espí-

ritos necessitam de uma teoria. Se, ao considerarmos os fenô- menos, os não relacionarmos imediatamente com alguns princí- pios, não só nos seria impossível relacionar estas observações isoladas e, por conseguinte, tirarmos delas um significado, como também seríamos totalmente incapazes de as recordar e, na maior parte dos casos, os factos passariam despercebidos^2.

A interacção constante destas duas operações mentais, dirigidas para a síntese teórica e os pormenores empí- ricos, é uma das teses fundamentais de Comte. Ele foi tudo menos um positivista no actual sentido do termo; não acreditava que o trabalho científico resultasse de uma pura indução da observação de coisas particulares, for- mando-se amplas teorias baseadas em observações parti- culares, como se fossem quase sua conseqüência. Comte negou tão energicamente esta idéia como contrariou a asserção de que a investigação científica proviesse de teorias puras, formuladas sem qualquer referência aos factos, ou de hipóteses primeiramente formuladas arbitrá- ria e especulativamente, só mais tarde confrontadas com os factos. Comte tinha boas razões para contar tão defi- nitivamente com uma tradição filosófica em que se tinha procurado provar incessantemente que uma destas opera- ções mentais deveria ter precedência sobre a outra. Durante séculos, deducionistas e inducionistas, racionalistas e empi- ristas, aprioristas e positivistas ou quaisquer que fossem as designações que reciprocamente se davam, tinham lutado com uma obstinação tenaz. Ora é um leitmotiv da teoria comtiana da ciência, que a investigação científica repousa numa combinação indivisível de interpretação e observa- ção, de trabalho teórico e empírico. A sua insistência constante no caracter positivo e cien- tífico de toda a investigação explica-se pelo facto de ele, como filósofo com experiência científica, se ter voltado determinantemente contra a filosofia dos séculos anteriores. Rejeitou muito particularmente a filosofia do século XVIII, cujos representantes se permitiam concluir proposições sem as consubstanciar por meio de uma relação sistemá- tica com a observação. Muitas destas proposições eram for- muladas de tal modo que não podiam ser contestadas pelos factos observados. Comte, escolhendo a designação de «posi- tiva» para a sua filosofia, exprimiu a sua rejeição cons- ciente desta filosofia especulativa. Ela não tinha relações com o trabalho científico e não progrediaA cientificamente. representação distorcida de um Comte «arquipositivista», Usando o termo no sentido diametralmente oposto às suas