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Este documento aborda o papel do modernismo na formação da identidade nacional brasileira, enfatizando o papel do ressentimento na interpretação do brasil pelo movimento modernista. A pesquisa bibliográfica utilizada no estudo permite verificar a influência do modernismo na identidade nacional brasileira, desde seu auge até os dias atuais.
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Universidade de Brasília Instituto de Ciência Política Curso de Graduação em Ciência Política
Amanda Montalvão Ferraz
Modernismo e identidade nacional:
o papel do ressentimento na ideia de Brasil
Brasília – DF 2016
Modernismo e identidade nacional:
o papel do ressentimento na ideia de Brasil
Monografia apresentada em conclusão ao curso de graduação de Ciência Política da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciência Política.
Orientador: Prof. Dr. Paulo César Nascimento
Brasília, junho de 2016. Amanda Montalvão Ferraz
Primeiramente а Deus, o meu maior mestre. Ao corpo docente da Universidade de Brasília pelo aprendizado proporcionado. Ao meu orientador, Professor Paulo César Nascimento, por ter me orientado durante toda a graduação e, em especial, nessa monografia. Sem o incentivo e ajuda dada não teria sido possível a construção desse trabalho.
Aos meus pais e irmãos por todo o amor, apoio incondicional e força que me dão sempre.
Ao meu namorado pelo apoio, compreensão e ajuda durante toda nossa caminhada juntos.
A Strategos – Empresa Júnior de Consultoria Política, por todos os ensinamentos profissionais e pessoais que vou levar comigo por toda a minha trajetória.
Por fim, a todos que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação acadêmica, o meu muito obrigada.
O presente trabalho aborda a relação entre o modernismo brasileiro e a formação da identidade nacional brasileira sob o prisma do nacionalismo ressentido da socióloga norte- americana Liah Greenfeld.
Estudos que exploram a relação entre a identidade nacional brasileira e o modernismo são periódicos na academia, visto que o modernismo foi o primeiro movimento organizado como grupo que se propôs a pensar a identidade nacional brasileira de forma não superficial, evoluindo do plano literário para o plano cultural e político. Este trabalho pretende mostrar que no intuito de uma atualização artístico-cultural e ao mesmo tempo de uma busca pelas raízes nacionais brasileiras, o movimento modernista foi profundamente marcado pelo sentimento de nacionalismo ressentido, conceito elaborado por Liah Greenfeld. O sentimento de ressentimento surgiu com a comparação do Brasil à Europa e com a visão do grande abismo de desenvolvimento existente entre as duas realidades.
Junto ao sentimento de ressentimento, surgiu no período modernista o que Liah Greenfeld chama de transvaloração de valores, que significa a transformação da escala de valores, de forma que os elementos de identificação utilizados por outras nações sejam subestimados perante os elementos autóctones. Ambos os conceitos foram de extrema importância para o modernismo e seus períodos subsequentes, pois desde a Independência do Brasil, em 1822, éramos um País sem identidade nacional própria e sem movimentos que se propusessem a pensar sobre o tema. Será igualmente abordada a influência que o modernismo continuou a exercer, mesmo depois de seu auge, em movimentos políticos e culturais brasileiros.
Palavras-chave: Modernismo, Nacionalismo, Brasil, Identidade Nacional, Ressentimento, Transvaloração de Valores, Liah Greenfeld.
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sobre as origens da identidade nacional do Brasil, visto que o tema é pouco estudado na área e tem total relação com o Estado e com as instituições.
A hipótese do trabalho é que a formação da identidade nacional brasileira tem como um dos fatores explicativos, o ressentimento e a transvaloração de valores sem, entretanto, repercutir de maneira negativa. Pelo contrário, repercute de maneira positiva, pois gerou poder criativo, que se transformou no modernismo.
A fim de testar a hipótese, a metodologia utilizada nesse trabalho é composta por pesquisas bibliográficas, que foram utilizadas para fundamentar teoricamente o estudo, para compreender em que medida o modernismo brasileiro influenciou na formação da identidade nacional brasileira e para compreender qual foi o papel do ressentimento dentro desse contexto. Para tal, foram utilizadas fontes primárias e secundárias. As fontes primárias utilizadas foram, principalmente, a teoria de Liah Greenfeld sobre nacionalismo ressentido e as obras produzidas pelos participantes da Semana da Arte Moderna de 1922 e do modernismo. As fontes secundárias utilizadas foram às obras de acadêmicos e suas revisões e interpretações sobre o modernismo e seus artistas, assim como trabalhos que avaliam e interpretam as teorias sobre o nacionalismo. Por meio da pesquisa bibliográfica, utilizando-se de fontes primárias e secundárias, foi possível verificar qual foi a influência do modernismo na formação da identidade nacional brasileira, no período de seu auge até os dias de hoje, e qual foi o papel do ressentimento na interpretação do Brasil pelo movimento modernista.
Ao todo a monografia possui cinco capítulos. O capítulo 1 aborda a formação do conceito de nação e seus diversos significados ao longo do tempo e as diferentes teorias sobre o surgimento do nacionalismo no século XX. Trata, principalmente, da teoria de Liah Greenfeld acerca do ressentimento e da transvaloração de valores, que possibilitou no Brasil, o surgimento do modernismo, movimento que construiu as bases para a formação da identidade nacional brasileira.
O capítulo 2 aborda o contexto político e cultural vivido pela Europa e pelo Brasil do fim do século XIX até a realização da Semana da Arte Moderna em 1922 e as tentativas anteriores ao modernismo de movimentos literários de se pensar o que deveria ser o Brasil. Por fim, o capítulo aborda quais foram os principais acontecimentos que culminaram na Semana da Arte Moderna.
11 O capítulo 3 aborda a realização da Semana da Arte Moderna pela elite intelectual de São Paulo, expondo o porquê de sua criação e da cidade de São Paulo ter sido escolhida para sediar o evento. Trata da influência das vanguardas europeias sobre o grupo dos 5 e, consequentemente, na Semana da Arte Moderna. Por fim, aborda as expectativas dos criadores do movimento a respeito da SAM e a avaliação desta como sendo um sucesso ou fracasso pela mídia e acadêmicos.
O capítulo 4 trata de dois períodos modernistas, o primeiro compreendido de 1922 a 1924 e o segundo de 1924 a 1930. O primeiro período foi marcado pelo movimento com cunho mais artístico e estético, ligado muito aos conceitos de urbanismo, modernidade e combate ao passadismo. Os modernistas, nessa época, tinham como objetivo formar uma arte verdadeiramente nacional. O segundo período foi marcado pelo pensamento profundo sobre o que o Brasil deveria ser, deixou de ser mais um dos movimentos literários e estéticos surgidos ao longo da história do País, para ser um movimento de cunho cultural e político forte e que, de fato, influenciou na formação da identidade brasileira.
O capítulo 5 aborda as influências do modernismo em períodos posteriores de seu auge, 1922 a 1930. Essa influência se traduziu entre outros, no Tropicalismo, no Concretismo, no governo brasileiro e no meio acadêmico. Finalmente, trata da forma como a SAM, e consequentemente, o modernismo foi comemorado e relembrado até a década de 2010.
Por fim, este trabalho encara o modernismo como um movimento profundamente marcado pelo ressentimento, que teve como motor propulsor o sentimento de recalque de ex- colônia e o sentimento de inferioridade do Brasil em relação ao continente Europeu. Esse ressentimento se transformou na transvaloração de valores, fazendo com que pudéssemos criar um movimento com características genuinamente brasileiras e que propusesse a pensar profundamente o Brasil e modificá-lo culturalmente, algo que foi decisivo para a construção da identidade nacional brasileira.
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“Cinco Caminhos para a Modernidade”, 3 aborda toda essa transformação semântica e sua evolução, sendo a principal a que ocorreu na Inglaterra no fim do século XV, quando “nação como elite” se transformou em “nação como povo soberano”, nascendo assim não apenas a nação inglesa, mas todas que viriam posteriormente. A Inglaterra foi o local onde o conceito de nação, tal qual o conhecemos hoje, se originou e se espalhou pelo mundo, então compreendê-la é de fundamental importância para que se entenda a ideia de nação que existe hoje, as condições para o seu desenvolvimento e suas utilizações sociais (GREENFELD, p.33,1998). Contudo, não foi na Inglaterra que o termo obteve seu primeiro significado.
Foi no império romano que a palavra apareceu pela primeira vez e adquiriu seu primeiro significado: os romanos usavam o termo natio , que significava “qualquer coisa nascida” para se referir a grupos de estrangeiros. Adiante, na era medieval, a palavra passou a ser utilizada nas universidades para definir estudantes de acordo com seu local de origem. Posteriormente a palavra mudou de significado novamente, passando a ter ligação com os concílios da Igreja, onde cada representante de uma autoridade cultural e política que participava dos congressos sacros representava uma nação. Ou seja, os membros de uma nação eram pessoas de estatuto elevado em grupos políticos, a elite.
Entretanto, a mudança mais importante, como explicitado anteriormente, foi quando o significado de nação passou a contemplar também a plebe, o povo. Tal mudança ocorreu na Inglaterra, após a Guerra das Rosas no fim do século XV e foi extremamente significativa, visto que o povo foi elevado ao status de elite, podendo assim efetivar sua soberania política e influenciar nos rumos políticos e econômicos do país^4. Era pelo fato de o povo exercer sua soberania que eram considerados membros de uma nação. Greenfeld enxerga nesse momento o surgimento da primeira nação, Inglaterra, e o início da preponderância do nacionalismo. Dessa forma, segundo a autora, todas as nações que viriam posteriormente eram frutos da importação da ideia nacional bem sucedida da Inglaterra. Vale ressaltar que mesmo que o modelo identitário nacional seja inglês, as nações não nasceram todas da mesma forma:
(^3) GREENFELD, Liah. Nacionalismo: Cinco Caminhos para a Modernidade. Martins: Publicações Europa- América, 1998. (^4) A guerra das Rosas foi uma guerra civil pela conquista do trono inglês entre duas dinastias, ocorrida entre 1453 e 1485. Nela se enfrentaram a família real de Lancaster, que detinha a coroa real e cujo brasão tem uma rosa vermelha, e a de York, aspirante ao poder e que traz no brasão uma rosa branca. A guerra terminou quando Henrique Tudor da dinastia de Lancaster derrotou o último rei de York, Ricardo III, e assumiu o trono, casando- se com Isabel de York, filha de Eduardo IV, para unir as duas dinastias.
14 Não há maior – nem mais grave – erro do que considerar todas as nações como nascidas iguais. Os homens nascem iguais, as nações não. Algumas nascem como compactos de indivíduos soberanos e salientam a liberdade e a igualdade dos homens; algumas nascem como belos e grandes indivíduos que podem se alimentar de homens e pregam a superioridade nacional e a submissão ao Estado.^5 Outro aspecto importante é que as sociedades que importaram a ideia nacional inglesa tinham características próprias e, dessa forma, a exportação do modelo inglês quase nunca era bem sucedida, pois enquanto na Inglaterra a questão da soberania popular era uma realidade e o povo conseguiu, de fato, efetivar sua soberania política após a Guerra das Rosas, outros países apenas importaram a ideia, ou seja, a soberania popular existia apenas no papel e não na prática.
Por fim, ocorreu a última mudança do conceito de nação, que passou a ser identificada a outros países e povos, sendo considerada sinônimo de um povo com características únicas. Tal expansão da ideia de nação foi importante para ficar claro que não existem e nem existirão aspectos únicos e essenciais que definem uma nação. O que existe é o que se pode chamar de “autoconsciência” de um povo sobre si, e foi essa “autoconsciência” que veio distinguir etnia e nação. Nação está ligada a ideia de autodefinição de seus membros e etnia está ligada a ideia de identificação por outsiders (NASCIMENTO, 2003).
Assim, o conceito de identidade nacional é, hoje, uma identidade que vem do fato de se fazer parte de um povo único, cuja principal característica é ser definido como nação (GREENFELD, p.17,1998). Ademais, cada membro do povo é igualado à condição de elite e por isso, a população nacional estratificada de um dado país é vista como primordialmente homogênea e as classes vistas como superficiais. Greenfeld afirma que esse princípio está na base de todos os nacionalismos existentes nos dias de hoje.
1.2 – A emergência do nacionalismo e da identidade nacional Como afirmado no início do capítulo, compreender a emergência do nacionalismo é de importância extrema, em razão da influência que exerce na sociedade moderna, que vai de catalisador de guerras mundiais a lutas de libertação contra o domínio colonial. De fato, este fenômeno político afeta todos os âmbitos da sociedade. No plano político afeta as políticas domésticas e externas dos países: a própria vitória do capitalismo no mundo é fruto do nacionalismo e do ressentimento contra as nações politicamente avançadas. No plano
(^5) Greenfeld, Liah_. Nacionalismo: Cinco Caminhos para a Modernidade_ , p. 478, 1998.
16 Apesar dos pontos em comum entre o surgimento do nacionalismo, elucidado por Gellner e Anderson, e o surgimento do modernismo no Brasil, nesse trabalho é utilizada a teoria de Liah Greenfeld acerca do nascimento desse fenômeno. A escolha de sua teoria se dá pelo fato da autora abordar o ressentimento e a transvaloração de valores, elementos fundamentais para se compreender não somente o nacionalismo brasileiro, mas a formação da identidade nacional do País. Segundo a autora, o nacionalismo emergiu com a importação da ideia nacional inglesa, explicitada na seção anterior, possibilitando que membros de uma coletividade passassem aos poucos a ter um sentimento de profunda lealdade à nação a que pertenciam, originando assim o nacionalismo, que se espalhou pelo mundo de diversas formas.
Greenfeld, ao explicitar que os nacionalismos adquirem diferentes formas nos países, os divide em dois tipos: cívico e étnico. O nacionalismo cívico, original da Inglaterra, é constituído pela cidadania do povo, ou seja, pela adesão às leis e aos princípios políticos e sociais do país, independente de raça, língua e etnia dos indivíduos. Já o nacionalismo étnico constitui a nação pela etnia e traços primordiais dos indivíduos, como linguagem, costumes e filiação territorial, ou seja, um indivíduo que não nasceu em determinado local nunca poderá fazer parte daquela nação, o que demonstra, claramente, as tendências xenófobas e ressentidas desse tipo de nacionalismo, indo no sentido contrário ao nacionalismo cívico que é inclusivo e democrático. Contudo, na prática o que se encontra é a fusão dos dois tipos de nacionalismo com a preponderância de um deles, não existindo nenhum dos dois tipos em sua forma pura.
Greenfeld aborda ainda que o nacionalismo, independente de sua forma, não está em todas as comunidades humanas, mas apenas naquelas que são definidas como nações. Nesse sentido distingue analiticamente 3 fases na formação dos nacionalismos específicos que tornaram possível a importação do modelo de nação inglês por parte dos diferentes países: estrutural, cultural e psicológico.
A primeira fase, estrutural, está relacionada a uma crise de identidade, de modo que a identificação do país com sua população se torna obsoleta e necessita ser substituída por uma nova. No modernismo brasileiro, tema desta monografia, essa fase ocorreu quando a elite intelectual paulista percebeu que a produção cultural brasileira precisava se renovar inteiramente, por estar muito ultrapassada e em desacordo com o momento de modernidade em que o País vivia. A segunda fase, cultural, seria a busca por construir uma cultura em comum, que tornasse único aquele grupo de indivíduos. Essa fase foi representada no
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modernismo com a criação do movimento propriamente dito e os ideais que este propagava. A terceira fase, psicológica, seria a fase em que determinados elementos seriam incorporados pelos membros da comunidade de modo que estes se identificassem como nação. No caso brasileiro foi a fase de maior importância, pois foi nela que a visão do movimento modernista sobre a cultura brasileira refletiu com clareza o ressentimento e a transvaloração de valores do qual ele esteve imbuído.
Assim, seguindo a argumentação de Liah Greenfeld, modelos identitários nacionais são fruto da criação de uma elite insatisfeita com a situação social do país, que se apropria de elementos de uma identidade nacional de uma nação tida como modelo, mesclando estes elementos com a cultura autóctone, de forma a resolver a crise identitária dessa elite. É importante frisar que identidade é a visão que o indivíduo tem de si mesmo, ou seja, identidade é percepção, então por melhor elaborado que seja um modelo identitário nacional, ele não irá funcionar se a população não se identificar com aquela visão e não possuir tal identidade.
1.3 – O ressentimento como fator de construção de identidade nacional O conceito de ressentimento foi primordial para a construção de algumas identidades nacionais do globo. Este apareceu pela primeira vez em Nietzsche (2003), significando um auto envenenamento da alma, algo como uma espécie de vingança imaginária que, não podendo se concretizar, criava raízes e o indivíduo ficava remoendo o sentimento. Nietzche associa essa incapacidade de realização da vingança à moralidade escrava, pois para o filósofo existiam homens que seriam livres por natureza e homens naturalmente escravos. Assim, os homens com a alma escrava que possuíam a alma ressentida criavam valores e por meio da transvaloração de valores estes adquiriam conotação positiva, em detrimento dos valores dos homens livres por natureza.
Scheler (2007) concorda com a definição de ressentimento adotada por Nietzsche, porém no ressentimento abordado pelo autor os seres humanos reprimem determinadas emoções e impulsos que são da própria natureza humana e essa repressão implica em uma tendência constante a enganar-se a si mesmo invertendo assim as hierarquias naturais dos valores. Vale salientar que o indivíduo ressentido sempre se compara a alguém em relação a quem ele se sente inferior, mas quando este se ressente, faz com que as duas partes envolvidas sejam vistas como iguais. A hipótese mais relevante de Scheler é que a sociedade moderna e o sistema de livre competição é o local mais propício para o surgimento do sentimento de ressentimento, visto que na sociedade moderna nenhum indivíduo está acima do outro, todos
19 No entanto, mesmo que tenhamos buscado construir, a partir do ressentimento, a identidade nacional brasileira ainda assim sofremos a influência de outras culturas, visto que não existem culturas puras, como é assinalado por Burke:
Somos todos “emprestadores” – mesmo quando fazemos parte de culturas “financiadoras”, como a francesa, a italiana, a norte-americana ou a chinesa. [...] A ideia de uma cultura “pura”, não contaminada por influências externas, é um mito. 6
Assim, nada pertence a um único lugar, tudo pode ser adaptado às necessidades de um grupo. Os empréstimos culturais são mais recorrentes do que pensamos, pois ideias e valores acabam migrando de um local para outro, sendo adaptados ao novo contexto em que estão inseridos. “Uma das riquezas da dinâmica cultural brasileira é justamente a capacidade de digerir criativamente o que vem de fora, reelaborá-lo e dar-lhe cunho próprio que o transforma em algo diferente e novo (Oliven,1989).” E essa capacidade de digerir criativamente o que vem de fora, ou seja, o sincretismo típico da identidade nacional do Brasil, foi o que o modernismo brasileiro fez para construir as bases de nossa identidade nacional, sendo esta capacidade um dos grandes lemas do modernismo brasileiro, com a Antropofagia de Oswald de Andrade.
Como demonstrado, a teoria acerca do ressentimento e da transvaloração de Greenfeld pode ser aplicada à questão da relação entre o modernismo e a construção da identidade nacional brasileira. Porém essa aplicação não se dá de maneira fácil, pelo fato de que a teoria foi desenvolvida para países com realidades bastante distintas da brasileira e para circunstâncias e épocas também distintas. No entanto, será empreendido o esforço de relacionar, direta ou indiretamente, os conceitos-chave da teoria de Greenfeld, tal como ressentimento, transvaloração de valores, nacionalismo e identidade nacional, em todos os capítulos da monografia, no intuito de demonstrar sua relevância no contexto de formação da identidade nacional brasileira.
(^6) BURKE, Peter. O que é história cultural? Tradução de Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
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2 - ANTECEDENTES
O surgimento de movimentos políticos e culturais nacionais está, indiscutivelmente, ligado aos acontecimentos do período que o antecede e por isso, é de fundamental importância caracterizar o contexto político e cultural do Brasil e do restante do mundo no período entre o fim do século XIX até a Semana da Arte Moderna de 1922 – (SAM) para compreender o movimento modernista brasileiro.
2.1 - Contexto mundial O início do século XX foi movimentado e conturbado para o mundo, marcado por mudanças de paradigmas no plano econômico, político e ideológico. Os acontecimentos foram de conflitos regionais até conflitos mundiais, como foi o caso I Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ademais, vivia-se o acelerado crescimento da industrialização, dos meios de produção e da urbanização.
No século XIX a Europa vivenciava um de seus períodos mais gloriosos, a Belle Époque , conhecida como época de ouro, marcada pelo progresso, otimismo e paz entre os países. Contudo, logo no início do século XX ocorreu a I Guerra Mundial, conflito que envolveu todos os países do globo, seja direta ou indiretamente, dando fim à Belle Époque. Assim, a Europa se viu na necessidade de destruir velhos paradigmas e criar novos, vista a condição de fragilidade em que se encontrava e o medo do futuro que batia à porta. Dentro desse contexto de guerra que gera pessimismo, crises econômicas e políticas e disputa entre países, ocorreram movimentos políticos como a Revolução Russa de 1917 e foram construídas as bases do fascismo italiano. O fascismo, inclusive, influenciou grandes nomes do modernismo brasileiro, como Plínio Salgado.
O nacionalismo ressurge com força nessa época marcada por tantas misérias, causadas principalmente pela guerra mundial. A arte foi uma das áreas que precisou se reinventar dentro do novo contexto e assim surgiram novas vanguardas europeias, com o objetivo de representar a industrialização, a urbanização e também as angústias e o espírito caótico e violento que se instalou na Europa. Dessa forma, alguns países europeus desenvolveram vanguardas, como o futurismo na Itália, o expressionismo na Alemanha, entre outros.
2.2 - Contexto Brasileiro O Brasil, de certa forma, também sofreu as consequências da I Guerra Mundial. Ademais passou por diversas mudanças, visto que era um País ainda muito dependente de