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Descobrindo Luminescência de Cogumelos no Brasil: Entendendo Bioluminescência em Fungos, Notas de aula de Poética

Nesta documentação, aprenda sobre a descoberta de cogumelos bioluminescentes no brasil e as pesquisas atuais sobre o mecanismo químico que gera a luminosidade em fungos. Encontre informações sobre as espécies descobertas, a história da classificação científica de um cogumelo desconhecido e as aplicações potenciais dessas descobertas em química ambiental.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Gustavo_G
Gustavo_G 🇧🇷

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Luzes vivas
N
o filme de animação Vida de inseto, toda a iluminação interna
do formigueiro é feita com cogumelos luminosos. “Há um
tanto de licença poética na criação”, comenta Cassius Stevani,
do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP),
“mas na essência é verdade”. De fato existem cogumelos que
emitem luz, ou bioluminescentes, e muitas formigas cultivam
fungos em suas tocas – mas não desse tipo. Stevani está empe-
nhado em entender o mecanismo químico que gera essa luminosidade
e qual a sua função no organismo. No caminho já encontrou um uso
prático: detectar contaminação por metais no solo.
Bastou meia década para Stevani e colegas descobrirem 12 espécies
de fungos luminescentes no Brasil. Entre elas estão a amazônica Mycena
lacrimans, encontrada por Ricardo Braga-Neto, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e uma espécie parecida com um
guarda-chuva invertido que nasce na base de palmeiras como a pia-
çava ou o babaçu, no Piauí. No mundo são 71 espécies, de acordo com
um artigo de revisão feito por Stevani em colaboração com o biólogo
norte-americano Dennis Desjardin, da Universidade Estadual de São
Francisco, na Califórnia, que em março estampará a capa da revista
Mycologia. “Deve haver muito mais espécies por descobrir”, imagina o
químico, “ainda não descritas porque são difíceis de encontrar; pouca
gente anda sem lanterna pela mata em noites sem luar”.
Até 2002 não se tinha notícia de fungos bioluminescentes no Brasil.
Ou melhor, havia uma espécie, descrita no século XIX pelo britâni-
co George Gardner com o nome científico Agaricus phosphorescens
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Baixe Descobrindo Luminescência de Cogumelos no Brasil: Entendendo Bioluminescência em Fungos e outras Notas de aula em PDF para Poética, somente na Docsity!

Luzes vivas

N

o filme de animação Vida de inseto , toda a iluminação interna do formigueiro é feita com cogumelos luminosos. “Há um tanto de licença poética na criação”, comenta Cassius Stevani, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), “mas na essência é verdade”. De fato existem cogumelos que emitem luz, ou bioluminescentes, e muitas formigas cultivam fungos em suas tocas – mas não desse tipo. Stevani está empe- nhado em entender o mecanismo químico que gera essa luminosidade e qual a sua função no organismo. No caminho já encontrou um uso prático: detectar contaminação por metais no solo. Bastou meia década para Stevani e colegas descobrirem 12 espécies de fungos luminescentes no Brasil. Entre elas estão a amazônica Mycena lacrimans , encontrada por Ricardo Braga-Neto, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e uma espécie parecida com um guarda-chuva invertido que nasce na base de palmeiras como a pia- çava ou o babaçu, no Piauí. No mundo são 71 espécies, de acordo com um artigo de revisão feito por Stevani em colaboração com o biólogo norte-americano Dennis Desjardin, da Universidade Estadual de São Francisco, na Califórnia, que em março estampará a capa da revista Mycologia****. “Deve haver muito mais espécies por descobrir”, imagina o químico, “ainda não descritas porque são difíceis de encontrar; pouca gente anda sem lanterna pela mata em noites sem luar”. Até 2002 não se tinha notícia de fungos bioluminescentes no Brasil. Ou melhor, havia uma espécie, descrita no século XIX pelo britâni- co George Gardner com o nome científico Agaricus phosphorescens

capa

PESQUISA FAPESP 168 n^ fevereiro De 2010 n^ 15

Mecanismo que faz cogumelos brilharem leva a método para

detectar contaminação | Maria Guimarães

“Pleurotus” gardneri : redescoberto no Piauí

(mais tarde rebatizada como Pleurotus gardneri ), mas hoje os especialistas em fungos questionam essa classificação, baseada em espécies semelhantes na Europa. E ficava difícil corrigir o erro porque a única amostra preservada está num herbário na Inglaterra. Um cogumelo que parece ser da mesma espécie foi recentemente encon- trado brilhando na base de uma pal- meira-piaçava pela primatóloga norte- -americana Dorothy Fragaszy, que ter- minava a jornada de perseguição aos macacos mais tarde do que o habitual no Piauí. Fascinada, ela mostrou as fotos a um conterrâneo do Jardim Bo- tânico de Nova York, que entrou em contato com Dennis Desjardin, consi- derado um dos maiores especialistas na identificação desses organismos. Este, por sua vez, avisou Stevani. Bastou ao brasileiro uma pes- quisa na internet para desco- brir que Dorothy estava no Brasil para um trabalho em

colaboração com a primatóloga Patrí- cia Izar, do Instituto de Psicologia da USP – que ele imediatamente procu- rou em busca da pista do cogumelo. É uma dessas histórias de acaso, em que informações precisam correr o mundo antes de chegarem quase ao mesmo lugar. Deu certo: o dono da propriedade onde Dorothy e Patrícia trabalhavam, Marino Gomes de Oliveira, secou ao sol e mandou a Stevani 4 quilogramas do cogumelo brilhante. Agora os pes- quisadores estão perto de corrigir a identificação, com o exame detalhado dos cogumelos pelos micólogos (espe- cialistas em fungos) Marina Capelari, do Instituto de Botânica de São Paulo, e Desjardin. Ele tem se dedicado a ex- plorar florestas pouco conhecidas pelo mundo afora, inclusive no Brasil, e diz que os esforços inéditos de seu grupo têm si- do responsáveis por muitas descobertas. “Recentemente

liderei uma expedição para uma ilha na Micronésia, no oceano Pacífico, on- de os cogumelos nunca tinham sido documentados; das 128 espécies que encontramos, sete eram luminescen- tes”, conta, deixando claro que os fun- gos brilhantes são minoria. O Brasil é promissor porque tem uma imensa área de flo resta cujos fungos ainda não foram estudados, diz Desjardin. “Sabemos muito pouco sobre os cogumelos do Brasil, então es- peramos encontrar muitas novas espé- cies, luminescentes ou não.” Ele explica também que, para encontrar fungos luminosos, é preciso pensar nisso. A maior parte dos micólogos que estu- dam diversidade de fungos descreve os cogumelos durante o dia (quando eles também emitem luz, mas o pes- quisador não enxerga) e os seca ime- diatamente para preservação; é preciso examiná-los primeiro no escuro para determinar se há luminescência e só depois secar. “Por isso, especulo que fotos cassius stevani/us

P

PESQUISA FAPESP 168 n^ fevereiro De 2010 n^ 17

Mycena fera : cogumelos brilham o tempo todo, mas só são vistos no escuro

–, além do fungo “ Pleurotusgardneri , encontrado numa região de Cerrado no município piauiense de Gilbués. Os re- sultados mostram, em artigo publicado em 2009 na Photochemical & Photobio- logical Sciences , que o mecanismo de produção de luz é semelhante ao que se observa nos vagalumes e nas bactérias bioluminescentes: enzimas chamadas luciferases oxidam uma substância – ou substrato, como os químicos preferem chamar – conhecida como luciferina, liberando energia na forma de luz. Oliveira usou o que há de mais mo- derno nos laboratórios de química, mas a base do ensaio para caracterizar a rea- ção enzimática foi descoberta há mais de um século. Em 1885, o fisiologista francês Raphaël Dubois esmagou os órgãos luminosos do vagalume Pyro- phorus e misturou com água fria. A so- lução emitiu um brilho verde, que aos poucos se evanesceu. Era a luciferina sendo consumida pela reação química, ele concluiu. Em seguida, Dubois aque- ceu uma solução semelhante, desinte- grando as enzimas presentes, sensíveis ao calor. Ao misturar as duas soluções

  • a fria, onde sobravam as enzimas já sem luciferina, e a quente, que conti- nha só a luciferina –, ele viu a mistura emitir luz. Essa história está no livro

Bioluminescence , publicado em 2006 pelo farmacêutico japonês Osamu Shi- momura, pesquisador do Laboratório Biológico Marinho em Woods Hole, nos Estados Unidos. Shimomura ganhou o Prêmio No- bel de Química em 2008 justamente por seus estudos com bioluminescên- cia: ele isolou em águas-vivas a proteína fluorescente verde (GFP), que acusa a atividade de genes específicos quando

acoplada ao DNA de um organismo estudado em laboratório. A proteína luminosa se tornou essencial em mui- tos laboratórios de genética, aspiração que não está longe da mente de Stevani, visto que os mecanismos de biolumi- nescência são semelhantes, mesmo en- tre organismos muito diferentes. Isso não quer dizer, porém, que a composição química da luciferina e a da luciferase seja semelhantes em in-

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18 n^ fevereiro De 2010 n^ PESQUISA FAPESP 168

setos e fungos. “Luciferina é o nome que damos a qualquer substrato que dê origem à bioluminescência, mas as luciferinas de organismos distintos podem ser moléculas completamente diferentes”, explica Stevani. Todos os fungos já estudados por seu grupo, po- rém, brilham por meio dos mesmos substratos e das mesmas enzimas, sugerindo uma origem comum para todos. Mas nem todos os fungos bio- luminescentes são parentes próximos, alerta Desjardin. “Hoje sabemos que há quatro linhagens de fungos com espé- cies bioluminescentes, mas elas nem sempre têm parentesco próximo entre si”, conta. “Algumas espécies brilhantes de Mycena são mais aparentadas a es- pécies sem brilho do que com outras brilhantes do mesmo gênero.” O grupo da USP está agora à caça da estrutura da molécula que faz com que minúsculos cogumelos, às vezes com 0,5 centímetro de circunferência, se assemelhem a adesivos star fix cola- dos ao tronco de uma árvore ou como que semeados em meio ao folhedo que recobre o chão da floresta. Ao contrário dos fungos, que produzem a própria luz, star fix são adesivos fosfo- rescentes que armazenam a luz ambiente e por isso brilham à noite, criando constelações nos quartos de crianças de to- das as idades. Por enquanto,

Oliveira conseguiu separar do extrato de fungo uma solução contendo a lu- ciferina – ela brilha quando mistura- da a uma solução enzimática. Mas a substância deve estar em concentração muito baixa, porque o químico Anto- nio Gilberto Ferreira, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não conseguiu detectá-la por ressonância magnética nuclear de prótons. “É pre- ciso extrair uma quantidade maior ou empregar um equipamento mais sen- sível”, planeja Stevani. O químico da USP em- barcou nessa empreitada por pura curiosidade científica, mas considera essencial en- contrar usos práticos que tragam benefícios para ou-

tros pesquisadores e para a sociedade. Parece estar no caminho certo: o brilho dos fungos Gerronema viridilucens po- de ajudar a detectar altos níveis de con- taminação no solo por metais de vários tipos, como mostrou Luiz Fernando Mendes, outro doutorando de Stevani, em artigo no prelo na Environmental Toxicology and Chemistry.

Sensores biológicos - Mendes cul- tiva o fungo em placas de vidro com 35 milímetros de diâmetro, sobre uma gelatina à base de algas conhecida como ágar, o meio de cultura mais comum em laboratórios biológicos. Depois de crescer 10 dias, os fungos ainda não chegaram à forma de cogumelo. Nessa fase eles são compostos por filamentos

Galhos recobertos por hifas invisíveis à luz do dia