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Análise da Força de Trabalho Médica no Brasil: Escassez, Crescimento e Desigualdades, Notas de estudo de Medicina

Uma análise do mercado de trabalho médico no brasil, que combina um aquecimento da demanda por serviços de saúde, escassez de profissionais médicos e má-distribuição geográfica e funcional de profissionais. O texto discute as importâncias da força de trabalho médica na prestação de serviços de saúde no país, as regulamentações de profissões de saúde e os traços distintivos da força de trabalho em saúde. Os dados apontam para um crescimento do número de médicos no brasil durante a década de 2000, superior ao observado para o total da força de trabalho na economia, mas inferior ao crescimento do macrossetor saúde, indicando um déficit na oferta de médicos frente à demanda. Além disso, o desemprego de médicos é quase inexistente e os salários médios de médicos praticados no mercado formal seguiram a tendência de dinamismo.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Belo Horizonte, Novembro 2013
MERCADO DE TRABALHO MÉDICO
ESCASSEZ E DESIGUALDADES
NA DISTRIBUIÇÃO DA FORÇA DE
TRABALHO NO BRASIL
Versão online
Organizadores
Sabado Nicolau Girardi
Cristiana Leite Carvalho
Jackson Freire Araújo
Lucas Wan Der Maas
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Belo Horizonte, Novembro 2013

MERCADO DE TRABALHO MÉDICO

ESCASSEZ E DESIGUALDADES

NA DISTRIBUIÇÃO DA FORÇA DE

TRABALHO NO BRASIL

Versão online

Organizadores

Sabado Nicolau Girardi

Cristiana Leite Carvalho

Jackson Freire Araújo

Lucas Wan Der Maas

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Reitor: Clélio Campolina Diniz

FACULDADE DE MEDICINA Diretor: Francisco José Penna

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA Coordenador: Francisco Eduardo de Campos

ESTAÇÃO DE PESQUISA DE SINAIS DE MERCADO Observatório de Recursos Humanos em Saúde do NESCON/ FM / UFMG Coordenador: Sabado Nicolau Girardi

Lista de Tabelas e Quadros

Tabela 1 – Brasil, 2000 e 2010: Distribuição do nº de ocupados em saúde*, discriminados por ocupações de saúde e não saúde. ................................................................................................. 29

Tabela 2 – Número de médicos no Brasil, circa 2012. ............................................................... 31

Tabela 3 – Postos de trabalho de médicos no Brasil, circa 2012. ............................................... 33

Tabela 4 – Brasil, 2010: Nº de médicos economicamente ativos e razão por 1.000 hab. por região e diferença absoluta em relação à razão geral do Brasil, Canadá e Reino Unido. ........... 36

Tabela 5 - Número, razão por 1.000 habitantes e evolução da população médica economicamente ativa*, segundo região e UF. Brasil, 2000 e 2010. .......................................... 38

Tabela 6 - Brasil, dez. 2010: Nº de especialistas em estabelecimentos de saúde, total e ajustado por FTE, e a razão por 100 mil habitantes, por especialidade. .................................................... 41

Tabela 7 – Brasil, 2010. Número de e proporção de especialistas em estabelecimentos de saúde*, por região. ...................................................................................................................... 45

Tabela 8 - Evolução do número de cursos de medicina, vagas, inscritos no vestibular, ingressos, matriculados e egressos – Brasil, 1991 a 2011............................................................................ 48

Tabela 9 – Brasil, 1991 a 2011: Evolução do percentual de não preenchimento de vagas, segundo profissões de saúde selecionadas. ................................................................................. 51

Tabela 10 – Brasil, 2000 e 2010. Número, evolução e razão por 1.000 habitantes de vagas de Medicina, e evolução da população segundo região e UF. ......................................................... 55

Tabela 11 – Brasil 2000 e 2010: Número de vagas e de egressos de Medicina por região, natureza jurídica da Instituição de Ensino. .................................................................................. 56

Tabela 12 – Distribuição do número de médicos* por condição de atividade e ocupação na semana de referência - Brasil, 2010. ........................................................................................... 59

Tabela 13 – Número de médicos ocupados por posição na ocupação do trabalho principal - Brasil, 2000 e 2010. .................................................................................................................... 61

Tabela 14 – Brasil, 1993 a 2011: Total de admissões, desligamentos, saldo de admissões e desligamentos e vínculos ativos em 31/12 de médicos, por ano. ................................................ 62

Tabela 15 – Brasil, 1993/94 a 2010/11: Razão entre o número de admissões por 1º emprego no ano e de egressos de medicina no ano anterior. .......................................................................... 64

Tabela 16 – Brasil, 2002 – 2011. Remuneração média, desvio padrão e incremento bruto anual da remuneração média, em Reais, das admissões por primeiro emprego e dos estoques de vínculos ativos de médicos, em 31/12, por ano. .......................................................................... 68

Tabela 17 – Brasil, 2012: Informações gerais sobre rotatividade, existência de posto vago e dificuldade de contratação de médicos na ESF, por região. ........................................................ 72

Tabela 18 – Brasil, 2012: Informações sobre dificuldade de contratação de médicos especialistas em hospitais privados - Brasil. .................................................................................................... 74

Lista de Figuras

Figura 1 – Representação da força de trabalho em relação à população total ...... Erro! Indicador não definido.

Figura 2 – Brasil, 2010: Força de trabalho em saúde no Brasil. ................................................. 30

Figura 3 – Brasil, 2000 e 2010: Composição etária e de sexo da população médica*. ............... 34

Figura 4 – Brasil, 2010: Razão por 1.000 hab. da população médica economicamente ativa por UF e comparação com razão geral do Brasil, Canadá e Reino Unido. ....................................... 36

Figura 5 – Brasil, dez. 2010: Proporção de especialistas em estabelecimentos de saúde, total e ajustado por FTE, por grupo de especialidade. ........................................................................... 43

Figura 6 – Brasil, 1991 a 2011: Evolução do número de vagas e ingressos e percentual de não preenchimento de vagas de Medicina. ........................................................................................ 49

Figura 7 – Brasil, 1991 a 2011: Evolução do percentual de não preenchimento de vagas, segundo profissões de saúde selecionadas. ................................................................................. 50

Figura 8 – Brasil, 1991/96 – 2006/11: Evolução de ingressos e egressos de Medicina e Taxa de Eficiência Terminal dos cursos. .................................................................................................. 53

Figura 9 – Brasil, 1994/93 a 2011/10: Evolução da razão entre admissões por 1º emprego e dos egressos da graduação no ano anterior de profissões de saúde selecionadas. ............................. 66

Figura 10 – Brasil, 2001/02 – 2010/11. Admissões por 1º emprego e incremento do salário real* de médicos no mercado formal no ano e egressos no ano anterior. ............................................ 69

Figura 11 – Brasil, 1999 a 2011: Evolução do salário médio real* praticado no mercado formal, segundo profissões de saúde selecionadas. ................................................................................. 70

Figura 12 – Brasil, 2012: Proporção de municípios segundo razões atribuídas à dificuldade de contratação de médicos na ESF. .................................................................................................. 72

Figura 13 – Brasil, 2012: Estratégias utilizadas pelos gestores municipais para fixação de médicos na ESF. .......................................................................................................................... 72

Figura 14 – Equação compensatória. .......................................................................................... 94

Figura 15 – Brasil 2015 a 2030: Profissionais médicos segundo grupos quinquenais de idade entre 20 a 69 anos e sexo - Cenário tendencial. ........................................................................ 102

Sumário

Introdução

A presente publicação reúne um extenso conjunto de evidências do lado da oferta, da demanda e da operação e regulação do mercado de trabalho dos médicos no Brasil dos anos mais recentes, entre o inicio dos 2000 e os dias de hoje. Evidências de desequilíbrios entre a oferta e demanda de médicos - situações de escassez e sobre- oferta de força de trabalho são discutidas assim como as desigualdades na distribuição territorial-geográfica e entre especialidades. Realizamos também um exercício prospectivo sobre a oferta futura de médicos com previsões para a próxima década até

Demonstra-se que o mercado de trabalho médico no Brasil apresenta uma configuração perversa que combina: (i) aquecimento da demanda por força de trabalho e emprego médico nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (serviços públicos, contratados e conveniados) e na saúde suplementar; (ii) sinais de número insuficiente – escassez - de profissionais médicos para atender às crescentes demandas na atenção primária, mas também em diversas especialidades; e (iii) má-distribuição geográfica (territorial) e funcional (entre especialidades) de profissionais médicos. Em geral, exige a interpretação de um extenso conjunto de dados. Felizmente, existem muitas informações disponíveis no Brasil, tanto no que diz respeito a registros administrativos que notificam os postos de trabalho de médicos, assim como pesquisas diretas, de teor quantitativo ou qualitativo. Nenhuma fonte de informação está isenta de limitações e críticas, razão pela qual são usadas concomitantemente. Igualmente complexo é o desafio político desse tipo de análise. A importância e centralidade da força de trabalho médica na prestação de serviços de saúde no país, frequentemente levam a usos equivocados das estatísticas para justificar, por um lado, que o número de médicos é suficiente ou mesmo superior ao necessário e, por outro lado, que há falta de profissionais no mercado. Entre os que defendem a ausência de escassez, frequentemente são utilizados como argumento a forte expansão das vagas de graduação em medicina na última década e os desequilíbrios na distribuição geográfica de médicos, como se o fato de estarem concentrados em determinadas regiões fosse sinônimo de excesso. No entanto, sem lançar mão de um parâmetro para o número ideal de médicos esta argumentação perde efeito. Além disso, a observação de sinais clássicos

das análises econômica e sociológica do mercado de trabalho mostra que a tendência dos últimos anos é de melhoria das condições de trabalho e de aumento da dificuldade de contratação desses profissionais. Em outras palavras, ainda que mal distribuída e em expansão, a força de trabalho médica tem encontrado um mercado de trabalho favorável à sua inserção. Para discutir a hipótese de que o mercado de trabalho médico está “aquecido”, lançaremos mão de sinais clássicos para compreender a estrutura e dinâmica recentes da força de trabalho em questão. Primeiramente, pelo lado da estrutura, analisa-se sua composição demográfica, distribuição geográfica e condições de atividade, buscando identificar quantos médicos estão disponíveis para o trabalho e como sua conformação poderá afetar a demanda futura por profissionais. Pelo lado da dinâmica, apresentam-se as tendências da oferta de novos médicos provenientes dos cursos de medicina e o comportamento do emprego formal da categoria, com o objetivo de entender a absorção dessa mão de obra no mercado.

1. Aspectos conceituais e metodológicos

1.1. A Força de Trabalho em Saúde

O conceito de “força de trabalho”, creditado a autores clássicos da economia política, é comumente utilizado para se referir ao conjunto de pessoas ligadas direta ou indiretamente a atividades econômicas em um determinado período. A definição moderna do termo é ao mesmo tempo conceitual e analítica e se constitui um consenso entre os principais autores que conceituaram a força de trabalho em saúde desde os anos oitenta. Tal definição é notadamente referida por um indicador, a População Economicamente Ativa (PEA) (Médici et. al. , 1991; 1992, Girardi, 1991). A força de trabalho geral, portanto, corresponde à PEA, definida pelo somatório entre ocupados e desocupados. Definem-se como ocupadas aquelas pessoas que em um período de referência, geralmente uma semana, encontram-se efetivamente trabalhando em atividades econômicas, recebendo ou não remuneração como contrapartida do trabalho. Já como desocupadas, consideram-se aquelas que, não estando ocupadas no período de referência, e estando disponíveis, procuraram por um trabalho^1 (Januzzi, 2004). De forma análoga, a força de trabalho em saúde corresponde àqueles que se inserem direta ou indiretamente na prestação de serviços e atividades de saúde, isto é, aqueles que em um período de referência estavam ocupados prestando serviços de saúde ou procurando trabalho no setor (Nogueira, 1986; Médici et. al. , 1991; 1992). A Figura 1 esquematiza os conceitos aqui apresentados, permitindo não só compreender o que se definiu como força de trabalho em saúde, como também identificar sua posição em relação ao total da população, representada pelo círculo maior. Excluindo-se a população com idade entre zero e nove anos, temos a População em Idade Ativa (PIA), na linha tracejada. Desta última derivamos, na linha pontilhada, a PEA total, composta por ocupados e desocupados. O círculo menor, duplamente traçado, corresponde ao conjunto de pessoas ocupadas em serviços de saúde ou procurando trabalho no setor. Nota-se que a PEA saúde segue a mesma noção da PEA total e, ao mesmo tempo, está inserida nessa última.

(^1) As pessoas não ocupadas e que não procuraram por trabalho no período de referência, desde que em

Figura 1 – Representação da força de trabalho em relação à população total

A noção da contagem de pessoas que direta ou indiretamente realizam serviços e atividades de saúde per se é limitada, é preciso destacar que aí se incluem todos aqueles que possuem ou não formação ou capacitação na área, bem como aqueles cujas atividades são realizadas ou não em estabelecimentos de saúde. A composição do setor, portanto, não se restringe aos trabalhadores e locais de trabalho ditos de saúde s tricto sensu , avançando para os limites de outros setores da economia e ocupações. Isso significa que a força de trabalho em saúde não está isolada, uma vez que estabelece relações de complementaridade e concorrência com o mercado de trabalho em geral (Girardi, 1986; Médici et. al. , 1991; 1992). Elucidando esse ponto, é necessário diferenciar as profissões e ocupações de saúde com relação aos demais trabalhadores do setor. As profissões e ocupações de saúde se caracterizam por deter formação ou capacitação prática ou acadêmica específica para o trabalho em saúde. Entre as profissões e ocupações de saúde distinguem-se as ocupações regulamentadas das não regulamentadas, sendo que as

definição é o vínculo de trabalho no setor, não importando a formação ou capacitação do indivíduo. Mas aqui também se aplica a distinção entre as ocupações não reguladas e as profissões regulamentadas, com prerrogativas de autorregulação ou não. Administradores, engenheiros e economistas, por exemplo, são considerados trabalhadores/profissionais do setor com prerrogativas de autorregulação, formação de nível superior e a natureza de sua ocupação não limita seu exercício aos serviços e atividades de saúde, podendo ser realizada em outros setores econômicos. O que se denomina como trabalhador de saúde ou de força de trabalho em saúde é a soma entre os profissionais e os outros trabalhadores de saúde (Médici et. al. , 1991; 1992). Além da composição, outro aspecto relevante que merece ser discutido sobre a força de trabalho em saúde se refere aos traços distintivos em relação ao mercado de trabalho geral, que estão mais ou menos relacionados (Girardi, 1999). O primeiro deles é que se trata de um setor constituído por atividades eminentemente intensivas em mão-de-obra , a despeito do ritmo acelerado com que novas tecnologias são introduzidas à prática e aos processos de trabalho do setor. Isso significa que o incremento e ou inovação de tecnologias não elimina a necessidade de trabalho. Ao contrário, diferentemente do que se observa em outros setores econômicos, tal incremento costuma exigir novas qualificações e aumentar a demanda por trabalhadores. O segundo traço distintivo do setor é o alto nível de regulamentação das ocupações e profissões. No mesmo passo em que as atividades de saúde são intensivas em mão-de-obra são também atividades que de uma maneira geral exigem um grau maior e um número maior de ocupações com qualificação em termos técnicos e ético- morais para o seu exercício, em função dos maiores riscos de danos às pessoas envolvidos nas praticas de saúde. Nesse sentido, criam-se barreiras de entrada, e por esse motivo parte significativa da força de trabalho escapa em grande medida aos mecanismos autorregulatórias dos mercados. Além do mais é este, seguramente, o setor com o maior número de profissões com prerrogativas de autogoverno/autorregulação entre todos os ramos e setores da atividade socioeconômica. As corporações profissionais, as universidades e o sistema educativo têm papel de extrema relevância na definição da oferta e padrões de qualidade da força de trabalho, perfis ocupacionais e pré-requisitos de qualificação, limitando o poder de negociação nas relações de trabalho.

Um terceiro traço que pode ser identificado, e que parece derivar dos dois primeiros, é o alto grau de participação de autônomos (tradicionais, os chamados profissionais liberais e, autônomos de segunda geração, a exemplo dos consorciados em cooperativas e em sociedades, como pessoa jurídica) e pequenos empregadores no setor. Justamente pela presença significativa e abrangente de organizações formais e tecnologias complexas e de alto custo, é que se afirma ser o trabalho em saúde marcado pela forte presença numérica de profissionais liberais de grande tradição (médicos, dentistas, farmacêuticos, etc.) e de alta regulamentação. Além da forte presença quantitativa desse tipo de profissional, há que se destacar, porém, que a figura do trabalhador “conta-própria”, associada à independência, irregularidade, informalidade, baixa ou nenhuma regulamentação e baixa remuneração, não se aplica diretamente aos “liberais” de saúde. Em outras palavras, de forma distintiva em relação ao mercado de trabalho geral, o alto grau de participação de autônomos e empregadores no setor saúde não se traduz necessariamente em alto grau de precariedade do trabalho. O quarto traço distintivo é a forma peculiar de inserção do setor na economia , que o caracteriza para além dos limites dos mercados autorreguláveis. A alta associação dos serviços de saúde aos objetivos de equidade dos sistemas de bem-estar social e a intensa incorporação científico-tecnológica ao processo de trabalho, distantes e opostas à lógica de atuação dos mercados definem, em larga escala, as regras relativas à mão- de-obra. Assim como destacado em relação à regulamentação das ocupações e profissões, instituições que respondem pelos sistemas de bem-estar social e inovação tecnológica, notadamente a saúde pública, seguridade social, universidades e institutos de pesquisa, lançam um peso importante na definição dos campos de trabalho, configurando-se como sistemas de regulação extra mercado da força de trabalho. O quinto e último traço distintivo da força de trabalho em saúde é a preponderância da força de trabalho feminina. A vocação feminina do setor é uma evidência observada em todo mundo, especialmente em serviços relacionados ao cuidado direto das pessoas, como a enfermagem. Revela-se, portanto, a existência de uma questão de gênero como constituinte das atividades do setor, haja vista a associação entre mulher e cuidado existente em nossa sociedade. Essa preponderância vem aumentando recentemente, especialmente em ocupações de nível superior de tradicional concentração masculina, como medicina e odontologia.

Por último, a dinâmica do emprego em saúde (espaço de encontro entre a oferta e demanda efetivas da força de trabalho) está, todavia, fortemente delimitada por um conjunto de fatores tecnológicos, organizativos e institucionais, poucos estudados no Brasil. O estudo das relações entre esses fatores produtivos e a produção efetiva de serviços, é de extrema relevância para o conhecimento da estrutura e composição técnica dos serviços em saúde.

1.3. Definição de Macrossetor saúde

O dimensionamento do número de profissionais e outros trabalhadores de saúde, ou de profissões e ocupações que podem ser contadas como atividades econômicas de saúde, passa pela definição dessas atividades, então agrupadas no denominado Macrossetor Saúde (Zayen et. al. , 1995; Nogueira e Girardi, 1999). Em uma primeira aproximação, as atividades do Macrossetor podem ser entendidas apenas como aquelas de prestação de serviços de saúde, as quais, por sua vez, incluem a função de prestação de serviços de saúde em estabelecimentos assim denominados. O conceito de Macrossetor, porém, amplia essa noção, abrangendo trabalhadores tais como os que (i) prestam serviços de saúde em estabelecimentos cuja atividade econômica não está vinculada com a saúde (por exemplo, médicos e pessoal de enfermagem dos serviços próprios de empresas industriais e serviços de medicina do trabalho); (ii) exercem atividades não caracterizadas como prestação de serviços pessoais, mas que estão especificamente voltadas para a saúde (por exemplo, atividades de saneamento, saúde animal, ensino de saúde ou de administração da saúde pública); (iii) e dedicam-se a atividades de produção e venda de bens relacionados com a saúde (por exemplo, fabricação e venda de medicamentos e equipamentos médicos e odontológicos e comercialização de seguros e planos de saúde). Portanto, o conceito ampliado de atividades de saúde, isto é, de Macrossetor Saúde, refere-se ao conjunto de profissionais, e outros trabalhadores em: i. Atividades em estabelecimentos de saúde cuja finalidade é a prestação de serviços de saúde; ii. Atividades de prestação de serviços de saúde, independentemente da finalidade do estabelecimento – incluem i e serviços de saúde às pessoas em estabelecimentos “não saúde”;

iii. Atividades em qualquer setor da economia que estejam relacionadas com serviços de saúde – incluem i e ii e promoção da saúde Tal definição, em termos empíricos, exige o conhecimento dos limites impostos pelos sistemas de classificação de atividades e ocupações e das próprias fontes de dados disponíveis no Brasil. Sua aplicação pode ser vista de diferentes maneiras na literatura (Zayen, 1995; Girardi e Carvalho, 2002) e mesmo sem citar o termo Macrossetor Saúde (Dedecca et. al., 2005; Dedecca, 2008). De comum entre os diversos trabalhos é e o uso de registros administrativos do governo brasileiro e pesquisas censitárias e amostrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em função disso, a seleção das atividades, profissões e ocupações da saúde nestes trabalhos é feita por meio das classificações oficiais brasileiras: Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE (CONCLA, 2007) e da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO (MTE, 2000; 2010).

1.4. Sobre os dados e fontes utilizados

Com exceção dos levantamentos censitários, informações sobre o número de profissionais e outros trabalhadores da saúde podem ser obtidas no Brasil basicamente nos registros administrativos dos conselhos profissionais^2 , do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do Ministério da Saúde (MS). Além disso, também são utilizados levantamentos censitários e amostrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na área da formação são consultados os levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação e Cultura (INEP/MEC). Conceituar e mensurar a força de trabalho em saúde, em certa medida, significa fazer sua caracterização empírica, levando em consideração os limites impostos pelos dados e fontes brasileiros. Em geral, a utilização de uma única fonte de informações produz efeitos analíticos incompletos para a contagem do tamanho do setor. Quantos são os profissionais e outros trabalhadores de saúde, é uma pergunta que só pode ser

(^2) Os registros dos conselhos profissionais são consultados para dimensionar o estoque de profissionais ativos. No entanto, os dados correspondem aos profissionais habilitados ao exercício e não descriminam os que atuam diretamente em serviços de saúde, isto é, os efetivamente ocupados ou que procuram trabalho em atividades econômicas de saúde.