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Contos, de Machado de Assis - Frei Simão, Notas de estudo de Literatura Brasileira

Machado de Asssis simão

Tipologia: Notas de estudo

Antes de 2010

Compartilhado em 10/09/2009

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paulo-karvan-9 🇧🇷

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Contos, de Machado de Assis - Frei Simão
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A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
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Texto scanneado e passado por processo de reconhecimento óptico de caracteres
(OCR) por Renato Lima <rlima@elogica.com.br>, graças a doação a partir da
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Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que
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Contos
Machado de Assis
Frei Simão
CAPÍTULO PRIMEIRO
FREI SIMÃO era um frade da ordem dos Beneditinos. Tinha, quando
morreu, cinqüenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito.
A causa desta velhice prematura derivava da que o levou ao claustro
na idade de trinta anos, e, tanto quanto se pode saber por uns frag-
mentos de memórias que ele deixou, a causa era justa.
Era frei Simão de caráter taciturno e desconfiado. Passava dias
inteiros na sua cela, donde apenas saía na hora do refeitório e dos
ofícios divinos. Não contava amizade alguma no convento, porque
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Contos, de Machado de Assis - Frei Simão

Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro http://www.bibvirt.futuro.usp.br A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo Permitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por: Virtual Bookstore http://www.elogica.com.br/virtualstore/ - a livraria virtual da Internet Brasileira. Texto scanneado e passado por processo de reconhecimento óptico de caracteres (OCR) por Renato Lima rlima@elogica.com.br, graças a doação a partir da Cognitive Software do seu excelente Cuneiform http://www.orcr.com.

Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para bibvirt@futuro.usp.br.

Estamos em busca de patrocinadores e voluntários para nos ajudar a manter este projeto. Se você quer ajudar de alguma forma, mande um e-mail para bibvirt@futuro.usp.br e saiba como isso é possível.

Contos Machado de Assis

Frei Simão

CAPÍTULO PRIMEIRO

FREI SIMÃO era um frade da ordem dos Beneditinos. Tinha, quando morreu, cinqüenta anos em aparência, mas na realidade trinta e oito. A causa desta velhice prematura derivava da que o levou ao claustro na idade de trinta anos, e, tanto quanto se pode saber por uns frag- mentos de memórias que ele deixou, a causa era justa. Era frei Simão de caráter taciturno e desconfiado. Passava dias inteiros na sua cela, donde apenas saía na hora do refeitório e dos ofícios divinos. Não contava amizade alguma no convento, porque

não era possível entreter com ele os preliminares que fundam e con- solidam as afeições. Em um convento, onde a comunhão das almas deve ser mais pronta e mais profunda, frei Simão parecia fugir à regra geral. Um dos noviços pôs-lhe alcunha de urso, que lhe ficou, mas só entre os noviços, bem entendido. Os frades professos, esses, apesar do des- gosto que o gênio solitário de frei Simão lhes inspirava, sentiam por ele certo respeito e veneração. Um dia anuncia-se que frei Simão adoecera gravemente. Chama- ram-se os socorros e prestaram ao enfermo todos os cuidados neces- sários. A moléstia era mortal; depois de cinco dias frei Simão expirou. Durante estes cinco dias de moléstia, a cela de frei Simão esteve cheia de frades. Frei Simão não disse uma palavra durante esses cinco dias; só no último, quando se aproximava o minuto fatal, sen- tou-se no leito, fez chamar para mais perto o abade, e disse-lhe ao ouvido com voz sufocada e em tom estranho: -- Morro odiando a humanidade! O abade recuou até a parede ao ouvir estas palavras, e no tom em que foram ditas. Quanto a frei Simão, caiu sobre o travesseiro e passou à eternidade. Depois de feitas ao irmão finado as honras que se lhe deviam, a comunidade perguntou ao seu chefe que palavras ouvira tão sinis- tras que o assustaram. O abade referiu-as, persignando-se. Mas os frades não viram nessas palavras senão um segredo do passado, sem dúvida importante, mas não tal que pudesse lançar o terror no espí- rito do abade. Este explicou-lhes a idéia que tivera quando ouviu as palavras de frei Simão, no tom em que foram ditas, e acompanhadas do olhar com que o fulminou: acreditara que frei Simão estivesse doudo; mais ainda, que tivesse entrado já doudo para a ordem. Os hábitos da solidão e taciturnidade a que se votara o frade pareciam sintomas de uma alienação mental de caráter brando e pacífico; mas durante oito anos parecia impossível aos frades que frei Simão não tivesse um dia revelado de modo positivo a sua loucura; objetaram isso ao abade; nuas este persistia na sua crença. Entretanto procedeu-se ao inventário dos objetos que pertenciam ao finado, e entre eles achou-se um rolo de papéis convenientemente enlaçados, com este rótulo: "Memórias que há de escrever frei Simão de Santa Águeda, frade beneditino". Este rolo de papéis foi um grande achado para a comunidade curiosa. Iam finalmente penetrar alguma cousa no véu misterioso que

importância, não quero confiá-las ao nosso desleixado correio. Que- res ir no vapor ou preferes o nosso brigue? Esta pergunta era feita com grande tino. Obrigado a responder-lhe, o velho comerciante não dera lugar a que seu filho apresentasse objeções. O rapaz enfiou, abaixou os olhos e respondeu: -- Vou onde meu pai quiser. O pai agradeceu mentalmente a submissão do filho, que lhe pou- pava o dinheiro da passagem no vapor, e foi muito contente dar parte à mulher de que o rapaz não fizera objeção alguma. Nessa noite os dous amantes tiveram ocasião de encontrar-se sós na sala de jantar. Simão contou a Helena o que se passara. Choraram ambos algu- mas lágrimas furtivas, e ficaram na esperança de que a viagem fosse de um mês, quando muito. À mesa do chá, o pai de Simão conversou sobre a viagem do rapaz, que devia ser de poucos dias. Isto reanimou as esperanças dos dous amantes. O resto da noite passou-se em conselhos da parte do velho ao filho sobre a maneira de portar-se na casa do correspon- dente. Às dez horas, como de costume, todos se recolheram aos aposentos. Os dias passaram-se depressa. Finalmente raiou aquele em que devia partir o brigue. Helena saiu de seu quarto com os olhos ver- melhos de chorar. Interrogada bruscamente pela tia, disse que era uma inflamação adquirida pelo muito que lera na noite anterior. A tia prescreveu-lhe abstenção da leitura e banhos de água de malvas. Quanto ao tio, tendo chamado Simão, entregou-lhe uma carta para o correspondente, e abraçou-o. A mala e um criado estavam prontos. A despedida foi triste. Os dous pais sempre choraram alguma cousa, a rapariga muito. Quanto a Simão, levava os olhos secos e ardentes. Era refratário às lágrimas; por isso mesmo padecia mais. O brigue partiu. Simão, enquanto pôde ver terra, não se retirou de cima; quando finalmente se fecharam de todo as paredes do cár- cere que anda, na frase pitoresca de Ribeyrolles, Simão desceu ao seu camarote, triste e com o coração apertado. Havia como um pres- sentimento que lhe dizia interiormente ser impossível tornar a ver sua prima. Parecia que ia para um degredo. Chegando ao lugar do seu destino, procutou Simão o correspon- dente de seu pai e entregou-lhe a carta. O Sr. Amaral leu a carta,

fitou o rapaz e, depois de algum silêncio, disse-lhe, volvendo a carta: -- Bem, agora é preciso esperar que eu cumpra esta ordem de seu pai. Entretanto venha morar para a minha casa. -- Quando poderei voltar? perguntou Simão. -- Em poucos dias, salvo se as cousas se complicarem. Este salvo, posto na boca de Amaral como incidente, era a oração principal. A carta do pai de Simão versava assim:

Meu caro Amaral, Motivos ponderosos me obrigam a mandar meu filho desta cidade. Rete- nha-o por lá como puder. O pretexto da viagem á ter eu necessidade de ultimar alguns negócios com você, o que dirá ao pequeno, fazendo-lhe sempre crer que a demora é pouca ou nenhuma. Você, que teve na sua adolescência a triste idéia de engendrar romances, vá inventando circunstâncias e ocorrências impre- vistas, de modo que o rapaz não me torne cá antes de segunda ordem. Sou, como sempre, etc.

CAPÍTULO III

PASSARAM-SE DIAS e dias, e nada de chegar o momento de voltar à casa paterna. O ex-romancista era na verdade fértil, e não se cansava de inventar pretextos que deixavam convencido o rapaz. Entretanto, como o espírito dos amantes não é menos engenhoso que o dos romancistas, Simão e Helena acharam meio de se escre- verem, e deste modo podiam consolar-se da ausência, com presença das letras e do papel. Bem diz Heloísa que a arte de escrever foi inventada por alguma amante separada do seu amante. Nestas car- tas juravam-se os dous sua eterna fidelidade. No fim de dous meses de espera baldada e de ativa correspon- dência, a tia de Helena surpreendeu uma carta de Simão. Era a vigé- sima, creio eu. Houve grande temporal em casa. O tio, que estava no escritório, saiu precipitadamente e tomou conhecimento do negó- cio. O resultado foi proscrever de casa tinta, penas e papel, e instituir vigilância rigorosa sobre a infeliz rapariga. Começaram pois a escassear as cartas ao pobre deportado. Inqui- riu a causa disto em cartas choradas e compridas; mas como o rigor fiscal da casa de seu pai adquiria proporções descomunais, acontecia que todas as cartas de Simão iam parar às mãos do velho, que, depois de apreciar o estilo amoroso de seu filho, fazia queimar as ardentes epístolas.

FREI Simão de Santa Águeda foi obrigado a ir à província natal em missão religiosa, tempos depois dos fatos que acabo de narrar. Preparou-se e embarcou. A missão não era na capital, mas no interior. Entrando na capital, pareceu-lhe dever ir visitar seus pais. Estavam mudados física e mo- ralmente. Era com certeza a dor e o remorso de terem precipitado seu filho à resolução que tomou. Tinham vendido a casa comercial e viviam de suas rendas. Receberam o filho com alvoroço e verdadeiro amor. Depois das lágrimas e das consolações, vieram ao fim da viagem de Simão. -- A que vens tu, meu filho? -- Venho cumprir uma missão do sacerdócio que abracei. Venho pregar, para que o rebanho do Senhor não se arrede nunca do bom caminho. -- Aqui na capital? -- Não, no interior. Começo pela vila de ***. Os dous velhos estremeceram; mas Simão nada viu. No dia se- guinte partiu Simão, não sem algumas instâncias de seus pais para que ficasse. Notaram eles que seu filho nem de leve tocara em Hele- na. Também eles não quiseram magoá-lo falando em tal assunto. Daí a dias, na vila de que falara frei Simão, era um alvoroço para ouvir as prédicas do missionário. A velha igreja do lugar estava atopetada de povo. À hora anunciada, frei Simão subiu ao púlpito e começou o dis- curso religioso. Metade do povo saiu aborrecido no meio do sermão. A razão era simples. Avezado à pintura viva dos caldeirões de Pedro Botelho e outros pedacinhos de ouro da maioria dos pregadores, o povo não podia ouvir com prazer a linguagem simples, branda, per- suasiva, a que serviam de modelo as conferências do fundador da nossa religião. O pregador estava a terminar, quando entrou apressadamente na igreja um par, marido e mulher: ele, honrado lavrador, meio reme- diado com o sítio que possuía e a boa vontade de trabalhar; ela, se- nhora estimada por suas virtudes, mas de uma melancolia invencível. Depois de tomarem água-benta, colocaram-se ambos em lugar donde pudessem ver facilmente o pregador. Ouviu-se então um grito, e todos correram para a recém-chegada, que acabava de desmaiar. Frei Simão teve de parar o seu discurso, enquanto se punha temia ao incidente. Mas, por uma aberta que a turba deixava, pôde ele ver o rosto da desmaiada.

Era Helena. No manuscrito do frade há uma série de reticências dispostas em oito linhas. Ele próprio não sabe o que se passou. Mas o que se passou foi que, mal conhecera Helena, continuou o frade o discurso. Era então outra cousa: era um discurso sem nexo, sem assunto, um verdadeiro delírio. A consternação foi geral.

CAPÍTULO V

O DELÍRIO de frei Simão durou alguns dias. Graças aos cuidados, pôde melhorar, e pareceu a todos que estava bom, menos ao médico, que queria continuar a cura. Mas o frade disse positivamente que se retirava ao convento, e não houve forças humanas que o detivessem. O leitor compreende naturalmente que o casamento de Helena fora obrigado pelos tios. A pobre senhora não resistiu à comoção. Dous meses depois mor- reu, deixando inconsolável o marido, que a andava com veras. Frei Simão, recolhido ao convento, tornou-se mais solitário e taci- turno. Restava-lhe ainda um pouco da alienação. Já conhecemos o acontecimento de sua morte e a impressão que ela causara ao abade. A cela de frei Simão de Santa Águeda esteve muito tempo reli- giosamente fechada. Só se abriu, algum tempo depois, para dar en- trada a um velho secular, que por esmola alcançou do abade acabar os seus dias na convivência dos médicos da alma. Era o pai de Simão. A mãe tinha morrido. Foi crença, nos últimos anos de vida deste velho, que ele não estava menos doudo que frei Simão de Santa Águeda.