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Percurso de Sucesso na Economia: A História da Professora Marilda Sotomayor, Esquemas de Economia

Nesta entrevista, a professora marilda sotomayor conta sua trajetória na economia, desde sua formação em matemática até se tornar uma das maiores pesquisadoras do brasil e do mundo. Descubra como ela entrou no mundo da economia, como conheceu david gale e começou a trabalhar em teoria dos jogos, e como sua pesquisa revolucionou o campo. Além disso, ela aborda a questão da representatividade de mulheres na economia.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Sel_Brasileira
Sel_Brasileira 🇧🇷

4.7

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Depoimento da Professora Marilda Antonia de Oliveira Sotomayor
para as EconomistAs março/2021
BWE: Para começar, gostaríamos que você contasse um pouco sobre
a sua trajetória até chegar a uma das maiores pesquisadoras do
Brasil e do mundo em Economia. Em particular, gostaríamos de saber
como você entrou no mundo da Economia, uma vez que sua formação
foi em matemática.
Com uma formação em matemática obtida no meu mestrado no IMPA,
e professora do Departamento de Matemática da PUC/RJ, tencionava fazer
meu doutorado em processos estocásticos. Meu orientador era Jack
Schechtman, na época professor do IMPA. Depois de dois meses de leitura
nesta área, Jack me apresentou um problema na área de crescimento
econômico: “Não é sobre processos estocásticos, disse ele. Mas não se
preocupe, eu só quero saber como você se sai em economia matemática”. O
modelo econômico estava pronto e só precisei entrar com a matemática. Esse
problema apresentava três casos para serem analisados. Um deles tinha sido
a tese de doutorado do Jack, que me pediu que estudasse um dos outros dois
casos. Aloísio Araújo, também professor do IMPA na área de Economia
Matemática, me sugeriu que também estudasse o terceiro caso.
E foi assim que este problema gerou a minha tese de doutorado em
1981. Foi publicada no Journal of Economic Theory em 1984 com o título:
“On income fluctuations and capital gains”.
Entretanto, a minha pouca familiaridade com a área de crescimento
econômico me fazia sentir-me desconfortável para continuar trabalhando
nela. Jack Schechtman tinha sido orientado em seu doutorado por David Gale,
falecido em 2008, que era então professor Titular da Universidade da
Califórnia em Berkeley. Pedi então uma bolsa de pós-doutorado ao CNPq e fui
para Berkeley, em fevereiro de 1983, com a esperança de aprender mais
sobre crescimento econômico com David Gale, para poder ganhar
independência científica nesta área.
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Depoimento da Professora Marilda Antonia de Oliveira Sotomayor para as EconomistAs – março/ 2021 BWE: Para começar, gostaríamos que você contasse um pouco sobre a sua trajetória até chegar a uma das maiores pesquisadoras do Brasil e do mundo em Economia. Em particular, gostaríamos de saber como você entrou no mundo da Economia, uma vez que sua formação foi em matemática. Com uma formação em matemática obtida no meu mestrado no IMPA, e professora do Departamento de Matemática da PUC/RJ, tencionava fazer meu doutorado em processos estocásticos. Meu orientador era Jack Schechtman, na época professor do IMPA. Depois de dois meses de leitura nesta área, Jack me apresentou um problema na área de crescimento econômico: “Não é sobre processos estocásticos, disse ele. Mas não se preocupe, eu só quero saber como você se sai em economia matemática”. O modelo econômico estava pronto e só precisei entrar com a matemática. Esse problema apresentava três casos para serem analisados. Um deles tinha sido a tese de doutorado do Jack, que me pediu que estudasse um dos outros dois casos. Aloísio Araújo, também professor do IMPA na área de Economia Matemática, me sugeriu que também estudasse o terceiro caso. E foi assim que este problema gerou a minha tese de doutorado em

  1. Foi publicada no Journal of Economic Theory em 1984 com o título: “On income fluctuations and capital gains”. Entretanto, a minha pouca familiaridade com a área de crescimento econômico me fazia sentir-me desconfortável para continuar trabalhando nela. Jack Schechtman tinha sido orientado em seu doutorado por David Gale, falecido em 2008, que era então professor Titular da Universidade da Califórnia em Berkeley. Pedi então uma bolsa de pós-doutorado ao CNPq e fui para Berkeley, em fevereiro de 1983, com a esperança de aprender mais sobre crescimento econômico com David Gale, para poder ganhar independência científica nesta área.

A ida para Berkeley foi fundamental para a minha trajetória como pesquisadora. A primeira façanha foi conseguir agendar um horário para conversar com o grande matemático. No dia e hora combinados fui à sua sala e expus para ele a minha tese de doutorado. No final de minha apresentação ele me parabenizou, mas para meu desapontamento me disse: “Não estou mais interessado nesta área...” Passei os dois meses seguintes frequentando a biblioteca e tentando encontrar em vão algum problema novo em crescimento econômico que me interessasse. Num certo dia, meu esposo, matemático, que também estava num programa de pós-doutorado em Berkeley, chamou a minha atenção para o fato de que eu não estava aproveitando a oportunidade de estar tão próxima de um gênio como David Gale. “Por que não lhe pergunta qual o assunto sobre o qual ele está interessado e tenta aprender esse assunto, seja ele qual for? ” Por mais absurda que a ideia de aprender algo novo em matemática, em tão pouco tempo, pudesse me parecer, enchi-me de coragem e fiz o que ele me sugerira. Nessa conversa, Gale me respondeu que estava interessado em mercados de matching e me entregou três artigos e um livro para ler. Um dos artigos era o artigo seminal de sua autoria com Shapley: “College admissions and the stability of marriage”, publicado em 1962 na revista American Mathematical Monthly , e um dos outros, também publicado nessa mesma revista, em 1981, de autoria de Dubins e Freedman, resolvia um problema em aberto através de um teorema cuja demonstração tinha, aproximadamente, 20 páginas. Não é necessário dizer quão estranho me pareceu o modelo do casamento, mas mesmo assim procurei entender as definições e as demonstrações dos resultados. Algumas semanas depois desse encontro devolvi a Gale o material que me emprestara. Eu não tinha nenhuma ideia do que fazer com todo aquele conhecimento novo, mas tinha a esperança de que Gale pudesse me apontar alguma direção. Tive então um outro desapontamento. “Bem, disse ele, eu não tenho nenhum problema para você...” Quando já estava saindo de sua sala ele me chamou de volta com um papel nas mãos: “O único problema que tenho é este lema, que estou tentando demonstrar há algum tempo sem sucesso. Se ele for verdadeiro,

estabelecidas. Saí de sua sala mais orgulhosa de estar colaborando com ele e confiante de que estava fazendo a escolha correta.... O fato é que, à revelia de minhas indagações, uma nova teoria científica, poderosa e elegante vinha se desenvolvendo desde o artigo seminal de Gale e Shapley de 1962 de modo a se tornar um dos ramos da teoria dos jogos que mais aplicações à Economia viria a ter. A maturidade e independência científica ganhas nos dois anos trabalhando com Gale foram cruciais para o estabelecimento de minha carreira como pesquisadora em mercados de matchings. Ainda trabalhando no Departamento de matemática da PUC/RJ, fiz vários outros pós-doutorados que também contribuíram para essa consolidação. Através de David Gale, recebi, em 1985, o primeiro convite de Alvin Roth, ganhador, juntamente com Shapley, do Prêmio Nobel de Economia de 2012 (Gale também teria ganhado se estivesse vivo nessa época), para visitar o Departamento de Economia da Universidade de Pittsburgh. Esse primeiro contato gerou um artigo e o projeto de escrevermos juntos um livro sobre mercados de matching : “ Two-sided matching. A study in game-theoretic modeling and analysis ”. A execução desse projeto envolveu várias visitas à Universidade de Pittsburgh nos anos subsequentes. Escrevemos vários artigos em conjunto e o livro foi publicado em 1990, na série de monografias da Econometric Society , pela Cambridge University Press. “Fazer parte dessa série de monografias dá um selo de boa qualidade”, disse-me Alvin quando o livro foi aceito para publicação. O fato é que esse livro foi premiado com o Lanchester Prize 1990 , outorgado pela Operation Research Society of America. Ele foi, sem dúvida, a maior contribuição para a teoria dos mercados de matching. Após a sua publicação o número de autores aumentou enormemente. Além disso, tem sido referência para os inúmeros artigos de matchings que têm sido publicados até hoje, atraindo a atenção de economistas e economistas matemáticos, que se inspiram nos modelos de matching para estudar mercados econômicos da vida real. Em 2010 ele foi também premiado com um congresso internacional na Duke University , sobre mercados de matching : “ Roth and Sotomayor: 20 years after ”.

Como migrei para a Economia? Vale lembrar que a teoria dos jogos não era ensinada nas universidades brasileiras até 1994, quando três especialistas da área receberam o prêmio Nobel de Economia. A partir daí alguns poucos Departamentos de Economia começaram a oferecer um curso introdutório em teoria dos jogos. Entretanto, os Departamentos de Matemática não reconheciam a teoria dos jogos como uma teoria matemática. Com o propósito de conseguir espaço para o desenvolvimento de minha área de pesquisas e contribuir para a formação de novos pesquisadores em teoria dos jogos, deixei a PUC/RJ em 1993 e me tornei professora do Departamento de Economia da UFRJ. Em 1996 me aposentei, e em 1997 fui para o Departamento de Economia da USP, onde me aposentei em 2014. Atualmente tenho uma posição de professora visitante permanente na EPGE da FGV/RJ. Na USP eu tinha cerca de 60 a 65 alunos de graduação e de 10 a 15 alunos de pós-graduação, vindos de diversas Universidades do estado de São Paulo, anualmente. Com o intuito de difundir a teoria dos jogos no Brasil, organizei três congressos internacionais na USP (2002, 2010 e 2014), que tiveram a participação de 5 prêmios Nobel de Economia, especialistas na área da teoria dos jogos, com cerca de 200 estudantes, entre brasileiros e estrangeiros, em cada um dos congressos. Ao longo de minha carreira obtive vários prêmios e honrarias acadêmicas, no Brasil e no exterior, dos quais muito me orgulho, principalmente por ser mulher e ser de um país do terceiro mundo. Acrescento, também, a não existência, em nenhuma Universidade brasileira, de um grupo de pesquisadores em teoria dos jogos ou de algum outro acadêmico trabalhando em matchings. Portanto, foi crucial para o desenvolvimento de meu trabalho as participações, fora do Brasil, em congressos de teoria dos jogos e visitas a bons centros de pesquisas nesta área, onde eu pudesse falar do que eu fazia, coletar novas ideias e me inspirar para novos trabalhos. O reconhecimento de meu trabalho como matemática se deu em 1993, quando fui eleita Fellow da Guggenheim Foundation. O primeiro

BWE: Na sua opinião, qual foi a sua maior contribuição para a teoria dos mercados de matching? Sem dúvida foi o livro com Alvin. BWE: Você acha que há poucas mulheres pesquisando teoria em Economia? Se sim, por quê? Posso falar da minha área. Quando escrevi o meu primeiro artigo, além de mim, havia somente Gabrielle Demange, da École Polytechnique. Hoje o número aumentou, mas ainda há muito poucas mulheres trabalhando em matchings. Porém, acho que esse fenômeno é geral e atinge também outras áreas. Tem como origem a formação da nossa sociedade machista, que ainda encontra respaldo em algumas regiões no Brasil. A mulher era estimulada a casar e cuidar dos filhos e o trabalho remunerado ficava a cargo do marido. Um homem, cuja esposa trabalhasse fora, passava como incompetente para trazer o sustento para sua família. Nos anos 60, o magistério era uma das únicas profissões aceitáveis para uma mulher pela sociedade. Aliás, nesse caso específico, a profissão conferia um certo “status de mulher cultivada” e era garantia para um “bom casamento”, que acontecia em torno dos vinte anos de idade. O fato é que pouquíssimas mulheres ingressavam em Universidades. Não se ouvia falar em mestrado ou doutorado. A graduação era tudo o que se almejava. Esse cenário começou a mudar no início dos anos

  1. Entretanto, as mulheres procuravam cursos que as formassem em professoras de ensino médio. Aquelas que não se sentiam atraídas pelo magistério procuravam profissões como psicóloga e algumas especialidades médicas. Engenharia, Economia e Direito, por exemplo, eram considerados cursos para homens. No final dessa década essa visão já tinha mudado. Hoje, aproximadamente cinquenta por cento do número de alunos nos cursos de graduação e pós-graduação em Economia são do sexo feminino. Curiosamente, depois do doutorado, parece haver um maior interesse pela

vida acadêmica por parte das mulheres do que dos homens. A minha explicação é que um economista é, na maior parte das vezes, melhor remunerado em trabalhos não acadêmicos. O doutorado é uma forma de fortalecer o seu currículo na competição por melhores empregos. No entanto, a academia é mais atraente para a mulher. Isso se deve ao fato de que a atividade que ela executa na Universidade lhe permite conciliar trabalho e cuidado com os filhos. É claro que a escolha do trabalho acadêmico não é privilégio das mulheres. BWE: Por fim, gostaríamos de deixar o espaço aberto para você passar uma mensagem às novas gerações. Nesse sentido, que dica você daria à jovem Marilda que estaria começando a carreira agora? Costumo equiparar a ciência com a arte. A ciência, como a arte, não tem bandeira. O cientista só tem compromisso com a ciência. As suas descobertas são divulgadas para o mundo e qualquer outra pessoa ou instituição pode fazer uso delas como bem lhe aprouver. O sucesso de suas pesquisas depende de competência, determinação e criatividade. A sua mente insaciável está sempre a buscar novos problemas e soluções, novas teorias, novas generalizações. Você poderá se tornar um pesquisador, se mantiver o foco no que deseja investigar e fizer uso correto de suas dotações intelectuais. São cruciais, no início da carreira, contatos com especialistas da área, através de participações em congressos e visitas a bons centros de pesquisa.