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Natã, o profeta, desempenhou um papel crucial na sucessão de davi ao trono de israel. Apesar de sua lealdade a davi, natã assumiu a função de conselheiro e disse-lhe a verdade sobre a sucessão. Em troca, natã recebeu a promessa de que salomão seria o sucessor de davi. Este documento explora a importância de natã na história bíblica, sua relação com davi e a construção do reinado de israel.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Milton Schwantes
Conferência inaugural na Faculdade de Teolo gia da IECLB, proferida a 11 de outubro-de
Corre por aí a palavra de que a igreja é e precisa ser profética. Essa procura por uma igreja profética, sem dúvida, cresceu na nossa situação. É a inquietude de nosso continente. E, em nosso ambiente, a palavra da igreja profética tem sido, necessa riamente, uma palavra crítica, na esperança de que na igreja - desde as diretorias das comunidades até a direção geral - tudo esteja voltado para o povo de Deus, para que o crucificado, e não o poderoso, seja ouvido. Nem de longe, porém, é essa hoje a única maneira, em que se descreve a igreja profética. Essa palavra da igreja profética tornou-se freqüente. E vai sendo usada de várias maneiras. Por exemplo: Diz-se: igreja profética é a voz de sofrimento de nossa gente
1) Cf. G.Lohfink, Agora Entendo a Bíblia. Para Você Entender a Critica das Formas. (1978), pág. 68s.
Interessou-me esse Natã. Procurei-o nos textos bíblicos. Especialmente importantes são três: II Sm 7; II Sm 12 e I Rs 1. E interpretei assim:
Julguei ser oportuno iniciar pelas últimas notícias que temos de Natã, em I Rs 1. Encontramo-nos no ambiente de intrigas palacianas, lá pelo ano 965 a.C., em Jerusalém. O rei Davi com seus 70 anos (II Sm 5,4) estava velho e preso à cama. Quem seria seu sucessor? Adonias, na época o filho mais velho de Davi, reclamou o trono para si. Organizou seus partidários. Mas havia os que preferissem Salomão. Adonias ou Salomão! A questão se decidiu num só dia. Foi o dia, em que Adonias reuniu seus adeptos - Joabe, Abiatar, seus irmãos e homens de Judá - , para oferecer sacrifícios na Fonte Rogel, perto de Jerusalém. Seus adversários aproveitaram a oportunidade. Zado- que, Benaia, Natã e os soldados pressionaram a Davi. E o velho rei mandou ungir Salomão, na Fonte Giom. Portanto, na ocasião, em que Adonias organizava seus partidários e articulava sua pretensão ao trono de Davi, Salomão é constituído sucessor. Adonias e os seus entram em pânico. Especialmente esta parte da história da sucessão é uma obra de arte(2). Nela alguns personagens são caracterizados com muito esmero. Um deles é Natã, o profeta. Quem é Natã, naquele dia, em que se decide a sucessão no reinado de Davi? Ora, Natã teria ungido Salomão para ser rei de Israel. Pois, quando Davi dá as ordens para a unção de Salomão, estabelece que seja realizada por Zadoque, o sacerdote, e Natã, o profeta (v. 34). E o mensageiro que leva a Adonias e seus adeptos a notícia, para eles desastrosa, de que Salomão acabava de ser coroado rei, inclusive relata que a unção fora efetuada pelo sacerdote Zadoque e o profeta Natã (v. 45). No entanto, o próprio relato daquela cerimônia descreve somente o sacerdote Zadoque em ação (v. 39). Isso é curioso. Ainda mais que somente aqui um sacerdote unge o rei. No restante do AT isso está reservado ao povo (II Sm 2,4; esse também é o caso em II Sm 11,12!) ou a Deus, através dos profetas (I Rs 19,16) (3). Portanto, o texto bíblico, neste ponto, não é muito claro. Diz que Natã, em companhia de Zadoque, teria ungido Salomão (v. 34.45), mas não o relata (v. 39). Parece que este não era o forte de Natã.
maneja bem a intriga. Também usa a meia-verdade. Pois só da boca dele se fica sabendo que Adonias estava sendo proclamado rei. Adonias, naquele dia, só reunira seus amigos que o apoiavam em sua pretensão ao trono. Só Natã diz que ele estava sendo proclama do rei (no v. 11 observe o perfeito! v. 25). Nosso profeta, no entanto, ainda foi além de intriga e meia-verdade. Tampouco recuou diante da mentira. Arrancou de Davi, velho e doente, um juramento que este talvez nunca tenha feito. Pois é ele que manda Bate-Seba dizer (aí não se fala em relembrar, como muitos interpretam!) que Davi jurara: Salomão será meu sucessor (cf. vv. 13.17.30). Conforme os textos bíblicos este juramento aparece pela primeira vez na boca do profeta. Portanto, o autor de I Rs 1 apresenta o conselheiro Natã como intriguista(6), que não poupou a mentira para garantir o trono a Salomão. Ele foi o líder intelectual do golpe de estado daquele dia. Entretanto, o golpe daquele dia não se deve só à capacidade do indivíduo Natã. A vitória de Salomão sobre Adonias foi, na verdade, a vitória de um grupo sobre o outro. O texto bíblico insiste nisso, já que cita várias vezes os aliados de Adonias (Joabe, Abiatar, filhos de Davi, homens de Judá) e os que apoiavam Salomão (Benaia, Zadoque, Natã, soldados). Será que cada um desses partidos se formou por preferências e simpatias pessoais (7)? Ou será que nesses dois grupos se manifestam interesses bem mais concretos? Vejamos.
Também o sacerdote Abiatar é representante das antigas tradições. Ele provém dos sacerdotes que, em Silo, guardavam a arca (I Sm 1ss). Ainda mais: como seu último sobrevivente, acompa nhou Davi desde os dias, em que fugia de Saul (1 Sm 22,20ss). Combina bem com essas observações o fato de que Adonias também era apoiado pelos homens de Judá que estavam a serviço de Davi (v. 9). A gente do interior, da província, estava com o filho mais velho do rei. Resumindo, podemos dar as seguintes características ao grupo que se reunia em torno de Adonias. Esteve desde o início com Davi. Provém das antigas tradições do povo. É representante dos interesses da província.
do próprio Davi (I Sm 22,1), que se desagregavam. (Davi deve ter sido um dos guerreiros de Saul, cf. I Sm 14,52). Eram escravos foragidos (I Sm 25,10). Certamente muitos nem mesmo eram israelitas (II Sm 23,39) (14). Talvez fossem “ chabiru” /hebreus (15). Nesse ambiente de intranqüilidade social e na base de um exército de ‘desesperados’, surgiu o reinado de Davi, inicialmente só sobre Judá, mas depois também sobre Israel (16). O início do reinado de Davi, com sua tropa de gente empobrecida, e o início do de Salomão, garantido pela elite de funcionários, militares e religiosos, herdeiros dos jebusitas em Jerusalém, não poderia ser mais diverso. Talvez até se pudesse dizer que de um lado está o guerrilheiro popular (cf. a solidariedade entre Davi e os peões de Nabal em I Sm 25,7s.15s!), do outro lado o explorador e comerciante exemplar (I Rs 12,4). A passagem de um para o outro se deve às intrigas do profeta Natã. Ele precisava de Salomão. Seria essa uma chance para a igreja profética? Com a ascensão de Salomão ao trono desaparece Natã. Seu último ato significativo foram suas manobras naquele dia, quando se decidiu quem sucederia ao velho Davi. Esse Natã, que nessa situação aprendemos a conhecer, é bastante diferente daquele que, em geral, povoa nossas idéias. Por certo, Natã iniciou bem cedo a caminhada que concluiu em I Rs 1s.
II
Essa caminhada teve início uns 20 ou 30 anos antes, nos primeiros anos do reinado de Davi em Jerusalém. Pois na primeira vez em que Natã aparece em textos bíblicos - isso ocorre em II Sm 7 - ele garante a Davi não só seu reino, mas até uma dinastia. A decisão da sucessão de Davi se deve, como vimos, ao nosso profeta. Coincidentemente, foi ele que anunciou sucessores a Davi. Talvez fosse permitido dizer que em II Sm 7 está a teoria (promessa de dinastia) para a prática de I Rs 1 (imposição de Salomão como sucessor).
Já estou me precipitando, porém. Pois, antes de entrar em maiores detalhes sobre o profeta Natã em II Sm 7, é indispensável que se tome em consideração que este é um texto controvertido e
H ) K.Elliger, Die dreissig Helden Davids, in: Theologische Bücherei 32 (1966), pág. 72ss.
difícil. Está carregado de história. Ora, por um lado, faz parte de um elo de ligação (II Sm 6s (8?), que entrelaça três documentos básicos para o início do reinado em Israel, quais sejam: conto da arca (I Sm (1-3)4-7,1 + II Sm 6), histórias da ascensão de Davi (I Sm 16-11 Sm 5), história da sucessão de Davi (II Sm 2 - 1 Rs 2). E, por outro lado, II Sm 7 é uma promessa que diz respeito a todos os reis davídicos, que governaram ém Jerusalém por quase meio milênio. O Novo Testa mento prolonga essa linha até Jesus (Mt 1,1 ss; Lc 3,23ss). O texto de II Sm 7 participou ativamente de toda essa história. Podemos perceber que deve ter havido reinterpretação e atualização (17), mas parece difícil, talvez até impossível, fixar com alguma precisão as mudanças havidas. De sorte que, na pesquisa sobre II Sm 7, em si ninguém concorda com ninguém. Para alguns todo capítulo remonta ao encontro de Davi e Natã (18), para outros tudo é produto de épocas posteriores (19) e muitas são as soluções intermediárias. Contudo, não podemos, agora, participar dos detalhes dessa discus são. Parto da observação de que o conteúdo básico de II Sm 7 é a promessa de uma dinastia davídica. Talvez com demasiada ingenui dade, tento entender esse texto a partir da época de Davi. Davi se tornara rei de Judá e de Israel. Impusera-se contra os filisteus. Levara a arca para sua nova capital, Jerusalém. Agora, II Sm 7 observa que seu palácio de cedro não condiz com a tenda, em que a arca está colocada. Natã diz ao rei que faça o que estiver em seus planos, isto é, ele apóia a construção de um templo para a arca da aliança (vv.1-3). Naquela mesma noite, porém, Deus revela outros planos a Natã: põe radicalmente em dúvida a construção de uma morada para o Deus de Israel, por ser ele um peregrino (vv.4-7), mas anuncia uma casa, isto é, uma dinastia, a Davi (vv.8-17). O rei agradece (w. 18-29), e essa oração quase ocupa a metade do capítulo. Aqui Natã, de fato, é profeta. Essa colocação se pode fazer logo de início. Não se trata de um conselheiro real, hábil em intrigas (I Rs 1). Desta vez, Natã tem nítidas características proféticas. Introduz suas palavras com a fórmula de mensageiro (“assim disse o Senhor", vv.4.8). Lemos que Deus o pôs em movimento ( “vai e dize a meu servo Davi”, v.5) e ampliou sua missão ("e, agora, assim dirás
Chamou-me a atenção que em II Sm 7 se fala freqüentemente em inimigos (w .1.9-11.14; cf. II Sm 12.14). Mas desses inimigos Natã não fala, quando seu assunto é a crítica ao templo, mas somente quando trata do reinado. Os inimigos estão ligados ao reinado e à dinastia. Numa série de outros textos bíblicos, sabidamente ocorre o mesmo (cf. por exemplo SI 110,1 s). Reis têm inimigos. Esses inimigos nada mais são que o outro lado do despotismo. Onde reis são impostos pelas armas, sem aclamação geral, onde o despotismo surge, sem aceitação popular, necessariamente são criados inimi gos. A evocação dos inimigos, ontem e hoje, faz parte da tirania. Natã insiste em falar dos inimigos de seu rei, acompanhando assim, como amigo da corte, a tirania real, que vai tomando forma na época de Davi (observe II Sm 15,1 ss; 20,1ss) e acaba se impondo com Salomão (I Rs 12,4!). Natã era amigo da corte. Isso evidentemente não só se deve deduzir de suas palavras contra os inimigos de seu rei e senhor. Ao meu ver, isso transparece naquela cena, com que inicia II Sm 7. O rei, certo dia, participa ao profeta que está preocupado com o contraste: ele no palácio, a arca numa tenda. Natã responde: "Tudo que estiver em teus planos, vai e faze, pois o Senhor está contigo” (v.3). Essa cena não é nem particular, nem privada. Pois Natã e Davi aparecem cada qual com seu título, rei e profeta; e o assunto, um templo, é vital para os interesses do estado. Neste caso, nem mesmo é suficiente dizer que Natã seja amigo da corte. Deve-se dizer que ele é conselheiro do rei em assuntos religiosos (21). Esta função, curiosamente, não é ocupada por sacerdotes, mas por um profeta (cf. também II Sm 2 4 , 18ss). Portanto, no início do reinado de Davi em Jerusalém encon tramos, em II Sm 7, um Natã que não difere basicamente daquele intriguista ‘naquele dia’ da coroação de Salomão, uns 20 a 30 anos mais tarde. Vemo-lo na função de um conselheiro para assuntos religiosos. Está amarrado à corte e detesta os inimigos de seu rei. Mas é profeta. O alvo de sua profecia, no entanto, combina exatamente com sua posição na corte. Esse alvo é a promessa divina de constância para a dinastia davídica. Num ponto, porém, esse Natã difere de tudo quanto dele até aqui sabemos. Em palavra profética, põe radicalmente em dúvida a possibilidade de construir um templo para o Deus de Israel, que sempre fora peregrino, jamais sedentário. Aqui Natã é representante de antigas tradições.
Essa defesa de antigas tradições (22) e, principalmente, essa postura crítica estão plenamente presentes no terceiro e mais conhecido texto, que fala de Natã. Trata-se da intervenção de Natã no episódio entre Davi, Bate-Seba e Urias em II Sm 11 s.
III
Digo, logo de início, que, a meu ver, II Sm 12 mostra, como poucos outros textos bíblicos, o sofrimento da verdade. Parece-me que nele a verdade ao mesmo tempo é dita e desdita. Ocorre condenação à morte. Como o condenado, porém, não é um joão qualquer, mas o rei todo-poderoso, essa condenação acaba sendo driblada. II Sm 12 espelha o sofrimento de um profeta amarrado a seu rei, mas a um rei assassino. Talvez estivemos romantizando e heroificando sobremaneira o profeta Natã, em seu encontro com Davi. Isso porque deixamos de ler II Sm 12 (23) no contexto de I Rs 1 e II Sm 7. Porém, deixemos os textos falar. Ora, os acontecimentos são conhecidos. Davi se engraça de Bate-Seba. Assim Urias, seu marido, é mandado por Davi à morte. Enquanto seus soldados estão na guerra (a guerra contra os amonitas, II Sm 9-12, é o contexto do adultério de Davi), o rei vive de suas glórias, infame, covarde, traiçoeiramente. Em meio a esse complô de injustiças, salta Natã, enviado por Deus (II Sm 11,27b; 12,1). É quase impossível ler essa parte da Bíblia sem ansiar por este momento profético; seria uma desgraça, sem a graça de Natã. Bem por isso, a gente deve ter o cuidado de não ler o que não está escrito. Certo é que em II Sm 12 Natã é profeta. Mas - curiosamente!
inicialmente, só tem em vista o homem rico. Também é evidente que a condenação à morte e à restituição fazem parte deste texto. Isso, no entanto, tem uma conseqüência muito decisiva para o todo do texto. Pois quando Natã fala a Davi “Tu és o homem!” , ele não só - como em geral se pensa - diz que o rei a si mesmo se condenara à morte, mas também que o rei se comprometera a restituir e compensar. Permanece, portanto, uma duplicidade. Davi é enquadrado, ao mesmo tempo, no código penai e no código civil. Mas, afinal, Davi é criminoso ou apenas ladrão comum? Vejam, essa duplicidade não se nota só no começo de II Sm 12. Veremos. Natã estava conduzindo o rei até bem perto do âmago da questão: assassinato requer pena de morte. Mas parece que o profeta desiste de seu empreendimento, pois as palavras que, a seguir, passa a dirigir a Davi são um tanto diferentes (28). 'Assim disse o Senhor, Deus de Israel: Eu te ungi rei sobre Israel. E eu te livrei das mãos de Saul. Dei-te a casa de teu senhor, e as mulheres de teu senhor em teus braços. E te dei a casa de Israel e de Judá. Se isto fora pouco, eu teria acrescentado tais e tais coisas. Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o mal perante ele? Ao heteu Urias feriste à espada. A sua mulher tomaste por mulher depois de o matar com a espada dos filhos de Amom. E, agora, não se afastará a espada da tua casa, pois tu me desprezaste e tomaste a mulher do heteu Urias para ser tua mulher.” (v. 7b-10). Parece-me que na medida, em que Natã se aproxima da questão crucial, o assassínio de Urias, ele vai amaciando, desviando o problema. Isso logo se percebe na linguagem usada. São lembradas todas as coisas boas que Deus fez por Davi (cf. II Sm 7,8ss), diante das quais a ação traiçoeira do rei, ao fazer morrer Urias, é quase inacreditável. Enquanto o profeta assim vai aprofun dando o caráter incompreensível e absurdo do que ocorreu, vai fixando todo o interesse em Davi. Não mais Urias e seu assassinato, mas a atitude de Davi passa a ser o problema. Creio que interpreto bem, se digo que o assassinato está virando assunto de moral (no v. 10b a fundamentação do castigo, curiosamente, não é a morte de Urias!). E esse problema pode ser sanado! Então Davi pode ser curado. Esta é a intenção das palavras do profeta: curar Davi. Natã é aí um c u ra d ‘alma, um "confessor” (29). Uma outra observação reflete e, ao mesmo tempo, limita devidamente a tendência poimênica, que acabo de anotar. Trata-se do seguinte: o castigo, do qual o profeta agora fala, não se refere
mais diretamente à pessoa de Davi; “e, agora, não se afastará a espada da tua casa" (v. 10a). Essas palavras dão a impressão de que Davi nem mesmo está incluído entre os que hão de sofrer o castigo pela morte do heteu. Apesar disso, ainda é bem evidente que o assassinato de Urias será expiado por outras mortes. O castigo, no entanto, amplia seu raio de ação para dentro da família real (cf. v. 19. II Sm 13,28s; 18,15; I Rs 2,5). Dessa conseqüência do adultério de Davi (lembro que só dele se fala no v. 10b) e da morte de Urias, para dentro da família real, se ocupa a continuação da palavra profética: “Assim disse o Senhor: Eis que da tua casa farei surgir o mal. Tomarei as tuas mulheres à tua vista e as darei a teu próximo. E ele se deitará com tuas mulheres em plena luz deste sol. Pois tu fizeste às escondidas, mas eu farei isto diante de todo Israel e à luz do sol.’’ (v. 11-12). Nessas palavras (30), nem Davi (vv.5a. 7), nem seus filhos (v. 10a), mas seu harém é que sofre as conseqüências (cf. 2 Sm 16,20ss?). Já não se trata, porém, de conseqüências de morte, mas de desonra e abuso. A gente até se pergunta, se estas mulheres têm que pagar pela morte de Urias ou pelo adultério de Bate-Seba. Em todo caso, é impressionante observar como o assassinato de Davi, ao mesmo tempo que arrasta consigo um círculo sempre maior de pessoas, vai se afastando do próprio culpado. Vê-se também, nessas palavras proféticas de Natã (vv.7b- 10.11 s), uma ambigüidade: por um lado, é tomado a sério o assassinato de Urias; ele será pago pela família real. Por outro lado, Davi é aliviado do castigo; seus filhos é que morrerão e suas mulheres é que serão abusadas. Trata-se assim da cura do rei. Ora, um rei não pode ser condenado à morte; para isso há tantos outros! Essa vacilação diante de Davi também transparece no fim do encontro do profeta com seu rei. Relata-se: “E, então, disse Davi a Natã: Eu pequei diante do Senhor. Respondeu Natã a Davi: Também o Senhor perdoou teu pecado. Não morrerás. Mas, como deste motivo a que os inimigos do Senhor blasfemassem por causa dessa história, também o filho que te nasceu, terá que morrer. E Natã foi para sua casa." (vv. 13-15a). Essa cena fala claramente: a culpa assumida por Davi precisa ser expiada (v.14a!). Assassinato só pode ser restaurado a nível de morte; a pena de morte é o castigo para o rei. Davi é candidato à morte (cf. v.5). Mas nosso texto consegue resolver o problema que, dessa forma, estava lançado. Isso ocorre através da
No entanto, não é esse conflito que, de fato, interessa no contexto de nossa parábola. Isso salta aos olhos. Pois o alvo de Natã ao relatar o caso não é a denúncia do terror, em que está vivendo o pobre. O interesse de Natã está em Davi, e ele é o alvo do profeta. Natã aplica uma parábola caso, que provém do conflito entre explorador e explorado, numa situação, em que o conflito é adultério (Bate-Seba e Davi) e assassinato (Urias). Assim, a parábola é alienada de sua função primária. É, pois, possível que Natã não tenha sido o primeiro a contar a parábola do rico e do pobre. Na capital Jerusalém, grupos insatisfeitos com a situação social talvez contassem tais casos típicos para denunciar o terror, sob o qual viviam os fracos. O recontar de casos exemplares faz parte da conscientização. Natã aparentemente assumiu uma tal parábola de protesto e conscienti zação, mas quebrou-lhe a ponta ao aplicá-la aos problemas da corte. Esse é o dilema e a ambigüidade de Natã. Sabedor do terror contra os pequenos, nas cidadezinhas de Judá e Israel, optou pela cura de Davi, pela purificação da corte. Tentar curar e salvar Davi é a ilusão, na qual Natã sofre. Sim, II Sm 12 é um texto bíblico de profundo sofrimento de Deus. Natã não quer ser infiel ao Senhor que o enviou. Mas está preso às circunstâncias de seu ambiente; chegara a anunciar eternidade à dinastia davídica (II Sm 7). Nesse dilema entre profeta e amigo da corte sucumbem veracidade e autenticidade da palavra de Natã. Não, esse não é, nem de longe, um herói! No entanto, ainda que seja um anti-herói, um meio-profeta, ele está no caminho. Pois há também coragem em sua atitude; quase condenou o rei à morte. Parece-me que os escritores bíblicos perceberam que aqui, ainda em meio a sombras, estava se prepa rando algo profundamente novo. É o que deduzo de uma pequena observação: em II Sm 12,1-15a Natã não é designado de profeta. Nesse ponto ele se aproxima dos grandes profetas do século VIII. Eles que anunciavam morte e exílio aos reis, não admitiam que fossem chamados de profetas. “ Eu não sou profeta”, diz Amós (7,14). A seguir teremos que voltar a esses assim chamados profetas do século VIII. Mas, de momento, não devemos esquecer que Natã é mencionado em mais um lugar do episódio entre Davi e Bate-Seba. Parece que essa passagem tem sido esquecida pelos que heroificaram Natã. Ora, concluída a cena entre o profeta e seu rei, lê-se, em II Sm 12,15b.16ss, que o filho de Bate-Seba adoece, Davi sofre, a criança morre. Mas a vida continua. Nasce um segundo menino, Salomão. E o narrador conclui todo o episódio de Davi e Bate-Seba com estas palavras:
"E (Davi) entregou (Salomão) na mão de Natã, o profeta. E este lhe deu o nome de Jedidias - por causa do Senhor, (v.25) (32). Essas poucas palavras esclarecem algumas questões. Elas, mais uma vez, comprovam (cf. II Sm 7,4-7) que Natã indiscutivelmen te foi (ou se tornou?) um adorador de Javé, do Senhor. Pois o nome que ele dá a Salomão o evidencia. Chama-o de Jedidias e isto significa: Amado de Javé. É curioso que Natã, o qual, em toda cena com Davi, nenhuma vez fora chamado por seu título, volta a ser designado de profeta, apesar de que aqui sua função seja totalmente outra. Se Davi lhe entrega Salomão, então para que o profeta dele cuide e o eduque. Natã é o educador de Salomão (cf. II Rs 10,1-6). Nessa qualidade de educador - não de profeta! - , dá um nome especial ao filho do rei. Como Salomão apenas nessa passagem do Antigo Testamento é chamado de Jedidias, pode-se deduzir que se trata de um nome de intimidade dado pelo mestre Natã a seu educando Salomão. E já que é esse o caso, talvez tampouco seja puro acaso o fato de que, na lista dos filhos que nasceram a Davi em Jerusalém (II Sm 5,13-16), foi dado o nome de Natã (é deste que fala Zc 12,12?) ao filho nascido antes de Salomão. (Para I Cr 3,5, este até é filho de Bate-Seba, aliás Bate-Sua!) A gente é induzido a imaginar que, em homenagem a seu profeta, Davi chamou a um de seus filhos de Natã e, em retribuição, o profeta deu um nome especial a seu discípulo Salomão. Tal compadrio, porém, certamente não passa de imaginação! Esta, no entanto, serviria para assinalar como nosso Natã estava estreita mente ligado à corte. Natã precisava de Davi. A partir desse seu cargo de educador do sucessor de Davi, Natã, mais tarde, pode ser considerado escritor. É o que se observa no cronista (I Cr 29,29; II Cr 9,29). Ele também faz de Natã um dos que introduziram os levitas como cantores no templo (II Cr 29,25). Natã chega a assumir aqui a função de um legislador do culto. Suponho que II Sm 7,1-3 tenha sido o texto motivador. Assim, se fecha nosso círculo: Natã, provavelmente já avan çado em anos, impusera Salomão como sucessor. Prometera, uns 20 a 30 anos antes, dinastia a Davi. Depois salvara e curara seu rei, que complicara sua vida num adultério e assassinato. Por fim, fora encarregado da educação de Salomão vindo a impô-lo como novo rei. No dia em que Natã assume Salomão e sua educação,desapare-
os textos quase só falam de Natã como de um conselheiro. Assim, Natã passava para os mandantes em Jerusalém. Comparável a Natã são seu contemporâneo Gade (I Sm 22,5; II Sm 24,1 1s s ), Aias (I Rs 11,29ss) e outros. Pelo que hoje se sabe, esse tipo de profeta, preocupado com templos e reis, é freqüente no Oriente antigo. Mesmo sem poder valorizar, em detalhes, tal obser vação, deve-se estar ciente desses paralelos (33).
V
Natã não é Amós. Com Natã estamos, tão-somente, nos inícios da profecia em Israel. É o começo da luta contra o reinado, contra o grupo que, contraditoriamente em nome do Senhor, se adonou de seu povo. Ocorreu a primeira tentativa de enfrentar o rei. Mas sucumbiu. Natã, por fim, silenciou. Esse silêncio é como que o começo do sofrimento da palavra profética sob o novo poder, que se impusera sob a forma do reinado. Vieram outros: Aias (I Rs 11,29ss), Jeú (I Rs 16,1ss), Elias (I Rs 17,1ss; 21), Eliseu (II Rs 9,1 ss) e outros. Sofreram com os reis até Amós e Oséias, Isaías e Miquéias no século VIII, 250 anos depois de Natã! São diferentes de seus antecessores. Pois neles o sofrimento profético chega a seu auge. São os profetas do fim. Chamá-los-ia, por isso, de profetas apocalípticos Não vêm para admoestar nem para converter. Seu assunto principal não é a crítica nem a denúncia. Eles vêem, como visionários, na realidade, a destruição final para aquela organização iniciada por Davi. Falando na linguagem de Amós: “Jeroboão morrerá à espada” (7,11); “chegou o fim para meu povo Israel” (8,2). Ou citando a terrível palavra de Miquéias: “Sião será lavrada como um campo e Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo numa colina de m acega” (3,12). Estes profetas que falavam desse jeito, em todo caso, não viviam da corte e dos favores do rei. Viviam do chamado que Deus lhes impunha e daqueles poucos que os apoiassem. Isaías tinha um pequeno círculo de discípulos em Jerusalém (Is 8,16). Miquéias estava com os colonos de Judá (Jr 26,17ss). Oséias se via apoiado por outros profetas (Os 6,5; 9,7; 12,11). Até mesmo Amós tinha lá seus amigos que observaram e anotaram sua desavença com o sacredote Amazias em Betei (Am 7,1 Oss). Esses profetas dizem uma mensagem nova e radical, comparando-os com Natã. Seus compromissos são bem outros, se os colocarmos ao lado dos daquele Natã que precisava de Davi.
Apesar de todas essas diferenças, porém, parece que Natã já estava ensaiando, ainda que sem as últimas conseqüências, quando disse a Davi: “ Tu és o homem” !. Desse ensaio também participamos, na procura pela tarefa da igreja. A igreja profética é um ensaio urgente e necessário em nossa situação. Aí valem as dimensões e propostas, que nos coloca a tradição bíblica. Talvez seja um tanto esquemático, mas não seria necessário, nos perguntarmos: Vamos com Natã, ligados à Davi? ou: Vamos com Miquéias, ligados aos colonos de Judá? Paro nesta pergunta, sabendo que temos que continuar na caminhada e na opção pela igreja profética de Amós e Miquéias, Oséias e Isaías. Essa caminhada, no entanto, só pode acontecer em conjunto. Se Natã sucumbiu, então talvez também por ter confiado mais em sua coragem do que em seus irmãos. Ficou sozinho diante do rei. Por isso, se interrompo aqui, então o faço na esperança pelo consolo mútuo e pela conscientização recíproca. Talvez pudésse mos retomar aquela parábola-caso, que Natã foi apresentar a Davi, contando parábolas e relatando experiências análogas. Para início dessa tarefa, este estudo, que aqui termino, talvez seja uma possibilidade, ainda que seu resultado seja negativo: na "corte” e em suas intrigas não há grandes chances nem grandes esperanças para a igreja profética.