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A presente monografia versa sobre os trâmites e procedimentos na aplicação da Lei. Maria da Penha – Lei 11.340/06, bem como sua efetividade na proteção das.
Tipologia: Notas de aula
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO
Monografia de conclusão do curso de Direito, apresentado ao professor de Direito Penal, do curso de Direito da UFPR, Dr. Rolf Koerner Júnior e ao Núcleo de Monografia. CURITIBA, NOV/
A presente monografia versa sobre os trâmites e procedimentos na aplicação da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06, bem como sua efetividade na proteção das mulheres que sofrem violência no âmbito familiar ou doméstico. Para tanto, a metodologia adotada foi a análise documental das estatísticas das instituições que diretamente realizam esta tarefa no município de Curitiba: Delegacia da Mulher (DM) e Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; além de outras que indiretamente atendem casos de violência doméstica e familiar contra a Mulher: Secretaria Municipal de Saúde e Delegacia de Homicídios, bem como outros trabalhos que tratam a respeito do tema. Em termos de resultados, observou-se a partir dos dados obtidos, que o grau de desistência das vítimas é bastante grande. E em virtude da atuação da pesquisadora, enquanto Escrivã de Polícia na DM, obteve- se informações privilegiadas que apontam como determinantes, dentre outros: a morosidade na apuração dos delitos, o grau de dependência afetiva da vítima em relação ao agressor, a cultura paternalista ainda dominante na educação da sociedade e, sobretudo a não intenção das vítimas em ter a realização da justiça penal, mas a resolução de problemas sociais que demandam a atuação de outras estruturas, tais como educação, saúde, trabalho e assistência social. Palavras-chave: Lei Maria da Penha, violência doméstica, procedimentos da lei.
Para CAVALCANTI (2007) a violência doméstica constitui-se num problema global e que atinge não só a mulher, mas crianças, adolescentes e idosos, sendo este decorrente da desigualdade nas relações entre homens e mulheres, assim como da discriminação nas relações de gênero, existente de modo geral na sociedade e na família. Dentre os muitos casos que ilustram esta desigualdade relembramos o leitor de alguns notórios. Há cerca de dois anos o Brasil se impactou e acompanhou emocionado o desenrolar de uma das milhares de histórias de violência doméstica: história da menina Isabella Nardoni, de 5 anos de idade. Esta, segundo laudo apresentado pela perícia técnica da polícia civil na fase do inquérito policial, foi sufocada por sua madrasta e posteriormente jogada, ainda viva pelo pai, do 6º andar do prédio onde morava o casal. Outro caso emblemático também bastante polemizado pela mídia foi do assassinato de dois garotos de 11 e 13 anos, em Ribeirão Pires, SP, um deles asfixiado pelo pai e o outro morto a golpes de faca desferidos pela madrasta. Os corpos foram incendiados, mas como não houve sucesso na ocultação destes o casal esquartejou os meninos, acondicionando os restos em sacos plásticos, que seriam eliminados posteriormente com a coleta de lixo. No que tange aos casos de violência em relações de afeto vivemos capítulo a capítulo, em tempo real, a história do casal Lindemberg e Eloá, com um final longe de assemelhar-se a um conto de fadas... Em meados de abril do presente ano, uma história que poderia ter alcançado drásticas estatísticas de mortes de populares. A história de “amor” do suicida, que após o término do relacionamento com sua esposa, comparece juntamente com a filha de cinco anos no aeroporto da cidade. Lá furta um avião e intenta atingir um Shopping Center , contudo sua falta de habilidade em pilotagem faz com que atinja carros no estacionamento do Shopping (o mesmo não era piloto e nunca havia pilotado um avião de verdade). Outra história relevante é a do ex-jogador de futebol que após uma partida deparou-se com a namorada em atitudes de tietagem com o jogador corintiano Ronaldo e em virtude de uma crise de ciúmes, dirigiu-se até o apartamento da moça após o jogo e a esfaqueou até a morte.
Delegacia da Mulher e ele vai se ver com a Maria da Penha!” e “Eu estou aqui por culpa da Maria da Penha (indiciado)” 1. Na proposição do texto de monografia de conclusão de curso, dar-se-á especial enfoque no tema da violência doméstica cometida contra a mulher e seus aspectos legais. Tema este que, na atualidade, esteve sob o holofote da mídia e na pauta de discussões dos operadores do direito, tendo em vista a promulgação da Lei 11.340 em agosto de 2006. Lei esta que, conforme explicita sua ementa: “cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e Lei de Execução Penal”; e dá outras providências. Lei, que na denominação popular, ficou amplamente conhecida como Lei Maria da Penha. Para tanto, além da análise dos dispositivos legais que regulamentam a questão, foi realizada uma pesquisa de cunho estatístico dos casos de violência doméstica cometidos contra a mulher. Correspondente às estatísticas oficiais que apresentam o número de mulheres que sofrem violência doméstica, boletins de ocorrência noticiados à autoridade policial, vítimas que dão prosseguimento ao Inquérito Policial e finalmente retratações e condenações ocorridos na fase Processual. Entende-se ser de extrema relevância a apresentação destes dados, tendo em vista que a discrepância entre a quantidade de mulheres que sofrem violência doméstica e àquelas que denunciam o infrator é enorme e; a partir da denúncia e representação proferida pelas vítimas à autoridade policial até a fase processual, os casos de violência doméstica passam por um funil. E das mulheres que chegam a denunciar os autores da agressão, pouquíssimas tem sua pretensão satisfeita, mediante uma condenação penal. Isto porque a própria vítima desiste de dar continuidade no processamento da denúncia, já na fase do próprio inquérito policial. Tendo em vista problemas que demonstram muito mais uma fragilidade de ordem sócio-cultural (afetividade com o indiciado e com os filhos, dependência econômica e emocional), do que uma consequência dos problemas referentes à (^1) Comentários realizados por vítimas e indiciado envolvidos nos crimes de violência doméstica, que prestaram depoimentos à pesquisadora na Delegacia da Mulher de Curitiba, mas tendo em vista o sigilo profissional, enquanto escrivã de polícia e, respeitada a intimidade e privacidade das vítimas, seus nomes não serão revelados.
ineficácia da lei ou dos trâmites dos procedimentos administrativos e do próprio processo judicial. Considera-se também como elemento de extrema relevância na análise dos dados, do texto legal e sua aplicabilidade a coleta de: informações, impressões e experiências dos próprios envolvidos nos casos de violência doméstica. Buscou-se, portanto, coletar mediante um olhar crítico os depoimentos das vítimas e dos indiciados na fase do inquérito policial, resguardados obviamente a intimidade e privacidade destes, bem como respeitado o sigilo das informações obtidas pela pesquisadora na sua prática profissional, enquanto Escrivã de Polícia da Delegacia da Mulher do município de Curitiba. A partir destes aspectos, delimita-se como problema a ser investigado no projeto de monografia o seguinte questionamento: “como ocorre a aplicação da Lei 11.340/06 – Lei Maria Penha, nos casos de violência doméstica sofridos pela mulher, desde a fase pré-processual no inquérito policial até o trâmite judicial da denúncia, em Curitiba?”.
2. OBJETIVO GERAL: É objetivo geral desta monografia: - Construir um referencial interpretativo sobre a aplicação da Lei 11.340/06 – Lei Maria Penha, nos casos de violência doméstica, sofridos por mulheres, desde a fase pré-processual, do inquérito policial até os trâmites judiciais das denúncias, em Curitiba. 3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: São objetivos específicos deste projeto de pesquisa:
sobre o tema e a jurisprudência sobre os casos de violência doméstica contra a mulher. Como complemento da análise documental, buscou-se coletar informações, junto às autoridades e funcionários do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e da Delegacia da Mulher de Curitiba. E ainda, tendo em vista, que a função de Escrivã de Polícia propicia à pesquisadora contato direto com as vítimas e indiciados no inquérito policial e, portanto, a coleta de informações privilegiadas entendeu-se por bem incorporar ao texto relatos relevantes dos envolvidos em casos de violência doméstica e obtidos pela pesquisadora. Embora se entenda relevante, não foi realizada nenhuma coleta sistematizada de dados direcionada aos envolvidos nos casos de violência doméstica, tendo em vista a riqueza dos depoimentos já obtidos e exiguidade do tempo para aprofundamento da pesquisa.
6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: 6.1. Introdução: Segundo CAVALCANTI (2007) o problema da violência doméstica atinge crianças, idosos e mulheres, sendo um problema mundial e decorrendo das relações desiguais e discriminatórias de gênero. Esses grupos sociais, não apenas no lar, mas na sociedade em geral, são considerados mais frágeis e na atualidade tem sido objeto de uma maior preocupação dos legisladores, que intentam com a proposição de leis protetivas de direitos a redução da violência contra estes (Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso). Assim, embora os direitos fundamentais previstos na Constituição tenham um caráter universal, estes não tem garantido a proteção de grupos vulneráveis a todas as formas de violência. No que tange às mulheres, os constitucionalistas as tem tratado como objeto especializado dos direitos humanos fundamentais, porque empiricamente permanecem em situação de hipossuficiência nas relações sociais e políticas (p.19). O movimento feminista em todo mundo, desde a década de 70, vem lutando por uma maior igualdade de direitos entre homens e mulheres, defendendo qualquer forma de discriminação nas práticas sociais, inclusive no âmbito legal. No entanto, contraditoriamente, contribuíram para esse fenômeno de especialização dos direitos
humanos das mulheres. Nesse sentido, houve a edição pelas Nações Unidas dos Estados Americanos de diversas convenções e pactos de direitos humanos, que compeliram os países signatários a criarem medidas legais e administrativas de “promoção da igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher (CAVALCANTI, 2007, p.20)”. Dentre os pactos federativos podemos citar: a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ratificada pelo Brasil em 1984), a Recomendação Geral nº 19 da referida Convenção (CEDAW); a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará” (incorporada no ordenamento jurídico brasileiro em 1995) e a Declaração e plataforma de ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ratificada pelo Brasil neste mesmo ano. No Brasil, o impacto destas orientações internacionais, em relação repressão à violência doméstica contra a mulher acarretou, primeiramente a proclamação da igualdade entre homens e mulheres, estabelecida no texto constitucional de 1988, em seu art. 5º, inciso I, que reza: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição”. Sobre a questão da violência contra a mulher no âmbito familiar, a Constituição Federal de 1988 (CF 88) determinou em seu art. 226, § 8º que: “o Estado assegurara assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. O texto constitucional e os dispositivos definidos nos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário foram o estopim para que o legislador infraconstitucional empreendesse mudanças legais significativas no ordenamento jurídico. A primeira delas representada pela Lei 10.886/04, que tipificou no Código Penal Brasileiro a violência doméstica como forma de agravamento da pena. Posteriormente, a Lei 11.106/05 retirou de seu texto os crimes de adultério e sedução. Em 2006, a publicação da Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, veio a atender grande parte dos anseios dos grupos e entidades que lutam pela defesa dos direitos das mulheres. Esta lei dentre outros, propõe a criação de mecanismos de repressão à violência doméstica contra a mulher, tais como o de Juizados de Violência Doméstica e Familiar, tipificando a violência doméstica no Código Penal, alterando também o processamento das denúncias deste novo tipo penal agilizando o
quinze anos, medidas efetivas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias da vítima. A acusação sobre o caso específico de Maria da Penha foi também uma espécie de evidência de um padrão sistemático de omissão e negligência em relação à violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras. Denunciou-se a violação dos artigos 1 (Obrigação de respeitar os direitos); 8 (Garantias judiciais); 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da Convenção Americana, dos artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como dos artigos 3, 4, a, b, c, d, e, f, g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará. Uma vez que no caso Maria da Penha não haviam sido esgotados os recursos da jurisdição interna (o caso ainda estava sem uma decisão final), condição imposta pelo artigo 46(1)(a) da Convenção Americana para a admissibilidade de uma petição, utilizou-se a exceção prevista pelo inciso (2)(c) do mesmo artigo, que exclui esta condição nos casos em que houver atraso injustificado na decisão dos recursos internos, exatamente o que havia acontecido no caso de Penha. Neste sentido, assim se manifestou a Comissão: “(...) considera conveniente lembrar aqui o fato inconteste de que a justiça brasileira esteve mais de 15 anos sem proferir sentença definitiva neste caso e de que o processo se encontra, desde 1997, à espera da decisão do segundo recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. A esse respeito, a Comissão considera, ademais, que houve atraso injustificado na tramitação da denúncia, atraso que se agrava pelo fato de que pode acarretar a prescrição do delito e, por conseguinte, a impunidade definitiva do perpetrador e a impossibilidade de ressarcimento da vítima (...)”. Importa frisar que, à época, o Estado brasileiro não respondeu à denúncia perante a Comissão. No ano de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu Informe n.º 54 de 2001, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, recomendando, entre outras medidas:
sofridas por Penha por parte do Estado brasileiro por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo.
que a desigualdade sociocultural é uma das causas da discriminação feminina e, sobretudo da dominação masculina. A sociedade propaga a falsa idéia de que o homem é proprietário do corpo e vontade da mulher e dos filhos, protegendo a agressividade masculina e construindo uma imagem da superioridade do sexo masculino, representada por sua virilidade. Os aspectos emocionais relativos à afetividade e sensibilidade são inerentes ao sexo feminino e desde o nascimento o homem “é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo para casa, não ser ‘mulherzinha’. (...) Essa errônea consciência masculina de poder é que lhes assegura o suposto direito de fazer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os membros da família (p.16, grifos da autora)”. É nesse momento que o castelo sonhado pelas moças casadoiras rui e, de “rainhas do lar” estas se transformam em vítimas, sendo sua casa o lugar mais perigoso para elas e seus filhos. A visão paternalista do homem enquanto provedor da subsistência da família e destinado ao espaço público; tendo como contraposto a figura feminina, confinada ao lar e ao cuidado dos filhos; propicia o paradoxo de dominação/submissão. É este paradoxo que, segundo a autora, torna-se uma espécie de código de honra: “a sociedade outorga ao macho um papel paternalista, exigindo uma postura de submissão da fêmea. As mulheres acabam recebendo uma educação diferenciada, pois necessitam ser mais controladas, mais limitadas em suas aspirações e desejos (p.17)”. Outros autores também entendem que a mulher é quem mais sofre, tanto com a violência de comportamento como a violência estrutural, consolidadas nas definições sociais que lhe atribuem um papel secundário, limitando a sua cidadania em todos os níveis de hierarquia social (Boulding, 1981). Assim a família é uma instituição social que organiza as relações sexuais entre gêneros, exercendo de forma direta um controle social sobre a identidade e corpo da mulher. Controle este legitimador dos direitos dos maridos sobre suas esposas, conferindo-lhes até mesmo a prerrogativa de exercerem a força física contra elas (Giffin,1994). E reiterando o pensamento de Dias (2008), Boulding chama a atenção para o fenômeno reprodutor desta conduta, atentando para o fato de que a mulher internaliza e reproduz a agressão, contribuindo para a manutenção das estruturas que a transformam em vítima. Nesse campo, notórios os casos de mães que
colaboram ativamente no "endurecimento" de seus filhos, transformando-os em "machos agressivos"^3. Muito embora a violência doméstica contra a mulher exista desde a existência de homens e mulheres, foi com a evolução da sociedade no último século, nos campos da tecnologia e da medicina, e consequentemente o ingresso, em peso, das mulheres no mercado de trabalho, propiciadas em grande parte pelas lutas feministas encetadas na década de 70; que se construiu o cenário ideal para a guerra dos sexos_._ Nesse período há uma redefinição do paradigma de família ideal, dos papéis de mulheres e homens frente ao cenário social, impondo a este sujeito assunção de tarefas nunca antes imaginadas, afetas ao lar e aos filhos, “essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, terreno fértil para conflitos (DIAS, 2008, p.17)”. Esse fator social, longe ainda de provocar mudanças significativas no campo cultural, tornou-se justificativa para a violência como elemento compensador das possíveis falhas no comprimento dos papéis ideais impostos aos novos homens e mulheres. A guerra esta posta, “cada um usa suas armas: ele, os músculos; ela as lágrimas. A mulher, por evidente, leva a pior e se torna vítima da violência masculina (DIAS, 2008, p.17)”. Contudo, desta trajetória de acentuadas desigualdades geradoras de violência “resultaram focos de resistência e luta, pois não é próprio da natureza humana submeter-se eternamente (Herman, 2008, p.14)”. Hermann demonstra numa visão não determinista que esta resistência adquiriu durante a história muitas facetas, que na verdade configuraram-se como estratégias de batalha, sejam elas sutis ou violentas: negação da alteridade, ora através da busca pela igualdade (^3) Um dos casos emblemáticos da Delegacia da Mulher que expressam fielmente a educação patriarcal é o seguinte: tudo começou numa quarta-feira a noite, dia de jogo na Baixada. O noticiado, técnico em enfermagem, desenvolvia suas atividades laborativas, entre 12h e 18h e, após a meia noite. Naquela quarta-feira amigos seus o convidaram para assistir um jogo na Baixada e ele aceitou. Telefonou após sair do serviço para avisar a esposa que iria direto do serviço para o jogo com os amigos. E, a discussão. Inúmeras ligações em seu celular, em frente aos amigos. Mais ligações, finalmente cansado da atitude da esposa o noticiado vai para casa após a perturbação insistente da esposa. No sábado, pela manhã, o noticiado chegando do serviço, passa em uma panificadora para comprar pães. No local encontra o grupo de amigos que o acompanhariam ao jogo. Um deles berra “em alto e bom som”, para todos que se encontravam no local ouvirem: “olha lá o cara, que a mulher manda nele!”. O noticiado finge que a afirmação não tem relação com ele e rapidamente sai do local em direção a sua casa. Chegando em casa, exausto, é confrontado novamente pela mulher que queria discutir a relação do casal naquele momento. Ele simplesmente não respondia aos questionamentos da esposa, o que a deixava mais exaltada em seus questionamentos, até que ele explode! Já perturbado pela gozação dos colegas e pelo ocorrido na quarta-feira! E cometendo injúrias contra a esposa, parte para cima da mulher, dizendo: “sabe do que você precisa e que nunca lhe deram? Umas boas palmadas na bunda”. E comete vias de fato contra ela, desferindo palmadas nas nádegas da esposa...
“(...) tudo o que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não tem capacidade para administrar a casa nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter ela bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono (DIAS, 2008, p. 18)”. Para tanto, o agressor comumente afasta-a da família, isola-a do mundo, das amizades, impede-a de trabalhar. Assim estabelece-se o “ciclo da violência”. Num primeiro momento o silêncio e a indiferença, seguindo-se de reclamações, reprovações e reprimendas, por fim os castigos, punições, empurrões, tapas, socos, pontapés, sempre numa escala crescente e não apenas direcionadas somente à vítima, mas a tudo aquilo que lha fazem bem: objetos pessoais e filhos. A vítima na maioria das vezes, procura explicações e justificativas para a atitude violenta do companheiro, já que socialmente ele é uma pessoa agradável e encantadora, que estaria passando por problemas financeiros ou na vida profissional. Acatando assim suas ordens, afastando-se das amizades, tendo atitudes que não o desagradariam desde o modo de falar até o de se vestir. Insegurança e medo de uma nova explosão tornam-na dependente e insignificante. Assim, ela “(...) anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios. Nesse momento, a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser seu cotidiano. Questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Não há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador (DIAS, 2008, p.19)”. A autora entende que este agressor não a odeia, mas sim a si mesmo, tendo sido em sua história de vida também vítima de abusos e agressões, o que o leva ao medo e, por isso, a necessidade do controle das situações o faz sentir seguro. Desta forma, o mesmo atribui a culpa da sua violência às atitudes da mulher: exigência por dinheiro, desleixo em relação à casa e aos filhos, que ela não faz nada certo e não o obedece. Para que novas agressões não ocorram, a mulher concorda, reconhece a culpa, recua, o perdoa, abrindo espaço para novas agressões, pois o medo da solidão a torna dependente e insegura , “a mulher não resiste à manipulação e se torna prisioneira da vontade do homem, surgindo o abuso psicológico (p.19)”. Com isso, há o arrependimento mútuo, o perdão, o choro, flores, promessas de mudança, o casal vive uma nova lua-de-mel. Ela finalmente, “sente-se protegida, amada, querida, e acredita que ele vai mudar” ... Até que venham novas cobranças, ameaças, gritos, tapas... O ciclo se renova...
“(...) Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de limite faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Quando a ação não gera reação, exacerba a agressividade, para conseguir dominar, para manter a submissão. A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da auto-estima, o sentimento de menos valia, a depressão, essas são feridas que não cicatrizam (p.20, grifo nosso)”. 6.2.3 Antecedentes Jurídicos e questões polêmicas sobre a Lei: O tema da violência doméstica, como já tratado anteriormente, sempre foi secundário no cenário jurídico brasileiro. Isto revela que o mesmo sempre esteve intimamente ligado à privacidade da família e não suscetível às intervenções estatais, sejam quais fossem. Somente com a Constituição Federal de 1988 é que genericamente a lei outorga a igualdade formal entre homens e mulheres: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; É em função do texto constitucional que também que se disciplinou a criação dos Juizados Cíveis e Criminais Especiais no âmbito da União, Distrito Federal, Territórios e Estados competentes para a conciliação, julgamento e execução das infrações ditas de menor potencial ofensivo. Neste cenário a questão da violência doméstica vem à tona, demonstrando a necessidade de uma legislação que tratasse de modo mais ponderado o assunto. Os Juizados Especiais regulamentados pela Lei nº 9.099 de 1995 trouxeram benefícios grandes no campo processual penal, já que possibilitaram a agilização dos procedimentos através da criação de medidas despenalizadoras, adoção do rito sumaríssimo, aplicação de penas antes do oferecimento da acusação sem que houvesse ainda a discussão sobre a culpabilidade do agente, nos denominados crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles cuja pena máxima aplicada não ultrapassa dois anos. Contudo a crítica suscitada pela doutrinadora Dias é de que embora o legislador tenha conscientemente objetivado diminuir a impunidade, paradoxalmente deixou de priorizar a pessoa humana, através da preservação de sua vida e