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Este documento discute a importância da apreensão na compreensão da estética e da vida social na periferia de são paulo, especificamente no bairro de grajaú. O texto aborda a história da ocupação do bairro, a desigualdade de políticas públicas, a necessidade de novos valores e a importância da educação, saúde e cultura na comunidade. Além disso, o documento explora a presença de manifestações artísticas, como grafite, na comunidade e a importância dessas obras na vida social. Finalmente, o texto apresenta a obra do artista orion e sua representação da vida no grajaú.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Apreensão de Alexandre Orion na ressignificação do Grajaú Ana Claudia de Oliveira (PUC-SP:COS|CPS) Falar de apreensão "direta" ou "imediata" não implica, portanto, uma forma qualquer de naturalização do sentido. Ao contrário, para poder descrever efeitos de sentido de ordem estésica, é imprescindível saber reconhecer e analisar agenciamentos estruturais e dinâmicos imanentes às realidades semióticas tomadas como objetos. Eric Landowski ( Com Greimas. 2017 ) Na cidade de São Paulo, a cidade do Grajaú No extremo sul da metrópole paulistana situa-se o distrito do Grajaú, com 92 km² de extensão. Bairro ou município? Sem dúvida, parece uma cidade, mas esse é o bairro mais populoso da pauliceia que conta com uma densa população de 450 mil habitantes. Esse índice populacional é impactante, pois, segundo os dados da Fundação SEADE de 2016, apenas 40 municípios do Estado de São Paulo possuem mais de 200 mil habitantes. Nossa abordagem do Grajaú é de uma cidade na cidade. Cidade das margens da megalópole São Paulo que não atende igualmente as suas partes constituintes e assim é marcada pela desigualdade de políticas públicas que a conduziu e ainda a conduz a modos de organização da vida social específicos. Com efeito, desde o início da ocupação da área de mananciais, na segunda metade do século XX, Grajaú tem se tornado uma alteridade distrital, fruto da exclusão e até da segregação que não é sem consequências maiores na qualidade de vida de sua gente. A ocupação das margens da Represa Billings e da Guarapiranga, iniciada na década de 50, deu-se com uma população de outras regiões de São Paulo, mas também de nordestinos que buscavam trabalho no polo industrial de Santo Amaro e nas obras da Marginal Pinheiros em vias de construção. Em uma paisagem com alta presença de vegetação, e distante do marco zero de São Paulo em mais de 30 km, os lotes, então pouco valorizados, foram rapidamente comprados em muitos
parcelamentos, mas também invadidos ou apropriados. A construção da moradia se prolonga por longo tempo e ocupa todo o terreno. Umas parecidas com as outras, as edificações seguem um planejamento urbano da área popular, sem muito estudo e rigor em sua aplicação. No mais das vezes, as casas são edificadas em espécies de mutirões realizados nas jornadas de folga, com os investimentos de poucos recursos o que faz com que essa narrativa de erguer a morada seja investida de fortes valores afetivos, mas também de insatisfação e revolta com o poder público. Ao ir se erguendo, a morada é a sociabilização mesma, e as práticas de vida que vão fincando a estrutura no terreno, alicerçam a casa na própria vida. Os sentidos do habitar são assim construídos na coletividade não por políticas públicas das quais o bairro é tão privado, mas pela necessidade mesma do valor existencial da morada que, independentemente do Estado e do Município, vão compondo paisagens que remetem às narrativas dos modos de vida característicos desse lugar. Não por acaso, os indicadores de qualidade de vida do Grajáu estão entre os mais baixos da cidade e sua população tem renda inferior a dois salários mínimos. Entre os bairros, ele atinge o índice de 49% de jovens, o que é uma característica bem diferente do restante da cidade. Essa predominância da juventude impacta, pois, a sua busca narrativa de objetos de valores que dão sentido ao viver mostra que os jovens buscam novos valores que se distinguem daqueles da população adulta. Em fase de formação, essa juventude muitas vezes é vista como uma classe trabalhadora da qual se espera determinados modos de atuação, ela, porém, anseia modos de presença e de vida que incluam outras possibilidades. Políticas de saúde, educação e de cultura emergem como as de maior relevância e as suas ausências na periferia conduzem a novas buscas da comunidade para suprir essa falta estruturante de uma vida mais possível, fazendo com que emerjam sujeitos que ativem nesse contexto de luta a invenção de meios solidários e colaborativos para se construir junto a cultura local com modos de doação de saberes que são desenvolvidos à parte da educação formal que, por si só, se mostra insuficiente para cobrir tamanha carência. Com a popularização das redes sociais digitais, essas práticas têm se multiplicado, possibilitando a esses agentes a interconexão com outros de partes diversas; primeiro com outros de outros distritos da megalópole, depois com aqueles de partes distintas do país e do mundo em um ensaiar novos rumos que começam a se efetivar. Em meio a essas transformações, o Grajaú tem-se potencializado como uma cidade polo de várias manifestações artísticas e de sociabilização na cidade de São Paulo.
terreno foi inteiramente nivelado. Assim, no bairro do Grajaú ele se plasma como figura da contradição pela falta de interesse e investimento das políticas públicas. Por ocasião da festa junina de 2017, as estreitas ruas de acesso ao alto do morro estavam lotadas de famílias inteiras que, na aglomeração subiam de mão dadas, avós, pais, tios e escolares de todas as idades para as dependências do vasto imóvel. Era a abertura de uma festa das populares em todo Brasil e que faz parte do calendário letivo das escolas, entretanto, não só em dias festivos essa instituição é frequentada. Na atualidade, ela recebe por volta de dez mil pessoas de localidades como Parque Residencial Cocaia, Cantinho do Céu, Grajaú, Jardim Eliana, Jardim Lucélia e Jardim Prainha. Sua localização na área de mananciais orientou o seu Projeto Político Pedagógico para as questões ambientais que se somam a atividades culturais e esportivas na formação de um sujeito vinculado ao seu entorno. O entendimento das características de onde se vive está na base da formação do sujeito integrado ao seu contexto social. O fato de estar vinculado à comunidade visa garantir um nível de pertencimento com a construção da vida comum e promover atividades em conjunto, colaborando para o desenvolvimento do fazer coletivo e em equipe, o que levantamos como hipótese de ser uma das vias para envolver o habitante com o desenvolvimento da cidadania. Figura 1: A vasta panorâmica do CEU - Navegantes às margens da Represa Billings e Guarapiranga ressaltando a beleza da vista das águas dos mananciais. Os 135 km² formam os distritos de Cidade Dutra, Socorro e Grajaú que correspondem a 9% do território da cidade. 90% desta área são áreas de proteção manancial. Dos que aí vivem 60% moram em habitações construídas a partir de ocupação irregular dos terrenos às margens das represas. Fonte: http://caravanaesporteartes.com.br/wp-content/uploads/2015/11/Cantinho_ceu_div_internet.jpg
Não há como não olhar o CEU - Navegantes sem depreender a sua imponência horizontal na localidade dominada por casas que se expandem na verticalidade em sobradinhos que, no terreno à pique, mostra os custos da edificação que aplaina as irregularidades do terreno em declive, num querer manifesto de aplainar assim as diferenças sociais. O CEU - Navegantes por sua ocupação do espaço público significa o seu relevo e sente-se ao defrontá-lo uma perplexidade com o encontro de um mundo diferente para a formação de crianças e jovens. Essa horizontalidade se abre para uma paisagem que tem a beleza privilegiada da região dos mananciais. Muito impactante, ela faz o tempo todo o olhar perder-se pelas margens e subir pelas encostas de casas assobradadas, coladas umas nas outras, que se enfileiram. Com o avermelhado do tijolo exposto, uma vez que são a maioria sem reboco, as poucas casas pintadas marcam status de ascensão social. O CEU tem partes cimentadas e partes pintadas em branco com detalhes dos acabamentos em vermelho o que não deixa de ecoar o cromatismo das moradas. Cada membro da comunidade ou não é incitado também a admirar as possibilidades abertas pelo CEU pelas atividades aí realizadas. Mesmo se as atividades continuaram nos governos que seguiram o de Marta Suplicy, hoje uma busca no site da Prefeitura, mostra a programação esportiva datada de outubro de 2015. Essa atestava uma intensa oferta de atividades físicas no local. Além de diversas competições de modalidades não habituais no nosso cenário esportivo em que domina o futebol em primeiro lugar, seguido pelo skate que, com a participação corporal, tornou-se tão atrativo para crianças e jovens. Também o Rugby , antes tão pouco praticado, mostra hoje disputar o interesse da equipe do CEU - Navegantes. A modalidade acumula várias vitórias nas competições interurbanas e esse sucesso nas modalidades de campeonatos dá testemunho do empenho nos treinamentos dos participantes da equipe, assim como de um bom nível técnico dos treinadores. Figura 2: Um exemplo de programação de atividades esportivas do CEU Navegantes, que, estão desatualizadas no site da Prefeitura.
Ainda são oferecidos cursos de teatro e interpretação dramática com uma programação que circula entre os teatros das demais instituições. No próprio CEU o teatro dispõe de 450 lugares e quatro camarins. Destaca-se também a biblioteca e o funcionamento de vários ateliês de criação. Outro ponto do CEU - NAVEGANTE que caracteriza os demais CEUs é o fato dessa unidade articular a rede de equipamentos sociais do bairro com o objetivo de estimular a integração entre eles. O propósito maior dessa integração torna a circulação na região mais segura, marcando o uso do espaço público como um bem comum o que é aprendido nas várias atividades desenvolvidas para se tornar uma prática social. O mapa da Prefeitura apresenta essa rede de conexões que podemos observar atravessa todo o território. Assim baseado, o CEU não só recebe a população dos bairros, mas também acolhe as suas iniciativas o que diversifica a presença dos grupos sociais e a interação entre eles Figura 3 : O CEU - Navegantes na integração da rede de equipamentos sociais do bairro Fonte: http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ceu-navegantes/ A nossa investigação repousa sobre as manifestações estéticas e encontramos, no Grajaú, a céu aberto, nesta comunidade, um conjunto de obras que são narrativas
da poesia visual, do lambe-lambe, grafite, tag, pixo e da pichação em São Paulo. Em uma cidade limpa das publicidades por todos os cantos do olhar, nas empenas das casas germinadas, pelas frestas dos poucos vazios de áreas não construídas ora se vislumbra a vista do azulado contornado das águas da Represa Billings, ora a fresta é uma manifestação parietal como o grafite de autoria de um artista local ou de outras partes da megalópole e mesmo internacionais de renomes que se dão a ver nas encostas de casas e muros, ora manifestações diversas nas portas de garagem e postes. Essa presença maciça faz ver que essas manifestações parietais tem na comunidade uma presença de longa data e contam com um apreço sancionador local que fazem essas configurações perdurarem relativamente sem sofrer sobreposições o que bem instiga a uma investigação de maior monta para dar conta da presença do Grajaú no grafite de São Paulo. Figura 4 : Montagem de uma panorâmica das manifestações parietais que dominam a paisagem do Grajaú. De portões, garagens, postes, muros, painéis, degraus de escadas ou os lambelambes, cartazes, palavra-pintada que se inserem nas manifestações do grafite, da pichação e do pixo. Fonte: Fotos de Mariana Braga Clemente. Em Arquivos Fotográficos do Eixo 4.
frente às piscinas olímpicas, sempre com altos índices de frequentação por um público de todas as idades, na lateral dos andares do edifício que abriga o teatro, não deixa então de ser um ponto destacado, tanto interna quanto externamente, e não se pode deixar de considerar o estar posicionado no muro de arrimo como um constituinte do seu sentido. Apreensão de Orion no CEU - Navegantes Apreensão de Orion é mais do que um olhar de artista interventor, é um posicionamento sobre a vida social da periferia que ganha coro e repercussão na sua voz. Na teoria semiótica, apreensão tornou-se um conceito dos mais relevantes nos desenvolvimentos dos estudos da figuratividade e da plasticidade e muito contribuiu para a abordagem dos tipos de construção do sentido. Por apreensão define-se a construção que é processada pela sensibilidade, na imediaticidade do encontro de dois sujeitos. O corpo sensiente, em contato com o outro corpo, cujas qualidades sensíveis dele emanadas o tocam estesicamente, procede em ato copresencial. Os corpos interatuantes afetam-se e são afetados e os dois, interatuando, fazem ser o sentido que se sente na duração processual. Outro modo de articulação do sentido pelo que se sente com os sentidos do corpo inteiro em sensibilização, a estesia, em processamentos por coalescência, sinestesia, poliestesias, justaposição dos sentidos, é, pois, a condição da estética de todo e qualquer arranjo da manifestação significar (Oliveira, 2009, 2008, 1996, 1995). Seguindo essa busca teórica a fim de dar sedimentação a esse tipo de procedimento da significação, Eric Landowski continuou a abordagem de Algirdas Julien Greimas (1966) seguindo os caminhos abertos em Da imperfeição (1987), tratando-o como um percurso do sujeito às nascentes do sentido (1996). Definindo-o pelos modos pelos quais o corpo, no corpo a corpo, vai sentindo o sentido e, pela "densidade" e "consistência" das marcas impressivas, tal como a denominou Geninasca (1997), galga um ir construindo o que o semioticista denominou por sentido sentido (Landowski, 2004, 1996) até estruturar dessas operações o "regime de ajustamento" regido pelo princípio da sensibilidade (Landowski, 2004, 2005). Toda uma arquitetura dos procedimentos de construção da significação foi então postulada como esses sendo regidos por duas lógicas: a da junção, estruturante da ordenação do inteligível ou do conhecimento mediado, e a da união, estruturante da ordenação do sensível e do aleatório. Com trânsitos vários entre essas, Landowski propôs uma articulação dinâmica dessas lógicas operacionais
Figura 5: Ângulo de visão do painel abrindo-se para fora e deixando ver sobre as casas os reservatórios de abastecimento domiciliar de água na cor azul escuro. Expostos sobre as casas com puxadinhos de telhas de amianto, os varais com roupas secando, tem-se o contraste entre a construção do CEU e a das moradias da região. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/10/ Se começamos dizendo do impacto causado pelo Céu – Navegantes, temos de reforçar ainda mais o impacto que sofremos ao adentrá-lo, saindo do complexo e vendo a paisagem que se abre para o bairro e para as piscinas no lance inferior aplainado, na lateral direita, no alto paredão, ao depararmos-nos com o mural de grandes proporções de Alexandre Orion : Apreensão. Artista intervencionista renomado, Orion teve várias obras expostas em São Paulo, Salvador, Brasília, Rio de Janeiro, mas também em Paris, Rotterdam, Miami, São Francisco, Londres e Nova York. Foi convidado pela Instituição para criar uma obra de grande formato no paredão que requereu aparelhagem de suporte nos moldes do grafite ou pixo de corda. Nesse tipo de ação, quando cria a manifestação, permanece preso a uma corda fixada no alto que lhe dá sustentação para permanecer sentado em um assento de pedaço de táboa, onde estão fixados, de cada lado, as latas de tintas e materiais para realizar a pintura. Orion prepara primeiro a parte do fundo da parede cinza com tinta de cor branca sobre a qual a obra vai colorir o desenho da configuração. Com uma vara que tem na ponta o rolo ou com brochas e grandes pincéis, o artista vai fazendo o traço a
Figura 6: Detalhe da mão da criança arrancando do solo a casa como que a nos mostrar a fragilidade desse modo de morar do Grajaú. Fonte: Foto de Marina Stella Padial. Em Arquivos Fotográficos do Eixo 4. Envolvidos neste contínuo esmagar e ter nas mãos esse modo de habitar, somos levados a observar as vestimentas da criança. De novo, é por similaridade que, da básica camiseta branca, reconhecemos na padronagem de listras horizontais escuras e claras da calça que ela porta o mesmo padrão de vestes listradas dos prisioneiros. A fábula bestseller de John Boyne, O Menino do Pijama Listrado (2006) que se tornou filme igualmente de sucesso de bilheteria, atesta o reconhecimento dessa plasticidade rítmica do listrado como o sentido de prisioneiro. Com uma camiseta branca e calça listrada, o traje de presidiário apresenta a criança já deterministicamente condenada a papéis sociais que ela não opta, mas que lhe sobram para sobreviver. Essa vida prisioneira da criança resulta nela se transformar em um jovem e um adulto igualmente prisioneiros dos seus modos de vida, modos de morar, de trabalhar, socializar-se, entreter-se, entre outros. Encarcerados na prisão das moradias e nas da cidade de Grajaú nas margens da cidade de São Paulo, a segregação garante o seu permanecer a parte. Esse sentido conduz ainda mais a nossa atenção à cromaticidade e à sua matéria pictórica. As cores do painel, olhamos e olhamos incansavelmente, da esquerda para a direita, da frente ao fundo, do baixo ao alto. Encontramo-nos sentindo um estar sem saída que se presentifica em nós que estávamos estupefados com as
crianças, jovens e adultos nas atividades várias do CEU como possibilidades abertas para a educação popular. Mas, com dúvidas, somos levados a retroceder. É o painel a negação deste futuro possível? Ou olhamos a cena justamente de nosso posicionamento em um novo presente que pode garantir um outro futuro? Figura 7: A alocação tipológica da figuratividade faz com que o painel seja apreendido da esquerda para a direita: na esquerda, com a criança em primeiro plano para os modos de habitar em segundo plano. Essa distribuição no cenário da problemática habitacional coloca o fazer da criança como a transformação possível do mundo social que vigora. Fonte: http://caravanaesporteartes.com.br/wp-content/uploads/2015/12/MG_5768CELIA-SANTOS-02.jpg Parados, com os nossos corpos imobilizados pela vista que nos interpenetra inteiramente promovendo um enredamento do que se sente com o corpo todo, esse nos faz suspeitar da dominância desse sentimento ambivalente que nos abala. Os contrastes entre o preto e o branco com as passagens pelas nuances de tons mais ou menos cinzas do cromatismo de Orion saltam nos tocando mais uma vez pela sensibilidade. As chamadas não cores nos fazem vislumbrá-las plenas de cromatismos que, como uma miríade de corpúsculos que, ao se iluminar, põem-se proxemicamente a nos aproximar e a nos afastar, no ir e vir pela materialidade cromática. Na matéria pictórica do cromatismo, a manifestação estética e a ressignificação
Se Orion pôde proceder à mutação de poluição em materialidade pictórica, ao dar visibilidade a essa transformação que tantos consideram impossível e que é tão intentada em tantos setores e campos do saber: a despoluição da atmosfera e também a do social emergem como sentidos novos, frutos do ato de ressignificação. Da disforia original à euforia, da poluição do gás carbônico ao pigmento cor, o painel é uma operação transformadora que não pode ser imitada mas que se descobre como trilhá-la com o engajar-se na sua construção do sentido. Sentir essa possibilidade é se dar conta da irradiação dos novos sentidos do painel Apreensão. Estesicamente, esses são passados aos que estão a construir os sentidos nos trânsitos vários com a sensibilidade que é experienciada. Apreensão é o aquilo que advém das qualidades cromáticas pintadas na topologia e é sentido sensivelmente pelo corpo sensiente no transformar as partículas poluentes que vão compor um outro sentido com essa elaboração específica do pigmento. A matéria pigmento que faz a cor é que nos permite vislumbrar os sentidos de novidade que se entreabrem, permitindo entrever um além do sentido primeiro. Sem o processo transformacional da poluição empregado pelo criador, estaríamos diante de uma manifestação cromática que só passaria os efeitos de sentido da gama de qualidades dos tons entre o preto e o branco empregados. Entretanto, os sentidos do cromatismo vão muito além da oposição preto e branco e das variações do mais ou menos escuro e do mais ou menos claro. Na narrativa do ato de brincar ou de ter às mãos que pode esmagar as moradias pintadas que na vida cotidiana esmagam o viver humano, instala-se igualmente o vislumbre do ato de transformar o mundo social a partir de um outro modo de habitar, educar, cuidar-se, locomover-se, desfrutar do bem comum, entre tantos mais constituintes da sociedade. Da matéria do pigmento da poluição que concretiza a figurativização do modo de morar e também dos modos de existência dos que assim habitam nas margens, emerge a narrativa impactante de Orion. Ainda não repintada por quem a olha, mas que está por ser delineada pelos sujeitos da apreensão. Essa presença do transformar o social só se produz pelas dinâmicas do estético. Salientando com Greimas (2017, p.96) essa proposição advém da imperfeição, ou da: "dissimetria, que se supõe criadora de novos choques e de outras fissuras", que o semioticista observa, encontrava-se prenunciada na formulação de Baudelaire: "Aquilo que não é ligeiramente disforme tem ar insensível; de onde se segue que a irregularidade, ou
seja, o inesperado, a surpresa, o assombro, são uma parte essencial e a característica da beleza." Da dissimetria ou imperfeição do Grajáu e da população dos mananciais, desta cidade às margens da cidade de São Paulo, pode-se vir a descobrir-se à maneira das presentificações de Apreensão e pode transformar-se distintivamente para um novo existir, aos moldes da superposição de dois ritmos ou dos desregramentos, dos inesperados, da imperfeição, que Greimas (p.99) conclui "nos projeta da insignificância em direção ao sentido." Da insignificância da periferia ao seu atuar pleno de sentidos A cidade da periferia se projeta significantemente na cidade de São Paulo tanto é que seus traços estão por todas as demais partes. Além do Grajaú, da área dos mananciais na qual está confinado esse contingente populacional, apreende-se a urgência da ressignificação das margens de toda metrópole. A apreensão desse "sentido sentido" advém dos corpos expostos ao contato com o painel de Orion, assim como, a cada dia, do contato desses corpos com os modos de habitar nas margens do manancial, que os levam a enfrentar uma mobilidade que consome horas do seu viver, um atendimento deficitário da saúde, a ineficácia do preparo escolar para se galgar novos postos de trabalho, além da própria insegurança nos lugares públicos e privados a que estão expostos, a pouca oferta gratuita de lazer, entretenimento, práticas esportivas, práticas de encontro e de sociabilidade pela ausência de parques, praças públicas ou bordas das represas arborizadas e bem cuidadas, entre uma série de outros traços. A população local é dominada pela falta dessas características no Grajaú, daí projetam-se as grandes distinções de acesso à cidade de São Paulo que são vigentes em sua estruturação. Ao lado da oferta de trabalho, outras das maiores chamadas turísticas da metrópole são o entretenimento, a cultura e as artes. A Grajaú das margens está inventando as suas manifestações estéticas fora da esfera das políticas públicas e das parcerias público-privado. Com agentes culturais de sua própria comunidade comprometidos com o social, tem produção musical, de artes visuais e poéticas parietais e de saraus, que impulsionam a sentir a força da estética com as suas linguagens de quebra dos padrões e reinvenção da expressão ou, por que não também, reinvenção da própria vida. A sensibilidade sente imediatamente a dinâmica
______. "A plástica sensível da expressão sincrética e enunciação global". In OLIVEIRA, Ana Claudia de e TEIXEIRA, Lucia (Orgs.). Linguagens na comunicação. Desenvolvimentos de semiótica sincrética. São Paulo, Estação das Letras e Cores e Edição do CPS, 2009, pp. 79-140. ______. "A estesia como condição do estético." In LANDOWSKI, Eric e OLIVEIRA, Ana Claudia de (Orgs. ) Do inteligível ao sensível. 1995, pp. 227 - 236.