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embasamento legal para direito constitucional
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Índice para catálogo sistemático:
A Constituição de 1988 confiou ao Judiciário papel até então não outorgado por nenhuma outra Constituição. Conferiu-se autonomia institucional, desconhecida na história de nosso modelo constitucional e que se revela, igualmente, singular ou digna de destaque também no plano do direito comparado. Buscou-se garantir a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Assegurou-se a autonomia funcional dos magistrados^1. O princípio da proteção judicial efetiva configura pedra angular do sistema de proteção de direitos. Conceberam-se novas garantias judiciais de proteção da ordem constitucional objetiva e do sistema de direitos subjetivos, a exemplo da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade, da ação direta por omissão, do mandado de injunção, do habeas data e do mandado de segurança coletivo. A ação civil pública ganhou dimensão constitucional. A ação popular teve seu âmbito de proteção alargado. A ampliação dos mecanismos de proteção tem influenciado a concepção de um modelo de organização do Judiciário. Daí exigir-se, por exemplo, que se adote, em alguns casos, o recurso ordinário para os Tribunais Superiores, como ocorre com as decisões denegatórias de habeas corpus, mandado de segurança ou habeas data. Ou, ainda, que se amplie a prestação jurisdicional tendo em vista determinados tipos de causas (juizados especiais para causas de menor complexidade e para os crimes de menor potencial ofensivo). O modelo presente, no entanto, consagra o livre acesso ao Judiciário. Os princípios da proteção judicial efetiva (art. 5º, XXXV), do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII) e do devido processo legal (art. 5º, LV) têm influência decisiva no processo organizatório da Justiça, especialmente no que concerne às garantias da magistratura e à estruturação independente dos órgãos. Destaca-se que, diferentemente do Legislativo e do Executivo, que se encontram em relação de certo entrelaçamento, o Poder Judiciário, ou a Jurisdição, é aquele que de forma mais inequívoca se singulariza com referência aos demais Poderes. Konrad Hesse observa que não é o fato de o Judiciário aplicar o Direito que o distingue, uma vez que se cuida de afazer que, de forma mais ou menos intensa, é levado a efeito pelos demais órgãos estatais, especialmente pelos da Administração. Todavia, o que caracterizaria a atividade jurisdicional é a prolação de decisão autônoma, de forma autorizada e, por isso, vinculante, em casos de direitos contestados ou lesados^2.
institucionais A Constituição de 1988 dotou os tribunais de um poder de autogoverno consistente na eleição de seus órgãos diretivos, elaboração de seus regimentos internos, organização de suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, no provimento dos cargos de magistrados de carreira da respectiva jurisdição, bem como no provimento dos cargos necessários à administração da Justiça (CF, art. 96, I). A organização do Judiciário deve ser disciplinada no Estatuto da Magistratura, estabelecido em lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, observados os princípios previstos na Constituição (CF, art. 93). Segundo a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, “até o advento da lei complementar prevista no artigo 93, caput, da Constituição de 1988, o Estatuto da Magistratura será disciplinado pelo texto da Lei Complementar n. 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional — LOMAN), que foi recebida pela Constituição”^4. O Supremo Tribunal Federal, em algumas ocasiões, declarou a inconstitucionalidade de normas constantes de Regimentos Internos de tribunais de justiça e de tribunal regional federal, quando elas, extrapolando o que dispõe a LOMAN no sentido de ampliar o leque de possíveis concorrentes, criaram regras diferenciadas para a eleição dos cargos de direção dos respectivos tribunais. A corte entendeu que os critérios para a escolha dos ocupantes dos cargos diretivos dos tribunais brasileiros devem ser estabelecidos no Estatuto da Magistratura, em razão de se tratar de matéria eminentemente institucional, e tendo em vista o caráter nacional da magistratura. Desse modo, uma nova regulamentação da matéria dependeria da edição de lei complementar federal, conforme o disposto no art. 93 da Constituição. Nesse sentido: ADI 3.976-MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Plenário, DJe, 15-2- 2008; ADI 3.566, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Red. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Plenário, DJ, 15-6-2007; ADI 4.108-MC-REF, Rel. Min. Ellen Gracie, Plenário, DJe, 6-3-2009. Assume igualmente relevância a competência reconhecida ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça para propor ao Poder Legislativo respectivo a alteração do número de membros dos tribunais inferiores, a criação e extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação dos subsídios de seus membros e dos juízes, a criação ou extinção dos tribunais inferiores, a alteração da organização e da divisão judiciárias (CF, art. 96, II). A autonomia administrativa e financeira materializa-se também na outorga aos tribunais do poder de elaborar suas propostas orçamentárias dentro dos limites estabelecidos com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. O encaminhamento das propostas deverá ser feito, no âmbito da União, pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais Superiores e, no âmbito dos
Estados e do Distrito Federal, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça. A Constituição consagra, ainda, que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias do Judiciário — e também do Legislativo, do Ministério Público e da Defensoria Pública — serão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos (CF, art. 168). Ademais, prevê-se que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça (CF, art. 98, § 2º). A Constituição contempla algumas diretrizes básicas para a organização do Poder Judiciário como um todo, tais como: a) ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB^5 em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito no mínimo três anos de atividade jurídica^6 ; b) promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento; c) aferição do merecimento conforme o desempenho pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; d) a recusa do juiz mais antigo pelo voto fundamentado de 2/3 dos membros do Tribunal^7. Nos tribunais com mais de vinte e cinco membros, poderá ser instituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo a metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno (CF, art. 93, XI). Tal como as decisões judiciais (CF, art. 93, IX), as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública (CF, art. 93, X). Há previsão para aplicação reservada de pena de advertência para magistrados, em relação a juízes de primeira instância, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo. Ainda, a decisão determinante de pena de censura será aplicada reservadamente, por escrito, no caso de reiterada negligência ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave. Essas duas últimas disposições, que excetuam a regra geral da publicidade da decisão, decorrem de previsão da LOMAN (LC n. 35/79, arts. 43 e 44). Nas disposições gerais do capítulo destinado ao Poder Judiciário, o constituinte inseriu dispositivo referente ao pagamento dos débitos da Fazenda oriundos de sentença judicial transitada em julgado. Assim, segundo o art. 100 da Constituição, o pagamento dos débitos oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado será realizado, pelo Poder Público, por meio de precatórios, que deverão ser pagos na ordem cronológica de apresentação e à conta dos créditos respectivos^8. Em 9 de dezembro de 2009, o constituinte derivado editou a EC n. 62/2009, que
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal poderão perder o cargo por decisão do Senado Federal, nos casos de crimes de responsabilidade, nos termos do art. 52, II, e parágrafo único, da Constituição de 1988. A inamovibilidade garante que o juiz não seja removido do cargo ex officio. Não se permite, igualmente, que, mediante qualquer mecanismo ou estratagema institucional, seja ele afastado da apreciação de um dado caso ou de determinado processo. A ordem constitucional contempla a possibilidade de se efetivar a remoção do juiz — bem como a decretação de sua disponibilidade ou aposentadoria —, por interesse público, mediante decisão da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça (CF, art. 93, VIII). A irredutibilidade de vencimentos, antes garantia exclusiva dos magistrados e hoje integrante da proteção dos servidores públicos em geral, completa esse elenco de garantias pessoais voltadas para assegurar a independência dos magistrados. Afasta-se aqui a possibilidade de qualquer decisão legislativa com o intuito de afetar os subsídios pagos aos juízes. Aos juízes impõem-se algumas vedações específicas, tais como: a) o exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou função, salvo uma função de magistério^14 ; b) a percepção, a qualquer título ou pretexto, de custas ou participação em processo, bem como o recebimento de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas; c) a participação em atividade político-partidária; d) o exercício de advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por exoneração ou aposentadoria. Tendo em vista a garantia da independência da magistratura, a Constituição é rígida quanto ao sistema de remuneração do juiz, inclusive no que concerne ao exercício de outra atividade remunerada. Admite-se tão somente o exercício de uma função de magistério. Qualquer outra atividade fica-lhe expressamente vedada. Há proibição do exercício de atividade político-partidária. Também aqui se cuida de vedação destinada a garantir, institucionalmente, as condições objetivas de imparcialidade do magistrado. Caso decida pela atividade político-partidária, o juiz terá de afastar-se, definitivamente, da magistratura, mediante aposentadoria ou exoneração. A vedação da atividade político-partidária por parte do magistrado é prevista no texto constitucional (art. 95, parágrafo único, III). A Lei Orgânica da Magistratura Nacional contempla a mesma regra, prevendo o perdimento do cargo por parte do magistrado que exercer a referida atividade político-partidária (LC n. 35/79, art. 26, II, c). A EC n. 45/2004 inovou nas vedações, ao estabelecer a proibição de o ex-ocupante de cargo na magistratura exercer atividade advocatícia perante o juízo ou tribunal do qual se afastou, salvo se decorridos três anos do afastamento. Tem-se aqui a aplicação da chamada “quarentena” no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de evitar situações geradoras de um estado de suspeição quanto ao bom funcionamento do
Judiciário. Embora a matéria tenha suscitado alguma polêmica, tendo em vista a restrição que se impõe sobre direitos individuais, a decisão afigura-se plenamente respaldada na ideia de reforço da independência e da imparcialidade dos órgãos judiciais. Eventuais críticas ao modelo adotado centraram-se na limitação ao exercício livre de atividade profissional. Por outro lado, a previsão procura afastar suposto perigo evidenciado pela odiosa prática do revolving doors, como se denomina no Direito norte-americano^15 o trânsito entre setores público e privado. Refere-se a profissional que detém segredo e prestígio por conta de determinada atividade e que, em tese, exploraria o savoir-faire e o bom nome, em benefício próprio ou de terceiros^16. Sobre o modelo judicial brasileiro, em texto anterior ao advento da Emenda n. 45/2004, que instituiu o Conselho Nacional de Justiça, anota Zaffaroni: “O caso do Brasil, adiantamos, segundo nosso juízo, é o único da estrutura judiciária latino-americana que escapa ao modelo empírico-primitivo, pois corresponde preferencialmente ao modelo tecno- burocrático. O modelo brasileiro apresenta uma longa tradição de ingresso e promoção por concurso, estabelecida na época do Estado Novo, correspondendo à coerência política desta quanto à criação de uma burocracia judiciária de corte bonapartista, mas que, definitivamente, tem tido como resultado um Judiciário semelhante aos modelos europeus da segunda metade do século passado e primeiras décadas do presente. O sistema de seleção ‘forte’ (concurso) está constitucionalmente consagrado, enquanto que a ‘carreirização’ se encontra apenas atenuada mediante incorporação lateral de um quinto dos juízes que devem provir, nos tribunais colegiados, do ministério público e dos advogados. A designação política é limitada aos juízes do Supremo Tribunal Federal, embora não faltem delimitações impostas pela tradição. Como se pode ver, trata-se de um sistema em que a qualidade técnica de seus membros é assegurada por concurso, cujo governo é vertical, exercido por um corpo ao qual dois terços de seus integrantes chegam por promoção e cuja principal função técnica é a unificação jurisprudencial, com amplas garantias e inamovibilidade. Não se trata de um modelo democrático contemporâneo, pois carece de órgão de governo horizontal e porque seu tribunal constitucional é de designação puramente política e não dispersa. De qualquer modo, em comparação com os demais modelos judiciários latino-americanos, a estrutura brasileira aparece como a mais avançada de toda a região e praticamente a única que não corresponde ao modelo empírico-primitivo do resto. Trata-se de verdadeira estrutura judiciária tecno-burocrática de nossa região”^17. Dois aspectos devem ser ressalvados. Primeiro, cumpre referir que a exigência de concurso público para provimento de cargos, tanto da magistratura quanto do Ministério Público, foi estatuída, pela primeira vez, na Constituição de 1934, época de fragmentação dos interesses políticos, distante, portanto, da unidade ideológica pós-
Segundo, com a superveniência do Conselho Nacional de Justiça institui-se um órgão central de controle da atuação do Poder Judiciário, pelo que as fronteiras de sua atuação constitucional restam garantidas institucionalmente. De outra sorte, também a indicação política para o órgão de cúpula do sistema judicial não representa déficit democrático, dando disso testemunho a secular história da jurisdição constitucional americana, dentre outros.
Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo. A primeira Constituição Republicana, de 24-2-1891, introduziu nova concepção do Poder Judiciário. A influência da doutrina constitucional americana contribuiu para que se outorgasse ao Supremo Tribunal Federal a função de guardião da Constituição e da ordem federativa, reconhecendo-lhe a competência para aferir a constitucionalidade da aplicação do Direito através de um recurso especial (Constituição de 1891, art. 59, n. 3, § 1º, a e b). Foi-lhe confiada, também, competência para decisão de causas e conflitos entre a União e os Estados ou entre Estados-membros (Constituição de 1891, art. 59, § 1 º, c). Peculiar significado foi atribuído ao habeas corpus como instrumento de proteção jurídica contra qualquer ato arbitrário do Poder Público (Constituição de 1891, art. 73, §§ 1º e 2º). Esse remédio jurídico, que, no seu sentido clássico, destinava-se à proteção do direito de ir e vir, foi utilizado, no Brasil, para proteger outros direitos individuais que estivessem vinculados, de forma direta ou indireta, à liberdade pessoal. Esse desenvolvimento foi denominado “doutrina brasileira do habeas corpus”. As decisões proferidas em alguns processos de habeas corpus contribuíram para que o Supremo Tribunal Federal se visse envolvido em sérias crises, já no começo de sua judicatura. Em 1893, o Tribunal declarou, em processo de habeas corpus, a inconstitucionalidade do Código Penal da Marinha. No HC 300, impetrado por Rui Barbosa^26 em favor do Senador Eduardo Wandelkok, entre outros, começou a se desenhar a doutrina brasileira do habeas corpus^27. No HC 406, o STF apreciou o caso do navio Júpiter, causa também patrocinada por Rui Barbosa, em favor de militares presos por ordem do então Presidente Floriano Peixoto^28. No HC 415, identicamente impetrado por Rui Barbosa, e também em favor de Eduardo Wandelkok, o STF apreciou (e indeferiu) pedido que invocava demora na formação da culpa, bem como suposta proteção oferecida por imunidade parlamentar do paciente. No HC 1.073, do mesmo modo impetrado por Rui Barbosa, discutiu-se o desterro para a Ilha de Fernando de Noronha de implicados no atentado ao Presidente Floriano Peixoto. O Tribunal, em sessão de 16-4-1898, deferiu a ordem e o Presidente da República, Prudente de Morais, cogitou de renunciar ao mandato, por considerar que o cumprimento do habeas corpus instalaria um quadro de desordem institucional^29. O Tribunal acolheu a tese segundo a qual “cessam, com o estado de sítio, todas medidas de repressão durante ele tomadas pelo Executivo”. A Emenda Constitucional de 1926 mudou as disposições sobre o processo de habeas corpus, restringindo o seu âmbito de aplicação à proteção do direito de ir e vir contra perigo iminente de violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal. Introduziram-se também alterações no modelo brasileiro, desenhando-se o que se convencionou denominar doutrina brasileira do habeas corpus. Os problemas políticos que se multiplicaram durante a República Velha, e que eram debatidos em âmbito de Judiciário, exigiram reação normativa. É de Lêda Boechat Rodrigues o
seguinte registro: “Diante da falta de outros remédios existentes no direito anglo-americano — ‘o mandamus, a injunction, o certiorari e o quo warranto’ — o Supremo Tribunal Federal viu à sua frente apenas um caminho: ampliar o ‘habeas corpus’ através da interpretação ‘lata ou construction do texto constitucional’, art. 72 § 22, na visão liberal que dele teve, em primeiro lugar, como grande advogado e excelso constitucionalista, Rui Barbosa. Conseguiu o Supremo Tribunal Federal fazê-lo magnificamente, ficando o seu esforço coroado como Doutrina Brasileira do ‘Habeas Corpus’. O Ministro Aliomar Baleeiro adotou este título; o Ministro Castro Nunes chamou-a de Teoria Brasileira do ‘Habeas Corpus’. O ponto mais alto da Doutrina Brasileira do ‘Habeas Corpus’ não pertence, de modo algum, ao Ministro Pedro Lessa. Para Pedro Lessa, o ‘habeas corpus’ somente protegia o direito de locomoção, ou o direito de ir e vir. Numa interpretação muito forçada, através do que chamou a liberdade-fim, atrelou ao direito de locomoção vários outros direitos. Sua longa judicatura, de 1907 a 1921, ajudou a dar-lhe enorme influência e sua perda foi considerada irreparável”^30. No início do século XX, o protestantismo passou a ser propagado nos centros urbanos brasileiros. A tradição católica era marca de nossa concepção religiosa, e o Estado laico era uma novidade que surgira com a Constituição de 1891. É também de Lêda Boechat Rodrigues a referência que segue e que ilustra a utilização do habeas corpus de modo ampliado, segundo doutrina que se formava: “Declarou o Tribunal: A todos é livre o exercício do culto religioso que professarem, podendo se associar, se reunir e fazer pública propaganda de suas crenças, dentro da ordem e em termos que não sejam ofensivos ou provocadores dos crentes de religiões diferentes, não podendo intervir a Polícia nessas reuniões, senão para manter a ordem. Esse ‘habeas corpus’ foi motivado pelo desejo de se fazer propaganda da religião protestante na praça pública de Campinas, SP. Anunciadas as conferências protestantes, os católicos anunciaram também conferências para as mesmas horas e lugares. A Polícia proibiu aos pacientes (Frederico Martins e outros) a realização de conferências. Pediram ‘habeas corpus’ ao juiz local, que o concedeu, para que fizessem, com ordem da Polícia, outras conferências de fiéis a outros cultos na mesma hora. O Tribunal de São Paulo cassou a ordem. Daí o pedido originário de ‘habeas corpus’, que o Supremo Tribunal concedeu para que aos referidos pacientes fosse assegurado o direito de se reunirem em praça pública, desde que usassem linguagem pacífica e sem ofensa ou provocação aos crentes de outras religiões. Os Ministros Viveiros de Castro e Edmundo Lins negavam a ordem. O Ministro Pedro dos Santos votou com o Relator”^31. A Revolução de 1930 pôs termo à Primeira República^32. As funções legislativas e executivas foram confiadas temporariamente ao Governo Provisório (Dec. n. 19.398, de 11-11-1930). O número de Ministros do Supremo Tribunal Federal foi reduzido de quinze para onze, dividindo-se o Tribunal em duas Turmas formadas por cinco Ministros (Dec. n. 19.656, de 3-2-1931). Ainda nesse período Getúlio Vargas, na chefia do Governo Provisório, baixou o Decreto n. 19.771, de 18-2-1931, aposentando seis Ministros do Supremo Tribunal Federal — Antônio Carvalho Pires e Albuquerque, Edmundo Muniz Barreto, Geminiano da Franca, Godofredo Cunha, Pedro Afonso Mibielli e Pedro dos Santos. A Constituição de 1934, que estabeleceu os fundamentos de uma nova ordem democrática, concebeu o Supremo Tribunal Federal, então chamado Corte Suprema, composto por onze membros. As competências básicas definidas na Constituição de 1891 foram mantidas. Diferentemente do que ocorrera sob a Constituição de 1891, o Procurador-Geral da República passou a ser nomeado dentre
se, inclusive, a exigência de quórum especial para a declaração de inconstitucionalidade (art. 96), o constituinte rompeu com a tradição jurídica brasileira, consagrando, no art. 96, parágrafo único, princípio segundo o qual, no caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, fosse necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderia o Chefe do Executivo submetê-la novamente ao Parlamento. Confirmada a validade da lei por 2/3 de votos em cada uma das Câmaras, tornava-se insubsistente a decisão do Tribunal. Instituiu-se, assim, uma peculiar modalidade de revisão constitucional, pois, como observado por Celso Bastos, a lei confirmada passou a ter, na verdade, a força de uma emenda à Constituição^36. Como não se instalou o Parlamento sob a Constituição de 1937, tais poderes foram exercidos pelo Presidente da República (art. 180). Em 1939, o Presidente Getúlio Vargas editou o Decreto-Lei n. 1.564, confirmando textos de lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal^37. No período referido (1937-1945), multiplicaram-se os pedidos de habeas corpus e de outras medidas judiciais com o objetivo de contestar os atos do Governo. Eram muitos os poderes discricionários, como o de decretar a aposentadoria de funcionários civis e militares (CF, art. 177) e o de impedir a concessão de medida judicial contra atos adotados durante o estado de emergência (CF, art. 170). O regime autocrático fundado na Constituição de 1937 teve seu termo com a eleição de uma Constituinte (Lei Constitucional n. 13, de 12-11-1945). A nova Constituição democrática entrou em vigor em 18-9-1946. A Constituição de 1946 fixou em onze o número de membros do Supremo Tribunal Federal. Assegurou-se a possibilidade de elevar esse número mediante proposta do próprio Tribunal (art. 98). Asseguraram-se, também, as competências básicas para apreciar o recurso extraordinário no caso de violação à Constituição ou ao direito federal, o habeas corpus e o mandado de segurança, dentre outras. No âmbito da jurisdição, assumiu relevo a representação interventiva proposta pelo Procurador-Geral da República em face de lei ou ato normativo estadual eventualmente infringente dos princípios sensíveis (art. 8º, parágrafo único, c/c o art. 7º, VII). A intervenção federal subordinava-se, nesse caso, à declaração de inconstitucionalidade do ato pelo Supremo Tribunal Federal (art. 8º, parágrafo único). A arguição de inconstitucionalidade direta teve ampla utilização no regime constitucional instituído em 1946. A primeira ação direta, formulada pelo Procurador-Geral da República, na qual se arguía a inconstitucionalidade de disposições de índole parlamentarista contidas na Constituição do Ceará, tomou o n. 9338. A denominação emprestada ao novo instituto — representação —, segundo esclarece Themístocles Cavalcanti, deveu-se a uma escolha entre a reclamação e a representação, processos conhecidos pelo Supremo Tribunal Federal^39. A análise do sentido de cada um desses processos teria conduzido à escolha do termo representação, “já porque tinha de se originar de uma representação feita ao Procurador-Geral, já porque a função deste era o seu encaminhamento ao Tribunal, com o seu parecer”^40. A ausência inicial de regras processuais permitiu que o Supremo
Tribunal Federal desenvolvesse os mecanismos procedimentais que viriam a ser consolidados, posteriormente, pela legislação processual e pela práxis da Corte^41. Outros casos relevantes foram julgados, como a representação contra normas de caráter parlamentarista da Constituição do Rio Grande do Sul^42 e contra disposições da Constituição de Pernambuco^43. Colocaram-se, de plano, questões relativas à forma da arguição e à sua própria caracterização processual. Questionava-se, igualmente, sobre a função do Procurador- Geral da República e sobre os limites constitucionais da arguição. A jurisprudência consolidada em torno do instituto configurou a referência para a consolidação do instituto da representação interventiva e para o desenvolvimento da representação de inconstitucionalidade e da própria ação direta de inconstitucionalidade entre nós. Em 1947, impetrou-se habeas corpus em favor de Luís Carlos Prestes, então Senador, que invocou liberdade de locomoção, em face de proibição de livre ingresso na sede do partido, para onde Prestes e demais comunistas se dirigiam para práticas administrativas do cotidiano político. O espaço fora ocupado, por ordem do Ministro da Justiça. O processo foi relatado pelo Ministro Castro Nunes, julgado em 28-5-1947, quando unanimemente negou-se a ordem^44. Em 1948 apreciou-se recurso interposto pelo Partido Comunista do Brasil em face de decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que havia cancelado o registro do partido, como resultado de inúmeras denúncias que imputavam aos comunistas uma série de práticas que supostamente atentariam contra o regime democrático. O recurso não foi conhecido^45. Controvérsia jurídico-política relevante lavrou-se com a morte de Getúlio Vargas. Em razão da doença do Vice- Presidente Café Filho, assumiu o cargo, interinamente, o Presidente da Câmara Carlos Luz. Este foi afastado da função por provocação de um movimento de militares denominado “movimento de retorno aos quadros constitucionais vigentes” (novembro de 1955). Assim, coube ao Presidente do Senado, Nereu Ramos, assumir a Presidência da República em caráter provisório. Diante da insistência do Presidente Café Filho em reassumir a Chefia do Governo, o Congresso Nacional votou resolução na qual reafirmava a continuidade do seu impedimento. Contra essa resolução impetrou-se mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, que teve o seu julgamento suspenso em 14-12-1955, em razão da decretação do estado de sítio em 25 de novembro do mesmo ano^46. Posteriormente, o mandado de segurança foi considerado prejudicado pelo término do quadriênio presidencial e assunção do cargo pelo Presidente eleito, Juscelino Kubitschek^47. Assume relevo histórico também a decisão tomada no MS 1.114, no qual se discutiu questão afeta à liberdade religiosa a respeito da Igreja Católica Brasileira. Cuidava-se de mandado de segurança impetrado pelo ex- bispo de Maura contra ato do Presidente da República que o impedia de realizar cultos em sua Igreja. O mandado de segurança foi indeferido, restando vencido o Ministro Hahnemann Guimarães, que o deferia, forte no argumento de que os delitos espirituais deveriam ser resolvidos “com sanções espirituais dentro das próprias igrejas, não sendo lícito, portanto, o recurso ao poder temporal para resolver cismas ou dominar
Em 13-12-1968, o Presidente Costa e Silva editou o Ato Institucional n. 5, que, dentre outras medidas, suspendeu as garantias da magistratura e outorgou ao Presidente da República poder de determinar a cassação de mandatos e direitos políticos de agentes políticos e servidores públicos (arts. 4º, 5º e 6º). Em 1º-2-1969, o Presidente da República editou o Ato Institucional n. 6, que reduziu o número de juízes do Supremo de dezesseis para onze. Decretou-se a aposentadoria dos Ministros Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima. A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, preservou a composição e competências do Supremo Tribunal. Em 1971, o Tribunal discutiu a legitimidade do arquivamento por parte do Procurador-Geral da República de representação de inconstitucionalidade que lhe foi encaminhada pelo MDB contra o Decreto-Lei n. 1.077/70, que estabelecia a censura prévia a livros, jornais e periódicos. Por maioria de votos, vencido o Ministro Adaucto Lucio Cardoso, o Tribunal afirmou a ampla liberdade de que dispunha o Procurador-Geral para submeter ou não a representação à Corte^55 e^56. O papel político da Corte reduziu-se significativamente a partir de 1969. É muito provável que, afora uma outra questão de algum relevo, a grande contribuição da Corte no período esteja associada ao desenvolvimento do sistema de controle de constitucionalidade, com a consolidação da representação de inconstitucionalidade como instrumento próprio de impugnação de leis estaduais e federais. É claro que o perfil autoritário do Governo acabou por inibir a utilização dessa ação direta contra leis federais, especialmente no Supremo Tribunal, que legitimara o poder discricionário do Procurador-Geral no exercício dessa prerrogativa^57. Registre-se que, por uma dessas ironias da história, a preservação desse “monopólio” do Procurador-Geral da República foi determinante para a futura ampliação do direito de propositura da ação direta de inconstitucionalidade introduzido pela Constituição e, por que não dizer, para uma radical conversão do modelo brasileiro de controle de constitucionalidade. Em 1978, foi revogado o Ato Institucional n. 5, sendo restabelecidas as garantias do Judiciário. Em 1985, nas últimas eleições presidenciais realizadas sob a Constituição de 1967/69 (eleição indireta), ganhou o candidato de oposição, Tancredo Neves. A Emenda Constitucional n. 26/85 convocou a Assembleia Nacional Constituinte. O Supremo Tribunal Federal compõe-se, atualmente, de onze ministros^58 , escolhidos dentre pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada, maiores de 35 anos e menores de 65 anos, nomeados pelo Presidente da República, após a aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. Embora não exista mandato para o exercício da função de Ministro do Supremo Tribunal Federal, o prazo médio de permanência no cargo, no período 1946-1987, não é superior a oito anos^59. No período 1989-2009, essa média foi elevada para onze anos. A diferença entre os períodos de exercício efetivo é bastante acentuada, como demonstra pesquisa relativa ao período 1946-2006. Alguns Ministros permaneceram no cargo por mais de vinte anos; outros, não mais do que dez meses^60. O curto período de exercício
permitiu que um mesmo Presidente da República, durante seu mandato, nomeasse até dois Ministros para a mesma vaga. O estabelecimento de idade-limite (65 anos) para designação de magistrado acabou por restringir essa possibilidade. A Constituição de 1967/69 outorgava força de lei ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 119, § 3º). Nos termos dessa disposição, deveria o Regimento Interno conter regras sobre a competência do Pleno, a organização e a competência das Turmas e regras processuais sobre a decisão referente à competência originária ou recursal. Em 16-3-1967, foi editado o Regimento, que continha regras sobre organização e processo. Em virtude da revisão da Constituição de 1967/69, levada a efeito pela Emenda Constitucional n. 7, de 1977, tornou-se obrigatória uma completa revisão do Regimento Interno (27-10-1980)^61. A Constituição de 1988 não autoriza o Supremo Tribunal Federal a editar normas regimentais sobre processo e decisão. Deve-se admitir, todavia, que até a promulgação das novas leis processuais continuam a ter aplicação os preceitos constantes do Regimento, com base, inclusive, no princípio da continuidade da ordem jurídica^62. Com exceção do Presidente do Tribunal, cada Ministro integra, formalmente, uma Turma. As Turmas têm competências idênticas e os processos não são distribuídos, originariamente, a uma ou a outra Turma, mas a determinado Ministro-Relator, que, por sua vez, pertence à Primeira ou à Segunda Turma (RISTF, art. 66). O Presidente de cada Turma é escolhido pelo critério de antiguidade (RISTF, art. 4º, § 4º). Para as matérias mais relevantes, a exemplo de decisão sobre constitucionalidade ou inconstitucionalidade, o Tribunal Pleno somente poderá deliberar se presentes oito dos onze Ministros. Para decisão sobre a constitucionalidade das leis (declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade), exige-se sempre maioria de seis votos (RISTF, art. 173 c/c o art. 174). O Presidente do Supremo Tribunal Federal é eleito diretamente pelos seus pares para um mandato de dois anos (RISTF, art. 12). A reeleição é expressamente vedada. São eleitos tradicionalmente para os cargos de Presidente e Vice-Presidente do Tribunal os dois Ministros mais antigos que ainda não os exerceram^63.
3.1.2.1. Considerações gerais A discussão na Constituinte sobre a instituição de uma Corte Constitucional, que deveria ocupar-se, fundamentalmente, do controle de constitucionalidade^64 , acabou por permitir que o Supremo Tribunal Federal não só mantivesse a sua competência tradicional, com algumas restrições, como adquirisse novas e significativas atribuições. A Constituição de 1988 ampliou significativamente a competência originária do Supremo Tribunal Federal, especialmente no que concerne ao controle de constitucionalidade de leis e atos normativos e ao controle da omissão inconstitucional. Em linhas gerais, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, originariamente: