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Guias e Dicas
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Problemas na Tradução de 'Nós' em The Buddha in the Attic de Julie Otsuka por Sónia Macedo, Notas de aula de Tradução

Um relatório de projetos sobre a tradução para português europeu de the buddha in the attic, o segundo romance de julie otsuka. O texto aborda a tradução da narrativa em primeira pessoa plural e analisa as opiniões literárias sobre a obra. Além disso, discute os desafios e o processo de tradução, incluindo a importância de preservar a identidade do original.

O que você vai aprender

  • Como a tradução de The Buddha in the Attic afeta os leitores em português?
  • Quais são as opiniões literárias mais notáveis sobre The Buddha in the Attic?
  • Qual é a importância da narrativa em primeira pessoa plural em The Buddha in the Attic?
  • Qual é o papel da identidade do original na tradução?
  • Quais desafios foram enfrentados durante a tradução de The Buddha in the Attic?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Luiz_Felipe
Luiz_Felipe 🇧🇷

4.4

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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA
RELATÓRIO DE PROJECTO DE TRADUÇÃO
A Problemática do «Nós» na Tradução para
Português de The Buddha in the Attic,
de Julie Otsuka
Sónia Macedo
MESTRADO EM TRADUÇÃO
ANO LECTIVO DE 2013/ 2014
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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA

RELATÓRIO DE PROJECTO DE TRADUÇÃO

A Problemática do «Nós» na Tradução para

Português de The Buddha in the Attic ,

de Julie Otsuka

Sónia Macedo MESTRADO EM TRADUÇÃO

ANO LECTIVO DE 2013/ 2014

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA GERAL E ROMÂNICA

RELATÓRIO DE PROJECTO DE TRADUÇÃO

A Problemática do «Nós» na Tradução para

Português de The Buddha in the Attic ,

de Julie Otsuka

Sónia Macedo MESTRADO EM TRADUÇÃO

TRABALHO DE PROJECTO ORIENTADO PELA

PROFESSORA DOUTORA TERESA CASAL

ANO LECTIVO DE 2013/

i

AGRADECIMENTOS

Ainda que o carácter individual deste projecto de tradução, pelo seu propósito académico, seja inegável, não posso deixar de agradecer a todos aqueles que contribuíram para que o mesmo chegasse a bom porto. Gostaria, então, de expressar os meus sinceros agradecimentos:

Em primeiro lugar, à Professora Doutora Teresa Casal. Obrigada, não só pela sua disponibilidade e generosidade, mas também pelas suas críticas, correcções e sugestões que enriqueceram todo o trabalho que se segue. Obrigada ainda por toda a paciência e compreensão que demonstrou ao longo deste ano e meio para com esta trabalhadora/ estudante e por todo o alento que me incutiu, em especial nos momentos em que acreditei piamente que não seria possível conciliar a vida profissional e familiar com a execução deste projecto de tradução.

Obrigada à minha mãe, Elisabete Rodrigues, pois sem ela certamente jamais teria voltado a estudar depois de quase dez anos de interrupção. Pela sua força e, acima de tudo, pela leveza com que encara a vida, nunca me pressionando num ou noutro sentido, antes me apoiando nas minhas decisões.

Obrigada ao meu namorado, Dipanda Vilhena e Silva, pelas suas palavras diárias de encorajamento e por toda a paciência que demonstrou, especialmente no mês que antecedeu a entrega do trabalho final e também por todas as noites que passou em claro para me fazer companhia enquanto eu trabalhava neste projecto.

Obrigada ao meu melhor amigo, Jonas Batista, por todas as horas que perdeu, não só a ouvir os meus desabafos sobre o projecto que tinha em mãos, mas também a ler os avanços e recuos do mesmo e a instigar-me a continuar, porque estava, acreditava ele, no bom caminho.

Obrigada ao meu avô, Bento Rodrigues, pela lição de força de vida que me deu num dos momentos mais difíceis da sua vida. Pela sua resiliência em viver, ensinou-me a nunca desistir.

ii

RESUMO

O objectivo do presente Relatório de Projecto é apresentar uma tradução para português europeu de The Buddha in the Attic (2011), o segundo romance da escritora nipo-americana Julie Otsuka, acompanhado de uma reflexão sobre a caracterização da voz narrativa em tradução. Assim, o trabalho que se segue apresenta-se dividido em três capítulos distintos, fazendo-se ainda acompanhar de um Anexo com o texto de partida e de um Apêndice com a tradução proposta da obra na íntegra. O Capítulo 1 é dedicado ao estudo da narrativa, tendo em linha de conta a ideia de que cada tradutor é, primeiramente, um leitor e, a posteriori , um escritor. Assim sendo, analisa-se o contexto de partida e as recensões literárias de que esta obra foi alvo. Seguidamente, é tratada a temática, a voz narrativa, fazendo-se também a análise fonológica e morfossintáctica, cultural e pragmática e lexical do texto de partida. O segundo capítulo incide sobre os contributos dos Estudos de Tradução que nortearam as nossas escolhas tradutórias, designadamente Lawrence Venuti, Gideon Toury, Friedrich Schleiermacher, Paul Ricoeur, João Barrento, Sara Laviosa e Andrew Chesterman. No terceiro e último capítulo, comenta-se a tradução da obra em si, tendo em conta as estratégias de tradução apresentadas por Chesterman, apresentando-se um estudo comparativo com as principais diferenças entre os dois sistemas linguísticos, especialmente as diferenças na realização da voz narrativa. Concluiremos ainda, neste último capítulo, que a tradução que propomos desta obra tem na língua de chegada efeitos estéticos análogos aos do texto de partida no respectivo contexto.

Palavras-chave: literatura nipo-americana, «picture brides», Segunda Guerra Mundial, campos de internamento, «nós».

iv

ÍNDICE GERAL

Agradecimentos i

Resumo ii

Abstract iii

Apêndice

    1. Introdução Índice geral iv
    1. The Buddha in the Attic
  • 1.1 O Contexto de The Buddha in the Attic
  • 1.1.1 A Obra no seu Contexto de Partida
  • 1.1.2 Recensões Literárias a The Buddha in the Attic
  • 1.2 Caracterização da Obra
  • 1.2.1 A Estrutura e a Temática de TBA
  • 1.2.2 A Voz Narrativa
  • 1.2.3 Análise Fonológica e Morfossintáctica da Narrativa
  • 1.2.4 Análise Cultural da Narrativa
  • 1.2.5 Análise Pragmática e Lexical da Narrativa
    1. Estudos de Tradução – linhas orientadoras
  • 2.1 Estudos de Tradução
  • 2.1.1 A Invisibilidade do Tradutor
  • 2.1.2 Tradução em Assimilação ou em Estranhamento?
  • 2.1.3 A Relação de «Ipseidade» do Texto Traduzido com o Texto de Partida
  • 2.1.4 Universais e Estratégias de Tradução – normas ou prescrições?
  • 2.1.5 Conclusões
    1. Relatório de Tradução – análise linguística
  • 3.1 Tradução ao Nível da Sintaxe
  • 3.1.1 As Construções Frásicas
  • 3.1.2 A Voz Passiva
  • 3.1.3 Os Tempos Verbais
  • 3.1.3.1 O Caso dos Tempos Verbais do Passado
  • 3.1.3.2 O Caso do Futuro e do Condicional
  • 3.1.4 A Realização do «Nós» na LP e na LC
  • 3.1.4.1 O Sujeito Nulo na Língua de Chegada
  • 3.1.4.2 Formas de Restrição do Núcleo Nominal na LC
  • 3.2 Tradução ao Nível da Semântica
  • 3.2.1 A Tradução do Título v
  • 3.2.2 A Tradução de Expressões Idiomáticas/ Coloquiais
  • 3.3 Tradução ao Nível da Pragmática
  • 3.3.1 Marcas Culturais no TP e no TC
  • 3.3.1.1 A Língua e Cultura Japonesas
  • 3.3.1.2 A Questão do Género
  • 3.3.1.3 As Formas de Tratamento
  • 3.4 Conclusões
    1. Conclusão
    1. Bibliografia
    1. Webologia

último capítulo do presente projecto: assim, começaremos por elencar os problemas encontrados ao nível da sintaxe, passando pelas questões ao nível da semântica e terminando com a análise da tradução ao nível da pragmática. Fá-lo-emos sempre com o intuito de justificar e defender as escolhas tradutórias que tomámos quando nos deparámos com uma ou outra dificuldade de tradução e, mais do que isso, mostrando por que razão outras opções tradutórias (também elas igualmente viáveis) foram preteridas. Será dada especial ênfase à questão da voz narrativa aquando do tratamento das questões sintácticas, sendo esta, no fundo, a questão que acrescenta inovação a este projecto e lhe confere relevância e pragmatismo no contexto dos estudos comparativos e de tradução. Que entraves coloca, do ponto de vista da tradução, um romance escrito na primeira pessoa do plural? De que modo se realiza a construção do «nós» em inglês e em que medida é que esta construção se afasta ou aproxima daquela que ocorre em português? Como é que a voz colectiva abre espaço ao indivíduo? Em suma, importa-nos mais «quem fala» (do que «quem vê») e o modo como a voz narrativa determina (ou não) a forma como o processo de tradução se desenrola, dificultando-o ou facilitando-o. Por último, discutiremos a tradução apresentada para português, analisando o texto como um todo, por forma a debater os seus efeitos estéticos na língua portuguesa: o texto funciona na língua de chegada do mesmo modo que na língua de partida? As repetições têm os mesmos efeitos que no texto de partida? A construção do «nós» permite a entrada em cena da voz individual? A musicalidade ao jeito da lírica não se perdeu? Em suma, a tradução proposta de TBA , mais do que comunicar o sentido da narrativa, traduz igualmente a forma desse sentido, funcionando, para a língua de chegada e para o leitor de chegada, de forma homóloga ao texto de partida? Apensos a este relatório encontram-se um Anexo (com o texto de partida) e um Apêndice (com a tradução que propomos do mesmo para português europeu).

1. The Buddha in the Attic

Índice

1.1 O Contexto de The Buddha in the Attic 1.1.1 A Obra no seu Contexto de Partida 1.1.2 Recensões Literárias a The Buddha in the Attic

1.2 Caracterização da Obra 1.2.1 A Temática 1.2.2 A Voz Narrativa 1.2.3 Análise Fonológica e Morfossintáctica da Narrativa 1.2.4 Análise Cultural da Narrativa 1.2.5 Análise Pragmática e Lexical da Narrativa

Neste primeiro capítulo caracterizaremos, de um modo detalhado, os contextos de partida e de chegada de TBA , bem como o texto em si. Para tal, começaremos por situar a obra no contexto da Literatura Americana, apontando para a sua heterogeneidade e mostrando até que ponto é que as origens da autora desta obra condicionam, à partida, a categorização da mesma. Não concluiremos este ponto sem defender a capacidade que a tradução tem, em última análise, de romper com mapeamentos demasiado rígidos, alargando o contexto de leitura/ recepção de uma dada obra literária. Seguir-se-á uma análise minuciosa das características estilístico-formais da obra, sendo dada especial relevância à questão da voz narrativa, que é o enfoque de todo o relatório, por duas razões: por um lado, são raras as narrativas na primeira pessoa do plural; por outro, porque a realização do sujeito na LP e na LC é feita de formas distintas, pelo que este será um ponto a que terá de ser dada especial atenção aquando do processo tradutório.

com vista a romper com a influência dos modelos literários ingleses. Esta literatura mainstream vive da figura do herói masculino, do indivíduo:

It has also socialized an “American” reader to identify the national literature with those texts that present white male characters estranged from home, community, and “tender feelings”; men who prefer the company of other men to making any but sexual connections with women; and protagonists who prove their masculinity and dominance by hunting and killing large animals or Indians or black men. (Fetterley, 2003: 341-342)

Todavia, a literatura americana está longe de se esgotar na referida literatura « mainstream ». Há toda uma literatura de minorias que engloba, não só a literatura nativa americana (aliás, a primeira literatura a ser produzida no território dos EUA de que se tem conhecimento, ainda que oralmente, já que não há registos de literatura escrita nas tribos da América do Norte antes da chegada dos primeiros europeus), como também a literatura afro-americana e a asiático- americana, entre inúmeras outras. (Note-se que, por motivos de interesse do presente trabalho, apenas fazemos referência a filtros raciais, deixando de lado os de género, classe social e regionalismos). No respeitante à literatura asiático-americana, esta pode ser facilmente subdividida em pelo menos seis subcategorias literárias: a nipo-americana, a sino-americana, a literatura de americanos descendentes de filipinos, de coreanos, de vietnamitas e de havaianos. Seguimos, para este efeito, as categorias étnicas referidas nos Censos americanos do ano 2000^1. Todas estas categorias acabam por servir para cartografar os estudos literários americanos, ainda que possam ser facilmente criticadas pelo seu carácter redutor, já que lhes subjaz uma noção de identidade reduzida à pertença étnica. Tendo em conta as origens da autora desta obra, focar-nos-emos na literatura asiático- americana. Esta literatura surge nos finais do século XIX, com o aparecimento de obras escritas em inglês por imigrantes chineses. Estes tinham como primeira motivação escrever sobre a sua experiência, de modo a combater estereótipos racistas em relação à comunidade à qual pertenciam e que surgiam um pouco por toda a literatura e imprensa americana da altura. Contudo, nem só os imigrantes chineses eram vítimas de discriminação e preconceito. Os imigrantes japoneses também se sentiram desde sempre à margem da dita população mainstream. Na verdade, cada uma das ondas de imigrantes asiáticos era recebida com animosidade por parte dos americanos, muito como consequência das relações políticas entre os EUA e os países asiáticos:

(^1) http://immigrationinamerica.org/359-asian-immigrants.html

Few Chinese or Japanese arrived in the US thinking of themselves as subjects of a nation – instead they identified with their home province or prefecture. (Hsu, 2009: 958)

Desde os primeiros tempos nos EUA (1869, momento a partir do qual se dá a chegada de japoneses à Califórnia), que a sua vida não foi facilitada, em grande parte devido aos inúmeros entraves que lhes eram colocados por via legal. A primeira lei significativa de restrição de imigração para os EUA ficou conhecida como Chinese Exclusion Act de 1882. Esta suspendia a entrada de chineses (n)os EUA durante dez anos e tornava impossível aos chineses aí já instalados a obtenção da cidadania americana. Esta foi parcialmente revogada em 1943, no contexto da Segunda Guerra Mundial, momento em que a China era aliada dos EUA contra o Japão Imperial. A esta lei seguiram-se muitas outras (em 1892, em 1902 e em 1904), que visaram restringir a imigração de outros grupos que não eram desejáveis, como foi o caso dos japoneses. Entre os anos de 1907 e 1908, após um aumento exponencial na imigração japonesa para a América (note-se que os censos de 1900 davam conta de quase 115 000 imigrantes japoneses a viver nos EUA), uma série de Gentlemen’s Agreements levados a cabo entre os EUA e o Japão impediram a continuação da emigração de homens japoneses para os EUA. Ao mesmo tempo, promovia-se a emigração de mulheres japonesas, ou seja, das chamadas «picture brides». «Picture brides» é um termo informal que se refere às mulheres que casaram com homens completamente desconhecidos, de quem tinham apenas fotografias e uma ou outra carta. Ao impulsionar a emigração de jovens mulheres para os EUA, o Japão pretendia possibilitar uma vida familiar aos milhares de emigrantes japoneses que estavam já definitivamente instalados na América. Assim, e uma vez que uma viagem ao Japão para constituir família estava totalmente fora das possibilidades destes homens, em grande parte pelos custos elevados que lhe estavam associados, a solução passou por arranjar casamentos entre os ditos imigrantes e mulheres japonesas, que pretendiam deixar o Japão, ou para escaparem a uma pobreza extrema ou para escaparem às limitações que lhes eram impostas precisamente por serem mulheres. Este casamento – muito usual por volta dos anos vinte do século passado, em especial no seio das comunidades coreana e japonesa - era arranjado por intermediários, normalmente familiares directos ou por um casamenteiro:

In Hawaii between the years of 1908 and 1924 20,000 Japanese women came as picture brides. These women typically worked with their husbands in the fields and fishing communities. They were paid fifty cents for a ten hour work day (normally earning $13 a month) and were paid sixty-six percent of what men were paid (Bentley, 1995: 46)

The Secretary of War is hereby authorized to provide for residents of any such area who are excluded therefore, such transportation, food, shelter, and other accommodations as may be necessary, in the judgment of the Secretary of War or the said Military Commander, and until other arrangements are made, to accomplish the purpose of this order^2.

Sabe-se hoje que cerca de 120,000 pessoas foram internadas em campos dispersos e remotos e separadas das suas famílias. No entanto, os japoneses colaboraram com o seu internamento, de modo a convencerem os americanos da sua lealdade:

During the first stages of evacuation many believed that by collaborating they would convince the authorities of their loyalty. (Goméz, 2006: 186)

There is a phrase the Japanese use in such situations, when something difficult must be endured. You would hear the older heads, the Issei, telling others very quietly, ‘Shikata ga nai’ (It cannot be helped.) ‘Shikata ga nai’ (It must be done.) (Houston, 2002: 14)

O mais irónico seria o facto de uns americanos de origem japonesa serem forçados a abandonar as suas casas e tudo o que tinham construído, enquanto outros lutavam de forma voluntária por aquele país que os acolhera e que agora os olhava com desconfiança. Houve um total de dez campos de internamento nos EUA (Tule Lake, Califórnia; Manzanar, Califórnia; Minidoka, Idaho; Heart Mountain, Wyoming; Topaz, Utah; Poston, Arizona; Gila River, Arizona; Granada, Colorado; Jerome, Arkansas e Rowher, Arkansas), todos em áreas isoladas e com condições atmosféricas extremas (calor extremo, frio extremo, tempestades de areia…). Estes campos de internamento, assim designados para se diferenciarem das conotações atribuídas aos campos de concentração nazis, foram construídos fugazmente e não tinham qualquer tipo de condições, mas graças aos esforços dos americanos de origem japonesa, a vida nos campos de internamento decorreu (quase) normalmente. Aliás, é um facto que as crianças conseguiram seguir os seus estudos ainda nos campos de internamento. Os internados só começaram a ser libertados em 1944 e seria preciso mais de um ano até todos os campos de internamento dos EUA estarem encerrados. O último campo de internamento a encerrar foi o Tule Lake, a 20 de Março de 1946. Quando estes americanos foram libertados não tinham nada para onde voltar: não tinham casa, propriedades, emprego,

(^2) http://historymatters.gmu.edu/d/

nada e, no entanto, demoraria cerca de cinquenta anos até que um presidente americano pedisse desculpa por todas as injustiças cometidas contra os americanos de origens japonesas:

A monetary sum and words alone cannot restore lost years or erase painful memories; neither can they fully convey our Nation’s resolve to rectify injustices and to uphold the rights of individuals. We can never fully right the wrongs of the past. But we can take a clear stand for justice and recognize that serious injustices were done to Japanese Americans during World War II.^3

Claro que os delegados dos campos de internamento uniram esforços na tentativa de tomar medidas para reintegrarem aqueles cidadãos na sociedade americana, recomendando que lhes fossem atribuídas taxas de juro baixas, empregos a nível estatal e renovação das licenças antigas para os seus negócios. Ainda assim, o regresso dos nipo-americanos foi deveras complicado e alguns chegaram a ser repatriados (cerca de quatro mil)^4. A verdade é que até aos nossos dias continuam a ser publicadas obras, cujo tema principal continua a ser o internamento dos anos da Segunda Guerra Mundial e a vida nesses campos. Ora, se pensarmos no caso de The Buddha in the Attic , apercebemo-nos de que este romance se enquadra, por todas as razões, no contexto da literatura nipo-americana. Para tal categorização tivemos em conta, não só o tema central da obra, mas também as origens da autora da mesma, Julie Otsuka, como já referimos. Em relação a Otsuka (n. 15.05.1962), sendo uma japonesa de terceira geração e tendo nascido em Palo Alto, Califórnia (o estado que mais imigrantes japoneses recebeu), conheceu bem de perto as vicissitudes a que a sua família (avós e pais) tinha sido sujeita. Se tivermos em conta a temática das suas obras When the Emperor was Divine e The Buddha in the Attic (a emigração japonesa para os Estados Unidos da América), podemos perceber que em ambas houve uma influência por parte das vivências e das origens da autora na sua escrita. De facto, parece-nos inegável que os acontecimentos que marcaram a vida da família de Otsuka, em especial o facto de tanto os seus avós como a sua mãe e tia terem sido enviados para um campo de internamento, também a marcaram a ela, tendo servido de inspiração, não só para a sua primeira obra, na qual se relata a partida de uma família para um campo de internamento, mas também para a segunda, na qual Otsuka narra, mais uma vez, os sonhos e desilusões de uma minoria na terra das oportunidades: das chamadas « picture brides » que partiram para os Estados Unidos da América no rescaldo da Primeira Guerra Mundial. Há então, uma forte carga

(^3) http://voices.yahoo.com/japanese-internment-camps-wwii-2309837.html?cat= (^4) http://voices.yahoo.com/japanese-internment-camps-wwii-2309837.html?cat=

termina em 1999, altura em que já tem os dois primeiros capítulos da sua primeira obra. Passaram-se ainda três anos sem que visse o seu livro terminado. Em 2002, Otsuka publica então o seu primeiro livro, através da editora Knopf, tendo recebido inúmeras críticas favoráveis à sua escrita elegante e brilhante.^6 Daqui nos apercebemos de que, muito embora a autora tenha estado desde muito cedo ligada ao mundo das artes, em especial durante o seu percurso académico e início de carreira (período durante o qual tentou singrar como pintora), só aos trinta anos de idade é que decidiu enveredar pelo caminho da escrita. Hoje, com cinquenta e um anos, conta já no seu currículo inúmeros prémios, dos quais destacaríamos os dois prémios recebidos em 2003 pela obra When the Emperor was Divine ( Asian American Literary Award e American Library Association Alex Award ) e os restantes relativos à sua segunda obra publicada, The Buddha in the Attic : o Pen Faulkner Fiction Award , o Langum Prize for American Historical Fiction , ambos em 2011; o Arts and Letters Award in Literature da Academia Americana de Artes e Letras e o Prix Femina Étranger, já em 2012. O livro The Buddha in the Attic foi ainda finalista para o prémio National Book Award e Los Angeles Times Book Prize (em 2011), bem como bestseller do New York Times e San Francisco Chronicle (em 2011). Como facilmente depreendemos de todos os prémios atribuídos à autora de The Buddha in the Attic , a crítica literária foi bastante unânime no que toca a esta obra de Otsuka, tendo-a apontado, por mais do que uma ocasião, como a prequela de When the Emperor was Divine. Neste sentido, parece-nos pertinente começar por analisar as recensões literárias a When the Emperor was Divine. O primeiro livro de Otsuka foi traduzido para oito línguas diferentes, entre as quais se contam o português, o espanhol, o francês, o italiano e o japonês. Para efeitos deste relatório centrar-nos-emos nas traduções portuguesa, espanhola, francesa e italiana. Quanto à temática tratada, esta obra relata a perseguição, por altura da Segunda Guerra Mundial, dos cidadãos americanos de origem japonesa e da separação compulsiva de famílias inteiras que foram enviadas para os chamados «campos de internamento». Ora, isto foi precisamente o que aconteceu com a família de Otsuka. Se, por um lado, o seu avô foi preso pelo FBI no dia imediatamente a seguir aos bombardeamentos em Pearl Harbor acusado de ser um espião ao serviço do Japão, por outro, também a sua avó, a sua mãe e a sua tia foram presas e passaram três anos num campo de internamento em Topaz, Utah^7. O livro When the Emperor was Divine foi considerado um Notable Book pelo New York Times, que o descreveu como « a resonant and beautifully nuanced achievement », como o Best Book of the Year pelo San Francisco Chronicle e foi ainda finalista da Barnes & Noble Discover Great New Writers. A crítica de The New York Times elogiou a prosa de Otsuka pela sua capacidade de criar empatia através das suas personagens e pela sua forte componente

(^6) http://www.julieotsuka.com/when-the-emperor-was-divine/ (^7) www.thedailybeast.com/articles/2011/09/16/julie-otsuka-talks-about-new-novel.html

poética (como viria a acontecer mais tarde com The Buddha in the Attic ) e jornais como USA Today descreveram a narrativa de Otsuka como «Prose so cool and precise that it’s impossible not to believe what [Otsuka] tells us or to see clearly what she wants us to see.»^8 De facto, a escrita vívida de Julie Otsuka, tal como descrita pelas recensões literárias, aproxima-se da lírica, em muito graças ao uso que faz de frases curtas e tendencialmente paratácticas, conseguindo, assim, cativar o seu leitor. Se, por um lado, este uso simples e desprovido de artifícios da linguagem em Otsuka confere legitimidade a todas as suas personagens, já que essa linguagem está próxima do registo das mesmas; por outro, acaba por resultar num tom intimista que perpassa toda a narrativa, criando assim empatia com o leitor. Mas não foi só a crítica americana que foi unânime no que toca a esta narrativa. Também a imprensa estrangeira, dos países que receberam um tradução desta obra, não se poupou a elogios. A tradução para português europeu ficou a cargo de Alice Kittler e foi publicada pela editora Temas e Debates , tendo recebido o título Quando o Imperador era Divino. Tanto a versão espanhola, Quando el emperador era Dios (a cargo de Carme Font Paz), a francesa, Quand l’empereur était un dieu (traduzida por Bruno Boudard), como a italiana, Quando l’imperatore era un dio (de S. Pareschi) viram o adjectivo «divine» ser traduzido pelo nome «Deus». De ressalvar que não encontrámos nenhuma referência a uma tradução alemã desta obra. Sara Niño escreve para a In Magazine que a obra Cuando el emperador era Dios, que recoge una historia real, la historia de la familia de Julie Otsuka, está considerada actualmente un clásico de la literatura contemporânea».^9 Em França, Martine Laval escreve para a revista semanal Télérama acerca desta obra: «D'une voix blanche, sans haine ni pathos, délivrée de toute amertume, Julie Otsuka donne chair aux hommes, aux femmes et aux enfants qui ont croisé l'insoutenable».^10 Na imprensa italiana, podemos ler a certa altura que este é um livro intenso, ainda que delicado, com uma clareza muito própria: «Un libro di poco più di 100 pagine, intenso e delicato, dalla scrittura chiara, sincera e mai retorica ci insegna che la memoria, i ricordi non possono essere risarciti»^11. Em relação à imprensa portuguesa e à recepção desta obra no nosso país, não nos foi possível encontrar nenhuma recensão sobre a mesma. Mas não é apenas o primeiro romance de Otsuka que alcança a simpatia do público em geral, também a sua segunda obra, The Buddha in the Attic , recebe inúmeras críticas favoráveis: quer à história, quer à forma como a narrativa está construída, salientando-se em especial como a construção da narrativa na primeira pessoa do plural é algo distintivo e eficaz.

(^8) http://www.julieotsuka.com/when-the-emperor-was-divine/ (^9) http://www.inmagazine.es/blog/cuando-el-emperador-era-dios/ (^10) http://www.1018.fr/site/quand_l_empereur_etait_un_dieu_&105&9782264046673.html (^11) http://www.sololibri.net/Quando-l-imperatore-era-un-dio.html