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Guias e Dicas
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Maquiavel e o Papel da Fortuna na Construção do Estado, Notas de estudo de Conflito

Este documento discute a teoria de maquiavel sobre o papel da fortuna na construção e manutenção do estado. Ele aborda a ideia de que o destino do príncipe sempre dependerá da fortuna, mesmo que ele seja portador de grande virtude. O texto também explora a importância da virtude e da moral cristã na sociedade e na forma política estabelecida no estado.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Leonardo Vello de Magalhães
Conflito e Liberdade em Maquiavel
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da PUC-Rio como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito
Orientador: Prof. Francisco de Guimaraens
Rio de Janeiro
Julho de 2015
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1213404/CB
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Leonardo Vello de Magalhães

Conflito e Liberdade em Maquiavel

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito

Orientador: Prof. Francisco de Guimaraens

Rio de Janeiro Julho de 2015

Leonardo Vello de Magalhães

Conflito e Liberdade em Maquiavel

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós- graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Francisco de Guimaraens Orientador Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Adriano Pilatti Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. José Maria Gómez Departamento de Direito – PUC-Rio

Profª. Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 07 de julho de 2015.

Agradecimentos

À PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado e, à todos meus familiares.

Resumo

Magalhães, Leonardo Vello de; Guimaraens, Francisco de. Conflito e Liberdade em Maquiavel. Rio de Janeiro, 2015. 114p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O objetivo deste trabalho visa analisar a relação entre o conflito de grandes e povo e a liberdade política dele decorrente. Para tanto, inicialmente, será feito um estudo de como Maquiavel entende a virtú e a fortuna. Após, analisar-se-á a forma como Maquiavel pensa a ética, a religião, a moral, a Política, as armas, a liberdade e a igualdade. Uma vez dissecadas essas premissas básicas e necessárias, passar-se-á ao estudo da teoria dos humores que se inicia com a máxima que o povo não quer ser dominado e oprimido, enquanto que os grandes desejam dominar e oprimir. Posteriormente, será demonstrado como se deram os Conflitos das Cidades, iniciando-se com o modelo Romano, o modelo Florentino e o modelo de Esparta e Veneza. Estabelecidas às bases de seu pensamento, será demonstrada que a lei, resultante do conflito entre os grandes e o povo, gera a liberdade de todo o corpo político.

Palavras-chave

Maquiavel; conflito; liberdade; virtú ; humores.

Sumário

  • Introdução
  • 1 Virtú e Fortuna
  • 1.1. Virtù no Príncipe
  • 1.2. Virtú nos Discursos
  • 1.3 Fortuna
  • 2 Ética, Moral, Política e Religião
  • 3 Igualdade e Liberdade
  • 3.1 Igualdade
  • 3.2 Liberdade
  • 4 Tipologia do Conflito dos Humores
  • 4.1 Idéia Clássica de Concórdia e Inversão Proposta por Maquiavel
  • 4.2 Conflito dos Humores dos Grandes e do Povo
  • 5 Conflito Interno da Cidade
  • 5.1 O Modelo Romano
  • 5.2 O Modelo de Esparta e Veneza
  • 5.3 O Modelo Florentino
  • 5.4 A Lei como Garantia da Liberdade
  • 6 Conclusão
  • 7 Referências Bibliográficas

Introdução

O tema da pesquisa, centrado no problema do conflito em Maquiavel, visa explicitar a possibilidade de existência de um viver livre no Estado e do Estado, o qual, internamente, mantém uma luta de forças, permanente, e um contínuo jogo de desejos opostos entre os grupos de cidadãos - de um lado, os grandes que desejam dominar o povo; e de outro, o povo que deseja não ser dominado pelos grandes.

Pertinente para Maquiavel é o problema a ser investigado, na medida em que, opõe-se à tradição que sempre reconheceu o conflito civil como empecilho à liberdade pública. Assim, como um desafio a ser enfrentado e superado por todo governante para a manutenção da paz civil, propõe mostrar que tal conflito não é um problema para a liberdade, mas, pelo contrário, é nele que ela encontra seu fundamento primeiro, ou seja, é a condição necessária para a vivência da liberdade cívica.

Maquiavel demonstra a contradição existente nas formas de governar, nas relações entre governos e súditos, e entre governos e cidadãos. Apresenta uma sociedade não harmônica, com uma força própria que garante o movimento constante, e sobre o qual não se tem pleno controle, permitindo que aflorem comportamentos distintos e, por vezes, comportamentos desestabilizadores da ordem pública. É o conflito. Por isto é necessário que se faça um estudo das formas de governo que para o Maquiavel são Monarquia, República e Licença e suas formas corrompidas; e um estudo da virtú e da fortuna. Estes estudos são básicos para que se possa entender os conflitos e a teoria dos humores. Também é necessário um estudo da liberdade e da igualdade para demonstrar como Maquiavel as pensa.

O conflito para Maquiavel é necessário, já que é o fundamento de toda liberdade política. Assim, pelo conflito, cada membro da coletividade é um sujeito ativo na defesa de seus interesses, possibilitando que as instituições canalizem as

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Para o desenvolvimento desta idéia será necessária a analise dos conflitos nas obras de Maquiavel. Antes de adentrar no estudo dos conflitos em si, é importante fazer um estudo preliminar da virtú e da fortuna , pois certamente existe uma interferência delas na teoria dos humores. Também, será preciso fazer um estudo das três formas de governo: monarquia, república e licença e suas formas corrompidas.

Após demonstrar a estrutura central do pensamento de Maquiavel, será iniciado o estudo do ponto central do trabalho que são os conflitos, mas circunscrito aos conflitos internos das cidades. Em virtude disto, é essencial um estudo da teoria dos humores de Maquiavel. Este estudo da teoria dos humores é necessário para que se possa demonstrar que o conflito surge do conflito entre dois humores, o dos grandes – querendo dominar - e o do povo – não querendo ser dominado.

Maquiavel procura demonstrar que o conflito, ao contrário da tradição, é condição primeira, e assim possibilita a liberdade cívica. A república é a forma de governo livre por excelência. Levanta, assim, uma primeira possibilidade de compreensão do problema, mas que na verdade suscita um novo, que lhe serve de fundamento para desenvolver suas teses. Comparando a historia de Roma com a de Florença conclui que enquanto, na primeira, o conflito foi à causa primeira da liberdade, na segunda, o conflito ocasionou unicamente exílios, assassinatos e a incessante passagem de um modo de governo a outro. Tentando achar o que diferenciava uma história da outra, Maquiavel propõe uma nova interpretação do conflito civil. Ao invés de condená-lo como germe destruidor e desaglutinador da sociedade, demonstrou que o conflito é o verdadeiro responsável pela liberdade pública.

Maquiavel afirma a característica universal do desejo, isto é, que todos os homens aspiram às mesmas coisas – dinheiro, poder, honras e glória. É, exatamente por isso, que o autor afirma ser inevitável o risco deste conflito: quando o desejo do povo se converte de desejo de liberdade em desejo de poder, isto é, em desejo universal, aquele próprio a todos os homens, igualando-se ao desejo dos grandes, fazendo com que, o conflito que antes era positivo por manter

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as diferenças nos modos de desejar, se transforme em ameaça, não só à liberdade, mas à própria sobrevivência do Estado, pois o povo passará a querer o mesmo que os grandes, isto é, o poder. Todavia, os desejos dos grandes e do povo não são simetricamente opostos. Enquanto o desejo dos grandes é um desejo de poder, o desejo do povo é o de não ser dominado pelos grandes, isto é, um desejo de ser livre. Se todos quisessem o domínio, a oposição seria resolvida pelo governo dos vitoriosos. O problema político é, então, encontrar mecanismos que imponham a estabilidade das relações que sustentem uma determinada correlação de forças, impeçam a homogeneização dos modos de desejar dos grupos antagônicos e permitam a existência da liberdade. Está aí a revolução do pensamento de Maquiavel: ao conceber o conflito como causa primeira da liberdade, rompe com a concepção da tradição que atestava justamente o seu oposto.

Após, é imperioso demonstrar como o conflito dos humores dos grandes e do povo se desenvolve internamente, isto é, como a oposição fundamental se relaciona com a liberdade da cidade e/ou com sua ruína. Para tanto, abordar-se-á a tese de Maquiavel de que há dois tipos de conflitos e que ambos interferem diretamente na construção ou desconstrução da liberdade. O primeiro, que o autor denomina de bons conflitos, mantém a dessimetria das relações entre grandes e o povo e favorecem a vida livre. É o modelo romano. Neste modelo, a liberdade da cidade depende fundamentalmente da desigualdade nos modos de desejar dos dois humores. O segundo, que Maquiavel denomina de maus conflitos, anulam a assimetria e estabelecem uma relação homogênea nos modos de desejar de grandes e povo, corrompendo o corpo político. É o modelo florentino. Neste modelo, a liberdade se extingue e faz surgir à tirania no corpo político em função da igualdade que se instaurou nos modos de desejar dos humores antagônicos. Assim, para que haja liberdade é preciso que se mantenha a desigualdade nos modos de desejar de grandes e povo. É, paradoxalmente, um equilíbrio que se sustenta na diferença. É, pois, nesta diferença que nascem as leis favoráveis à liberdade. Por isso, para Maquiavel, um dos principais objetivos de qualquer república, que preze a própria liberdade, deve ser o de impedir que uma parte da população faça leis segundo seus interesses particulares. Os maus conflitos são, desse modo, a tentativa de uma das forças sociais realizarem, plenamente, sua destinação: os grandes dominarem absolutamente o povo e o povo ser

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a questão dos humores é relevante na obra do autor. Mas a questão dos humores não pode ser analisada isoladamente. É necessário o estudo de forma conexa da liberdade, da igualdade, da virtú , da fortuna e das formas de governo.

Virtú e Fortuna

Inicialmente, é interessante frisar que Maquiavel é um realista e não um idealista. Para Maquiavel, o que importa são os fatos como se deram e não apenas como idealizados. Outro fato importante que se traz à baila é a natureza do homem. O homem é um ser que tem desejos, e estes nunca cessam. Os desejos de uns podem ser diferentes dos outros, mas os desejosos são sempre uma constante, ou seja, os homens sempre terão desejos em todas as épocas.

Outro fato que é imperioso salientar é que a virtú para Maquiavel não é a mesma que as virtudes cardeais defendidas por Platão e Santo Agostinho que eram: a prudência, a fortaleza ou valentia, a temperança e a justiça. A virtú para Maquiavel também difere das virtudes teológicas que se baseiam na ética religiosa que eram descritas como: a Fé, a esperança e a caridade.

São necessários estes breves esclarecimentos prévios para que se possa começar a falar sobre a virtú e a fortuna. Os temas que foram apenas citados acima serão desenvolvidos no decorrer do trabalho.

1. Virtù no Príncipe

A virtù para Maquiavel pode ser individual ou coletiva. A virtú sempre está ligada à fortuna , esta relação entre ambas não é uma relação de confronto ou oposição, mas de necessidade. Como o movimento está sempre presente na obra de Maquiavel, a virtú , que interessa ao homem, visa sempre à conservação ou evolução, já a fortuna , pode tanto ir de encontro e propiciar a ocasião para que o fim pretendido seja alcançado, quanto pode ser um entrave para isto.

Virtù para Maquiavel tem vários significados e é empregada de diversas formas, mas na forma individual não é jamais inata, mas sim desenvolvida. Assim o homem que a desenvolve diferencia-se dos demais, adquirindo aptidão para

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do Príncipe. Inicialmente, diz Maquiavel que é necessária virtú e fortuna para a criação de um novo principado. A dosagem entre quanta virtú tem o fundador e a quantidade de fortuna empregada na fundação teria grande influência, não na criação do principado, mas na sua manutenção.

Quanto à criação do novo principado e a relação fortuna e virtù diz Maquiavel:

“Examinando sua ação e suas vidas, veremos que não receberam da fortuna mais do que a ocasião, que lhes deu a matéria para poder introduzir nela a forma que lhes aprouvesse. E, sem ocasião, a virtù de seu ânimo se teria extinto, assim, como sem a virtù , a ocasião teria vindo em vão.” 4

Fica patente assim, que sem a virtù do fundador seria impossível à fundação de um novo principado. Aqui o Autor não diz que o fundador necessite ser de grande virtù , mas que necessariamente ele precisa tê-la. A questão do quanto de virtù seria necessário ao fundador surge não no momento da fundação, pois para esta ocasião além da fortuna não é necessária grande virtù , mas sim para a consolidação do principado. Diz Maquiavel que quanto mais virtuoso for o príncipe e de menos fortuna tiver necessitado para a fundação, menos dificuldade terá de mantê-lo; e ao contrário, quanto mais fortuna tiver necessitado e menos virtù tiver precisado o príncipe para a fundação, maior dificuldade terá para manter o principado.^5

Para justificar tal alegação, Maquiavel expõe os problemas que surgem com a fundação. Quando da fundação é essencial que se introduzam novas ordenações e novos modos neste principado. Essas novas ordenações geram descontentamento em todos aqueles que se beneficiavam ou das antigas ordenações ou da falta delas. Além disto, diz que todos aqueles que se beneficiam das novas ordenações não são passíveis de confiança, pois os homens tendem a não crer nas coisas novas, passando a fazê-lo, apenas, quando puder comprová- las. Assim, seria necessário um ataque às novas ordenações com a conseqüente

(^4) Ibid , p. 26. (^5) MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: São Paulo; Martins Fontes; 2010; p. 25, 4ª ed

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resposta e cumprimento da mesma pelo novo príncipe, para que as pessoas pudessem confiar naqueles.^6

Outro tópico importante que Maquiavel analisa é se os fundadores agiram por si ou necessitaram da ajuda de terceiros, no ato de fundação. Esta análise é vital, pois aqui é introduzido o tema das armas. Diz textualmente o Autor “Eis por que todos os profetas armados vencem, enquanto os desarmados se arruínam.” 7 Pocock ao falar sobre o tema do príncipe novo que ao fundar um novo principado, onde antes não havia uma ordem instituída, e quando este príncipe era de grande virtù e estivesse munido de armas próprias, diz que o mesmo não teria que se preocupar tanto com a fortuna. Diz Pocock:

“O caso extremo e ideal de inovador cuja virtù inicial não era condizente com as circunstâncias externas é encontrado na categoria de profetas e legisladores; até os maiores gênios ou os profetas mais inspirados operam apenas induzindo os homens a segui-lo e é exposto à fortuna caso não tenha meios de assegurar que os homens continuem a fazê-lo – meios estes que Maquiavel só pôde caracterizar como a espada, então a virtú, que não poderia ter se manifestado sem a ocasião, não podia se sustentar sem um instrumento externo para coagir os desejos dos homens. Conscientes dessa limitação, fomos bem sucedidos em definir virtú que envolva a menor dependência possível da fortuna ” 8 Então fica patente que tendo se manifestado a fortuna para estes legisladores ou profetas como disse Maquiavel, é necessário que se preocupem com duas coisas: a primeira é com as pessoas, tanto os amigos quanto os inimigos, a segunda é com as armas, que obrigatoriamente tem de ser próprias e serem suficientes para subjugar a todos que tentem atentar a ordem instituída. Estas são preocupações que o novo príncipe deve ter para tornar este novo principado duradouro e afastar os perigos que podem surgir pelas mãos da fortuna. Vale citar um exemplo dado por Maquiavel quanto aos pontos dantes citados:

(^6) Ibid , p. 27. (^7) Ibid , p. 27. (^8) Trecho livremente traduzido, cujo original tem a seguinte redação: “The ideal and extreme case of the innovator whose initial virtù was unconditioned by external circumstance is found in the category of legislators and prophets; yet the greatest genius or most inspired prophets operates only by inducing men to follow him and is exposed to fortuna unless he has means to ensure that they continue to do so – means which Machiavelli can only characterize in terms of the sword, so that virtù , which could not have manifested itself without ocassione, cannot maintain itself without external instrument for coercing men´s will. Subject to these limitations, we have succeeded in defining the virtú which involves the minimum dependence on fortuna”. Pocock, J. G. A. The Machiavellian Moment; Princeton University Press : New Jersey; 2003; 2ª ed. p. 172.

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Antes de adentramos ao tema da virtú nos principados acima citados, passa-se a analisar os desejos existentes na natureza humana e também o objetivo que um aspirante a príncipe tem.

Maquiavel assim escreve sobre os desejos. “Isto seria verdadeiro se, em todos os momentos da vida, os homens tivessem o mesmo tipo de julgamento e os mesmos desejos; mas variando estes, mesmo quando os tempos não variam, os homens não podem ter dos tempos as mesmas impressões, visto terem desejos, predileções e considerações diferentes na velhice e na juventude. Porque, se à medida que os homens envelhecem lhes mínguam as forças crescem-lhes o juízo e a prudência, é inevitável que as coisas que na juventude lhe pareciam suportáveis e boas acabem por mostrar-se insuportáveis e ruins à medida que envelhecem; e, em vez de acusarem seu modo de julgar, acusam os tempos. Além disso, visto que os apetites humanos são insaciáveis, porque, tendo os homens sido dotados pela natureza do poder e da vontade de desejar todas as coisas e pela fortuna de poder conseguir poucas, o resultado é o contínuo descontentamento nas mentes humanas e o fastio das coisas possuídas: o que leva a condenar os tempos presentes, a louvar os tempos passados e a desejar os tempos futuros, mesmo que isso não sejam movidos por nenhum motivo razoável.”^13 Ora, mas quais seriam estes desejos e a que se destinam? Segundo Ames, o “fim mínimo” desejado pelo príncipe é “a preservação da ordem política instituída” 14. Sem a preservação da ordem vigente em um determinado momento todos os objetivos deixariam de existir, restando somente o desejo de reconquista- lá. Para Ames além da preservação da ordem, o príncipe deseja a “gloria, riqueza” (^15) e a “honra” 16. Além disto, desejaria também a obtenção dos bens da fortuna ,

que seriam os seguintes: “Poder, honra, saúde e riqueza são prêmios” 17.

Desta forma pode-se inferir que além da criação e preservação da nova ordem política instituída, Maquiavel entende que também é necessário ter virtù para alcançar os objetivos desejados, que seriam os acima elencados. Aqui é prudente trazer a baila o pensamento de AMES:

(^13) MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução MF. 1 ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2007, p. 180. 14 AMES, José Luiz. Maquiavel: A Lógica da Ação Política , Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2000, p. 131. 15 16 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: São Paulo; Martins Fontes; 2010; p. 123, 4ª ed. 17 Ibid , p. 127. Potenzia, Onor, Richezza e Samitate stanno per premio (MAQUIAVEL, Nicolau. I Capitoli: Di Fortuna, verso 94. In Opere di Niccolò Maquialli. Vol IV. P. 333) AMES, P. 131.

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“A qualidade que nos parece decisiva e que, de certo modo, determinará o conteúdo da proposta ética de Maquiavel, a flexibilidade, é compreendida em toda a sua complexidade quando a associamos a outra idéia cara para Maquiavel, a da duplicidade humana de ser e parecer, como se fosse uma dupla natureza. A necessidade de representar dois papéis e dois personagens, um estranho e aparente e outro próprio e essencial, certamente visa, segundo Maquiavel, originar formas de defesa e mecanismo de dissimulação à sombra dos quais podem desenvolver-se a equidade e crescente complexidade, mas sobretudo a capacidade de distinguir um papel do outro, o desenvolvimento de um conhecimento voltado à descoberta dos impulsos, motivações e objetivos dos outros e considerá-los em seu próprio procedimento.”^18

Maquiavel, além de falar da virtù , também fala da falta dela. Para tanto, narra fatos históricos ocorridos para demonstrar como a falta de virtù se manifesta e acaba por permitir que a fortuna domine o resultado. Para tanto narra vários fatos acontecidos com Luis rei de França dizendo:

“Luiz cometeu, portanto, estes cinco erros: eliminou os menos poderosos; aumentou, na Itália, o poder de um poderoso; introduziu nela um forasteiro poderosíssimo; não veio residir no local; não instalou colônias. Contudo enquanto viveu, poderia não se ter prejudicado com esses erros se não tivesse cometido um sexto: o de tirar o estado dos venezianos.” 19

O rei Luiz foi introduzido na Itália pelos venezianos, e junto com estes conquistaram a Lombardia, dividindo-a, ficando metade para cada um. Ao fazer isto o rei ganhou reputação, e através desta conquista adquiriu vários aliados, quais sejam: Gênova, Florença, Mântua, Ferra, os Bentivolgi, a senhora de Foli, o senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, Lucca, Pisa e Siena. Assim, o rei estava cercado de vários aliados que apesar de fracos representavam dois terços da Itália. Estes aliados se uniram ao rei para que este o defende-se de Veneza ou da Igreja. Desta forma a posição do rei tornara-se extremamente confortável.

Agora Maquiavel começa a demonstrar a falta de virtú deste rei. O primeiro erro do rei de França teria sido apoiar o papa Alexandre a conquistar a Romanha. Com este ato ele primeiramente fortaleceu o papa, enfraquecendo-se

(^18) AMES, José Luiz. Maquiavel: A Lógica da Ação Política , Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP, Campinas, 2000, p. 132. 19 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: São Paulo; Martins Fontes; 2010; p. 17, 4ª ed.