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LÍNGUA EXÓTICA: a libras como um dispositivo de condução, Resumos de Linguística

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação Especial.

Tipologia: Resumos

2025

Compartilhado em 02/06/2025

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
LÍNGUA EXÓTICA: a libras como um dispositivo de condução
GABRIEL SILVA XAVIER NASCIMENTO
SÃO CARLOS
2023
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Baixe LÍNGUA EXÓTICA: a libras como um dispositivo de condução e outras Resumos em PDF para Linguística, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

LÍNGUA EXÓTICA: a libras como um dispositivo de condução GABRIEL SILVA XAVIER NASCIMENTO SÃO CARLOS 2023

GABRIEL SILVA XAVIER NASCIMENTO

LÍNGUA EXÓTICA: a libras como um dispositivo de condução Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação Especial. Orientadora: Prof.ª Dra. Vanessa Regina de Oliveira Martins Área de concentração: Educação do Indivíduo Especial Linha de pesquisa: Produção Científica e Formação de Recursos Humanos em Educação Especial. SÃO CARLOS 2023

AGRADECIMENTOS

Fazer pesquisa, pensar a educação, atuar na educação é sempre uma empreitada que demanda coragem, algo que nem sempre temos o suficiente quando sozinhos. Nesse ponto eu sou muito privilegiado. Nunca estive só! Fui agraciado com uma orientadora cuidadosa, presente (em mais de um sentido). Quando os amigos e (principalmente) eu mesmo nos queixávamos dos embates e desafios na pós-graduação, e recebíamos um sonoro e insensível “a pós-graduação é assim!” de outras pessoas, o argumento nunca me convenceu. Graças a você, Vanessa! Que nos permite experimentar os estudos e a pesquisa sem fazer disso um sofrimento, aliás, por ter a capacidade de nos conduzir com pulso firme e afetuoso em meio a toda adversidade. Obrigado por me aceitar e ser uma parceira nessa jornada. Agradeço ainda ao meu marido pela paciência nas minhas ausências, à minha irmã Mônica, por acreditar e torcer por mim. Aos meus pais, no plano onde estiverem, agradeço pela minha vida... – cheguei um pouco mais longe do que prometi para vocês. Ao José, por sempre ‘me ler’ e tornar minhas ideias mais claras. Amanda e Jândela pelas conversas e desabafos. Pedro e Eliane por me inspirarem sempre. Andressa(s) Ana Kariny, Carolina(s), Daniel, Léo, Luciano, Marcel, Tássio e Paula pelos momentos de riso e pelas conversas sérias regadas com amenidades. Ao GPESDi pela acolhida e compartilhamento em especial João, Priscila, Tatiane, Luísa e Bianca pelas terapias coletivas, companheirismo e risos. Aos professores que me acompanharam no PPGEEs e à banca que aceitou ler o trabalho e a dialogar comigo na qualificação e na defesa: Cristina Lacerda, Cássio Rubio, Maura Lopes, Patrícia Rezende, Pedro Pagni, José Raimundo e Viviane Mendonça. Por fim... registro que a maior parte desta tese foi produzida durante um contexto mortal de pandemia global e de um governo genocida, portanto, configura um estandarte pessoal de sobrevivência. Dedico-a a todos que não poderão jamais lê-la, mas que acreditavam na Educação e no direito de ser e existir com e na diferença.

RESUMO

A partir do conceito de exotização como técnica de condução de existência, esta tese apresenta uma análise acerca do percurso histórico e das práticas discursivas que direcionaram o governamento linguístico na história da educação de surdos no Brasil. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica documental que recorre à composição de um arquivo histórico que abarca atas e registros complementares de congressos internacionais sobre a escolarização de surdos, ocorridos no período de 1878-1980. Como objetivo geral tenciono a construção do conceito de exótico e exotização linguística, para, por ele, analisar de que modo o percurso histórico e as práticas discursivas na história da educação de surdos possibilitaram formas de governamentalidade. Os objetivos específicos são: i) Estruturar conceitualmente a exotização como lente de análise de práticas discursivas; ii) Delimitar a ideia de arquivo histórico como um conjunto multifacetado de fontes organizadas para tessitura da história; iii) Tensionar reflexões acerca de como as perspectivas sobre as línguas de sinais possibilitam a emergência de formas outras de ser surdo. Os materiais bibliográficos que compõem o arquivo permitem realizar uma incursão desde o período colonial brasileiro ao maquinário de governamento linguístico do Estado Moderno, com suas reverberações sobre os aspectos sociopolíticos dos surdos e sobre a língua brasileira de sinais - libras. As reflexões são tecidas no escopo de autores do Estudos Foucaultianos, dos Estudos Surdos e da Sociolinguística Histórica, empregando os conceitos de governamentalidade e contraconduta como ferramentas analíticas. A noção de exótico é concebida como uma invenção fortalecida pelas invasões coloniais, para caracterização de grupos que divergiam do padrão sociocultural branco-europeu. Assim, à pratica de um olhar marcado pela exotização assume três vertentes históricas: o exótico colonial – com foco na dominação e exploração da força de trabalho; o exótico dócil – com foco na captura e docilização dos corpos sujeitados à maquinário Estatal e; exótico de contraconduta – com foco no protagonismo e subvertência das técnicas de governamento para retomada histórica e autogestão para uma forma de ser surdo na e por meio da língua de sinais. A tese contribui para uma compreensão moderna da libras como língua exótica, isto é, uma percepção filosófica que denota uma forma de existência marcada por estratégias governamentais que, além de sujeitar, produzem a resistência e a contraconduta dos surdos brasileiros possibilitando a manutenção da vida surda na diferença, manejando-se na racionalidade inclusiva. Palavras chave: Educação Especial; Educação de Surdos; História; Exotização.

ABSTRACT

Based on the concept of exoticization as a technique of existence-driving, this thesis analyzes the historical trajectory and discursive practices that shaped linguistic governance in the history of deaf education in Brazil. It is a documentary bibliographical research that relies on compiling a historical archive encompassing the proceedings and supplementary records from international congresses about deaf education between 1878 and 1980. The main objective is to construct the exotic and linguistic exoticization concept to examine how the historical trajectory and discursive practices in the history of deaf education enabled forms of governmentality. The specific objectives are: i) Conceptually structure exoticization as a lens for analyzing discursive practices; ii) Delimit the idea of a historical archive as a multifaceted set of organized sources for weaving history; iii) Engage in reflections on how perspectives on sign languages allow for the emergence of alternative ways of being deaf. The archive's bibliographical materials allow for an exploration of the Brazilian colonial period to the machinery of linguistic governance of the Modern State, with its reverberations on the sociopolitical aspects of deaf people and Brazilian Sign Language - Libras. The reflections are woven within the scope of authors in Foucauldian Studies, Deaf Studies, and Historical Sociolinguistics, employing the concepts of governmentality and counterconduct as analytical tools. The notion of the exotic is conceived as an invention strengthened by colonial invasions to characterize groups diverging from the white- European sociocultural standard. Thus, the practice of a understanding marked by exoticization takes on three historical facets: colonial exotic – focusing on the domination and exploitation of labor; docile exotic – focusing on the capture and docility of bodies subjected to State machinery and; counter-conduct exotic – focusing on the protagonism and subversion of governance techniques for historical reclamation and self-management for a deaf way of being in and through sign language. The thesis contributes to a modern understanding of Libras as an exotic language, i.e., a philosophical perception denoting an existence marked by governmental strategies that not only subject but also produce resistance and counterconduct among Brazilian deaf individuals, enabling the maintenance of deaf life within difference, operating within inclusive rationality. Keywords: Special Education; Deaf Education; History; Exoticization.

Sumário

Lista de abreviaturas SLRL – Sign Language Research Laboratory (Laboratório de Pesquisas em Línguas de sinais)

  • Um convite a saber menos do que sabíamos
    1. Da estruturação do problema de pesquisa aos objetivos.............................................................
    1. A exotização como técnica de condução de existência
  • 2.1. Colonização e a invenção do exótico
  • 2.2 Similitudes: o exótico e as formas de condução pela via da educação de surdos
    1. O enquadramento teórico das produções e as lentes de análises
  • 3.1. A função das línguas na história e na sociedade
  • 3.2. Os nomes das línguas e a semântica discursiva a partir deles
    1. Aspectos teóricos que ressoam na metodologia composicional do arquivo...............................
  • 4.1. Levantamento inicial da produção nacional, quantificação de dados
  • 4.2. Do apagamento histórico à composição do arquivo
  • 4.3. Revisão panorâmica das fontes centradas na história da educação de surdos
  • 4.3.1 A eleição e os critérios de análise das fontes primárias
  • 4.3.2 A eleição das fontes secundárias e suas correlações na revisão bibliográfica
  • 4.3.3 Fontes mistas complementares para a tecelagem histórica
  • 4.4. Práticas discursivas contemporâneas sobre a libras
    1. Tessitura de uma história outra: olhares sobre as línguas de sinais no mundo...........................
  • 5.1 Panorama histórico transnacional
  • 5.2 Entrelaçamentos: história e línguas de sinais no 1º quartel: 1878-
  • 5.3 Entrelaçamentos: história e línguas de sinais no 2º quartel: 1904-
  • 5.4 Entrelaçamentos: história e línguas de sinais no 3º quartel: 1930-
  • 5.5 Entrelaçamentos: história e línguas de sinais no 4º quartel: 1956-
    1. Perspectivas nacionais sobre a libras: infiltrações discursivas dos congressos internacionais
  • 6.1 Linguagem das mãos e mímica – um meio ‘qualquer’ de comunicação
  • 6.2 Língua natural – a(s) língua(s) brasileira(s) de sinais...............................................................
  • 6.3 Língua de herança – a língua da família
  • 6.4 Língua propriedade – a língua ‘própria do surdo’....................................................................
  • 6.5 O lugar das línguas de sinais na historiografia.........................................................................
  • 7 Considerações pertinentes a este recorte investigativo
  • Referências
  • Auslan – australian sign language ( língua de sinais australiana) Página
  • BNDS – Banco Nacional do Desenvolvimento
  • CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
  • CODA – Chidlren of Deaf Adults (Filhos de pais surdos)
  • COPAES – Comissão Permanente de Acesso ao Ensino Superior
  • CPMI – Comissão Parlamentar Independente
  • DNA – Ácido desoxirribonucleico
  • DT – Dicionário Terminológico de Consulta por Linha
  • IAA – Inglês afro-americano
  • Ines – Instituto Nacional de Educação de Surdos
  • INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
  • IPI – Impostos sobre Produtos Industrializados
  • Libras – Língua brasileira de sinais
  • LSA – Lengua de señas argentina (língua de sinais argentina)
  • LSB – Língua de sinais brasileira
  • LSF – Langue des signes Française (Língua de sinais francesa)
  • OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
  • POET – Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução
  • PPGEEs – Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
  • PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação
  • TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
  • UB – University Libraries
  • UEPA – Universidade Estadual do Pará
  • UFC – Universidade Federal do Ceará
  • UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
  • РЖЯ – Русский жестовый язык (Língua de sinais russa)

Lista que quadros e tabelas Páginas Quadro 1 – Recorte de categorização pela noção de capacidade dos surdos 81 Quadro 2 – Nomenclatura encontradas para a libras 94 Quadro 3 – Organização de inquietações e ações pensadas 109 Quadro 4 – Produções brasileiras no período de 2002-2022 que abordam algum aspecto da história da educação de surdos – Google Acadêmico

Quadro 5 - Produções brasileiras no período de 2002-2022 que abordam algum aspecto da história da educação de surdos – Catálogos de Teses e Dissertações Capes

Quadro 6 – Autores mais recorrentes em referências de estudos históricos da educação de surdos

Quadro 7 – Recorrência de menção de eventos da história da educação de surdos

Quadro 8 – Congressos internacionais no recorte 1878- 1980 124 Quadro 9 – Congressos internacionais analisados por Rodrigues (2023) 128 Quadro 10 – Questões balizadoras para analises das fontes primárias 129 Quadro 11 – Critérios de seleção da bibliografia para fontes secundárias 130 Quadro 12 – Caracterização dos grupos para coleta netnográfica 142 Quadro 13 – Recorte de práticas discursivas observadas no Grupo 1 144 Quadro 14 – Recorte de práticas discursivas observadas no Grupo 2 144 Quadro 15 – Recortes temporais dos congressos internacionais 147 Quadro 16 – Nacionalidades dos surdos representantes no congresso de Paris 1889

Quadro 17 – Resoluções das sessões de ouvintes e de surdos em Paris 1900 188 Quadro 18 – Algumas línguas de sinais brasileiras 231

14 Um convite a saber menos do que sabíamos Quanto mais se vê, menos se sabe Menos se descobre enquanto avança Eu sabia muito mais antes do que sei agora^1 (U2, 2004). O trecho da música que abre esta escrita foi extraído da música “ City of Blinding Lights^2 ” da banda irlandesa U2, lançada em 2004. A banda, curiosamente, não me foi apresentada numa aula de Inglês, mas de História nos anos finais do Ensino Fundamental, por Madalena de Sales, uma professora que marcou muita minha perspectiva profissional e acadêmica com seu jeito cuidadoso e metodologia envolvente de trabalho. Em uma de suas aulas sobre a Revolução Russa, após desenhar um esquema de conceitos entrelaçados na lousa e nos conduzir energicamente em uma viagem sobre conflitos, política, czares e a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, Madalena, sempre pensando em formas dinâmicas de trabalhar o conteúdo, distribuiu entre os alunos cópias da música Sunday Bloody Sunday^3 da banda U2 com uma tradução para o português brasileiro e a tocou logo em seguida usando um modesto aparelho de som portátil. Embora eu ainda não conhecesse a canção, a estratégia da professora alcançou um bom número de alunos que a ouviam regularmente sem se darem conta de que sua letra se referia especificamente a um evento registrado como Domingo Sangrento, ocorrido em 1905 na Rússia, quando as tropas do então czar atacaram violentamente uma multidão que protestava pacificamente, resultando em um verdadeiro massacre. À época, eu já estava consciente, sobretudo, pelas aulas de Língua Portuguesa, Literatura e Artes, do potencial denunciativo na produção artística e literária, mas penso que foi a primeira vez que me acendeu um alerta focado especificamente nas questões de linguagem e interpretação, considerando a ausência de reflexão sobre o conteúdo e a (^1) “ The more you see the less you know. The less you find out as you go. I knew much more then, then I do now.” (U2, 2004) em tradução livre. (^2) Cidade das luzes ofuscantes em tradução livre. (^3) Domingo, Domingo Sangrento em tradução livre.

16 Paralelamente, em minha busca por registros que aludissem a caminhos e perspectivas outras de uma compreensão historiográfica mais ampla, deparei-me com um mar de registros no qual eu certamente precisaria de uma bússola para navegar cuidadosamente entre as muitas ilhas que compõem o arquipélago da educação de surdos. Por esse prisma, o verso “quanto mais se vê menos se sabe” sintetiza os tesouros encontrados ao longo dessa jornada. Aquilo que eu pensava saber de forma determinante sobre um dado evento tornou-se meramente uma porção molecular de seu átomo. Assim, a sensação de saber menos sobre o todo se mostrou inversamente proporcional a finitude dos achados, ou seja, ‘menos se descobre enquanto avança’. Essa finitude, no entanto, é relativa aos materiais que resistiram ao tempo e a censura e diz respeito muito mais às minhas possibilidades de análise como um pesquisador-humano do que sobre sua quantidade, principalmente considerando o curto espaço de tempo exigido para produção de pesquisa, mesmo em um doutorado, e agravado por uma pandemia trágica global. Embora eu me conforme, dadas as condições, com o esforço de realizar alguma contribuição, também molecular, para a ampliação do escopo historiográfico em que se situa a língua brasileira de sinais, reconheço que ‘eu sabia mais antes do que sei agora’ não por desaprender ou esquecer, mas por finalmente me dar conta da minha ingenuidade em pensar que o que eu sabia e considerava suficiente era conclusivo. Nesse movimento, compreendo que essa transformação-reflexiva resultante do fazer-pesquisa ilustra que sei menos ainda do que me será possível saber. Tenho muito mais perguntas, mais curiosidades e muitos outros caminhos que espero percorrer e no caminho convidar outros navegantes a conhecerem as paisagens, as marcas e as pessoas que figuraram no tempo na educação de surdos. Gosto de pensar na história como uma possibilidade de viagem. Gosto do verbo ‘revisitar’ e da sensação virtual que ele emana de poder, nesse processo, observar detalhes que podem ter passado despercebidos intencionalmente ou não. A intencionalidade dos fatos e narrativas, por sua vez, representa uma grande fonte de possibilidades e análises críticas. Apesar dos avanços tecnológicos e o desenvolvimento da ciência, os registros históricos permanecem sendo nossa única possibilidade de voltar no tempo. Essa

17 possibilidade de viagem é, no entanto, repleta de riscos, como uma aventura epistemológica que pode desafiar lógicas hegemônicas consolidadas, inclusive na produção científica. Diante de um volume de dados e registros históricos, cabe ao investigador decidir o que utilizar em sua empreitada e, principalmente, como usar. A quem interessa que determinados elementos da história repercutam ou não? Quais escolhas serão feitas e quais as motivações delas? De que modo essas escolhas são determinantes na prática discursiva moderna? Todas essas questões, por si só, representam diferentes caminhos potenciais de investigação que merecem atenção. Aqui, elas são lançadas não com a finalidade de alcançar as respostas, mas fornecer as engrenagens para ativar em quem lê, um movimento reflexivo semelhante ao que me conduziu até aqui. Sob esta égide, retomando o fazer-pesquisa, a metáfora de Albuquerque Júnior (2019) no livro o “Tecelão dos tempos” mostra-se formidável para pensarmos a investigação e a produção historiográfica, a partir dessas escolhas e motivações ao assumirmos que: […] a história nasce como este trabalho artesanal, paciente, meticuloso, diuturno, solitário, infindável que se faz sobre os restos, sobre os rastros, sobre os monumentos que nos legaram os homens que nos antecederam que, como esfinges, pedem deciframento, solicitam compreensão e sentido. (Albuquerque Júnior, 2019, p. 30). Coloco-me aqui em um esforço oficineiro de artesão, buscando nos arquivos intercontinentais, novos ingredientes para uma produção sensível de um novo arquivo que possibilite experimentar saberes de outras gentes, lugares e formas de vida (Albuquerque Júnior, 2019, p. 3), entrelaçadas no grande tecido do tempo. Um elemento interessante que emerge desse deslocamento é a possibilidade composicional da pesquisa, imprimindo nela camadas que poderiam pender para o campo da Linguística, da História e da Educação, numa tentativa de romper com o engessamento epistemológico que reduz o diálogo entre diferentes campos de produção de conhecimento. Essa composição multifacetada não raramente é questionada com estranheza. Recordo-me, ainda durante a arguição de seleção para o doutorado, quando um dos membros da banca avaliadora questionou: “seu projeto de pesquisa é voltado para a

19 Ela é encadeada pelos seguintes capítulos: 1. Da estruturação do problema de pesquisa aos objetivos – em que apresento o movimento reflexivo inicial, as provocações que motivaram a pesquisa, problema, hipótese e a delimitação dos objetivos; 2. A exotização como técnica de condução de existência – em que realizo uma breve incursão sobre o processo de colonização brasileiro, a invenção do exótico e sua caracterização em três vertentes e; 3. O enquadramento teórico e as lentes de análise – em que trago fundamentos teóricos e suas possíveis contribuições para a pesquisa. A segunda Seção, por sua vez, visa responder ao segundo objetivo específico delimitando o arquivo histórico não como uma compilação de documentos e registros oficiais, mas como a junção de múltiplas fontes que, em interface, possibilitam uma tessitura outra da história. Ela é composta pelo capítulo 4. Dos aspectos metodológicos e composição do arquivo – focada na parte procedimental da pesquisa em relação as recortes e motivação na composição dos dados que integram o arquivo histórico analisado. Por fim, a terceira Seção visa atender ao terceiro objetivo específico tensionando reflexões acerca de como as perspectivas sobre as línguas de sinais e, posteriormente sobre a libras decorrem de uma produção sócio-histórica localizada na qual emergem formas outras de existência surda. Ela é organizada nos capítulos: 5. Tessitura de uma história outra: olhares sobre as línguas de sinais no mundo – onde trago o recorte de dados composicionais na interface entre fontes composicionais do arquivo sobre o qual me debruço; 6. P erspectivas nacionais sobre a libras: infiltrações dos congressos internacionais – em que revisito a história da educação de surdos no Brasil, reverberações dos congressos internacionais e indico diferentes categorizações da libras a partir das produções bibliográficas pertinentes ao levantamento realizado e dos dados netnográficos e; 7. Considerações sobre o recorte investigativo 2020- 2023 – em que tensiono discussões acerca das implicações de uma caracterização exótica da libras e do ‘ser’ surdo, bem como apresento, a contraprodução surda: da exotização da língua de sinais, para o uso de uma potência criativa, afirmativa e existencial, em que ao reverberarem os enunciados exotizados sobre sua língua/cultura, permitem a governamentalidade de seus corpos, fazendo assim parte da racionalidade operante.

20 Retomo o convite para, ao longo da leitura, ‘sabermos menos do que sabíamos’, esgueirando-nos pelas estradas pouco conhecidas em busca de novos registros, personagens, documentos e depoimentos que nos permitam uma perspectiva analítica sobre as forças motrizes que conduziram as discussões sobre as línguas de sinais e sobre os surdos até a contemporaneidade, materializando na história, sujeitos e contextos outrora invisibilizados intencionalmente ou não nas circularidades discursivas da produção acadêmica.