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Um manifesto publicado em 1870 que denuncia as violações da soberania nacional no brasil, apontando as causas que levaram à anulação dos princípios democráticos e a centralização do poder. O texto critica a monarquia e defende a necessidade de uma forma de governo representativo por todos, em oposição à monarquia monopolizada pelo poder central.
Tipologia: Notas de aula
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país. E esse partido não carece demonstrar a sua legitimidade. Desde que a reforma, alteração, ou revogação da Carta outorgada em 1824, está por ela mesma prevista e autorizada, é legítima a aspiração que hoje se manifesta para buscar em melhor origem o fundamento dos inauferíveis direitos da nação. Só à opinião nacional cumpre acolher ou repudiar essa aspi- ração. Não reconhecendo nós outra soberania mais de que a soberania do povo, para ela apelamos. Nenhum outro tribunal pode julgar-nos: nen- huma outra autoridade pode interpor-se entre ela e nós.
Como homens livres e essencialmente subordinados aos in- teresses da nossa pátria, não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que vivemos. Nosso intuito é esclarecê-la.
Em um regime de compressão e de violência, conspirar seria o nosso direito. Mas, no regime das ficções e da corrupção em que vivemos, discutir é o nosso dever. As armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liber- dade, a revolução moral, os amplos meios do direito, posto ao serviço de uma convicção sincera, no nosso entender, para a vitória da nossa causa, que é a causa do progresso e da grandeza da nossa pátria.
AOS NOSSOS CONCIDADÃOS
A bandeira da democracia, que abriga todos os direitos, não repele, por erros ou convicções passadas, as adesões sinceras que se lhe manifestem. A nossa obra é uma de patriotismo e não de exclusivismo, e, aceitando a comparticipação de todo o concurso leal, repudiamos a solidariedade de todos os interesses ilegítimos.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Uma longa e dolorosa experiência há doutrinado ao povo, aos partidos e aos homens públicos em geral da nossa terra.
A imprevidência, as contradições, os erros e as usurpações governamentais, influindo sobre os negócios internos e externos da nossa pátria, hão criado esta situação deplorável, em que as inteligências e os caracteres políticos parecem fatalmente obliterados por um funesto eclipse.
De todos os ângulos do país surgem as queixas, de todos os lados políticos surgem os protestos e as revelações estranhas que denun- ciam a existência de um vício grave, o qual põe em risco a sorte da liber- dade pela completa anulação do elemento democrático.
O perigo está indicado e é manifesto. Sente-se a ação do mal e todos apontam a origem dele. E quando maior seja o empenho dos que buscam ocultar a causa na sombra de uma prerrogativa privile- giada e quase divina, tanto maior deve ser o nosso esforço para espancar essa sombra e fazer a luz sobre o mistério que nos rodeia.
As condições da luta política hão variado completamente de certo tempo a esta parte. Já não são mais os partidos regulares que pleiteiam, no terreno constitucional, as suas idéias e os seus sistemas. São todos os partidos que se sentem anulados, reduzidos à impotência e expostos ao desdém da opinião pela influência permanente de um princípio corruptor e hostil à liberdade e ao progresso de nossa pátria.
Os agentes reconhecidos pela lei fogem à censura pela ale- gação da força superior que os avassala. A seu turno, o elemento acusado retrai-se à sombra da responsabilidade dos agentes legais.
Em tais condições, e abandonando a questão dos nomes próprios, que é mesquinha ante a grandeza do mal que nos assoberba e ante a idéia que nos domina, apresentamo-nos nós, responsabilizando
direito foi desnaturada e pervertida, é necessário remontar à origem histórica da fundação do Império.
Iniciado o pensamento da emancipação do Brasil, o de- spotismo colonial procurou desde logo surpreender, em uma emboscada política, a revolução que surgia no horizonte da opinião. Disfarçar a forma, mantendo a realidade do sistema que se procurava abolir, tal foi o intuito da monarquia portuguesa. Para isso bastou-lhe uma ficção -- substituir a pessoa, mantendo a mesma autoridade a quem faltava a legit- imidade e o direito.
Nos espíritos a Independência estava feita pela influência das idéias revolucionárias do tempo e pela tradição ensangüentada dos primeiros mártires brasileiros. Nos interesses e nas relações econômicas, na legislação e na administração, estava ela também feita pela influência dos acontecimentos que forçaram a abertura dos nossos portos ao comércio dos pavilhões estrangeiros e a desligação dos funcionários aqui estabelecidos.
A democracia pura, que procurava estabelecer-se em toda a plenitude de seus princípios, em toda a santidade de suas doutrinas, sen- tiu-se atraiçoada pelo consórcio falaz da realeza aventureira. Se ela triun- fasse, como devera ter acontecido, resguardando ao mesmo tempo as garantias do presente e as aspirações do futuro, ficaria quebrada a per- petuidade da herança que o Rei de Portugal queria garantir à sua di- nastia.
Entre a sorte do povo e a sorte da família, foram os interes- ses dinásticos os que sobrepujaram os interesses do Brasil. O rei de Por- tugal, arreceando-se da soberania democrática, qualificando-a de inva- sora e aventureira, deu-se pressa em lecionar o filho na teoria da traição.
O voto do povo foi dispensado. A forma da aclamação fic- tícia à sanção da soberania nacional, e a graça de Deus, impiamente aliada à vontade astuciosa do rei, impôs com o Império o imperador que o devia substituir.
O artifício era grosseiro. Cumpria disfarçá-lo. A unânime acla- mação dos povos carecia da corroboração nacional: a voz de uma Consti- tuinte era reclamada pela opinião. A realeza improvisada sentia a necessi- dade de legitimar a sua usurpação. A Constituinte foi convocada.
A missão dessa primeira Assembléia Nacional era árdua e solene. Assomando no horizonte político, tinha mais que uma nação para constituir, tinha um réu para julgar. A luta pronunciou-se, porque era inevitável. O intuito da realeza sentiu-se burlado: o que ela pretendia era um ato de subserviência. A atitude da Assembléia foi para ela uma surpresa.
Preexistindo à opinião e havendo-se constituído sem de- pendência do voto popular, não lhe convinha mais do que a muda sanção da sua usurpação, e nunca a livre manifestação da vontade do país.
A Constituinte foi dissolvida à mão armada, os repre- sentantes do povo dispersos, proscritos e encarcerados.
A espada vitoriosa da tirania cortou assim violentamente o único laço que a podia prender à existência nacional e envenenou a única fonte que lhe podia prestar o batismo da legitimidade.
À consciência dos réprobos chega também a iluminação do remorso; o próprio receio, se nem sempre traz o arrependimento, presta ao menos a intuição do perigo. Cumpre iludir a opinião, indignada e dol- orosamente surpreendida. As idéias democráticas tinham já então bas- tante força para que fossem desdenhosamente preteridas. A dissimu- lação podia, até certo ponto, suavizar a rudeza do golpe. A força ar- mada, já destra nas manobras do despotismo, tranqüiliza o ânimo do monarca quanto à veemência das paixões que pudessem prorromper. A carta constitucional foi outorgada. E para que ainda um simulacro de opinião lhe emprestasse a força moral de que precisa, foram os agentes do despotismo os próprios encarregados de impô-la à soberania na- cional, sob a forma do juramento político.
Tal é a lei que se diz fundamental. Com ela firmou-se o Im- pério. Mescla informe de princípios heterogêneos e de poderes que to- dos se anulam diante da única vontade que sobre todos impera, é ela a base da Monarquia temperada que, pela graça de Deus, nos coube em sorte.
Há 48 anos que o grande crime foi cometido; e dessa data em diante, de que se pode contar a hégira da liberdade entre nós, começou também esse trabalho longo e doloroso que tem exaurido as forças nacionais no empenho infrutuoso de conciliar os elementos con-
político, sem o eixo sobre que devia girar, isto é, a vontade do povo, fi- cou girando em torno de um outro eixo -- a vontade de um homem.
A liberdade aparente e o despotismo real, a forma dissimu- lando a substância, tais são os característicos da nossa organização con- stitucional.
O Primeiro como o Segundo Reinados são por isso semel- hantes.
O SOFISMA EM AÇÃO O último presidente do Conselho de Ministros do ex-im- perador dos franceses, em carta aos seus eleitores, deixou escapar a seguinte sentença: -- A perpetuidade do soberano, embora unida à re- sponsabilidade, é uma coisa absurda; mas a perpetuidade unida à irre- sponsabilidade é uma coisa monstruosa.
Nesta sentença se resume o processo do nosso sistema de governo.
Por ato próprio, o fundador do Império e chefe da dinastia reinante se consagrou inviolável, sagrado e irresponsável. A infalibilidade do arbítrio pessoal substituiu assim a razão e a vontade coletiva do povo brasileiro.
Que outras condições, em diverso regime, constituem o ab- solutismo?
Quando não fossem bastantes estes atributos de suprema- cia, as faculdades de que se acha investido o soberano pela Carta outor- gada em 1824 bastavam para invalidar as prerrogativas aparentes com que essa Carta simulou garantir as liberdades públicas.
O poder intruso que se constituiu chave do sistema regu- lador dos outros poderes, ponderador do equilíbrio constitucional, avo- cou a si e concentrou em suas mãos toda a ação, toda a preponderância. Nenhuma só das pretendidas garantias democráticas se encontra sem o corretivo ou a contradição que a desvirtua e nulifica.
Temos representação nacional? Seria esta a primeira condição de um país constitucional rep- resentativo. Uma questão preliminar responde à interrogação. Não há nem pode haver representação nacional onde não há eleição livre, onde
a vontade do cidadão e a sua liberdade individual estão dependentes dos agentes imediatos do poder que dispõe da força pública.
Militarizada a nação, arregimentada ela no funcionalismo dependente, na guarda nacional pela ação do recrutamento ou pela ação da polícia, é ilusória a soberania, que só pode revelar-se sob a condição de ir sempre de acordo com a vontade do poder.
Ainda quando não prevalecessem essas condições, ainda quando se presumisse a independência e a liberdade na escolha dos mandatários do povo, ainda quando ao lado do poder que impõe pela força não existisse o poder que corrompe pelo favoritismo, bastava a ex- istência do Poder Moderador, com as faculdades que lhe dá a Carta, com o veto secundado pela dissolução, para nulificar de fato o elemento de- mocrático.
Uma Câmara de Deputados, demissível à vontade do sober- ano, e um Senado vitalício, à escolha do soberano, não podem constituir de nenhum modo a legítima representação do país.
A liberdade de consciência nulificada por uma Igreja privile- giada; a liberdade econômica suprimida por uma legislação restritiva; a liberdade da imprensa subordinada à jurisdição de funcionários do gov- erno; a liberdade de associação dependente do beneplácito do poder; a liberdade do ensino suprimida pela inspeção arbitrária do governo e pelo monopólio oficial; a liberdade individual sujeita à prisão preventiva, ao recrutamento, à disciplina da guarda nacional, privada da própria garan- tia do habeas corpus pela limitação estabelecida, tais são praticamente as condições reais do atual sistema de governo.
Um poder soberano, privativo, perpétuo e irresponsável forma, a seu nuto, o Poder Executivo, escolhendo os ministros, o Poder Legislativo, escolhendo os senadores e designando os deputados, e o Poder Judiciário, nomeando os magistrados, removendo-os, aposen- tando-os.
Tal é, em essência, o mecanismo político da Carta de 1824, tais são os sofismas por meio dos quais o Imperador reina, governa e administra.
Deste modo qual é a delegação nacional? Que poder a rep- resenta? Como pode ser a lei a representação da vontade do povo?
D. Manuel de Assis Mascarenhas, caráter severo e digno, manifestou no Senado o seu profundo desgosto pelo que observava, nos seguintes termos:
"Quando a inteligência, a virtude, os serviços são preteridos e postos de parte; quando os perversos são galardoados com empregos eminentes, pode-se afoitamente exclamar com Sêneca:
Morreram os costumes, o direito, a honra, a piedade, a fé, e aquilo que nunca volta quando se perde _ o pudor."
Nabuco de Araújo, conhecido e prático no governo, disse na Câmara vitalícia por ocasião da ascensão do Gabinete de 16 de julho:
"O Poder Moderador não tem o direito de despachar minis- tros como despacha delegados e subdelegados de polícia.
"Por sem dúvida, vós não podeis levar a tanto a atribuição que a Constituição confere à Coroa de nomear livremente os seus minis- tros, não podeis ir até ao ponto de querer que nessa faculdade se en- volva o direito de fazer política sem a intervenção nacional, o direito de substituir situações como lhe aprouver.
"Ora dizei-me: Não é isto uma farsa? Não é isto um ver- dadeiro absolutismo, no estado em que se acham as eleições no nosso país? Vede esta sorites fatal, esta sorites que acaba com a existência do sistema representativo: -- O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí o sistema representativo do nosso país!"
Francisco Otaviano, quando redator do Correio Mercantil , por mais de uma vez, estigmatizou em termos enérgicos o poder pes- soal que se ostenta e as inconveniências que de semelhante poder resul- tam à nação.
Saião Lobato e o mesmo Firmino Silva escreveram no Cor- reio Mercantil , cuja redação estava a seu cargo, as verdades seguintes:
"Quem de longe examinar as instituições brasileiras pelos efeitos da perspectiva; quem contentar-se em observar o majestoso fron- tispício do tempo constitucional, suas inscrições pomposas, sua ar- quitetura esplêndida, há de sem dúvida exclamar -- eis aqui um povo que possui a primeira das condições do progresso e da grandeza.
"Aquele, porém, que um dia estender o campo da obser- vação até o interior do edifício na esperança de aí admirar a realização dos elementos de felicidade que as formas ostensivas do Governo afi- ançavam, e o regime da liberdade tem desenvolvido em outros lugares, exclamará: Que decepção!" Sob a influência do Visconde de Camaragibe, Pinto de Campos e outros monarquistas por excelência, foi publicado em Per- nambuco no Constitucional , em 1868, o seguinte: "O governo, a nefasta política do governo do Imperador foi quem criou este estado desesperado em que nos achamos... política de proscrição, de corrupção, de venalidade e de cinismo... um tal governo não é o da nação pela nação, é o governo do Imperador pelo Impera- dor... À proporção que o poder se une nas mãos de um só, a nação se desune e di- vide." O Diário do Rio de Janeiro , escrito sob as inspirações do Barão de Cotegipe, dizia no mesmo ano: "Tudo está estremecido: a Ordem e a Liberdade. Se o pre- sente aflige, o futuro assusta." O mesmo Diário , e sob a inspiração dos mesmos homens, dizia eloqüentemente em referência às insidiosas palavras -- harmonia dos brasileiros: "A harmonia imposta é a paz de Varsóvia, ou a obediência dos turcos. "Não pode haver harmonia entre oprimidos e opressores, entre usurpadores e usurpados, entre algozes e vítimas. "Se os oprimidos suportam, chamai-os resignados. "Se não promovem a reivindicação chamai-os covardes. Mas em respeito a Deus, que tudo vê, não chameis harmonia dos brasileiros o desprezo das leis, a ditadura disfarçada, a desgraça privada, o rebaix- amento da dignidade nacional". Silveira da Mota disse no Senado em 1859: "As práticas constitucionais enfraquecem-se todos os dias; o regime representativo tem levado botes tremendos, a depravação dos sistemas é profunda. "No país o que há somente é a forma de governo repre- sentativo: a substância desapareceu.
"Para os homens independentes e sinceros, o ostracismo; para os lacaios e instrumentos de sua grande política, os títulos e as con- decorações!"
José de Alencar antes de ser ministro escrevia: "O que resta do país? O povo inerte, os partidos extintos, o Parlamento decaído!"
Depois que deixou o Ministério, e com a experiência adquirida nos Conselhos da Coroa, disse:
"Há com efeito uma causa que perturba em nosso país o de- senvolvimento do sistema representativo, fazendo-nos retrogradar além dos primeiros tempos da Monarquia. Em princípio latente, conhecida apenas por aqueles que penetravam os arcanos do poder, a opinião igno- rava a existência desse princípio de desorganização. Por muito tempo duvidamos do fato.
"Hoje, porém, ele está patente, o governo pessoal se ostenta a todo instante, e nos acontecimentos de cada dia. Parece que perdeu a timidez ou modéstia de outrora, quando se recatava com estudada re- serva. Atualmente faz garbo de seu poder; e, se acaso a responsabilidade ministerial insiste em envolvê-lo no manto das conveniências, acha meios de romper o véu e mostrar-se a descoberto.
"Como um pólipo monstruoso, o governo pessoal invade tudo, desde as transcendentes questões da alta política até às nugas da pequena administração."
Antônio Carlos, o velho, no primeiro ano do atual reinado, na discussão da Lei de 3 de dezembro, já dizia:
"O princípio regulador de um povo livre é governar-se por si mesmo; a nova organização judiciária exclui o povo brasileiro do dire- ito de concorrer à administração da Justiça; tudo está perdido, senhores, abdicamos da liberdade para entrarmos na senda dos povos possuídos!"
O próprio Barão de S. Lourenço teve a franqueza de dizer no Senado:
"A força e prestígio, que com tanto trabalho os partidos tin- ham ganho para o Governo do país, estão mortos.
"As províncias perderam a fé no GOVERNO DO IM- PÉRIO".
Tal é a situação do país, tal é a opinião geral emitida no Par- lamento, na Imprensa, por toda a parte.
A FEDERAÇÃO No Brasil, antes ainda da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo. A topografia do nosso território, as zonas diversas em que ele se divide, os climas vários e as produções diferentes, as cordilheiras e as águas estavam indicando a ne- cessidade de modelar a administração e o governo local acompanhando e respeitando as próprias divisões criadas pela natureza física e impostas pela imensa superfície do nosso território.
Foi a necessidade que demonstrou, desde a origem, a eficácia do grande princípio que embalde a força compressora do regime centralizador tem procurado contrafazer e destruir.
Enquanto colônia, nenhum receio salteava o ânimo da Monarquia portuguesa por assim repartir o poder que delegava aos vas- salos diletos ou preferidos. Longe disso, era esse o meio de manter, com a metrópole, a unidade severa do mando absoluto.
As rivalidades e os conflitos que rebentavam entre os difer- entes delegados do poder central, enfraquecendo-os e impedindo a soli- dariedade moral quanto às idéias e a solidariedade administrativa, quanto aos interesses e às forças disseminadas, eram outras tantas garantias de permanência e solidez para o princípio centralizador e despótico. A eficácia do método havia já sido comprovada, por ocasião do movimento revolucionário de 1787 denominado -- a Inconfidência.
Nenhum interesse, portanto, tinha a Monarquia portuguesa quando homiziou-se no Brasil, para repudiar o sistema que lhe garantira, com a estrangulação dos patriotas revolucionários, a perpetuidade do seu domínio nesta parte da América. A divisão política e administrativa permaneceu, portanto, a mesma na essência, apesar da transferência da sede monárquica para as plagas brasileiras.
A Independência proclamada oficialmente em 1822 achou e respeitou a forma da divisão colonial.
A idéia democrática representada pela primeira Constituinte brasileira tentou, é certo, dar ao princípio federativo todo o desen- volvimento que ele comportava e de que carecia o país para poder mar-
cer o elemento democrático, embalando-o sempre com a esperança do seu próximo resgate. Mas ainda quando, por sinais tão evidentes, não se houvesse já demonstrado a exigência das províncias quanto a esse interesse supe- rior, a ordem de coisas que prepondera não pode deixar de provocar o estigma de todos os patriotas sinceros. A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo do progresso local, suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo- as satélites obrigados do grande astro da Corte -- centro absorvente e compressor que tudo corrompe e tudo concentra em si -- na ordem moral e política, como na ordem econômica e administrativa.
O Ato Adicional, interpretando a lei de 3 de dezembro, o Conselho de Estado, criando, com o regime da tutela severa, a instância superior e os instrumentos independentes que tendem a cercear ou anu- lar as deliberações dos parlamentos provinciais, apesar de truncados; a dependência administrativa em que foram colocadas as províncias, até para os atos mais triviais; o abuso do efetivo seqüestro dos saldos dos orçamentos provinciais para as despesas e para as obras peculiares do município neutro; a restrição imposta ao desenvolvimento dos legítimos interesses das províncias pela uniformidade obrigada, que forma o tipo da nossa absurda administração centralizadora, tudo está demonstrando que posição precária ocupa o interesse propriamente confrontado com o interesse monárquico que é, de si mesmo, a origem e a força da centrali- zação.
Tais condições, como a História o demonstra e o exemplo dos nossos dias está patenteando, são as mais próprias para, com a ener- vação interior, expor a pátria às eventualidades e aos perigos da usur- pação e da conquista.
O nosso estado é, em miniatura, o estado da França de Napoleão III. O desmantelamento daquele país que o mundo está pre- senciando com assombro não tem outra causa explicativa.
E a própria guerra exterior, que tivemos de manter por espaço de seis anos, deixou ver, com a ocupação de Mato Grosso e a in-
vasão do Rio Grande do Sul, quanto é impotente e desastroso o regime da centralização para salvaguardar a honra e a integridade nacional.
A autonomia das províncias é, pois, para nós mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira.
O regime da federação baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-se à categoria de estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da soli- dariedade dos grandes interesses da representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira.
Se carecêssemos de uma fórmula para assinalar perante a consciência nacional os efeitos de um e outro regime, nós a resu- miríamos assim: _^ Centralização _ Desmembramento. Descentralização _ Uni- dade.
A VERDADE DEMOCRÁTICA Posto de parte o vício insaciável de origem da Carta de 1824, imposta pelo príncipe ao Brasil constituído sem Constituinte, ve- jamos o que vale a monarquia temperada, ou monarquia constitucional representativa.
Este sistema misto é uma utopia, porque é utopia ligar de modo sólido e perdurável dois elementos heterogêneos, dois poderes di- versos em sua origem, antinômicos e irreconciliáveis -- a monarquia hereditária e a soberania nacional, o poder pela graça de Deus, o poder pela vontade, coletiva, livre e soberana de todos os cidadãos.
O consórcio dos dois princípios é tão absurdo quanto re- pugnante o seu equilíbrio.
Ainda quando, como sonharam os doutores da monarquia temperada, nenhum dos dois poderes preponderasse sobre o outro, para que, caminhando paralelamente, mutuamente se auxiliassem e fiscalizas- sem, a conseqüência a tirar é que seriam iguais.
Ora, admitir a igualdade do poder divino ao humano é de impossível compreensão.
pação de todos os cidadãos, tenha a suprema direção e pronuncie a última palavra nos públicos negócios. Desde que exista, em qualquer constituição, um elemento de coação ao princípio da liberdade democrática, a soberania nacional está violada, é uma coisa írrita e nula, incapaz dos salutares efeitos da mod- erna fórmula do governo -- o governo de todos por todos.
Outra condição indispensável da soberania nacional é ser inalienável e não poder delegar mais que o seu exercício. A prática do di- reito e não o direito em si é o objeto do mandato.
Desta verdade resulta que quando o povo cede uma parte de sua soberania, não constitui um senhor, mas um servidor, isto é um funcionário. Ora, a conseqüência é que o funcionário tem de ser revogável, móvel, eletivo, criando a fórmula complementar dos estados modernos -- a mobilidade nas pessoas e a perpetuidade nas funções -- contra a qual se levantam nos sistemas, como o que nos rege, os princípios da hereditariedade, da inviolabilidade, da irresponsabilidade. Associar, uma à outra, duas opiniões ciosas de suas prerro- gativas, com interesses manifestamente contrários é, na frase de Gam- betta, semear o germe de eternos conflitos, procurar a neutralização das forças vivas da nação, em um duelo insensato e aguardar irremediavel- mente um dos dois resultados: ou que a liberdade do voto e a universali- dade do direito sucumbam ante as satisfações e os desejos de um só, ou que o poder de um só desapareça diante da maioria do direito popular.
Ainda mais: a soberania nacional não pode sequer estipular sobre a sua própria alheação. Porque é a reunião, a coleção das vontades de um povo. E como as gerações se sucedem, e se substituem, fora iníquo que o contrato de hoje obrigasse de antemão a vontade da geração futura, dispondo do que não lhe pertence, e instituindo uma tutela perene que seria a primeira negação da própria soberania nacional.
A manifestação da vontade da nação de hoje pode não ser a manifestação da vontade da nação de amanhã, e daí resulta que, ante a verdade da democracia, as constituições não devem ser velhos marcos da senda política das nacionalidades, assentadas como a consagração e o símbolo de princípios imutáveis. As necessidades e os interesses de cada época têm de lhes imprimir o cunho de sua individualidade.
Se houver, pois, sinceridade ao proclamar a soberania na- cional, cumprirá reconhecer sem reservas que tudo quanto ainda hoje pretende revestir-se de caráter permanente e hereditário no poder está eivado do vício da caducidade, e que o elemento monárquico não tem coexistência possível com o elemento democrático. É assim que o princípio dinástico e a vitaliciedade do Senado são duas violações flagrantes da soberania nacional, e constituem o principal defeito da Carta de 1824.
EM CONCLUSÃO Expostos os princípios gerais que servem de base à democ- racia moderna, única que consulta e respeita o direito e a opinião dos povos; temos tornado conhecido o nosso pensamento.
Como o nosso intuito deve ser satisfeito pela condição da preliminar estabelecida na própria Carta outorgada, a convocação de uma Assembléia Constituinte com amplas faculdades para instaurar um novo regime é necessidade cardeal. As reformas a que aspiramos são complexas e abrangem todo o nosso mecanismo social. Negá-las, absolutamente, fora uma obra ímpia porque se provocaria a resistência.
Aprazá-las indefinidamente fora um artifício grosseiro e perigoso. Fortalecidos, pois, pelo nosso direito e pela nossa consciên- cia, apresentamo-nos, perante os nossos concidadãos, arvorando resolu- tamente a bandeira do Partido Republicano Federativo.
Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos estados ameri- canos.
A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam.
Perante a Europa passamos por ser uma democracia monár- quica que não inspira simpatia nem provoca adesão. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, onde o instinto e a