Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

A Espiritualidade da Guerra: Um Olhar por Além do Materialismo, Slides de Materiais

Este texto explora a compreensão espiritual de julius evola sobre o ascetismo e o valor espiritual da guerra. Ele desmonta os mitos modernos que questionam o caminho da realização espiritual através da guerra e apresenta a hierarquia de civilizações baseadas em elites espirituais. O autor examina a tradição heróica da guerra na idade média e a importância da sacralidade da guerra.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Boto92
Boto92 🇧🇷

4.6

(77)

223 documentos

1 / 25

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
METAFÍSICA DA GUERRA
Julius Evola
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19

Pré-visualização parcial do texto

Baixe A Espiritualidade da Guerra: Um Olhar por Além do Materialismo e outras Slides em PDF para Materiais, somente na Docsity!

METAFÍSICA DA GUERRA

Julius Evola

Introdução

Capítulo I - Das Formas do Heroísmo Guerreiro

Capítulo II – A Sacralidade da Guerra

Capítulo III – O Significado das Cruzadas

Capítulo IV – A Guerra Maior e a Guerra Menor

Capítulo V – Metafísica da Guerra

Esperamos que o leitor seja capaz de absorver toda a vasta influência de Evola, bem como seu profundo conhecimento e sua capacidade de síntese sem igual, maior até daquele que Evola considerava um de seus mestres - René Guénon.

Don Avadoro

Capítulo I - Das formas do heroísmo guerreiro

O princípio geral para o qual seria possível apelar para justificar a guerra sobre o plano humano é o “heroísmo”. A guerra, segundo este princípio, oferece ao homem a ocasião de acordar o herói adormecido em si. Ela rompe a rotina da vida cômoda e através das mais duras provas, favorece um conhecimento transcendente da vida em função da morte. O instante no qual o individuo deve comportar-se como um herói, seja ele o último da sua vida terrestre, pesa infinitamente mais na balança que toda a sua existência vivida monotonamente, na agitação inquieta das cidades. Isto é o que compensa, em termos espirituais, os aspectos negativos e destrutivos da guerra, aspectos que o materialismo pacifista coloca unilateral e tendenciosamente em destaque. A guerra, ao estabelecer e realizar a relatividade da vida humana, estabelece e realiza também o direito de algo “além da vida” – pois sempre tem sempre um valor anti-materialista e espiritual. Estas considerações têm um peso indiscutível e reduzem todas as demagogias do humanitarismo, os lamentos dos sentimentalistas e os protestos dos paladinos dos “imortais princípios” e da Internacional dos “heróis da pluma”. Contudo, é preciso reconhecer que para definir corretamente as condições pelas quais a guerra se apresenta realmente como fenômeno espiritual, deve-se proceder a um exame posterior, para esboçar uma espécie de “fenomenologia da experiência guerreira” e distinguir as diferentes formas e hierarquizá-las, para dar toda a importância ao ponto absoluto que servirá de referência à experiência heróica.

Para isso, é preciso recorrer a uma doutrina que não tenha uma estrutura de construção filosófica particular e pessoal, mas que, a sua maneira, tenha uma referência de fato positiva e objetiva. Trata-se da doutrina quaternária de divisão histórica e hierárquica, como também da história atual como uma decadência retroativa de um a outro desses graus hierárquicos. A divisão quaternária, em todas as civilizações tradicionais - sem dúvida alguma - deu origem a quatro castas diferentes: servos, burgueses, aristocracia guerreira e líderes da autoridade espiritual. Neste ponto, não devemos entender por casta

predominante.

Isto é igualmente válido para a “guerra”. E é assim que vamos poder abordar positivamente a tarefa que nos propusemos no início deste ensaio: especificar os diversos significados que a morte e o combate heróico podem assumir. Conforme manifestada sob o signo de uma ou outra casta, a guerra adquire um aspecto diferente. Ou seja, dentro do ciclo da primeira casta, a guerra é justificável por motivos espirituais, é considerada uma via de realização sobrenatural e de imortalidade para o herói (tema da Guerra Santa). Nas aristocracias guerreiras, luta-se pela honra e por um princípio de lealdade, que se associa ao prazer da guerra pela guerra. Com a passagem do poder para as mãos da burguesia dá-se uma profunda transformação, o conceito de nação materializa-se e se democratiza; cria-se uma concepção anti-aristocrática e natural da pátria e o guerreiro dá lugar ao soldado e ao “cidadão”; que luta simplesmente para defender ou conquistar uma terra; com os guerreiros, quase sempre, fraudulentamente guiados por razões ou primazias de ordem econômica ou industrial. Por fim, onde o ultimo estado pode ser alcançado abertamente, é numa organização nas mãos de servos, expressada perfeitamente por Lênin: “A guerra entre nações é um jogo pueril, uma subserviência burguesa que não nos pertence. A verdadeira guerra, a nossa guerra, é a revolução mundial para destruição da burguesia, e o triunfo da classe proletária”.

Com isso esclarecido, é evidente que o “herói” pode ser um denominador comum que abarca as formas e significados mais variados. Morrer, sacrificar a vida, pode ser válido somente no plano técnico e coletivo, melhor dizendo, no plano hoje chamado brutalmente de “material humano”. É evidente que não é em tal plano que a guerra pode reivindicar um autêntico valor espiritual para o indivíduo, quando este se apresenta não como “material”, mas sim – à maneira romana – como personalidade. Isto não se realiza apenas quando há uma relação dupla entre meio e fim, mas também quando o individuo é um meio em relação à guerra e aos seus fins materiais, mas simultaneamente, quando a guerra, por sua vez, transforma-se num meio em relação ao individuo, oportunidade ou via cujo fim seja a sua realização espiritual, favorecida pela experiência heróica. Neste caso há síntese, energia e máxima eficácia.

Nesta ordem de idéias, e em função do que dissemos anteriormente, é evidente que todas as guerras não nos oferecem as mesmas possibilidades. E isto em função de analogias, absolutamente abstratas, embora positivamente ativas, segundo os caminhos, invisíveis para a maioria, que existe entre o caráter coletivo predominante nos diferentes ciclos de civilização e o elemento que corresponde a este caráter no todo da entidade humana. Se a era dos mercadores e servos é aquela na qual predominam as forças correspondentes às energias que definem no homem o elemento pré-pessoal, físico, instintivo, telúrico ou simplesmente orgânico-vital, na era dos guerreiros, na dos chefes espirituais são expressadas forças que correspondem respectivamente no homem ao caráter e à personalidade espiritualizada, realizada segundo o seu destino sobrenatural. De acordo com o que desenvolve o transcendente no indivíduo, é evidente que numa guerra, a maioria não pode mais que sentir coletivamente o despertar correspondente, mais ou menos, com a influência preponderante, ainda que dependa também das causas

que pesaram na declaração de tal guerra. Em função de cada caso, a experiência heróica conduz a diversos pontos e sobretudo a “três” formas.

No fundo, correspondem às três possibilidades de relação que podemos verificar pela casta guerreira e seu princípio em relação às outras articulações já examinadas. Pode-se verificar o estado normal de uma subordinação ao princípio espiritual, onde o heroísmo como desencadeamento conduz à supra vida e à supra personalidade. Mas o princípio guerreiro pode ser um fim em si mesmo, rejeitando admitir aquilo que há de superior nele, neste caso a experiência heróica dá lugar a um tipo “trágico”, arrogante e temperado como o aço, mas sem luz. A personalidade permanece – está inclusive reforçada – como lhe ordena o limite do seu lado naturalista e humano. Este tipo de herói sempre oferece certa garantia de grandeza e naturalmente, para os tipos hierarquicamente inferiores, “burgueses” ou “servos”, este heroísmo e esta guerra significa superação, elevação e realização. O terceiro caso se refere ao princípio guerreiro degenerado, ao serviço de elementos hierarquicamente inferiores (última casta). Aqui a experiência heróica se associa quase fatalmente a uma evocação, um desencadeamento de forças instintivas, pessoais, coletivistas, irracionais, provocando finalmente uma lesão e uma regressão na personalidade do indivíduo, o qual, rebaixado a tal nível, está condicionado a viver a situação da forma passiva ou sob a sugestão de mitos e impulsos passionais. Por exemplo, os romances de Eric Maria Remarque não refletem mais que uma possibilidade deste gênero: pessoas levadas à guerra por falsos idealismos e que constatam que a realidade é diferente. Não são desertores nem covardes, mas no meio de terríveis provas, são sustentados exclusivamente por forças elementares, impulsos instintivos, reações meramente humanas, sem conhecer um só instante de luz. 3

Para preparar uma guerra no plano material mas também no espiritual, é preciso ver tudo isso de forma clara e firme, para que as almas e energias possam ser orientadas até a solução mais elevada, a única que convém às idéias tradicionais.

Logo seria preciso espiritualizar o princípio guerreiro. O ponto de partida poderia ser o desenvolvimento virtual de uma experiência heróica, no sentido da mais elevada das três possibilidades que analisamos.

Mostrar como esta possibilidade mais elevada, mais espiritual, foi plenamente vivida nas grandes civilizações que nos precederam, ilustrando assim o seu aspecto constante e universal, é algo que não depende da simples erudição. È precisamente o que nos propomos fazer a partir das tradições inerentes à romanidade antiga e medieval.

(^3) Cf. J. Evola: “Dal ‘Nulla di nuovo sul fronte ocidentale’ al Ritorno’”, in La vita italiana, novembro de 1931.

declaração até a sua conclusão. No geral, é certo que um dos princípios da arte militar romana era evitar travar batalhas antes que os signos místicos tivessem, por assim dizer, indicado o “momento”.

Com as deformações e preconceitos da educação moderna não se quererá ver nisto mais que uma super estrutura extrínseca feita à base de superstições. Quanto aos mais benévolos, não será nada mais que um fatalismo extravagante. Mas não era nem uma coisa nem outra. A essência da arte de adivinhação praticada pelo patriciado romano, assim como outras disciplinas análogas de caráter mais ou menos idêntico no ciclo das grandes civilizações indo-européias, não era descobrir o “destino” na base de uma supersticiosa passividade. Pelo contrario, era descobrir antecipadamente os pontos de conjugação com influências invisíveis, para concentrar as forças dos homens e torná-las mais poderosas, de multiplicá-las e as induzir a atuar sobre um plano superior, com o fim de varrer - quando a concordância era perfeita - todos os obstáculos e resistências no plano material e espiritual. É difícil pois, a partir disso, duvidar do valor romano, a ascese romana de potência não era só na sua contrapartida espiritual e sacra, instrumento da grandeza militar e temporal, mas também num contacto e uma união com as forças superiores.

Se fosse oportuno, poderíamos citar farta documentação para fundamentar esta tese. No entanto, nos limitaremos a recordar que a cerimônia do triunfo tinha em Roma um caráter muito mais religioso que laico-militar, e numerosos elementos permitem deduzir que o Romano atribuía a vitoria dos seus “duces” mais a uma força transcendente, que se manifestava real e eficazmente através deles, no seu heroísmo e inclusive por meio do seu sacrifício (como no rito da “devotio” no qual os chefes se imolavam), que a suas qualidades simplesmente humanas. Desta forma, o vencedor, revestindo as insígnias do Deus capitolino supremo, se identificava com ele, era sua imagem, e depositava nas mãos deste Deus, os louros da sua vitória, em homenagem ao verdadeiro vencedor.

No fundo, uma das origens da apoteose imperial, era o sentimento que debaixo da aparência do Imperador se escondia um “numen” imortal, incontestavelmente derivado da experiência guerreira: O “Imperatore”, originariamente era o chefe militar aclamado sobre o campo de batalha, no momento da vitória, mas nesse instante aparecia também como transfigurado por uma força vinda do alto, terrível e maravilhosa que dava a impressão do “numen”. Esta concepção, por outro lado, não é exclusivamente romana, encontra-se em toda a antiguidade clássico-mediterrânea e não se limitava aos generais vencedores, estendia-se aos campeões olímpicos e aos sobreviventes dos combates sangrentos do circo. Na Grécia, o mito dos Heróis confunde-se com as doutrinas místicas, como o orfismo, e identifica o guerreiro vencedor como o iniciado, vencedor da morte. Testemunhos precisos sobre um heroísmo e um valor que emanavam, mais ou menos conscientemente, das vias espirituais, abençoados não só pelas conquistas materiais e gloriosas, mas também pelo seu aspecto de evocação ritual e de conquista espiritual.

Passemos a outros testemunhos desta tradição que, pela sua natureza é metafísica e, como conseqüência, o elemento “raça” não pode ter mais que uma parte secundária e

contingente. Portanto, mais adiante, trataremos da “Guerra Santa” praticada no mundo guerreiro do Sacro Império Romano-Germânico. Esta civilização apresentava-se como um ponto de confluência criadora de vários elementos: um romano, um cristão e um nórdico.

Com relação ao primeiro elemento, já fizemos alusão a ele no contexto que nos interessa. O elemento cristão se manifestara sob as características de um heroísmo cavalheiresco supranacional com as cruzadas. Nos sobra o elemento nórdico. Para que ninguém se espante, assinalamos que se trata de um caráter essencialmente supra-racial, incapaz de valorizar ou denegrir um povo em relação a outro. Para fazer alusão a um plano no qual nos auto excluímos, de momento nos limitaremos a dizer que nas evocações nórdicas, mais ou menos frenéticas celebradas hoje em dia “ad usum delphini” na Alemanha nazista, por surpreendente que possa parecer, se assiste a uma deformação e a uma depreciação das autênticas tradições nórdicas tal como foram originariamente e tal como se perpetuaram nos Príncipes que tinham por grande honra o poder de se denominarem “romanos” ainda que fosse de raça teutônica. Pelo contrário, para numerosos escritores “racistas” de hoje, “nórdico” não significa nada além de “anti-romano” e “romano” tem mais ou menos um significado equivalente a “judeu”.

Portanto, é interessante reproduzir uma significativa forma guerreira da tradição celta: “combatei por vossa terra e aceitai a morte se for preciso: pois a morte é uma vitória e uma liberação da alma”. Este conceito corresponde, em nossas tradições clássicas, à expressão “mors triumphalis”. Quanto à tradição realmente nórdica, ninguém ignora a parte do Walhalla, reino imortal reservado, não apenas aos “homens livres” de fonte divina, mas também aos Heróis mortos no campo de honra (Walhalla significa literalmente “o reino dos eleitos”). O Senhor deste lugar simbólico é Odin-Wotan, conforme descrito na Ynglingasaga, como aquele que, pelo seu sacrifício simbólico na “árvore do mundo”, indicou aos Heróis um modo de esperar o descanso divino, um lugar em que se vive eternamente sobre um cume luminoso e resplandecente, além das nuvens. Segundo esta tradição, nenhum sacrifício, nenhum culto, é tão grato a Deus, nem mais rico em recompensa no outro mundo, como aquele realizado pelo guerreiro que combate e morre na luta. Além do mais: o exército dos heróis mortos em combate deve reforçar a falange dos “heróis celestes” que lutam contra o ragna-rökkr, ou seja, contra o destino do “obscurecimento do divino” que, segundo os ensinamentos, como no caso dos clássicos gregos, (Hesíodo) está sobre o mundo desde as eras mais remotas.

Encontramos este tema sobre formas diferentes nas lendas medievais que concernem à “última batalha” que livrará o Imperador imortal. Neste ponto, para perceber o elemento universal, temos que trazer à luz a concordância de antigos conceitos nórdicos (que, diga- se de passagem, Wagner desfigurou com o seu romantismo empolgado, confuso e teutônico) com as antigas concepções iranianas e persas. Alguns se surpreenderão ao saber que as famosas Walkirias não são quem escolhe as almas dos guerreiros destinados ao Walhalla, mas sim a personificação da parte transcendente destes guerreiros, que tem como equivalentes exatas as fravashi, que na tradição persa são representadas como mulheres de luz e virgens arrebatadas das batalhas. Personificam mais ou menos as forças sobrenaturais em que as forças humanas dos guerreiros ”fiéis

Capítulo III - O Significado das Cruzadas

Trataremos outra vez das formas da tradição heróica que permitem à guerra assumir o valor de um caminho de realização espiritual, no sentido mais rigoroso do termo, e também de uma justificação e de finalidade transcendental. Já falamos das concepções que, sob este ponto de vista, foram as do antigo mundo romano. Depois olhamos as tradições nórdicas e o caráter imortal de toda a morte realmente heróica no campo de batalha. Referimo-nos necessariamente a estas concepções para chegar ao mundo medieval, à Idade Média como civilização resultante da síntese de três elementos: primeiro romano, depois o nórdico e finalmente o cristão.

Examinaremos agora o ideal de sacralidade da guerra, tal como foi concebido e cultivado ao longo da Idade Média. Evidentemente devemos nos referir às Cruzadas, presos ao seu significado mais profundo, sem as reduzi-las aos determinismos econômicos e étnicos, como os historiadores materialistas, e muito menos reduzi-las a um fenômeno de superstição e de exaltação religiosa, como desejam os espíritos “evoluídos”, enfim, nem mesmo a um fenômeno simplesmente cristão. Sobre este último ponto não devemos

perder de vista a relação estreita entre meio e fim. Diz-se que nas Cruzadas a fé cristã se serviu do espírito heróico da cavalaria ocidental. É precisamente o contrário que é verdadeiro. A fé cristã e seus fins relativos e contingentes de luta religiosa contra o “infiel”, da “Libertação do Templo” e da “Terra Santa”, não foram mais que os meios que permitiram a manifestação do espírito heróico, de se afirmar e de se realizar numa espécie de ascese, distinto da contemplação, mas não menos rica em frutos espirituais. A maioria dos cavaleiros que entregaram suas forças deram o sangue pela “guerra santa” não tinham mais que uma idéia e um vago conhecimento teológico sobre a doutrina pela qual combatiam.

Entretanto, o contexto das Cruzadas era rico em elementos susceptíveis para fornecer um significado simbólico, espiritual e superior. Através das vias do subconsciente, os mitos transcendentais refloresciam na alma da cavalaria ocidental: a conquista da “Terra Santa”, situada “além dos mares”, apresenta infinitamente mais referências reais que poderiam supor os historiadores com a antiga saga segundo a qual “no longínquo Oriente onde nasce o sol, se encontra a cidade sagrada onde a morte não reina, mas onde os valorosos heróis que sabem esperá-la gozam de uma celestial serenidade e de uma vida eterna”. Por outro lado, a luta contra o Islam revestiu, por sua natureza, desde o princípio, o significado de uma luta ascética. “Não se trata de combater pelos reinos da terra – escreveu Kluger, célebre historiador das Cruzadas – mas pelo reino dos céus; as Cruzadas não eram do domínio dos homens, mas sim de Deus – por isso não as podemos considerar semelhantes a outros acontecimentos humanos”. A guerra santa devia, segundo a expressão de um antigo cronista, comparar-se “com o batismo semelhante ao fogo do purgatório antes da morte”. Os papas e os pregadores comparavam simbolicamente aqueles que morriam nas cruzadas com o “ouro três vezes ensaiado e sete vezes purificado pelo fogo” e que podia conduzir ao Deus Supremo. “Não esqueçais jamais este oráculo – escreveu São Bernardo – quer vivamos, quer morramos, ao Senhor pertencemos. Que Glória para vós sair da batalha cobertos de louros. Mas que alegria maior para vós, de ganhar sobre o campo de batalha uma coroa imortal … oh, condição afortunada! Poder enfrentar a morte sem temor, mesmo desejá-la com impaciência, e recebê-la com de coração firme”. A glória absoluta estava prometida ao cruzado – glória asolue - em provençal – pois, à parte da imagem religiosa lhe oferecia a conquista da supra vida, do estado sobrenatural da existência. Assim, Jerusalém, fim cobiçado da conquista, apresentava-se sob o duplo aspecto, duma cidade terrestre e duma cidade simbólica, a Cruzada tomava um valor interior, independente de todos os seus aparatos, seus suportes e suas motivações aparentes.

Afinal, foram as ordens da Cavalaria quem ofereceram o maior tributo às Cruzadas, com a Ordem do Templo e a dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, compostas por homens que, como o monge ou asceta cristão “aprenderam a desprezar a vaidade desta vida; em tais ordens encontravam-se guerreiros fatigados pelo mundo, que tudo tinham visto e tudo tinham provado”, prontos a uma ação total e que não sustentavam mais nenhum interesse pela vida material e temporal nem pela política ordinária, no sentido mais estrito. Urbano II dirigia-se à cavalaria como à comunidade supranacional daqueles “dispostos a partir até onde rebentasse uma guerra, a fim de levar o terror das suas armas para defender a

humano. Associava-se também a uma união baseada, não sobre o particular, mas sobre o universal. E isto significa um valor, um ponto de referência inabalável.

Naturalmente não se deve confundir nem pensar que a motivação transcendente possa ser uma desculpa para tornar o guerreiro indiferente, para torná-lo negligente aos deveres inerentes à sua fidelidade a uma raça e a uma pátria. Não é bem assim. Pelo contrário, trata-se essencialmente de significados profundamente diferentes, segundo os quais ações e sacrifícios podem ser vencidos, embora observados do exterior, possam parecer absolutamente os mesmos. Existe uma diferença radical entre quem faz simplesmente a guerra, e quem pelo contrário, na guerra faz também a “guerra santa” e vive uma experiência superior, desejada e desejável para o espírito.

É preciso acrescentar que, se esta diferença é, antes de tudo interior e sob o impulso de tudo o que interiormente tem uma força, traduz-se também no exterior, provocando efeitos sobre outros planos e particularmente nos seguintes termos: antes de tudo, termos uma “irredutibilidade” do impulso heróico: quem vive espiritualmente o heroísmo está carregado de uma tensão metafísica, animado por um estimulo cujo objetivo é “infinito”, e superará sempre aquilo que anima quem combate por necessidade, por oficio ou sob impulsos naturais ou sugestões.

Em segundo lugar, quem combate numa “guerra santa” situa-se espontaneamente além de todo o particularismo, vive num clima espiritual que, num determinado momento, pode muito bem dar origem a uma unidade supranacional dentro da ação. É justamente isso que ocorreu nas Cruzadas, quando príncipes e chefes de todos os países se uniram para a expedição heróica e santa, para além dos seus interesses particulares e utilitários e das divisões políticas, realizando pela primeira vez uma grande unidade européia conforme a sua civilização comum e ao próprio princípio do Sacro Império Romano-Germânico.

Se soubermos abandonar o “pretexto”, se soubermos isolar o essencial do contingente, encontraremos um elemento precioso que não se limita a um período histórico determinado. Conseguir conduzir a ação heróica sobre um plano “ascético”, justificá-la também em função desse plano, significa desimpedir o caminho para uma nova e possível unidade de civilização. Isto também significa separar todo o antagonismo condicionado pela matéria, preparar o espaço das grandes distâncias e as amplas frentes, para dimensionar, pouco a pouco, os objetivos externos da ação em seu novo significado espiritual: tal como se verifica quando não é só por um país ou por ambições temporais que se combate, mas em nome de um princípio superior de civilização, de uma tentativa que por ser metafísica nos faz ir adiante, além de todo limite, além de todos os perigos e além de qualquer destruição.

Capítulo IV – A Guerra Maior e a Guerra Menor

Não devemos estranhas, após o exame dum conjunto de tradições ocidentais relativas à guerra santa, quer dizer, à guerra com valor espiritual, nos propomos agora examinar este conceito conforme foi formulado pela tradição islâmica. Com efeito, nosso objetivo, como já o sublinhamos muitas vezes, é de pôr em relevo o valor objetivo de um princípio, pela demonstração da sua universalidade, da sua conformidade ao quod ubique, quo ab omnibus e quod semper. Somente assim, podemos ter a sensação que certos valores têm uma conotação absolutamente diferente do que podem pensar uns e outros, mas também, na sua essência, eles são superiores às formas particulares que assumiram para se manifestar nas duas tradições históricas. Quanto mais reconhecermos a correspondência interna das formas, e seu princípio único, mais aprofundaremos na própria tradição, até a intuir integralmente e a compreender partindo de seu ponto original e metafísico.

Historicamente, devemos sublinhar que a tradição islâmica, na parte que nos interessa neste ensaio, é de certa forma herança da tradição persa, uma das mais altas civilizações indo-européias. A concepção mazdeísta original da religião como milícia sob o signo do “Deus de Luz” e da existência na terra como uma luta incessante para arrancar seres e coisas de um poder anti-Deus, é o centro da visão persa sobre vida. Deve-se considerar esta visão como a contrapartida metafísica e o fundo espiritual das lides guerreiras, cujo apogeu foi a edificação do império persa do “Rei dos reis”. Depois da queda da grandeza

vencido, precisamente no momento exato de vencer o inimigo exterior. Isto mostra que o ponto decisivo é constituído pela orientação interior, a permanência inabalável que é o espírito na dupla luta: - sem precipitação cega, nem transformação em brutos incorrigíveis, mas pelo contrário, com o total domínio das forças mais profundas, controle para nunca ser ludibriado interiormente, mas ficar sempre senhor de si mesmo, e este domínio permite de se afirmar acima de qualquer limite.

Mais à frente abordaremos uma outra tradição, onde esta situação é representada por um símbolo muito característico: - um guerreiro e um ser divino impassível, que sem combater, sustenta e conduz o soldado, ao lado do qual ele se encontra, e estão no mesmo carro de combate. É a personificação da dualidade dos princípios do verdadeiro herói, cujas emanações têm sempre qualquer coisa de sagrado, e do qual ele é portador.

Na tradição islâmica, podemos ler num dos textos mais importantes: “Combatei no caminho de Deus (quer dizer na guerra santa), aquele que sacrifica o caminho terrestre por aquele do além: pois aquele que combate no caminho de Deus e é morto, ou vencedor, nós daremos uma imensa recompensa”. A premissa metafísica segundo a qual é dito: “combatei segundo a guerra santa aqueles que vos fazem a guerra”. “ Matai-os onde quer que os encontreis e esmagai-os. Não vos mostreis fracos nem os convideis à paz” pois “a vida terrestre é somente um jogo e um passatempo”, e “ quem se mostra avarento, só é avarento consigo mesmo”. Este ultimo principio é evidentemente relacionado com o fac-simile do evangelho: quem quer salvar sua própria vida a perderá, e quem a perde, a vive realmente”, confirmado por esta outra passagem: “E a vós que credes, quando vos for dito: ‘vinde à batalha, pela guerra santa’ vós ficastes imóveis? Vós preferistes a vida deste mundo à vida futura”, porque “ vós esperais de nós uma coisa, recompensa e não os dois supremos, vitória ou sacrifício?”.

Esta outra passagem é digna de atenção: “a guerra vos foi ordenada, embora vos desagrade. Mas, qualquer coisa que seja boa para vós pode vos desagradar, e agradar- vos aquilo que é mau para vós: Deus, disse, então vós nada sabeis”, que é muito próximo de “eles preferem ficar entre aqueles que sobram: uma marca é gravada em seus corações, assim eles não o compreendem. Mas o apóstolo e aqueles que crêem com ele e combatem com aquilo que têm e com a sua própria pessoa, a eles a recompensa – e serão eles que prosperam – na grande felicidade.”

Aqui temos uma espécie de amor fati, uma intuição misteriosa, uma evocação e cumprimento heróico do destino, dentro da intima certeza que, quando existe a “intenção justa”, quando a inércia e a covardia são vencidas, o estimulo vai além da própria vida e da vida dos outros, além da felicidade e da aflição, guiado no sentido de um destino espiritual e duma sede de existência absoluta, dando então nascimento a uma força que não falhará o objetivo absoluto. A crise de uma morte trágica e heróica passa a contingência sem interesse e que, em termos religiosos, é assim expressada: “Aqueles que forem mortos no caminho de Deus (aqueles que morrem em combate na guerra santa), a sua realização não será perdida. Deus os guiará e disporá de suas almas. Ele os fará entrar no paraíso que lhes revelou.”

Então o leitor se encontra envolvido por idéias elevadas e que são baseadas nas tradições clássicas e nórdico-medievais, no que se refere a uma imortalidade privilegiada e reservada aos heróis, os únicos que, segundo Hesíodo, habitam as ilhas simbólicas e onde levam uma existência luminosa e inatingível, à semelhança daqueles do Olímpio. Na tradição islâmica, encontram-se freqüentes alusões ao fato que certos guerreiros, mortos na “guerra santa”, na verdade nunca morreram, dissertação somente simbólica, e muito menos a criticar certos estados sobrenaturais, separados das energias e destinos dos vivos. Não é possível entrar neste campo, que é muito misterioso e que exige referências que não interessam à natureza deste estudo.

Na verdade, hoje em dia, e justamente na Itália, os rituais encontram uma força singular, pela qual uma comunidade guerreira declara “presente” os camaradas mortos no campo de honra. Parte de uma idéia que tudo que contem um processo evolutivo, e nos nossos dias, dotado de um caráter alegórico e de máximo de ética, tem na sua origem um valor de realidade (e todo o ritual é ação e não simples cerimônia), deve-se pensar que os rituais guerreiros atuais possam ser matéria de meditação e aproximação do mistério contido nos ensinamentos que acabamos de falar: a idéia que os heróis não estão verdadeiramente mortos, ou como aqueles vencedores que, à imagem do César romano, permanecem “vencedores perpétuos” no centro de uma linhagem.