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Teoria, método e criatividade MariiCeeflia de Souza Minayo (Organizadora) Suely Ferreira Deslandes Otávio Cruz Neto CAPÍTULO E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA Suely Ferreira Deslandes* L PROJETO CIENTÍFICO: ONDE SE INSERE, NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO? Quando tratamos da pesquisa qualitativa, fregiien- temente as atividades que compõem a fase exploratória, além de antecederem à construção do projeto, também asucedem. Muitas vezes, porexemplo, é necessário uma aproximação maior com o campo de observação para melhor delincarmos outras questões, tais como os ins- trumentos de investigação e o grupo de pesquisa. Tendo uma visão mais ampla, podemos dizer que a construção do projeto é, inclusive, uma etapa da fase exploratória. A fase exploratória de uma pesquisa é, sem dúvida, um de seus momentos mais importantes. Pode, até mes- mo, ser considerada uma pesquisa exploratória (Mi- * Socióloga, Mestranda em Saúde Pública, Pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Viokência e Saúde — ENSP/FIOCRUZ. 3H Pesquisa Social b) crítica porque devemos estabelecer um diálogo reflexivo entre a teoria e o objeto de investigação por nós escolhido; c) ampla porque deve dar conta do “estado” do conhecimento atual sobre o problema; 2) de articulação criativa, seja na detimitação do objeto de pesquisa, seja na aplicação de conceitos; 3) de humildade, ou seja, reconhecendo que todo conhecimento científico tem sempre um caráter: a) aproximado, isto é, se faz sempre a partir de outros conhecimentos sobre os quais se questiona, se aprofunda ou se critica; b) provisório; c) inacessível em relação à totalidade do objeto, isto é, as idéias ou explicações que fazemos da realidade estudada são sempre mais imprecisas do que a própria realidade; d) vinculada à vida real — a rigor, um problema intelectual surge a partir de sua existência na vida real e não “espontaneamente”; e) condicionado historicamente (Minayo, 1992). Seguiremos o texto optando por detalhar melhor as etapas da fase exploratória já no item consirução do projeto. Entendemos que esta forma de proceder agiliza a dimensão prática para a construção das etapas neces- sárias à investigação que deverão ser esboçadas no pro- jeto. 33 Pesquisa Social 2. A CONSTRUÇÃO DO PROJETO 2,1. Introdução Quando escrevemos um projeto, estamos mapeando de forma sistemática um conjunto de recortes. Estamos definindo uma cartografia de escolhas para abordar a realidade (o que pesquisar, como, por quê). Esta etapa de reconstrução da realidade, entendida af enquanto à definição de um objeto de conhecimento científico e as maneiras para investigá-lo, traz em si muitas dimensões. Ao elaborarmos um projeto científico, estaremos lidan- do, ao mesmo tempo, com pelo menos três dimensões importantes que são interligadas. A dimensão técnica trata das regras reconhecidas como científicas para a construção de um projeto, isto é, como definir um objeto, como abordá-lo e como esco- lher os instrumentos mais adequados para a investiga- ção. Sendo que técnica sempre diz respeito à montagem de instrumentos (Demo, 1991), o projeto de pesquisa é visto neste sentido como um instrumento da investiga- ção. A dimensão ideológica se relaciona às escolhas do pesquisador. Quando definimos o que pesquisar, a partir de que base teórica e como pesquisar, estamos fazendo escolhas que são, mesmo em última instância, ideológi- cas. A neutralidade da investigação científica é um mito. Não estamos, é certo, nos referindo a uma visão maniqueísta, onde o pesquisador reconstrói a realidade com “segundas intenções políticas”, Estamos, sim, fa- lando de uma característica intrínseca ao conhecimento 34 Pesquisa Social reconhecido no mundo científico é o projeto de pesquisa. Através deste, outros especialistas poderão tecer comen- tários e críticas, contribuindo para um melhor encami- nhamento da pesquisa. É importante lembrarmos que a pesquisa científica engloba sempre uma instância cole- tiva de reflexão. Ao alcançar a forma de projeto, o pesquisador já empreendeu alguns esforços anteriores (Holanda, 1975): a) Estudos preliminares, cujo objetivo maior é a definição do problema, possibilitando ao investigador perceber os alcances € limites da pesquisa proposta; b) Realização de um anteprojeto, isto é, um estudo mais planejado dos aspectos que comporão a pesquisa, defi- nidos de forma mais ampla, sem grande rigor ainda. O projeto de pesquisa deve, fundamentalmente, res- ponder as seguintes perguntas (Barros e Lehfeld, 1986; Rudio, 1986): e o que pesquisar? (Definição do problema, hipóte- ses, base teórica e conceitual); * por que pesquisar? (Justificativa da escolha do problema); e para que pesquisar? (Propósitos do estudo, seus objetivos); e como pesquisar? (Metodologia); * quando pesquisar? (Cronograma de execução); * com que recursos? (Orçamento); * pesquisado por quem? (Equipe de trabalho, pes- quisadores, coordenadores, orientadores). 36 Pesquisa Social O projeto de pesquisa deve esclarecer sobre os vá- rios elementos que irão compor a investigação. 2.3. Os elementos constitutivos de um projeto de pesquisa A. Definição do tema e escolha do problema ou Definição do objeto O tema de uma pesquisa indica uma área de interes- se a ser investigada. Trata-se de uma delimitação ainda bastante ampla. Por exemplo, quando alguém diz que deseja estudar a questão da “violência conjugal” ou a “prostituição masculina”, está se referindo ao assunto de seu interesse. Contudo, é necessário para a realização de uma pesquisa um recorte mais “concreto”, mais preciso deste assunto. Ao formularmos perguntas ao tema e ao assunto proposto, estaremos construindo sua problema- tização. A definição do problema ou objeto de pesquisa às vezes é tarefa difícil. Embora possa parecer uma “tecaí- da” positivista, vale lembrar que uma maneira de facili- tar este primeiro momento de impasse é a descrição do problema especulando sobre seu campo de observação em relação a algumas variáveis (Rudio, 1986). Esta medida deve ser entendida como provisória para melhor aclarar o objeto proposto e não como “mol- de” restritivo. Passemos ao exemplo. Quando dizemos que vamos estudar a “violência conjugal”, delimitamos aí, muito amplamente, o campo de observação: casais (legalmente casados ou não). Se 37 Pesquisa Social b) O problema deve ser claro e preciso. Exemplo de imprecisão: “Como funciona a mente dos maridos que espancam suas esposas?” Parece pouco provável que possa ser respondida pergunta tão vasta. c) Deve ser delimitado a uma dimensão variável. O problema é, às vezes, formulado de maneira muito am- Pla, impossível de ser investigado. Por exemplo, alguém deseja estudar o que pensam as mulheres sobre o fato de maridos espancarem suas esposas. Contudo, nunca con- seguirá saber o que pensam todas as mulheres sobre o assunto. Então deverá restringir-se, por exemplo, à opi- nião daquelas mulheres que sofrem tal problema, numa localidade específica. Às vezes, problemas propostos não se encaixam a estas regras. Um caso típico é o dos temas pouco estu- dados ou muito recentes que carecem de pesquisas ex- ploratórias posteriores à elaboração do projeto. A escolha de um problema merece que o pesquisa- dor faça sérias indagações (Rudio, 1986): a) Trata-se de um problema original? b) O problema é relevante? c) Ainda que seja “interessante”, é adequado para mim? d) Tenho hoje possibilidades reais para executar tal estudo? e) Existem recursos financeiros para a investigação deste tema? f) Terei tempo suficiente para investigar tal questão? 39 Pesquisa Social B. Definição da base teórica e conceitual A definição teórica e conceitual é um momento crucial da investigação científica. É sua base de susten- tação. Remetendo este item a uma dimensão técnica, de- vemos dizer que é imprescindível a definição clara dos pressupostos teóricos, das categorias e conceitos a serem utilizados. Devemos tomar cuidado para não reescrevermos à obra dos autores que embasam a teoria escolhida, re- construindo um verdadeiro tratado e certamente de me- nor qualidade. Devemos, então, ser sintéticos € objetivos, estabelecendo, primordialmente, um diálogo entre a teoria e o problema a ser investigado. C. Formulação de hipóteses A inclusão das hipóteses no campo da pesquisa social é muitas vezes criticada como um comportamento positivista, onde as conclusões de uma pesquisa deve- riam sempre resultar de “respostas objetivas” construí- das ao longo da investigação. Buscaremos aqui, relativizando estes parâmetros objetivistas, encarar a formulação de hipóteses como uma tentativa de criar indagações a serem verificadas na investigação. Portanto, consideramos que este item pode ser substituído ou encarado como uma formulação de pressupostos ou de questões. Enfim, como um diálogo que se estabelece entre o olhar do pesquisador e a realidade a ser investigada. São, em suma, afirmações Pesquisa Social D. Justificativa Trata-se da relevância, do por que tal pesquisa deve ser realizada. Quais motivos a justificam? Que contri- buições para a compreensão, intervenção ou solução para o problema trará a realização de tal pesquisa? A forma de justificar em pesquisa que produz maior impacto é aquela que articula a relevância intelectual e prática do problema investigado à experiência do inves- tigador. E. Objetivos Buscamos aqui responder ao que é pretendido com a pesquisa, que metas almejamos alcançar ao término da investigação. É fundamental que estes objetivos sejam possíveis de serem atingidos. Geralmente se formula um objetivo geral, de dimensões mais amplas, articulando-o a outros objetivos mais específicos. Sugerimos a utilização dos verbos no infinitivo para a descrição dos objetivos. Por exemplo, podemos ter como objetivo: “Analisar os fatores que desencadeiam ou predispõem a agressão de maridos contra suas companheiras” ou “Conhecer as opiniões das mulheres maltratadas por maridos sobre a violência por elas sofrida”. F. Metodologia Geralmente é uma parte complexa e deve requerer maior cuidado do pesquisador. Mais que uma descrição 42 Pesquisa Social formal dos métodos e técnicas a serem utilizados, indica as opções e a leitura operacional que o pesquisador fez do quadro teórico. A metodologia não só contempla a fase de explora- ção de campo (escolha do espaço da pesquisa, escolha do grupo de pesquisa, estabelecimento dos critérios de amostragem e construção de estratégias para entrada em campo) como a definição de instrumentos e procedimen- tos para análise dos dados. Definiremos, sinteticamente, os principais elemen- tos da metodologia. a) Definição da amostragem. A pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade. Uma pergunta importante neste item é “quais indivíduos sociais têm uma vinculação mais significativa para o problema a ser investigado?” A amostragem boa é aquela que possibilita abranger a totalidade do problema investigado em suas múltiplas dimensões (Minayo, 1992). b) Coleta de dados. Devemos definir as técnicas a serem utilizadas tanto para a pesquisa de campo (entre- vistas, observações, formulários, história de vida) como para a pesquisa suplementar de dados, caso seja utilizada pesquisa documental, consulta a anuários, censos. Ge- ralmente se requisita que seja anexado ao projeto o roteiro dos instrumentos utilizados em campo. c) Organização e análise de dados. Devemos des- crever com clareza como os dados serão organizados e analisados. Por exemplo, as análises de conteúdo, de discurso, ou análise dialética são procedimentos possí- 43 Pesquisa Social (revisão bibliográfica, montagem de instrumentos de coleta, pré-testes dos instrumentos, aplicação dos instru- mentos e fase de análise). I. Referências bibliográficas Geralmente num projeto científico muitos autores e dados são citados. No corpo do projeto deve ser feita citação breve que possibilite maior agilização da leitura. Em seguida, ao final do projeto todas as citações feitas serão listadas de forma integral num item à parte. Na realidade, existe uma grande variedade de nor- mas para a citação bibliográfica. Optaremos pela forma que consideramos a mais prática, ilustrando-a com exemplos simples. Podemos citar literalmente, utilizando as aspas e reproduzindo fielmente o texto, ou fazer uma “apropria- ção de idéias” de determinado autor. À primeira forma é a mais rigorosa, pois dificulta apropriações indébitas das idéias daquele autor. Na segunda forma, enunciamos determinada idéia ou fato é colocamos entre parênteses autor e ano de publicação. Da citação de um livro deverá constar (Eco, 1985): 1. Nome e sobrenome do autor (ou organizador, ou autores); 2. Título do livro e subtítulo, em grifo, sem aspas; 3. Coleção, se for o caso; 4. Número da edição se houver mais de uma; 5. Cidade e edição — se não constar, escrever “S.L.” (sem local); 45 Pesquisa Social 6. Editor (editora); 7. Data da edição — se não constar, escrever “S.D” (sem data); 8. Número de volumes, se for o caso; 9. Se for uma tradução, deverá então constar o título em original, o nome do tradutor, local da edição original e a editora, data e número de páginas. Contudo, este procedimento não é muito usual. Eis um exemplo: ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 2* ed. São Paulo, Perspectiva, 1985. Suponhamos que alguém esteja citando um artigo de revista, então deverá fazer constar: 1. Nome e sobrenome do autor; 2. Título entre aspas; 3. Título da revista em grifo, sem aspas; 4. Volume e número do fascículo; 5. Mês e ano; 6. Páginas onde consta o referido artigo. Assim teríamos: KIRCHNER, Walter. “The black death”. Clinical pediatrics. V.5, n. 7, july, 1969, p. 432-436. Na citação de capítulo de livro de um único autor deveriam figurar os seguintes elementos: 1, Nome e sobrenome do autor; 2. Título do capítulo entre aspas; 3.m; 4. Título do livro em grifo; 5. Número do volume, se for o caso; (c) Na margem inferior, os dizeres “Projeto de Pes- quisa Apresentado à (nome da instituição) Como Requi- sito Parcial à Obtenção (de título tal, de financiamento)”; (d) No extremo da margem inferior, o local, o mês eoano. Uma observação muito importante: o título do Pro- jeto deve conter os conceitos fundamentais que alicer- cam a pesquisa. Deve ser uma síntese da investigação proposta. 2. Na segunda página deverá constar um índice com os capítulos ou itens e as respectivas páginas. 3. Da terceira página em diante deverão constar os temas: (a) Delimitação do problema; (b) Objetivos; (c) Justificativa; (d) Base Teórica e Pressupostos Conceituais e Hi- póteses (ou questões e pressupostos); (e) Metodologia; (f) Cronograma; (g) Estimativa de custos; (h) Bibliografia; (i) Anexos. Para finalizar este capítulo, lembramos que o estilo da redação obedece a algumas qualidades essenciais (Bastos e cols., 1982): (a) Deve ser clara, isto é, não deixar margem para ambigilidades. É bom evitar os rebuscamentos e excesso de termos. 48 Pesquisa Social (b) Deve ser objetiva. Assim, as questões serão tratadas de maneira direta e simples. Evitemos as frases longas. Como recomendação geral, apontamos o fato de que não devemos misturar os tempos de verbo nem os pro- nomes pessoais. Se quisermos um estilo mais coloquial, usaremos a primeira pessoa: eu ou nós. Empregamos frequentemente uma forma mais impessoal, que é a voz passiva. Por exemplo: “Encontra-se neste trabalho...”. Estamos falando de um projeto de pesquisa, logo, o tempo verbal recomendado é o futuro uma vez que indica uma intenção de pesquisa ainda a ser realizada. Esperamos, sinceramente, ter contribuído para a diminuição de algumas dúvidas. Sabemos também que muitas outras surgirão. Logo, indicamos alguns textos que podem ser de grande auxílio: (a) Sobre citações bibliográficas: ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 2? ed. São Paulo, Perspectiva, 1985. (b) Sobre estilo da redação científica e citações bibliográficas: BASTOS, Lília R.; PAIXÃO, Lyra; FERNANDES, Lucia M. Manual para a elaboração de projetos e relatórios de pesquisa, teses e dissertações. 3º ed. Rio de Janeiro, Guanabara, 1982. (c) Sobre como elaborar projetos de pesquisa: RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo, Atlas, 1985. RUDIO, Franz V. Introdução ao projeto de pesqui- sa científica. 11º ed. Petrópolis, Vozes, 1986. 49