










Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma análise da essência da doutrina nacional-socialista de adolf hitler, baseada em textos selecionados da obra mein kampf. O artigo discute a ascensão do partido nacional-socialista e a importância da obra na alemanha da república de weimar. Os textos selecionados abordam temas como a unidade entre o povo, o estado e o partido, a propaganda nazista e a importância de mein kampf para a concretização do sonho imperialista alemão.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
1 / 18
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Tiago Lemanczuk Fraga Caetano^1
RESUMO: O presente trabalho analisa a essência da doutrina nacional-socialista, a partir de textos selecionados da obra Mein Kampf, de autoria de Adolf Hitler. A grandeza de todo o movimento nazista decorre de fatores singulares de ordens temporal e psicológica presentes na Alemanha do entreguerras, os quais possibilitaram a ascensão do Partido Nacional-Socialista e a adesão do povo alemão ao “corpo” daquele movimento.
“A tentativa de divinização de um grupo humano por si próprio”. François Perroux, apud Chevallier (2001; p. 392).
Mein Kampf, (Minha Luta), 1925-1927¹, obra escrita por Adolf Hitler, iniciada no presídio militar de Landsberg à margem do Lech, na Baviera, pretendia oferecer ao povo alemão não uma palavra de ordem eleitoral, mas uma “nova concepção filosófica de importância fundamental”, uma nova concepção do mundo que, como uma verdadeira religião, em dogmas precisos, destinava-se a tornar para o povo “as leis básicas de sua comunidade”. Hitler, apud Chevalier (2001; p. 393)^2.
O autor principia a obra com sua autobiografia, por considerá-la eminentemente representativa (uma propaganda do Chefe). Nasceu em Braunau, cidade localizada na fronteira
(^1) Mestre em Filosofia (UFG 2005), advogado com especialização em Direito Administrativo Contemporâneo (IDAG 2003), professor da graduação em Direito do Centro Universitário UNIEURO. 2 CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias; tradução, Lydia Cristina. 8ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.
dos dois Estados alemães (Áustria e Alemanha), em 1889, fato que considerou “símbolo de uma grande missão”, qual seja a de fazer triunfar, “contra todas as leis falsas e artificiais, uma lei natural e sagrada: a da comunidade do sangue”. Expôs o chefe do partido nazista: “a Áustria alemã deve tornar a grande mãe-pátria alemã (...). Os homens de um mesmo sangue devem pertencer ao mesmo Reich...”, Hitler (1983).
A narrativa de Hitler é profundamente retórica. Nem por isso deixa de ser preciosa, ao nos mostrar Hitler, decerto não tal qual foi exatamente, mas tal qual desejava ser visto pelo povo alemão. Buscava comover as pessoas e edificar os crentes do nacional-socialismo amantes da pátria vencida e humilhada ao final da I Guerra Mundial.
Torna-se importante uma rápida exposição histórica e contextual da situação da Alemanha e de seu povo durante o entreguerras, momento em que surgiu o nacional-socialismo.
A Alemanha do pós-guerra, de acordo com a Constituição de Weimar (1919), era uma República parlamentar, federalista e democrática, com o presidente eleito pelo voto universal e direto. As funções do poder executivo eram exercidas pelo Chanceler ou Primeiro Ministro nomeado pelo presidente.
Durante a República de Weimar, Hitler ingressa no denominado Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado em 1919, e torna-se, no ano seguinte, a principal figura do partido, momento em que altera seu nome para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista.
Aproveitando-se da ocupação francesa do Vale do Ruhr, principal região siderúrgica da Alemanha, em 1923, Hitler e seu partido tentam um golpe para assumir o poder, tornando-se conhecido pela expressão Putsch de Munique. Fracassada a tentativa, Hitler é condenado e preso. É na prisão, como exposto, que começa a escrever o livro “Minha Luta”, onde apresenta o programa político da ideologia nazista.
Adolf Hitler, como se sabe, era um grande orador. O caráter messiânico de seus discursos políticos engrandecia o ideal nazista. Escreveu a obra em comento para expor de uma melhor forma a finalidade e o desenvolvimento do nacional-socialismo, a fim de conquistar adeptos desacreditados na república tendentes ao temido movimento revolucionário e, ao mesmo tempo, oferecer esclarecimentos mais substanciais àqueles que já se identificavam com o Partido.
Os princípios da doutrina nacional-socialista foram estabelecidos nessa obra, apesar de o autor esclarecer, já no prefácio do livro, que sabia “muito bem que se conquistam adeptos menos pela palavra escrita do que pela palavra falada e que, neste mundo, as grandes causas devem seu desenvolvimento não aos grandes escritores, mas aos grandes oradores”. Hitler (1983).
Assim a obra e a doutrina nazistas apresentaram dificuldades para que fosse empreendida uma análise puramente político-filosófica. As hipóteses em que se baseou Hitler para sustentação de sua doutrina estão, como veremos, predominantemente aliadas à retórica. O autor, em muitas passagens, utiliza artifícios provocadores da paixão dos leitores, como apelos a crenças religiosas, a experiências históricas, a valores sociais conservadores e a doutrinas filosóficas.
O nazismo constitui experiência única, um movimento cujos fundamentos exprimem conjuntamente grande originalidade. Ora, o nacional-socialismo caracteriza-se pelo nacionalismo extremado, autoritarismo, racismo, anti-semitismo, belicismo, anticomunismo, antiliberalismo, antiparlamentarismo e antiindividualismo. É mesmo singular.
Portanto, entendo como relevante, e essa é a proposta do presente trabalho, a apresentação da essência do pensamento e da argumentação doutrinária de Adolf Hitler nos textos, ora selecionados^4 , da obra “Minha Luta”.
2.1. Povo e raça
(^4) Os textos ora selecionados da obra Mein Kampf são o Capítulo XI da Primeira parte e os Capítulos III, IV e V da Segunda parte.
Hitler quando jovem, em Viena, desencantou-se com a cidade que abrigava cidadãos de todo o mundo, os não-alemães que tomavam os lugares dos alemães. Naquela época, sofrera algumas decepções pessoais^5 , fazendo revoltar-se contra a sociedade vienense (que acabava por representar, ao menos para Hitler, toda a sociedade alemã da época). No campo político, os planos social-democráticos como a filantropia, as obras de assistência e de previdência social, segundo ele, eram pura bobagem e não eliminavam a iniqüidade e a desigualdade sociais. O que se precisava atacar eram os “vícios profundos e orgânicos” da sociedade.
As formas de eliminação de tais vícios e o oferecimento de uma nova concepção de mundo são trazidos no Capítulo XI, do primeiro volume de Mein Kampf, intitulado “Povo e Raça” (Volk und Rasse).
Os homens erram ao acharem que quase tudo sabem sobre a Natureza, pois, com raras exceções, ignoram que os seres humanos, como os demais seres vivos, devem respeitar o princípio básico de sua organização: o isolamento dentro de sua respectiva espécie.
Já a observação mais superficial nos mostra, como lei mais ou menos implacável e fundamental, presidindo a todas as inúmeras manifestações expressivas da vontade de viver na Natureza, o processo em si mesmo limitado, pelo qual esta se continua e se multiplica. Cada animal só se associa a um companheiro da mesma espécie. O abelheiro cai com o abelheiro, o tentilhão com o tentilhão, a cegonha com a cegonha, o rato campestre com o rato campestre, o rato caseiro com o rato caseiro, o lobo com a loba, etc. Só as circunstâncias extraordinárias conseguem alterar essa ordem entre as quais figura, em primeiro lugar a coerção exercida por prisão do animal ou qualquer outra impossibilidade de união dentro da mesma espécie. Aí, porém, a Natureza começa a defender-se por todos os meios necessários, e seu protesto mais evidente consiste, ou futuramente privar os bastardos da capacidade de procriação ou em limitar a fecundidade dos descendentes futuros. Na maior parte dos casos, ela priva-os da capacidade de resistência contra moléstias ou ataques hostis. Isso é um fenômeno perfeitamente natural: todo cruzamento entre dois seres de situação um pouco desigual na escala biológica dá, como produto, um intermediário entre os dois pontos ocupados pelos pais (...). Semelhante união está, porém, em franco desacordo com a vontade da Natureza, que, de um modo geral, visa o aperfeiçoamento da vida na procriação. Essa hipótese não se apóia na ligação de elementos superiores, mas na vitória incondicional dos primeiros. O papel do mais forte é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco, sacrificando assim a grandeza própria. Somente um débil de nascença poderá ver nisso uma
(^5) “O jovem, que a escola de Belas-Artes não quis receber como aluno de pintura, resolveu tornar-se arquiteto, para ganhar a vida, enquanto esperava e estudava como auxiliar de pedreiro, sob pena de passar fome”. Chevallier (2001; p. 393).
Com isso, decorre que é interno o combustível para a tocha do progresso da civilização humana. A genialidade e o talento são dotes inatos e advêm do sangue ariano! A existência de “povos inferiores” apenas serviu de ferramenta para a civilização superior.
Sem tal possibilidade de empregar gente inferior, o ariano nunca teria podido dar os primeiros passos para sua civilização, do mesmo modo que, sem a ajuda dos animais apropriados, pouco a pouco domados por ele, nunca teria alcançado uma técnica, graças à qual vai podendo dispensar os animais. O ditado: <o negro fez a sua obrigação, pode se retirar>, possui infelizmente uma significação profunda (...). Só os bobos pacifistas é que podem enxergar nisso um indício de maldição humana. Hitler (1983, p. 191-192).
Os povos não-arianos que se mostram ao mundo como desenvolvidos (Hitler cita os Asiáticos), não passam de depositários de cultura. O fundador de cultura é sempre o ariano. “É ele quem fornece o formidável material de construção e os projetos para todo o progresso humano. O país depositário só dá o verniz – “a cor local” –, sendo que, se perder a influência externa, cai de novo no mesmo torpor.
De qualquer forma, a miscigenação das raças é a grande inimiga da Natureza.
As causas exclusivas da decadência de antigas civilizações são: a mistura de sangue e o rebaixamento do nível da raça, que aquele fenômeno acarreta (...). Tudo o que no mundo não é raça boa é joio. Hitler (1983; p. 192).
Da maneira exposta por Hitler, o resultado da I Guerra Mundial só podia constituir flagrante “absurdo, avesso à Natureza e à razão”. Hitler (1983; p. 192).
Porém, como uma sociedade constituída apenas de indivíduos tão superiores pode prosperar e se desenvolver ameaçada pela possibilidade do sentimento de egoísmo entre seus filhos? Afinal, para a concretização do sonho imperialista da Alemanha, a unidade entre o povo (superação das diferenças sociais, mesmo que fictícia), o Estado e o Partido era essencial.
Segundo Hitler (1983), a grandeza do ariano não se acha tanto na riqueza de seus dotes intelectuais quanto em seu idealismo^8 , isto é, em sua faculdade altamente desenvolvida de sacrificar-se pela comunidade, pelos semelhantes. A idéia de “corpo” e unidade torna-se vital para o nazismo. Os alemães, após serem convencidos de que integram uma raça superior, precisam incorporar a idéia de que o individualismo é prejudicial para a mãe-pátria. O “espírito de sacrifício” revela-se a grande virtude do ser humano superior.
Quanto mais aumenta a disposição para sacrificar interesses puramente pessoais, tanto mais se desenvolve a capacidade para erigir comunidades mais importantes. É o ariano que apresenta, de modo mais expressivo, essa disposição para o sacrifício do trabalho pessoal, e, sendo necessário, até da sua própria vida que arrisca em favor dos outros (...) a significação intrínseca de toda organização repousa sobre o princípio do sacrifício. Hitler (1983; p. 193).
A ideologia calcada na idéia de superioridade racial pressupõe, dessarte, que o indivíduo de sangue ariano se dilua no “corpo” social. Era a melhor forma de se alcançar a eficiência desejada pelo Partido. A propaganda nazista se encarregou, através de fotos, publicações, desfiles e marchas, de criar e manter o mito do “Líder”, da “Nação”, da “Vitória”, do “Partido”, proporcionando um alimento mental à massa desacreditada.
O inimigo do ariano
O autor indica em sua obra a hipótese do judeu como principal ameaça ao ariano. Traça um perfil de inferioridade desse povo no intuito de unificar o sentimento popular em torno do programa nacional-socialista. Os judeus foram transformados em bodes expiatórios dos problemas nacionais e o ódio aos mesmos se tornou um dos pilares do nazismo.
E, na visão de Hitler, por que o judeu?
(^8) Termo empregado por Hitler como oposição ao Egoísmo. Hitler (1983; p.194).
arma, a das idéias. No entanto, as idéias são sempre condicionadas pela existência dos homens, estão sempre ligadas a determinados indivíduos^12 e nada têm a ver com a “lógica fria”^13.
Para consolidar sua posição política, o judeu, povo sem Nação, tenta destruir as barreiras sociais e de cidadania, que mais do que tudo o embaraçam a cada passo. A tolerância religiosa, a pregação da igualdade entre os homens, a maçonaria e a imprensa^14 são poderosos instrumentos em suas mãos.
Hitler (1983) não apenas traça um perfil negativo dos judeus para indicar indiretamente a necessidade da força e unidade para a glória de uma Nação (projeto nazista), como também lhes atribui as “misérias” advindas do liberalismo e do comunismo. Aparentemente antagônicos, os dois sistemas não passam de invenção judaica, construídos propositadamente como blocos diferentes, de modo a iludir os povos aspirantes à justiça social.
Nesse ponto, a argumentação do autor^15 , em resumo, é a seguinte: a) Com vistas à lucratividade, a evolução econômica produz uma alteração na distribuição do povo em classes. O operário tem que se proletarizar em virtude da rara possibilidade de ganhar a sua existência independentemente. Aparece consumada a separação entre trabalhador e patrão; b) Os judeus organizam de um lado os métodos capitalistas extremados de exploração humana, e, por outro lado, acercam as vítimas de seus atos (pela compaixão fingida), dirigindo, dentro em pouco tempo, a luta deles entre si. O judeu, que “outrora se serviu da burguesia como arma contra o mundo feudal, agora vai atiçar o operário contra o burguês”; c) Doravante, só resta ao proletário lutar pelo futuro do povo judeu. Passa o proletariado a servir a potência que pensa combater. Com a aparência de deixar o operário atacar o capital, é que se pode melhor fazê-lo lutar pelo mesmo;
(^12) Hitler, ao expor em tom imperativo acerca das idéias, prepara uma armadilha para si mesmo. Ora, sua retórica advém de idéias evidentemente motivadas por interesses específicos. 13 14 E no texto de Hitler (1983) a “lógica fria” é imposta, traduz a lei imutável da Natureza, a da pureza racial. 15 Hitler tinha em mente rebater, por meio da obra em comento, a imagem dele construída pela “imprensa judaica”. Retirada das páginas 204 a 209 da obra em análise. Mantive-me fiel às expressões utilizadas pelo autor.
d) A campanha pela debelação das pragas sociais adquire caráter universal. Está fundada a doutrina marxista^16. Sob o disfarce de idéias puramente sociais escondem-se “intenções francamente diabólicas”. “Através do operariado (...), o judeu destrói as bases da economia nacional”; e) “Pelo desprezo categórico da personalidade, por conseguinte da nação e da raça, o marxismo destrói as bases elementares de toda a civilização humana, que depende justamente desses fatores”. f) “A luta judaica não consiste unicamente na conquista econômica do mundo, mas também na dominação política”. Começa o judeu a “substituir o ideal democrático pelo da Ditadura do Proletariado”. Subjuga e governa os povos “pela força bruta, ditatorialmente”. Assim, Hitler condena o que diz serem os meios empregados pelos judeus para consecução de seus supostos fins. O programa de dominação judaica não visa apenas à revolução econômica, mas também política. Busca a destruição das bases nacionais em prol de um projeto universal^17.
Economicamente, eles criam para os Estados tal situação que as empresas oficiais, deixando de dar rendas, são subtraídas à direção do estado e submetidas à fiscalização financeira do judeu. No terreno político, recusam eles ao Estado os meios para sua subsistência, destroem as bases de toda e qualquer defesa nacional, aniquilam a crença em uma chefia, desprezam a história e o passado, e enlameiam tudo que é expoente de grandeza real (...). A religião é ridicularizada. Bons costumes e moralidades são taxados de coisas do passado, até que os últimos esteios de uma nacionalidade tenham desaparecido. Hitler (1983; p. 210).
A importância do Capítulo XI da obra sobre a qual se discorre se dá pela construção de um espelho negativo para sustentação dos principais pontos do ideário nazista, que carecia ser absorvido pelo povo (Volk). Para o nacional-socialismo, qualquer forma de desagregação entre os filhos da Nação era prejudicial, assim como o era todo intento universalizante.
Como se a cartilha de aprendizado de um povo (judeu) pudesse conter todas as diretrizes de um projeto econômico e político de dominação imune a todas as conseqüências de
(^16) Como se sabe, Karl Marx era judeu. (^17) Aqui podemos perceber contradições no pensamento de Hitler: condena a máxima maquiavélica, a qual em outro contexto emprega em sua doutrina (ao defender a guerra como forma de ascensão) e ignora que embora o nacionalismo seja uma característica do nazismo, seu projeto visava o expansionismo e o domínio em nível mundial.
O Estado nacionalista divide seus habitantes em três classes: cidadãos, súditos e estrangeiros. Só o nascimento dá, em princípio, o direito de cidadania, Não dá, porém, o direito de exercer cargo público ou tomar parte na política, para votar ou ser votado. Quanto aos chamados súditos, a raça e a nacionalidade terão sempre que ser declaradas. A esses é livre passarem dessa situação à de cidadãos do país, dependendo isso da sua nacionalidade. O estrangeiro é diferente do súdito no fato de ser súdito em um país estrangeiro (...). Deve ser uma honra maior ser varredor de rua em sua Pátria do que rei em país estrangeiro. Hitler (1983; p. 274).
O título de cidadão é, assim, o mais importante documento para toda a vida do súdito alemão. Só é concedido aos que receberem a educação^18 (nazista), ministrada a todos, servirem o exército e prestarem solene juramento à coletividade e ao Estado. Em outras palavras, apenas os que ingressarem de corpo e espírito no movimento nazista é que merecem a cidadania alemã. As súditas, por sua vez, adquirem cidadania pelo casamento ou pelo exercício de trabalho honesto.
Entrementes, a educação nacional e a cidadania alemã não são suficientes para o ingresso do indivíduo aos cargos públicos ou a participação na política. O acesso se torna restrito e dependente dos interesses do Partido de forma a não se perder a unidade do ideário nazista. Os indivíduos de maior valor intelectual e ideal é que devem servir à frente da nação.
O reconhecimento do valor da personalidade torna-se essencial ao movimento. Segundo o autor, o discurso comunista de que todos os homens são iguais (ponto de vista democrático das massas) acaba por ignorar o poder criador do indivíduo, cujas descobertas podem traduzir benefícios para toda a coletividade.
As massas nunca inventam, nunca organizam ou pensam por si (...). A ação destruidora do judaísmo em vários aspectos da vida do povo deve ser vista como um esforço constante para minar a importância da personalidade nas nações que os acolhem e substituí-la pela vontade das massas. O princípio orgânico da humanidade ariana é substituído pelo princípio destruidor dos judeus. Hitler (1983; p. 277-278).
(^18) A formação e educação do povo é a mais importante finalidade do Estado Nacional-socialista. Hitler (1983; p. 275)
O “valor pessoal” como “princípio natural” constitui a justificação do culto essencial à imagem do Chefe, depositária de toda a força do ideário nazista. O Führer, mesmo auxiliado pelos seus conselheiros, é sempre quem profere a última palavra^19.
Mas é importante que fique claro que o nazismo não prega nem o poder tirano, nem o totalitarismo estatal. Os trabalhos do Estado nacional e de seu líder se sustentam sobre os pilares da “autoridade” e da “responsabilidade”. Hitler (1983; p. 280). Vale dizer que o Chefe só permanece no poder enquanto atender às aspirações de todo o movimento nacional-socialista.
O Estado não é um fim em si, mas simples instrumento e o que importa é o conteúdo. O Estado em si não se acha dotado de nenhum prestígio especial. Magia, prestígio, idolatria acham-se reservados ao Volk (unidade racial baseada na comunidade de sangue). Eis o conteúdo, sendo o Estado apenas o seu continente, tendo razão de ser apenas enquanto capaz de conservar e de proteger o que nele está contido.
Como para Lênin (e para Marx e Engels), Hitler via no Estado apenas um aparelho administrativo de governantes, de repartições, de meios de coerção.
O Estado nazista é estritamente técnico e está a serviço de um fim, que é a manutenção e o desenvolvimento de uma comunidade de seres humanos da mesma espécie, tanto física quanto moral.
Dupla se revela a missão do Estado instrumento racial: no interior, conservar e melhorar a raça, senão refazê-la; no exterior, conquistar o espaço necessário à vida e à dominação natural dessa raça. Chevallier (2001; p. 409).
Assim é que o Estado nacionalista, sobre a base da autoridade, deve trabalhar para libertar o governo do princípio parlamentar da maioria, preparando todo o corpo da nação a receber a nova ordem de coisas.
2.3. Concepção do mundo
(^19) “Os parlamentos em si são necessários, antes de tudo porque neles têm oportunidade de se afirmar os valores individuais, a que, mais tarde, se podem confiar missões de responsabilidade... Mas, nem o Senado nem a Câmara terão poderes para tomar resoluções; eles são designados para trabalhar e não para decidir. O Estado racista, em nenhum dos setores, terá um corpo de representantes que possa resolver por meio da maioria de votos”. Hitler (1983; p. 280).
planos estratégicos (...). A força de um partido político não repousa em uma intelectualidade elevada e independente de seus adeptos, mas sobretudo na obediência disciplinada com que a direção intelectual assegura a vitória. Quem decide é a própria direção. Hitler (1983; p. 283-284).
A consagrada frase fé cega, faca amolada parece nortear o espírito de Hitler em sua construção retórica acerca da luta pelo movimento. Quanto mais centralizada e uníssona uma concepção, não obstante não ser perfeita, mais vantajosa se mostra, na medida em que corporifica uma nova organização inquebrantável^20.
As idéias mestras do novo movimento “são sintetizadas em vinte e cinco proposições principais destinadas a orientar a luta”. Hitler (1983; p. 284). O que elas procuram é a eficácia, não a satisfação de um punhado de estetas ou de eruditos. Assim, não se dirigem tanto ao cérebro, mas aos sentimentos da multidão.
Torna-se inadmissível qualquer tentativa de representar a idéia nacionalista fora dos limites do Partido, pois somente ele carrega a força criadora do movimento nazista.
O certo é que, no estado definitivo, Mein Kampf, (...) não denota mestria intelectual alguma. Achamo-nos verdadeiramente em presença de um caso-limite, em que uma prodigiosa oportunidade histórica proporcionou uma força de penetração e uma celebridade extraordinárias a uma obra intrinsecamente medíocre
Do próprio rumo que tomaria a história alemã a partir de 1925, é que dependia o destino do livro em comento. A princípio passa quase desapercebida, mas lentamente a obra vai se
(^20) Hitler cita a Igreja Católica como exemplo de instituição uníssona e inquebrantável. Ao insistir na defesa de seus dogmas religiosos, a Igreja não sacrifica nenhum de seus princípios frente aos avanços científicos e, por isso, “mantém-se mais firme do que nunca” como instituição. Hitler (1983; p. 285).
espalhando. Devido à pavorosa crise (1929 a 1933) marcada pelo desemprego, proletarização e miséria, o Partido Nacional-Socialista progride a passos gigantescos e com ele a difusão da obra de Hitler.
Embora a ideologia nazista tenha sido posta em prática somente com a chegada de Hitler ao poder (por sua nomeação ao cargo de Chanceler), a propaganda surtiu o efeito esperado. Ao mesmo tempo em que garantia aos burgueses a conservação de sua superioridade econômica, “utilizava em sua veiculação palavras de ordem socialista”^21 para conquista da classe de trabalhadores tendentes à revolução.
Desacreditada nas vias republicanas para a concretização da sonhada reviravolta, a massa depositou confiança na unicidade dos ideais nazistas, fortalecendo o “corpo”, o amálgama onde se viam diluídas as personalidades da raça superior.
Pode-se dizer que a subordinação do indivíduo à coletividade não se restringiu a motivos econômicos. Houve uma interpenetração entre as esferas econômicas, políticas, culturais, ideológicas. Tudo estava ligado ao movimento.
A novidade do nazismo era sua força psicológica^22 , que predispunha todos, trabalhadores ou não, a aceitarem ou assumirem seu corpo ideológico. Lenharo (1986; pg. 11).
O culto à imagem do Führer era a maior arma que possuíam os nazistas para a preservação da multifacetada unidade. Um líder carismático servia de lugar-comum para os integrantes do “corpo”.
(^21) “A essência do pensamento de Marx era naturalmente incompatível com os interesses vitais das classes conservadoras, mas a direita não estava iludida a esse respeito e não tinha a menor intenção de se converter ao marxismo: o que ela queria era importar do marxismo alguns conceitos, desligando-os do contexto em que tinham sido elaborados, mistificando-os e tornando-os úteis a seus propósitos”. Konder (1979; p. 08). 22 “O psicanalista Wilheim Reich, na década de 30 (...), fez observações interessantes sobre as tradições educacionais fortemente repressivas da sociedade burguesa e sobre o papel que essa educação desempenhava na formação de indivíduos dóceis, recalcados, sem espírito crítico, fáceis de recrutar para as fileiras das organizações fascistas, onde lhes era proporcionada a chance compensadora de se ‘identificarem’ com a personalidade enérgica do ‘chefe’”. Konder (1979; p. 87).