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Guias e Dicas
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Música e danças afro atlanticas, Notas de estudo de História

Remonta um pouco das tradições de origem marítima e suas variedades na sociedade brasileira

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 05/12/2021

lucas-gois-18
lucas-gois-18 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTUTUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIENCIAS PROF. MILTON SANTOS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE
JOSIAS PIRES NETO
MÚSICA E DANÇA AFRO-ATLÂNTICAS:
(CA)LUNDUS, BATUQUES E SAMBAS - PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES
Salvador, Bahia
2020
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTUTUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIENCIAS PROF. MILTON SANTOS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE

JOSIAS PIRES NETO

MÚSICA E DANÇA AFRO-ATLÂNTICAS:

(CA)LUNDUS, BATUQUES E SAMBAS - PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES

Salvador, Bahia

JOSIAS PIRES NETO

MÚSICA E DANÇA AFRO-ATLÂNTICAS:

(CA)LUNDUS, BATUQUES E SAMBAS - PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES

Tese apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós- Graduação em Cultura e Sociedade, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Milton Santos da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Doutor em Cultura e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Milton Araújo Moura

Salvador, Bahia

ATA DA REUNIÃO DA DEFESA ORAL DA TESE n. _______ DE JOSIAS PIRES NETO INTITULADA : “ MÚSICA E DANÇA AFRO-ATLÂNTICAS: (CA)LUNDOS, BATUQUES E SAMBAS – PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES”. Aos 11 (onze) dias do mês de setembro do ano dois mil e vinte, por meio de webconferência, foi instalada a Banca Examinadora da Defesa da tese de número ________, intitulada: “MÚSICA E DANÇA AFRO- ATLÂNTICAS: (CA)LUNDUS, BATUQUES E SAMBAS – PERMANÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES”. Após a abertura da sessão, foi composta a Banca Examinadora formada pelos professores Drs.: Prof. Dr. Milton Araújo Moura

  • Orientador, pelos examinadores externos: Prof. Dr. Sérgio Armando Guerra Filho, o Prof. Dr. Carlos Sandroni , o Prof. Dr. Eric Brasil Nepomuceno, o Prof. Dr. Michael Iyanaga e interno do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade: Prof. Dr. José Roberto Severino. Conforme o Regimento Interno do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, foi dado o prazo de trinta minutos para que o Doutorando fizesse a exposição do seu trabalho e trinta minutos para que os membros da Banca realizassem a arguição. Primeiro, falou o Prof. Dr. Michael Iyanaga; em seguida, o Prof. Dr. Carlos Sandroni; em seguida o Prof. Dr. Eric Brasil Nepomuceno; e em seguida o Prof. Dr. Sérgio Armando Guerra Filho , avaliadores externos. Após os examinadores externos, fez sua arguição o Prof. Dr. José Roberto Severino, avaliador interno. Depois que os membros da Banca falaram, foi dado um prazo de trinta minutos para que o Doutorando fizesse sua réplica. Concluída a exposição, arguição e réplica, a Banca Examinadora se reuniu e considerou a tese de JOSIAS PIRES NETO como APROVADA. Nada mais havendo a tratar, eu, Prof. Dr. Milton Araújo Moura , orientador, lavrei a presente ata que será por mim assinada, pelos demais membros da Banca e pelo Doutorando. Salvador, 11 de setembro de 20 20. Prof. Dr. Milton Araújo Moura Prof. Dr. Sérgio Armando Guerra Filho Prof. Dr. Carlos Sandroni Prof. Dr. Eric Brasil Nepomuceno Prof. Dr. Michael Iyanaga Prof. Dr. José Roberto Severino Doutorando JOSIAS PIRES NETO

Para D. Lali, Valdina Pinto e Conça Barbosa: mulheres destemidas, fontes de vida intensa, forças de amor e sabedoria. Neu Pires: exemplo inspirador de coragem para enfrentar desafios. Huna, Luís e Áureo: continuidades espiraladas.

Dentre os colegas discentes, muitos colaboraram, sendo que Flávia Landucci Landgraf fez a gentileza de ler a versão do atual capítulo 7, ainda no período da qualificação. Entre os professores do Pós-Cult, sou grato, especialmente, ao orientador, Milton Moura, pela confiança, pelas conversas, sugestões, livros, pela oportunidade da convivência; e aos professores que integraram a banca de defesa da tese, Sérgio Guerra Filho, Roberto Severino, Eric Brasil, Carlos Sandroni e Michael Iyanaga, que trouxeram sugestões enriquecedoras para esta versão final. Sou grato à FAPESB pelo financiamento que garantiu a possibilidade de realizar a pesquisa. Sou grato ao professor Gustavo Falcón, que escreveu um livro sobre o revolucionário Mário Alves, neto de Juvêncio Alves de Souza, o médico e político liberal juazeirense, personagem desta tese; e que sugeriu bibliografia sobre a região. Sou grato a Nilze Xavier, da Confraria de Nossa Senhora do Rosário de Juazeiro, que colaborou com a pesquisa, como se verá no lugar adequado da tese; assim como fez o historiador Hendrik Kraay, indicando documentos e fornecendo algumas anotações de suas pesquisas nos arquivos da Bahia. Aproveito para agradecer aos funcionários do Arquivo, citando Reinaldo, Nelson, Marcelo, Libânia, d. Marlene Moreira, sempre prestativos e atenciosos. Ainda durante a pesquisa, foi especialmente relevante ter participado do mini-curso “Malungos: África Central e a Diáspora Centro-Africana nas Américas, c. 1500-1867”, promovido pelo PPGH/UFBA/CEAO, cujas aulas foram ministradas, com enorme proficiência, pelo historiador Robert Slenes. O mini- curso propiciou acesso à extensa, clássica e atualizada bibliografia historiográfica, cujo potencial foi aproveitado na escrita da tese, ainda que parcialmente, dada a sua amplitude. Por fim, depois de concluída a escrita da tese, tive a honra de contar com a generosa e reconfortante leitura de amigos, a exemplo da professora América Lúcia Cesar (UFBA), a quem devo sugestões valiosas para a minha escrita da Introdução e das Considerações Finais, assim como também fizeram Antonio Jorge Godi e Alberto Freire. Para encerrar, devo deixar registrados os meus agradecimentos especiais a dois mestres da cultura popular: Zeca Afonso, do Samba Chula Filhos da Pitangueira, de São Francisco do Conde; e mestre Antonio Cardoso, da Marujada de Monte Gordo, de Camaçari.

Os africanos não navegaram sós. Águas. Mares. Travessias. Diásporas. Leda Maria Martins (1997, p. 24)

ABSTRACT

The Research deals with historical, artistic, religious, social, political, behavioral elements related to Afro-Atlantic music and dances in the colonial and imperial period (until the 1870s). Calundus and street parties, squares and terreiros marked the cultural landscape of the time. Analysis of colonial calundus as catalytic organizations, promoters and disseminators of music and dances, including, beyond the African and Afro-Brazilian universe. The entire slave period was marked by enormous tensions, especially after the French and Haitian revolutions, expanding the revolutionary climate in the Americas and the world. In this context, relations between parties and revolts are inventoried, in the same period in which it is verified that lundus, chulas and sambas affirmed themselves as musical and choreographic forms of broad layers of society. After the overview, a case study of the “protest samba” is presented, the much stronger samba in Juazeiro da Bahia, in 1873. The Research focuses on historical, artistic, religious, social, political, behavioral elements related to Afro-Atlantic music and dances, in the colonial and imperial period (until December 1870). Calundus, fraternity parties and other street parties, squares, terreiros and brothels marked the cultural landscape of the time. Analysis of colonial calundus as catalytic organizations, promoters and disseminators of music and dance, including, beyond the African and Afro-Brazilian universe. The entire slave period was marked by enormous tensions, especially after the French and Haitian revolutions, expanding the revolutionary climate in the Americas and the world. In this context, relations between parties and revolts are inventoried, in the same period in which it is verified that lundus, chulas and sambas affirmed themselves as musical and choreographic forms of broad layers of society. After the overview, a case study of the “protest samba”, the much stronger samba from Juazeiro da Bahia, performed in 1873, is presented. Keywords: music, dance, samba, colony, empire.

RÉSUMÉ

Il s’agit d’une recherche sur les éléments historiques, artistiques, religieux, sociaux, politiques, comportementaux liés à la musique et aux danses afro-atlantiques à l'époque coloniale et impériale (jusqu'aux années 1870). Calundus et fêtes de rue, places et terreiros ont marqué le paysage culturel de l'époque. Analyse du calundus colonial en tant qu'organisations catalytiques, promoteurs et diffuseurs de musique et de danses, y compris, au-delà de l'univers africain et afro-brésilien. Toute la période esclavagiste a été marquée par d'énormes tensions, surtout après les révolutions française et haïtienne, élargissant le climat révolutionnaire aux Amériques et dans le monde. Dans ce contexte, les relations entre partis et révoltes sont inventoriées, à la même époque où l'on vérifie que les lundus, chulas et sambas s'affirment comme des formes musicales et chorégraphiques de larges couches de la société. Après le tour d'horizon, une étude de cas de la «samba de protestation», la samba beaucoup plus forte de Juazeiro da Bahia, est présentée en 1873. Palavras-clave: musique, danse, samba, colonie, empire.

LISTA DE FIGURAS

Pg. 1 “Negertanz - Dança de Pretos”. 28 2 Dikenga Dia Kongo (Cosmograma Kongo). 32 3 No convento de Santa Clara (BA). 43 4 Negro tocando instrumento de cordas. 77 5 Instrumentos musicais centro-africanos. 89

LISTA DE QUADROS

Pg. 1 População da Paróquia de Nossa Senhora das Grotas de Joazeiro. 254

1. INTRODUÇÃO: O SAMBA É O DONO DO CORPO

A leitora e o leitor estão convidados a partilhar do clima proporcionado pela viagem empreendida durante a pesquisa e escrita desta tese. Antes da partida, serão anunciadas as questões fundamentais norteadoras das buscas, que ajudaram a traçar caminhos percorridos, a encontrar recursos metodológicos utilizados. Nas páginas seguintes serão consideradas, sinteticamente, balizas conceituais que forneceram régua e compasso para refletir, mergulhar e navegar pelas culturas da diáspora do Atlântico Negro. As questões centrais que nortearam a pesquisa foram, precisamente, as seguintes: como se deu e como se deve compreender o fato de que batuques, lundus e sambas, apesar de tentativas de contenção por meio de legislação proibitiva e das ações repressivas, levadas a cabo pelo sistema escravista, tenham logrado superar, durante a Colônia e o Império, os obstáculos postos por senhores de escravos, autoridades civis, militares e eclesiásticas e penetrado em salões, teatros, casas de senhores e outros espaços proibidos? As respostas encontradas estão expostas nos seis capítulos da tese e, resumidamente, nesta Introdução. Como preparativo para a jornada, é seguro ter uma noção acerca de antecedentes decisivos, experiências indispensáveis que embasaram a decisão de fazer a viagem. Em meados da década de 1980, integrei a equipe da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Camaçari, liderada pelo poeta José Carlos Capinam. Na época, elaboramos e realizamos o projeto “Puxe pela Memória”^1 , que resultou na revitalização do Reisado de Abrantes e da Marujada de Monte Gordo. Foi um período de intenso trabalho de campo e, também, de estudos sobre cultura popular, debruçando sobre clássicos como Silvio Romero, Mário de Andrade, Edison Carneiro e, também, autores contemporâneos, como Nestor Garcia Canclini^2. Durante o processo de revitalização da Marujada de Monte Gordo, todos os fins de semana, durante quase um ano, participei – junto com Laura Bezerra e Marise Berta - dos ensaios do grupo liderado pelo mestre Antonio Cardoso. O contato frequente, semanal, com a Chegança de Marujos – outro nome da Marujada – produziu forte impacto nas sensibilidades de todos que vivenciamos aquela experiência. A música, a dança, as narrativas nos arrastavam diretamente para o clima vivido pelos marinheiros que se aventuraram pelo Mar Oceano durante (^1) Junto com Marise Berta e Laura Bezerra, foram levantadas quase 100 manifestações culturais tradicionais. A grande maioria havia sido desativada no começo da década de 1970, a partir da construção do Polo Petroquímico de Camaçari, que impactou, fortemente, a vida dos camponeses e pescadores que ali viviam. (^2) As culturas populares no capitalismo (1983) foi fundamental para a elaboração do projeto “Puxe pela Memória”. Utilizo o conceito de “culturas populares” como os modos próprios de agir, pensar e sentir de grupos e camadas da população, postulado por Canclini, bem como da problematização que fez dos fenômenos de desestruturação e ressignificação de culturas tradicionais, como estava ocorrendo em Camaçari.

as grandes navegações do período colonial. A partir das observações dos ensaios e de entrevistas com o Mestre Antonio Cardoso, agricultor e carpinteiro, anotei a estrutura do longo espetáculo e todos os versos cantados pelos marujos. A pesquisa foi publicada no livreto Chegança de Marujos (1987), editado pela Secretaria de Cultura de Camaçari. Outra experiência com o universo das culturas populares, ainda mais intensa do que aquela ocorrida em Camaçari, foi vivenciada entre 1997-2003, como pesquisador, roteirista e diretor da série televisiva Bahia Singular e Plural. As equipes da TV Educativa da Bahia registraram, naquele período, 182 festas, folguedos e rituais populares, em todas as regiões da Bahia. Foram viagens de descobertas enriquecedoras, pelas oportunidades de sensibilização estética, cultural, social e política, que ofereceram oportunidades de conhecer a diversidade contemporânea de festas e folguedos populares tradicionais da Bahia. Todos são expressões culturais que resultaram de cruzamentos afro-atlânticos; aí encontramos imensa variedade de sambas, danças e músicas que desempenham papel transversal nas manifestações. O aprofundamento das pesquisas de campo e bibliográfica acerca das manifestações culturais populares, proporcionado pelo Bahia Singular e Plural , despertou o interesse pela realização da pesquisa acadêmica, o que veio a ocorrer no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC/UFBA, 2002-2004). O projeto submetido visou ao estudo do folguedo da Marujada, que continuava exercendo forte fascínio sobre minha sensibilidade^3. Durante o Mestrado, algumas circunstâncias levaram à mudança do tema, porém o texto do projeto de pesquisa original foi publicado na Revista da Bahia^4. A pesquisa no Mestrado serviu para a realização de um estudo preliminar das relações entre festas e folguedos tradicionais em meio às modernas tecnologias de comunicação e de registro audiovisual (PIRES NETO, 2005). Por fim, cabe referir-me a outra experiência profissional que pesou decisivamente para a escolha do tema investigado no âmbito do doutoramento. Trata-se da participação na pesquisa de campo (2004) que contribuiu para a preparação do Dossiê , que fundamentou a candidatura do samba de roda do Recôncavo da Bahia à III Proclamação das Obras-Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade^5. Novas viagens de descoberta que possibilitaram contatos (^3) Tratamos do tema do “teatro embarcado” nos documentários “Chegança de Marujos”, “Chegança de Mouros” e “Lutas de Cristãos e Mouros” da série Bahia Singular e Plural. (^4) PIRES NETO, Josias. “Dramas do Mar - Memórias das Grandes Navegações Marítimas nas Cheganças de Marujos ou Marujadas” in Revista da Bahia , v. 32, n. 38, maio de 2004, pp. 73 - 80, disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/dramas-do-mar-memorias-das-grandes-navegacoes-maritimas-nas-chegancas- de-marujos-ou-marujadas/ (^5) INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Samba de Roda do Recôncavo Baiano. Brasília, DF: Iphan, 2006. 216 p. Participei da pesquisa de campo ao lado de Katharina Doring, Francisca Marques, Ari Lima e Silvana Martins, sob a coordenação do musicólogo Carlos Sandroni. Atuei, também, com a equipe do registro audiovisual e, junto com Sandroni, colaborei com a produção executiva do CD Samba de Roda Patrimônio da Humanidade (UNESCO/IPHAN/AMAFRO, 2006).

escrevi, em 2014, as primeiras linhas pensando em desenvolver projeto de pesquisa, cuja primeira versão foi concluída em janeiro de 2015, com o título “Samba de roda da Bahia no século XIX”. Apesar de inicialmente focado no Oitocentos, na realidade, o propósito sempre foi realizar pesquisa para compreender processos de longa duração, começando na colônia e estendendo as investigações até a década de 1870. A ideia se fixou na pesquisa panorâmica, referida à colônia e ao império, e fazer o estudo de caso do Samba de protesto de Juazeiro. Em 2016, as leituras iniciais que estava fazendo e a abertura teórico-metodológica oferecida pelo PÖS-CULT me levaram a definir a perspectiva e a elaborar o projeto de doutoramento “A festa negra na Bahia colonial”. Começaria pela análise feita por Renato da Silveira da aquarela “Dança de Pretos”, obra de Zacharias Wagener, um dos pintores europeus da corte pernambucana de Maurício de Nassau (década de 1640). Por esta porta, pode-se entrar no mundo encantado dos calundus - constelação de espaços-tempo de práticas, ensino, aprendizado, reprodução e disseminação da variedade de ritmos, gestos, movimentos, visões de mundo e comportamentos vivenciados por afro-atlânticos de várias procedências. Simultaneamente, as obras de José Ramos Tinhorão (1972, 1988) foram tomadas como guias iniciais para o levantamento de referências quanto às ocorrências de danças recreativas, folganças de escravizados, libertos e livres no período colonial realizadas nas roças, ruas, praças e outros ambientes de vilas e cidades. Aos aportes de Tinhorão, somaram-se outras contribuições, como as de Budasz (1996, 2002, 2004), acerca da música e dança de bordéis e salões da Bahia dos séculos XVII e XVIII. Enquanto as leituras e levantamentos desenrolavam-se nessa cadência, tornou-se evidente como, na segunda metade do século XVIII – e Mário de Andrade já havia notado em Danças Dramáticas do Brasil – , as instituições culturais populares, os folguedos e festas de santos haviam adquirido os contornos gerais – sempre singularmente dinâmicos – com que seriam conhecidas pelas décadas e séculos seguintes^9. A segunda metade do século XVIII marcou a virada do período Barroco para o Iluminismo europeu^10 , com intensas repercussões ao longo do século XIX. Mudaram aspectos técnicos e estéticos acerca da concepção de (^9) As principais danças dramáticas (Cheganças, Reisados, Pastoris) teriam tido grande floração entre fins do XVIII e começo do XIX “e se normalizaram em suas datas festivas, sobretudo de Natal e Carnaval, e com os santos populares de junho” (ANDRADE, 1982, p. 28). (^10) SILVA, Luiz Geraldo. Aspirações barrocas e radicalismo ilustrado. Raça e nação em Pernambuco no tempo da Independência (1817-1823). In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005, pp. 915-934;

músicas, danças, administração das festas em meio aos grandes processos reformistas e revolucionários no mundo atlântico^11. Descortinada a linha geral da pesquisa no período colonial, restava evidente a necessidade de estender o marco temporal, visando compreender as repercussões de todas aquelas mudanças para o século XIX. Decidi contatar Urano Andrade em busca da sua colaboração e sugestões sobre a pesquisa no APEBA, ambiente em que esse pesquisador vive desbravando documentos há mais de uma década. Minhas demandas foram, pronta e generosamente, atendidas. A partir da orientação de Urano Andrade, os meses seguintes foram dedicados ao estudo da paleografia e dos mecanismos para dar os primeiros passos no Arquivo, visando acessar os documentos indispensáveis para o sucesso da pesquisa. Depois de instruído acerca do funcionamento das entradas e caminhos nos sistemas de arquivos, em maio de 2017 comecei a conhecer o “Maço 2451”, repleto de manuscritos oficiais, no qual Urano Andrade havia encontrado o documento por ele nomeado e publicado sob o título “Samba de protesto”. Depositado na Secção Colonial-Provincial, o referido Maço reúne algumas dezenas de correspondências trocadas entre autoridades do governo da província e juízes de Juazeiro, entre os anos 1855-1873. Depois de penar durante meses para ler e fichar as cartas escritas entre 1868-1873, o andamento da pesquisa exigiu a investigação de outros Maços, como: o 2452, que cobre o período 1874-1885; o 1339, que reúne as correspondências recebidas pelo governo provincial da Câmara de Juazeiro (1859-1889); e o 2967, com as correspondências recebidas dos chefes de polícia (1870-1877). Em resumo, o conjunto da pesquisa foi de natureza bibliográfica e documental. No primeiro caso, buscou-se compreender fenômenos musicais e coreográficos afro-atlânticos no período colonial e imperial, rastreando documentos citados pelos autores de livros, artigos, teses, dissertações, relatórios, enciclopédias, dicionários, incluindo peças visuais. Foram acessados, também, documentos como Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia e algumas edições do Folheto de Ambas Lisboa , todos do século XVIII, disponíveis na WEB. Em relação à maior parte do século XIX, a pesquisa bibliográfica foi combinada com a documental, sendo esta feita, fundamentalmente, no APEBA e na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Nos maços do APEBA, foram buscadas informações que permitissem conhecer as circunstâncias, os jogos de força e poder, os fatos e as relações que viriam a ser encaixados nos contextos e encontrados os sentidos para as duas noites de Samba em Juazeiro, nos primeiros dias de novembro de 1873. (^11) Ver, por exemplo, MACHADO NETO, Diósnio. “Administrando a festa: música e iluminismo no Brasil Colonial”, Tese de Doutorado, PPGM, ECA-USP, 2008.