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Este artigo analisa o surgimento de um novo padrão de ensino superior instalado no brasil a partir do final da década de 1950, que privilegiou uma estrutura seletiva, acadêmica e socialmente. O artigo conclui que a privatização não representou uma democratização do acesso ao ensino superior no país e da necessidade da retomada da expansão das universidades públicas, especialmente das instituições federais.
Tipologia: Notas de estudo
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Educ. Soc. , Campinas, vol. 30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009 15
Carlos Benedito Martins
CARLOS BENEDITO MARTINS*
RESUMO : Este artigo tem como objetivo analisar o surgimento de um novo padrão de ensino superior que se instalou no Brasil a partir do final da década de 1950. O argumento defendido é que ele re- presentou uma conseqüência da implantação da Reforma de 1968. Em função do modelo implantado, que procurou privilegiar uma es- trutura seletiva, acadêmica e socialmente, o atendimento da crescen- te demanda por acesso ao ensino superior passou a ser feito pelo en- sino privado, que se organizou por meio de empresas educacionais. O texto procura salientar as condições que tornaram possível a emer- gência dessas empresas. Conclui que a escalada da privatização não representou uma democratização do acesso ao ensino superior no país e da necessidade da retomada da expansão das universidades públi- cas, de modo especial das instituições federais. Palavras-chave : Ensino superior. Reforma universitária. Educação brasileira. Ensino público. Ensino privado empre- sarial.
T HE 1968 REFORM AND THE OPENING OF DOORS TO PRIVATE HIGHER EDUCATION IN BRAZIL
ABSTRACT : This paper analyzes a new standard of higher edu- cation established in Brazil from the late 1950s on. Its argument is that this was a consequence of the 1968 Reform. Because of the model introduced, which privileged a selective structure, both socially and academically, the growing demand for access to higher education was met by the private sector whose institutions
A reforma universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil
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organized themselves as educational enterprises. The text highlights the conditions that allowed this lucrative business to emerge. It con- cludes that this move towards privatization did not represent a de- mocratization of the access to higher education in the country and points to the need to resume the expansion process of public univer- sities, especially that of federal institutions. Key words : Higher education. University reform. Brazilian education. Public education. Private education businesses.
objetivo central deste artigo é esboçar a gênese do “novo” ensi- no superior privado que surgiu na sociedade brasileira na estei- ra da Reforma Universitária de 1968 e destacar sua inserção no interior do campo das instituições que o integram em sua fase atual. Parte-se do pressuposto de que a Reforma de 1968 visou fundamen- talmente a modernização e expansão das instituições publicas, destacadamente das universidades federais. O surgimento do “novo” ensino superior privado constitui um desdobramento da Reforma de 1968, uma vez que as modificações introduzidas nas universidades fe- derais não conseguiram ampliar satisfatoriamente suas matriculas para atender à crescente demanda de acesso (Bourdieu, 1997, 1994, 1992, 1980, 1976; Charle, 1983; Martins, 2002).
A Reforma de 1968 produziu efeitos paradoxais no ensino supe- rior brasileiro. Por um lado, modernizou uma parte significativa das universidades federais e determinadas instituições estaduais e confessio- nais, que incorporaram gradualmente as modificações acadêmicas pro- postas pela Reforma. Criaram-se condições propícias para que deter- minadas instituições passassem a articular as atividades de ensino e de pesquisa, que ate então – salvo raras exceções – estavam relativamente desconectadas. Aboliram-se as cátedras vitalícias, introduziu-se o regi- me departamental, institucionalizou-se a carreira acadêmica, a legis- lação pertinente acoplou o ingresso e a progressão docente à titulação acadêmica. Para atender a esse dispositivo, criou-se uma política na- cional de pós-graduação, expressa nos planos nacionais de pós-gra- duação e conduzida de forma eficiente pelas agências de fomento do governo federal. Nos últimos 35 anos, a pós-graduação tornou-se um instrumento fundamental da renovação do ensino superior no país.
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de tempo, suas matrículas saltaram de 21 mil para 182 mil estudan- tes. Nesse momento, ocorreu o processo de federalização de institui- ções estaduais e privadas, que foram integradas às nascentes universi- dades federais, por meio de entendimentos com os mantenedores de instituições privadas, de modo que a absorção de suas faculdades re- sultasse benéfica para eles. No período em foco, a participação do se- tor privado manteve-se estável, absorvendo 44% do total das matrícu- las (Vasconcelos, 2007; Cunha, 2004).
Os primeiros anos da década de 1960 foram marcados por um intenso movimento visando à reforma do sistema universitário brasilei- ro, do qual participaram os docentes, os pesquisadores e o movimento estudantil. A inserção dos docentes nessa mobilização traduzia as aspi- rações de cientistas e de jovens pesquisadores que haviam recebido uma formação no exterior e desejavam fazer da universidade um locus de pro- dução de conhecimento científico. A Sociedade Brasileira para o Pro- gresso da Ciência ( SBPC ) constituiu um fórum importante de suas rei- vindicações. Por sua vez, o movimento estudantil realizou seminários sobre a reforma universitária, nos quais criticava seu caráter elitista, de- nunciando igualmente a existência do regime de cátedra vitalícia, in- dicava a necessidade de realização de concursos públicos para a admis- são de professores e lutava por currículos atualizados e pela ampliação da participação estudantil nos órgãos colegiados (Fernandes, 2000; Poerner, 1968; Veiga, 1982; Cunha, 1983; Sanfelice, 1986).
O “novo” ensino superior privado emergiu de uma constelação de fatores complexos, entre os quais se destacam, num primeiro mo- mento, as modificações ocorridas no campo político nacional em 1964 e seu impacto na formulação da política educacional. Com a instaura- ção do regime militar, as medidas repressivas desencadeadas pelos no- vos governantes, com relação ao movimento estudantil, e a estrita vigi- lância dos docentes se combinaram com propostas de modernização e de expansão do ensino superior.
Com relação ao dispositivo repressivo, vale mencionar o Decreto n. 4.464/64, que extinguiu a União Nacional dos Estudantes ( UNE ); o Decreto n. 228/67, que limitou a existência de organizações estudan- tis ao âmbito estrito de cada universidade; o Decreto n. 477/69, que impôs severas punições aos estudantes, professores ou funcionários que desenvolvessem atividades consideradas hostis ao regime militar, com a
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criação, no interior do MEC , de uma divisão de segurança e informação para fiscalizar as atividades políticas de professores e estudantes nas ins- tituições. Houve, igualmente, aposentadorias compulsórias de profes- sores considerados nocivos ao regime militar em várias universidades públicas (Fávero, 1995; Sanfelice, 1986; Fernandes, 1984).
Após o golpe de 1964, permanecia entre estudantes e professo- res um clima de insatisfação com a estrutura universitária existente. Em várias instituições, alunos e professores realizaram “cursos paralelos”, ex- pressando sua discordância com relação aos currículos existentes. Para- lelamente, os estudantes se mobilizaram diante da incapacidade do en- sino público de absorver os alunos aprovados nos vestibulares. Em 1960, 29 mil estudantes não conseguiram vagas nas instituições para as quais tinham sido aprovados, número que aumentou para 162 mil em 1969. A questão dos “excedentes” constituiu-se num constante foco de tensão social. A pressão para a expansão do ensino superior estava relacionada à ampliação da taxa de matrícula do ensino médio, que cresceu 4,3 pontos entre 1947 e 1964. Ao mesmo tempo, o processo de concentração da propriedade e de renda, em curso na sociedade bra- sileira desde a década de 1950, acentuado pela política econômica ado- tada a partir de 1964, conduziu as classes médias a encarar a educação superior como uma estratégia para a concretização de seu projeto de ascensão social (Cunha, 1975; Trigueiro, 1967).
Diante desse quadro, o governo militar se sentiu pressionado a formular uma política para a reestruturação do ensino superior. Ao contrário do que ocorrera no período populista, durante o qual vigo- rou uma discussão pública visando à construção de uma universidade crítica de si mesma e da sociedade brasileira, a política educacional do regime autoritário seria confiada a um pequeno grupo designado pelo poder central. O governo encomendou determinados estudos com o objetivo de propor medidas para o ensino superior, entre os quais se destacam o documento elaborado pelo professor norte-americano Rudolph Atcon; o Relatório Meira Mattos, que o abordou como uma questão de “segurança nacional”, e o Relatório da Equipe de Assesso- ria do Ensino Superior, cuja comissão foi integrada por professores norte-americanos e brasileiros (Atcon, 1966; Relatório Meira Mattos, 1968; Relatório da Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior, 1969).
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plena utilização dos recursos materiais e humanos das instituições uni- versitárias, o que o levou a propor as mesmas medidas acima mencio- nadas, ou seja, a criação dos departamentos, a institucionalização da carreira acadêmica, a introdução do ciclo básico, o regime de créditos. Uma de suas principais recomendações, apoiada no Parecer n. 977/ elaborado por Newton Sucupira, refere-se à implantação dos cursos de pós-graduação (Lipset, 1971; Wallerstein, 1971; Touraine, 1968; Re- latório do GT da Reforma Universitária, 1969; Parecer n. 977/65).
Embora não fizesse menção à participação do ensino privado no processo de expansão, o GT abriu brechas para sua posterior presença no campo do ensino superior. Ao permitir a existência dos estabeleci- mentos isolados em “caráter excepcional” – uma vez que a universida- de deveria constituir o “tipo natural de estrutura para o ensino supe- rior” –, o GT criou condições favoráveis ao processo de privatização que viria logo em seguida, ancorado na criação de estabelecimentos isolados. A produção de um discurso oficial que insistia na escassez de recursos financeiros permitiria, num momento posterior, evocar a situação de “complementaridade” da rede privada na ampliação do sistema. Deve-se destacar que a Constituição de 1967 disponibilizou recursos financeiros e ajuda técnica ao ensino particular (Sousa, 2006; Horta, 1996).
O argumento da escassez de recursos não impediu que o gover- no militar criasse um eficiente sistema de fomento para a sua política de desenvolvimento científico-tecnológico, visando a formação de re- cursos humanos altamente qualificados. Num primeiro momento, o BNDE e, posteriormente, a FINEP passaram a fornecer auxílios financeiros às instituições publicas, por meio do Fundo de Desenvolvimento Téc- nico-Científico, criado em 1964, que muito contribuiu com a instala- ção inicial da pós-graduação. As universidades federais receberam re- cursos financeiros que lhes possibilitaram a edificação de novos campi universitários, a construção de laboratórios, a institucionalização da carreira docente etc. Estruturava-se, nesse momento, um modelo du- plamente seletivo de universidade federal: no plano social, suas vagas passariam a ser ocupadas por um grupo restrito de estudantes dotados de razoável volume de capital econômico e/ou cultural; no plano aca- dêmico, procurava-se concretizar um elevado padrão de qualidade aca- dêmica, fundado na associação entre ensino e pesquisa, no interior do
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qual a pós-graduação exerceria um papel central. A motivação subjacente a esse modelo era preservar as universidades federais de um eventual processo de massificação (Cunha, 2004; Ferrari, 2001; Bar- ros, 1998).
A implantação desse modelo contribuiu para limitar a expansão das universidades públicas, em particular das federais. Seria incorreto afirmar que o ensino público não cresceu, uma vez que, no período de 1967 a 1980, suas matrículas passaram de 88 mil para aproximada- mente 500 mil estudantes, registrando um crescimento da ordem de 453%. Esse aumento ficou aquém das necessidades de acesso ao ensi- no superior, abrindo um flanco favorável à participação do ensino pri- vado. Vale destacar que o ensino universitário católico mostrou-se reti- cente em expandir sua rede para absorver essa demanda, mantendo uma concepção de universidade voltada para o atendimento da repro- dução das elites locais (Salem, 1982).
Entre as condições que tornaram possível a emergência do novo ensino privado, a existência do Conselho Federal de Educação ( CFE) de- sempenhou um papel relevante. O CFE foi fortalecido pela aprovação da LDB , em 1961, quando deixou de ser um órgão de assessoramento sobre questões educacionais e passou a deliberar sobre abertura e fun- cionamento de instituições de ensino superior. Era composto majori- tariamente por personalidades ligadas ao ensino privado, com disposi- ção favorável para acolher os pedidos de abertura de novas instituições particulares. Entre 1968 e 1972, foram encaminhados ao CFE 938 pe- didos de abertura de novos cursos, dos quais 759 obtiveram respostas positivas. A grande maioria dessas solicitações emanava da iniciativa pri- vada não-confessional, que vinha atuando nos ensino primário e secun- dário e fora comprimida, no final dos anos de 1960, em função do crescimento da rede pública. Percebendo a existência de uma deman- da não atendida pelo ensino público, os proprietários de escolas e co- légios passaram a deslocar parte de seus investimentos para a abertura de novas instituições, sob o olhar conivente do CFE (Horta, 1975).
O forte controle político que pesava sobre o meio acadêmico cerceou o movimento de contestação à proliferação dos estabelecimen- tos particulares e inviabilizou a defesa do ensino público, que mobi- lizara parte significativa dos educadores na década de 1950. A adesão dos proprietários desses novos estabelecimentos aos valores do regime
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Por outro lado, o movimento de criação de novas universidades particulares foi impulsionado pela nova legislação do ensino superior. Ao dispor sobre o princípio da autonomia para as universidades, a Constituição de 1988 possibilitou ao setor privado criar e extinguir cursos na própria sede das instituições e remanejar o número de vagas dos cursos oferecidos, sem se submeter ao controle burocrático de ór- gãos oficiais. A criação dessas novas universidades particulares visava também obter um maior rendimento simbólico no interior do campo do ensino superior, pois formalmente elas passavam a se distinguir aca- demicamente das faculdades isoladas e outros tipos de instituições. Em boa medida, várias dessas universidades com fins lucrativos, criadas nas últimas décadas, constituem um simulacro de verdadeiras universida- des, pois tendem a funcionar como um conglomerado de escolas pro- fissionais que não consolidaram a carreira acadêmica de seus professo- res e não institucionalizaram a pesquisa em seu interior (Barreyro, 2008; Altbach, 2005; Sampaio, 2000).
Na década de 1980, em função da crise econômica vivenciada pelo país, expressa num grave quadro inflacionário e no aumento das taxas de desemprego, ocorreu uma desaceleração da expansão do ensi- no superior. Surgiram, ao mesmo tempo, críticas sobre a qualidade do ensino privado por parte de várias associações profissionais e de outros segmentos da sociedade civil. Diante desse descontentamento, o go- verno, por meio de seus órgãos competentes, adotou medidas legais com o propósito de suspender temporariamente a criação de novos cur- sos nos estabelecimentos existentes. Nesse mesmo período, as institui- ções públicas passaram a se instalar em áreas geográficas de menor in- teresse econômico para a rede privada. Com efeito, entre 1980 e 1985, ocorreu uma pequena diminuição das matrículas do setor privado, de 885 mil para 811 no total. Inversamente, no mesmo período, as ma- trículas do ensino público cresceram de 492 mil a 556 mil estudantes (Sousa, 2006; Sobral, 2001).
No início da década de 1990, o ensino privado respondia por 62% do total das matrículas, ocorrendo uma pequena diminuição em 1995, quando passou a absorver 60% dos alunos de graduação. A partir dessa data, coincidindo com os dois mandatos de FHC , intensificou-se a presença das instituições particulares no interior do campo do ensino superior. A extinção do CFE, no final do governo Itamar Franco, e a criação do Conse- lho Nacional de Educação (CNE) conferiram ao MEC uma maior autonomia
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na condução do processo de expansão do ensino superior. O CNE adotou uma política de flexibilização diante dos processos de autorização, reco- nhecimento e credenciamento de cursos e de instituições particulares. Tudo leva a crer que a lógica subjacente a essa postura repousava na crença de que o próprio mercado acadêmico regularia o desempenho das institui- ções, mediante o sistema de avaliação do Exame Nacional de Cursos (“Provão”), introduzido em 1996, e pela Avaliação das Condições de Ofer- ta, implantada em 1997 (Vieira & Farias, 2007; Caixeta, 2002).
Supunha-se que, na condição de consumidores educacionais, os estudantes e suas famílias orientariam suas escolhas através dos resulta- dos do sistema de avaliação, o que contribuiria indiretamente, numa lógica competitiva, para as instituições aumentarem a qualidade de seus produtos. Por sua vez, o total de recursos do Tesouro Nacional, inclu- indo os recursos para pessoal, nunca ultrapassou 0,90% do PIB de 1995 a 2002. Os recursos para investimentos (incluindo recursos próprios) nas IFES variaram de cerca de R$ 150 milhões para menos de R$ 50 milhões nesse período. O Ministério da Educação incentivou as insti- tuições federais a expandir a oferta de vagas a partir dos recursos hu- manos e físicos existentes, num contexto do aumento expressivo de aposentadorias de docentes e de funcionários. Ao mesmo tempo, hou- ve suspensão de concursos públicos para o preenchimento de novas va- gas, acarretando a precarização do trabalho docente e um expressivo recrutamento de professores substitutos (Corbucci, 2000 e 2004).
Nesse momento, os responsáveis pela política educacional no país incorporaram determinados princípios das agendas de organismos in- ternacionais, que recomendavam a desregulamentação do ensino supe- rior, a retração de gastos governamentais para esse nível de ensino e o incremento de investimentos na educação básica, o que incentivou ain- da mais a expansão das instituições privadas, não só no Brasil, mas em vários países. Entre 1995 e 2002, as matrículas saltaram de 1,7 milhões para 3,5 milhões de estudantes, um crescimento da ordem de 209%. Se o ensino público experimentou um aumento em termos de matrícu- las, foi o setor privado que comandou essa expansão, uma vez que suas matrículas de graduação cresceram de 60% para 70%. O número de universidades públicas ficou praticamente estagnado, ao contrário das universidades privadas, que passaram de 63 para 84 estabelecimentos. Dos 77 centros universitários criados no contexto da reorganização acadêmica das instituições de ensino, 74 eram privados (Marginson,
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para Todos ( PROUNI ), que tem sido objeto de avaliações controversas no meio acadêmico (Carvalho, 2006).
Nesse mesmo ano, o governo apresentou um projeto de Refor- ma Universitária que, ao contrário da realizada em 1968, foi ampla- mente debatido pela comunidade acadêmica e pela sociedade civil. Entre outros aspectos, o projeto busca recuperar o papel do Estado como ator central na condução do sistema de ensino superior, esta- belecendo um marco regulatório para o funcionamento dos estabele- cimentos públicos e privados. Procura também recuperar a impor- tância das instituições federais, estipulando que a União aplicaria nelas, durante dez anos, um valor nunca inferior a 75% da receita constitucionalmente vinculada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, excluindo desse montante as despesas realizadas com os aposentados. Lamentavelmente, o projeto de Reforma Universitária encontra-se em estado de letargia no poder legislativo, por ser objeto de apreciações divergentes (Martins, 2006; Sguissardi, 2006).
Em abril de 2007, o governo federal instituiu o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Fe- derais ( REUNI ), que visa dotá-las dos recursos financeiros necessários à ampliação do acesso, aumentar a qualidade dos seus cursos, melhorar o aproveitamento das estruturas físicas e rever sua arquitetura acadê- mica. O REUNI procura concretizar determinados marcos do Plano Nacional de Educação, que estabeleceu a meta de oferecer educação superior a pelo menos 30% dos jovens na faixa etária de 18-24 anos até 2010 (Presidência da República, 2007).
A escala da privatização torna-se saliente quando se examina os dados mais recentes relativos ao ensino superior. Em 2006, esta- vam matriculados na graduação 4,7 milhões de alunos, dos quais 74% estudavam em estabelecimentos privados. O setor particular com fins lucrativos absorvia 41% das matrículas. As instituições fe- derais respondiam por 12%, as estaduais por 10% e as municipais por 3% do total das matrículas. Existiam 2.270 instituições de gra- duação de diferentes tamanhos e com diversas vocações acadêmicas, das quais 89% pertenciam ao setor privado. O setor com fins lu- crativos representava 78% do total das instituições privadas.
No processo de escalada da privatização, algumas instituições particulares de perfil comercial romperam as fronteiras regionais,
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associaram-se comercialmente com estabelecimentos estrangeiros, co- locaram ações na bolsa de valores e, mais recentemente, passaram a atu- ar em outros países (Currie & Newson, 1998).
O “novo” ensino superior privado de perfil empresarial surgiu na medida em que as universidades públicas, sobretudo as federais, mo- dernizadas pela Reforma Universitária de 1968, não conseguiram aten- der à crescente demanda de acesso. Sua expansão foi possível devido à retração do ensino público na absorção da demanda. As complexas ali- anças políticas que os proprietários das empresas educacionais estabe- leceram com determinados atores dos poderes executivo e legislativo, nas últimas quatro décadas, possibilitaram essa multiplicação. Por sua vez, o espesso cipoal de leis, decretos, resoluções de conselhos e porta- rias ministeriais que se instalou no país lhes permitiu descumprir de- terminações legais que regulamentam o funcionamento das instituições e/ou reverter decisões desfavoráveis aos seus interesses junto ao poder judiciário.
Nesses últimos quarenta anos, o ensino superior brasileiro se estruturou como um campo acadêmico complexo, heterogêneo, no qual as instituições passaram a ocupar posições dominantes e/ou do- minadas em função dos critérios específicos que definem o prestígio e o reconhecimento dos estabelecimentos. Não seria de todo incorre- to levantar a suposição de que houve, nas últimas décadas, um pro- cesso de hierarquização acadêmica no interior do campo do ensino superior brasileiro.
Dessa forma, algumas universidades públicas (federais e estadu- ais) e determinadas universidades privadas (geralmente as confessionais) se organizaram gradualmente, de modo a se aproximarem de um mode- lo acadêmico neo-humboldtiano. Essas instituições criaram estruturas acadêmicas que propiciaram a produção científica institucionalizada, de- senvolveram cursos de pós-graduação stricto sensu , promoveram a pro- fissionalização da carreira acadêmica, adotaram o regime de tempo inte- gral para seus docentes, preservaram a liberdade acadêmica, associaram as atividades de ensino e pesquisa, implantaram programas de inicia- ção cientifica em parceria com agências de fomento nacionais. Em
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central na regulação e supervisão do sistema. A democratização do aces- so ao ensino superior passa necessariamente pela recuperação da centralidade das universidades públicas, onde as instituições federais devem ser revigoradas, dotadas de efetiva autonomia administrativo-fi- nanceira e decididamente apoiadas pelo poder central, de modo a res- gatar sua capacidade de funcionamento e expansão. Torna-se também de fundamental importância reverter a lógica de funcionamento do en- sino privado – movido pelo anseio frenético de acumulação de ganhos materiais –, de forma que assuma uma efetiva dimensão de bem pú- blico. Em função das sólidas alianças sociais e políticas que as empre- sas educacionais construíram no país e de sua ávida lógica mercantil, a questão que se coloca é: Será isso ainda possível?
Recebido em setembro de 2008 e aprovado em dezembro de 2008.
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