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Este artigo explora os efeitos da participação de atores sociais em instituições políticas sobre os padrões de ação coletiva de movimentos sociais. O texto questiona as implicações da inserção de movimentos sociais em instituições participativas, analisando as dimensões organizacional, relacional e discursiva da ação coletiva. O artigo também discute as teorias que descrevem a relação entre movimentos sociais e instituições políticas, enfatizando a importância de considerar as interações mutuas e a combinação de modalidades de ação outsider e insider.
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Tipologia: Notas de estudo
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Resumos / Abstracts
Este artigo analisa os efeitos da inserção institucional em arranjos participativos sobre os padrões de ação coletiva de movimentos sociais, no que se refere à formação organiza- cional, relacional e discursiva dos atores. As transformações nos movimentos sociais foram examinadas a partir da com- paração intertemporal de seus padrões de ação ao longo de três décadas (1980-2010), mediante instrumentos metodo- lógicos do método qualitativo (análise documental e entre- vista em profundidade) e quantitativo ( survey ). O estudo comparado da Federação das Associações de Moradores da Serra e do Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra, localizados no Espírito Santo, demonstra que movimentos institucionalmente inseridos combinam: 1. complexificação da estrutura organizacional e participação dos militantes; 2. relações com instituições políticas e outros movimentos ou entidades não institucionais e 3. interações cooperativas e contestatórias na relação sociedade-Estado.
Palavras-chave: movimentos sociais, participação, institucionaliza- ção, complexificação organizacional, interações cooperativas.
Recebido: 03/06/2010 Aprovado: 05/09/
SOCIAL MOVEMENTS: REVISITING THE PARTICIPATION AND INSTITUTIONALIZATION
This article examines the effects of participatory arrangements in the institutional context on patterns of collective action of social movements regarding to organizational, relational and discursive structures. The changes in the social movements were examined from the inter-temporal comparison of their patterns of action over three decades (1980-2010), by methodological tools of qualitative methods (document analysis and
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in-depth interview) and quantitative (survey). The comparative study of the Federation of Neighborhood Associations of Serra and Center for the Defense of Human Rights of Serra, located in Espírito Santo, shows that movements institutionally embedded combine 1.complexity of the organizational structure and participation of militants, 2.relations with political institutions and movements or other non-institutional entities and 3.cooperative and contestatory interactions in the relationship society-state. Keywords: social movements, participation, institutionalization, organizational complexity, cooperative interactions.
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
lhadas construídas através de relações de conflito e coope- ração (Melucci, 1996; Diani, 1992). Nesse contexto, quais efeitos a inserção institucional dos atores societários e o desenho das instituições de par- ticipação produzem sobre os padrões de ação coletiva de movimentos sociais engajados nesses espaços?No mesmo sentido, quais mudanças os movimentos sociais,constituídos no bojo do processo de redemocratização do país, vivencia- ram em decorrência de seu engajamento em instituições participativas, no que tange as dimensões organizacional, relacional e discursiva da ação coletiva?A denominação “padrões de ação coletiva” (doravante PACs) corresponde a modalidades de ações organizacionais, relacionais e discur- sivas, as quais orientam o comportamento dos movimentos como atores políticos face às instituições e ao Estado em geral. Naturalmente, é difícil pensar num padrão homogê- neo ou num modelo de ação, que representaria os atores societários e que servisse de paradigma da ação dos movi- mentos, tendo em vista a complexidade e heterogeneidade da sociedade civil (Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006). Este estudo busca estabelecer debate crítico com as teorias de movimentos sociais que supõem uma separação entre estes e a política institucionalizada, e que analisam a ação coletiva a partir de estruturas dicotômicas: contenção- -institucionalização, outsider-insider , autonomia-cooptação. Tais teorias explicam as implicações da inserção de atores coletivos em instituições políticas a partir da ideia de institu- cionalização do movimento social, cujo enfoque estritamente organizacional é associado à desmobilização, burocratização, profissionalização e descolamento da base social (Meyer e Tarrow, 1998; Piven e Cloword, 1979; McCarthy e Zald, 1973). No entanto, o pressuposto desses teóricos de correla- ção entre complexificação organizacional e desmobilização do movimento, desconsidera os incentivos gerados à partici- pação pelo desenho inovativo das instituições participativas.
Euzeneia Carlos
E, por outro lado, a compreensão dos efeitos do engaja- mento institucional sobre os movimentos, restrita ao seu núcleo organizacional, desprivilegia outras dimensões da ação coletiva – como a relacional e a cultural – imprescin- díveis à compreensão dos PACs em contextos de interação com a institucionalidade política. Parte-se do pressuposto que a relação entre movimentos sociais e instituições políticas é contingente e mutuamente constitutiva, cujas implicações ou efeitos decorrentes são produzidos sobre ambos os atores societários e institucionais (Skocpol, 1992). Essa perspectiva, conduz ao reconhecimen- to da complexidade dos movimentos e a variação nos PACs, os quais podem combinar elementos contraditórios da rela- ção sociedade-Estado, ao contrário de constituírem mode- los puros, coerentes e estáveis. Em linhas gerais, este artigo demonstra que a inserção institucional de movimentos produz efeitos sobre as dimen- sões organizacional, relacional e discursiva da ação coletiva. No que se refere ao elemento organizacional, o exame da estrutura funcional, das estratégias de ação e das dinâmi- cas de participação do movimento, evidenciou processos de complexificação organizacional, os quais são combinados à participação dos militantes no processo decisório. A com- posição da estrutura relacional dos movimentos também sofre deslocamentos, no sentido da ampliação dos víncu- los com instituições políticas, especialmente órgãos do governo, ao mesmo tempo em que combina a relação com outros movimentos e entidades sociais não institucionais. O engajamento dos atores coletivos em instituições par- ticipativas, por sua vez, é acompanhado por processos de reelaboração e ressignificação discursiva acerca da relação sociedade-Estado, caracterizados por linguagens de coope- ração e contestação. Em torno dessas principais argumen- tações está estruturado o artigo, precedidas, naturalmente, de breves considerações metodológicas e do aporte teórico.
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a saber: 1) pesquisa documental^2 no acervo das organizações de movimentos; 2) entrevista em profundidade com atores- -chave (militantes e ex-militantes); e 3) survey de questionário semiestruturado^3 aplicado a 52 militantes selecionados por meio de amostra não aleatória, que considerou a posição de centralidade do ator no movimento. Na análise geral, os dados provenientes dos variados instrumentos metodológicos foram agrupados em torno de temas, a fim de verificar a triangula- ção das evidências e promover a validação dos resultados a partir de linhas convergentes de investigação.
A relação entre movimentos sociais e instituições políticas requer uma compreensão dinâmica que acentue os aspec- tos de coconstituição entre sociedade e Estado, como esfe- ras que interagem e se influenciam mutuamente em um processo contínuo e circunstancial, cujas fronteiras são imprecisas e enevoadas (Skocpol, 1992; Somers, 1993). Essa perspectiva é particularmente relevante à análise de movi- mentos institucionalmente inseridos ( institutionally embedded^4 ), na medida em que concebe sociedade e Estado como pro- duto de um processo dinâmico e contingente de mútua
(^2) O arquivo de documentação é composto por estatutos sociais, regimentos, certi- dões, legislações, livros de atas de reuniões, livros de assinaturas de reuniões, atas de eleições de diretoria, atas de congressos, boletins e jornais próprios, relatórios, planejamentos, projetos, dentre outros. Esses dados somam cerca de 300 docu- mentos, os quais foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo e sistematizados em banco de dados do Excel. (^3) O questionário de survey é composto por 72 questões, entre formato fechado (36), aberto (29) e semiaberto (7), tendo tido sua primeira versão base no survey da pesquisa “Associativismo e Representação Popular: comparações entre a América Latina e a Índia”, desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamen- to (Cebrap) e Institute of Development Studies Sussex (IDS), com a coordenação de Adrian Gurza Lavalle e Peter Houtzager. O processamento e análise dos dados do survey foram realizados através do programa estatístico SPSS 17.0. (^4) No dizer de Peter Evans, 1995. Ver também Houtzager, Gurza Lavalle e Acharya (2004).
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
constituição. As teorias de movimentos sociais 5 que anali- sam a sociedade e o Estado a partir de categorias estanques, autônomas e dicotômicas são, nesse sentido, limitadas à explicação dos efeitos das interações entre atores societá- rios e institucionais sobre os PACs de movimentos sociais. Grosso modo , predomina nessas teorias a acepção de movimento como protesto público e participação outsider (extrainstitucional), cuja chave analítica impõe-nos duas implicações: (i) dificulta o reconhecimento das interações mutuamente constitutivas entre o movimento e o sistema político (agências do governo, partidos políticos e o Esta- do) e da combinação circunstancial entre modalidades de ação outsider e insider (intrainstitucional) e (ii) interpreta o engajamento em instituições políticas como decorrente de um processo de institucionalização do movimento que afeta, exclusiva e homogeneamente, a dinâmica organizacional da ação coletiva. A perspectiva cíclica e dicotômica dessa abor- dagem desconsidera as mudanças e reconfigurações na ação coletiva ao longo do tempo, assim como, a capacidade dos movimentos em combinar elementos contraditórios e híbri- dos na relação sociedade-Estado. Ao contrário dessa concepção que identifica movimen- tos sociais como protesto e ação outsider , severos estudos acerca da interpenetração entre movimentos e instituições têm refutado a tese que distingue o movimento como estra- tégia extrainstitucional, sob o argumento de que muitos movimentos interagem, constitui relações e formam alian- ças com partidos políticos, igrejas, agências do Estado e poder judiciário. Embora alguns movimentos se identifi- quem como revolucionários claramente outsiders e oposi-
(^5) Essas teorias são comumente descritas como pertencentes à escola norte-ameri- cana (teoria de mobilização de recursos e teoria do processo político) e ao para- digma europeu de ação coletiva (teoria dos novos movimentos sociais). Embora não sejam necessariamente excludentes, cada uma delas desenvolveu uma estrutu- ra de análise própria (Melucci, 1996; Della Porta e Diani, 2006).
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
sessão. A ideia de institucionalização do movimento, exami- nada mais detidamente pela teoria do processo político, é defendida nos seguintes termos:
O padrão de institucionalização é quase o mesmo em todo lugar: à medida que acaba o entusiasmo da fase disruptiva de um movimento e a política se torna mais hábil em exercer o controle, os movimentos institucionalizam suas táticas e tentam obter benefícios concretos para seus apoiadores através de negociação e acordo – um caminho que frequentemente é bem-sucedido ao custo de transformar o movimento em um partido ou grupo de interesse (Tarrow, [1998] 2009, p. 134).
De acordo com o autor, a integração do movimento às estruturas da institucionalidade política corresponde a mudanças no repertório de confronto, decorrente do des- dobramento interno de ações contenciosas, que é análoga a institucionalização do movimento social. Embora com limi- tada comprovação empírica, a institucionalização é definida como “a criação de um processo repetitivo que é essencial- mente autossustentável, no qual todos os atores relevantes possam recorrer a rotinas bem-estabelecidas e familiares” (Meyer e Tarrow, 1998, p. 21). Institucionalização, nessa visão, compreende três componentes principais: 1. rotini- zação da ação coletiva – ativistas e autoridades aderem a um script comum e modelo previsível de ação; 2. inclusão e marginalização – ativistas institucionalmente orientados são recompensados com o acesso ao sistema político, enquanto aqueles determinados a desafios mais abrangentes e a evi- tar o compromisso inerente à política institucional se arris- cam a repressão ou marginalização e 3. cooptação – ativistas modificam suas reivindicações e táticas para que possam perseverar dentro da política institucional. O termo insti- tucionalização, por fim, é remetido à profissionalização do movimento, quer dizer, as habilidades relativas à organiza-
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ção e à comunicação entre os ativistas dos movimentos se tornam cada vez mais profissionais, cuja expansão afeta o “modelo de representação política fundado no contato com as bases representadas” (Tarrow, [1998] 2009, pp. 21-22). Essa noção opera sem introduzir uma distinção que lhe é fundamental entre a institucionalização do canal de mediação com o Estado e aquela do movimento. E, ao não fazê-lo, estabelece uma relação causal mecânica e unívoca entre institucionalização da mediação e ado ator coletivo. Torna-se, portanto, inábil para objetar em que medida a primeira gera características institucionais no comporta- mento do ator, assim como, de captar as regularidades e variações na relação instituições e atores sociais. Por esse motivo, este estudo não assume, a priori , que a instituciona- lização do canal de mediação gera a do movimento, e abre à verificação empírica os efeitos daquela sobre os PACs, pois, entre outras razões, o movimento pode ser altamente organizado, formalizado e profissionalizado também nos ciclos de protesto público, mesmo que sob o manto de narrativas de espontaneidade. Em particular, o enfoque no núcleo organizacional do movimento conduziu a uma visão estreita de institu- cionalização definida em termos de complexificação insti- tucional, a qual é remetida à rotinização, previsibilidade, formalização, profissionalização e desmobilização. Essa perspectiva, por um lado, desconsiderou a diferenciação nos padrões organizacionais, tendo em vista as possibilida- des de combinação entre complexificação organizacional e mobilização, em processos de engajamento em institui- ções inovadoras. Por outro lado, dimensões complementa- res na configuração dos movimentos são ignoradas, como as dinâmicas relacionais e suas possibilidades de plura- lização das redes sociais e institucionais, e os elementos discursivos da ação com seus deslocamentos e ressignifica- ções da relação sociedade-Estado.
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As novas oportunidades de participação na elabora- ção das políticas e no controle da ação governamental que emergiram da criação de instituições participativas, inaugu- raram um cenário de inserção de movimentos sociais em instituições do Estado e de relação direta com agências governamentais. No município da Serra-ES, essas esferas institucionalizadas de participação foram introduzidas a partir de 1997, pela coligação partidária PDT-PT-PSB que elegeu Sérgio Vidigal para a gestão 1997-2000 e segue por quatro mandatos consecutivos (1997 a 2012) 7. As instituições de participação, então criadas, passaram a ocupar centralidade na dinâmica cotidiana dos movimen- tos analisados. Especificamente, a Fams atua, em nível muni- cipal, em duas esferas institucionais de mediação da relação sociedade-Estado: os conselhos gestores de políticas e o OP. Nos 16 conselhos existentes, a Fams concentra a maioria dos assentos destinados a representantes da sociedade civil, nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação, segurança, meio ambiente, entre outros, além das conferên- cias setoriais. A Fams coordena programas governamentais de participação social, como a instalação anual do OP na Assembleia Municipal do Orçamento (AMO) e do Plano Diretor Municipal Participativo (PDMP). O CDDH, por sua vez, se engaja nas instituições do Estado através da participação em conselhos gestores, comi- tês, comissões especiais e na gestão de programas. Em nível municipal, o CDDH participa de oito conselhos de políticas e nas conferências setoriais, nas áreas de saúde, assistência social, segurança alimentar, gênero, entre outros. E, em nível estadual, no Conselho Estadual de Direitos Humanos, no Conselho Estadual de Gestão de Segurança Pública e
(^7) No período de transição do regime autoritário e redemocratização, a Serra foi governada por políticos remanescentes das oligarquias rurais que se revezaram no poder de 1977 a 1996 – José Maria Miguel Feu Rosa (PDS-ARENA e PMDB) e João Baptista da Motta (PMDB e PSDB).
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
no Comitê de Enfrentamento a Tortura, além de participar da gestão de programas governamentais, como o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas de Crimes (Provita), o Programa de Proteção a Criança e ao Adolescente Ameaça- da de Morte (PPCAM) e Programa de Proteção aos Defenso- res de Direitos Humanos (PPDDH). A relevância do engajamento em instituições partici- pativas é reconhecida por 93% dos militantes da Fams e 95% dos ativistas do CDDH 8 , para os quais a importância da participação nos órgãos do governo reside na garantia da representação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas, no exercício da participação cidadã e na vocali- zação dos interesses das coletividades em políticas sociais. Para eles, a validade da inserção institucional do movimen- to está, ainda, no potencial de democratização do processo decisório, de accountability dos gestores governamentais e de efi ciência nos gastos públicos.
Movimentos sociais institucionalmente inseridos complexificam a estrutura organizacional, especializam a dinâmica funcional e for- malizam as estratégias de ação, ao mesmo tempo em que mantém a participação dos militantes no processo decisório.
A preocupação com a organização da ação coletiva esteve pre- sente na Fams e no CDDH desde sua gênese. O processo orga- nizacional desses movimentos veio acompanhado de certa dose de formalização, através do incentivo a medidas formais que foram sendo incorporadas paulatinamente ao cotidiano
(^8) Os termos “militantes” e “ativistas” são utilizados como sinônimos, para designar os participantes em posição de tomadores de decisões. No caso da Fams, esses correspondem aos membros da diretoria, do colegiado, delegados do congresso e lideranças das associações de moradores filiadas. No CDDH, são membros da coordenação diretora e membros filiados da assembleia.
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
novas instâncias de deliberação – o congresso e as coorde- nações de áreas. O congresso passou a órgão máximo de deliberação, com periodicidade bianual e instituído para avaliar os rumos do movimento, traçar novas diretrizes e plano de luta e eleger a coordenação. Participam do con- gresso os membros do colegiado, da coordenação execu- tiva, das coordenações de áreas e doze representantes de cada associação filiada. As coordenações de áreas corres- pondem à representação das associações por área definida com base em referências territoriais. Nesse formato, a asses- soria política foi suprimida enquanto órgão permanente e seus antigos membros compuseram a coordenação geral do movimento, no I Congresso em 1986. Nova reestruturação organizacional da Fams ocorreu em 1996, cujas principais mudanças foram aprofundadas nas reedições dos estatutos sociais de 2003 e 2008. As trans- formações organizacionais nos movimentos, no período pós- 1996, se inserem no bojo de severas mudanças no contexto político local, haja vista a eleição de governos convergentes com o discurso de participação e que implementaram os novos arranjos institucionais. De modo geral, essas transformações remetem a um processo de complexificação organizacional, caracterizado por especialização funcional e formalização das estratégias de ação. No processo de especialização funcional da Fams, maior especificação foi conferida aos órgãos mediante a criação de novos organismos e de melhor precisão nas atribuições dos mesmos. Somando-se a essa dinâmica, em 2003, a mudança do regime de coordenação geral para pre- sidência e a criação de secretarias populares de políticas públicas, nas áreas de educação, meio ambiente, segurança e saúde. Nesse contexto de inserção institucional, os novos órgãos visam especializar a estrutura funcional da Fams à participação nos canais participativos de políticas públicas, ao acompanhamento das atividades dos conselheiros muni-
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cipais e delegados do OP e a ampliação de sua atuação em setores que favorecem maior conhecimento sobre o funcio- namento da máquina pública. Esse amoldamento da estru- tura funcional do movimento à funcionalidade do Estado conduz os atores coletivos à discussão de políticas públicas de modo mais enfático, algo notadamente caro em se tratan- do de associações tradicionalmente afeitas a reivindicações pontuais e concretas. A especialização da estrutura funcional da Fams veio acompanhada pela absorção de profissionais temporários e remunerada no interior da organização, os quais não par- ticipam das assembleias deliberativas e voltam-se ao suporte técnico e jurídico nas áreas de secretaria, comunicação, contabilidade e advocacia. Com efeito, a comunicação com os militantes passou a combinar o contato pessoal e formal, e a organização das atividades passou a ter o apoio técnico de profissionais nos assuntos de políticas públicas, gerencia- mento de programas governamentais e elaboração de pro- jetos de captação de recursos para contratos, convênios e termos de parceria com órgãos públicos e privados 11. Na trajetória de formação organizacional do CDDH, por sua vez, as alterações estatutárias de impacto substantivo ocor- reram em 2000 e 2003, as quais também conduziram a maior especialização funcional. Em sua gênese, a estrutura funcio- nal do movimento de direitos humanos fora constituída por três órgãos: diretoria executiva, conselho fiscal e assembleia geral. A diretoria era composta pelo presidente e vice-presi- dente, primeiro e segundo secretário, primeiro e segundo tesoureiro e comissões temáticas. O órgão máximo de delibe- ração é a assembleia geral, formada pela diretoria, conselho fiscal e todos os membros filiados e reunidos mensalmente.
(^11) No intuito de ampliar seus instrumentos legais de captação de recursos finan- ceiros, a Fams requereu a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), em 2003, através da Lei 9.790/99 que estabeleceu novo marco legal para repasse de recursos governamentais para as entidades sociais.
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cooperação técnica com órgãos governamentais e não gover- namentais e o Termo de Parceria, a partir de sua qualificação como Oscip, em 2000. A especialização organizacional do CDDH também é caracterizada pela absorção temporária de profissionais remunerados para apoio técnico e jurídico aos trabalhos desenvolvidos, como advogados, administradores, conta- dores, assistentes sociais e psicólogos. Como na Fams, esses profissionais não participam das deliberações dos militantes e os impactos diretos na organização do movimento inci- dem sobre dois aspectos: a comunicação entre os militantes passou a combinar o contato informal e formal e, a partici- pação na elaboração de políticas, na gestão de programas governamentais e na captação de recursos a contar com suporte técnico e jurídico.
Movimentos sociais possuem a habilidade de combinar uma pluralidade de formas de ação que perpassam estratégias contenciosas ou disruptivas, ações formais de encaminha- mento de demandas, e alianças com partidos políticos, polí- ticos e ex-lideranças do movimento. A combinação entre essas formas de ação é contingente e dinamizada pela rela- ção sociedade-Estado de cada contexto histórico. Nos movimentos Fams e CDDH, essa diversidade de estratégias de ação foram combinadas ao longo do tempo, percorrendo conjunturas de transição do autoritarismo político e de restabelecimento das instituições democráticas. Mesmo que cada era histórica tenha sua forma predominan- te de ação, os ativistas direcionavam suas reivindicações e proposições ao poder público fazendo uso de canais múl- tiplos e complementares: abaixo-assinado, manifesto, mani- festação pública, passeata, ato público, vigília, ofícios, ação judicial, reuniões com autoridades, apoio de partidos, políti- cos e ex-lideranças, e outras (Tabela 1).
Movimentos sociais: revisitando a participação e a institucionalização
No contexto de transição do autoritarismo e redemo- cratização da década de 1980, os movimentos estudados desenvolveram estratégias de mobilização coletiva que ilustraram verdadeiro “ciclo de protesto público” (Tarrow, 1997), frente ao não reconhecimento pelas autoridades públicas e não acesso às instituições políticas, especifica- mente: passeatas, manifestações, exposições de faixas, muti- rões, peças teatrais, dramatizações, atos públicos, plebisci- tos, abaixo-assinados, denúncias à imprensa e ocupação de área pública (Tabela 1). Na percepção dos militantes, as estra- tégias contenciosas eram relevantes para o êxito das reivin- dicações, visibilidade do movimento, chamar a atenção das autoridades, mobilizar os participantes, apoio da imprensa e opinião pública, e vocalizar as demandas. A trajetória de ambos os movimentos testemunhou mudanças severas nestas estratégias de ação, visíveis mais enfa- ticamente a partir da última década.Com a redemocratização do país, o acesso às instituições políticas e a implementação de esferas participativas nas agências dos governos, o uso de estra- tégias formais no encaminhamento das deliberações ao poder público tornaram-se predominantes. Por um lado, a redução das atividades de protesto público ( contention ) e, por outro, a expansão de ações formais (ofícios a órgãos públicos e audiên- cias com autoridades) evidenciam transformações nas estraté- gias de ação em direção a repertórios rotinizados e previsíveis, que contrastam com o ciclo de mobilizações e caracterizam um processo de formalização das estratégias de ação (Tabela 1). Os militantes argumentam que no contexto de enga- jamento em instituições participativas e de mudanças nas relações com o governo, os mecanismos de ação formais conferem legalidade às suas demandas e são importantes no encaminhamento das reivindicações. Ademais, esse procedi- mento é visto como estratégia adequada ao estabelecimento de um canal de diálogo com o governo e ao reconhecimen- to do movimento enquanto interlocutor legítimo.