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Lei brasileira para inventário e partilha de bens imóveis de estrangeiros, Notas de aula de Direito

Este documento aborda a lei brasileira que determina o foro competente para o processamento de inventário e partilha de bens imóveis deixados por estrangeiros falecidos no exterior. A lei pátria pode gerar conflitos de leis no espaço, tempo e hierarquia, mas a matéria é regulada pela lei do domicílio. A lei brasileira foi modificada para adotar o sistema do domicílio, o que gerou incertezas e reajustamentos ainda não definitivamente assentados. A norma do art. 10 'caput' da lei de introdução procura tornar efetiva a teoria unitária de savigny, mas pode ser contraproducente e contrariar outros preceitos da lei de introdução.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Mauricio_90
Mauricio_90 🇧🇷

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Lei determinadora do foro competente para
o
inventário e partilha dos bens imóveis deixa-
dos no Brasil por estrangeiro falecido
no exterior
Antônio Chaves
Livre Docente de Direito Internacional
Privado e de Direito Civil na Faculdade
de Direito da Universidade deo Paulo.
Os dispositivos da lei pátria determinadores do foro
competente para o processamento de inventário podem dar
origem a um curioso conflitoo apenas de leis no espaço
e no tempo, mas também, pelo menos aparentemente, nos
seus diferentes graus hierárquicos, e até entre normas do
mesmo diploma legal.
É o que ocorre com relação ao
art. 10,
§
1.°,
da Lei de
Introdução ao Código Civil, e ao art. 165 da Constituição
Federal entre si e postos em confronto com o art.
12,
§ 1.°
da mesma Lei de Introdução e com o art. 135, § 1.° do
Código de Processo Civil, dando margem a dúvidas e con-
trovérsias que, através dos pronunciamentos da jurispru-
dência,
revelam um ponto de atrito que merece estudo.
Imigrantes idosos, depois de terem amealhado aqui
sua fortuna, fazem freqüentemente uma viagem aos pagos
nativos,
para reverem paragens da sua infância ou
moci-
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ou pessoas que julgam aí permaneçam.
Unsm intenção de voltar logo e lá seo deixando
ficar anos a
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muitas vezes contra a sua vontade, retidos
pelo cansaço, pela desilusão, pela necessidade de se sub-
meterem a cuidados ou operações médicas; outros se ins-
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Lei determinadora do foro competente para o

inventário e partilha dos bens imóveis deixa-

dos no Brasil por estrangeiro falecido

no exterior

Antônio Chaves

Livre Docente de Direito Internacional Privado e de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Os dispositivos da lei pátria determinadores do foro competente para o processamento de inventário podem dar origem a u m curioso conflito não apenas de leis no espaço e no tempo, mas também, pelo menos aparentemente, nos seus diferentes graus hierárquicos, e até entre normas do mesmo diploma legal. É o que ocorre com relação ao art. 10, § 1.°, da Lei de Introdução ao Código Civil, e ao art. 165 da Constituição Federal entre si e postos e m confronto com o art. 12, § 1.° da mesma Lei de Introdução e com o art. 135, § 1.° do Código de Processo Civil, dando margem a dúvidas e con- trovérsias que, através dos pronunciamentos da jurispru- dência, revelam u m ponto de atrito que merece estudo. Imigrantes idosos, depois de terem amealhado aqui sua fortuna, fazem freqüentemente u m a viagem aos pagos nativos, para reverem paragens da sua infância ou moci- dade, ou pessoas que julgam aí permaneçam. Uns têm intenção de voltar logo e lá se vão deixando ficar anos a fio, muitas vezes contra a sua vontade, retidos pelo cansaço, pela desilusão, pela necessidade de se sub- meterem a cuidados ou operações médicas; outros se ins-

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talam em caráter definitivo, adquirem casa, fixam residên- cia, para depois perceberem que não mais se acomodam ao antigo ambiente, deixando-se vencer pela vontade de regressar; nem faltam os que, combatidos por sentimentos opostos, não saibam sequer se querem ficar ou voltar. N a hipótese de virem a falecer, deixando bens imóveis no Rrasil, qual a lei que deverá determinar o foro compe- tente para o inventário e a partilha? Afirma-se que a matéria será regulada pela lei do do- micílio. Mas, além da dificuldade de fixá-lo em muitos casos, cumpre verificar se é essa, realmente, a vontade do legis- lador. Lembremos, n u m rápido retrospecto, ter vigorado o princípio de que a sucessão legítima ou testamentária se regia pela lei nacional do falecido: apenas na hipótese de ser este casado com brasileira, ou ter deixado filhos bra- sileiros, determinava o art. 14 da antiga Lei de Introdução que ficariam sujeitos à lei brasileira. Transcrevendo o dispositivo, aditou a Constituição Fe- deral de 1934, no art. 134, reproduzido na de 1937, a ressal- va de lhes ser mais favorável o estatuto do "de cujus". Passando a adotar o sistema do domicílio, o art. 10 da nova Lei de Introdução dispôs que a sucessão por morte ou por ausência passaria a obedecer à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Registra o § único exceção apenas relativa à vocação para suceder em bens de estrangeiros situados no Rrasil, a ser regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que lhes seja mais favorável a lei do domicílio. Modificação ligeira, mas fundamental do art. 165 da Constituição de 1946 substituiu a referência à lei do domi- cílio do "de cujus" pela da sua lei nacional, reiterando, como observa OSCAR TENÓRIO, O princípio da lei nacional do "de cujus", sem querer apegar-se ao princípio da lei domiciliar.

tela elementar e corrente, por parte de quem se disponha a u m a viagem prolongada.

Sobre essas circunstâncias de caráter secundário pre- valece a de ter deixado aqui o seu patrimônio, o túmulo de seus entes queridos, parentes, círculo de amizades, inte- resses de toda sorte.

Ressaltando a circunstância de que basta a pessoa mor- rer e m viagem de recreio ou de guerra e m país estrangeiro para que a partilha se faça e m condições imprevistas, bem diferentes das que eram esperadas pelo defunto e pelos herdeiros, obtempera o catedrático da Faculdade de Di- reito da Universidade de Minas Gerais que a doutrina que recomenda o lugar onde haja falecido o de cujus e mantém a unidade de sucessão, constitui verdadeira loteria.

Não têm, apezar disso, faltado julgados no sentido' de que o inventário e partilha dos bens devam ser processados no último domicílio do de cujus, embora seja no estran- geiro e os bens estejam situados no Brasil, procedendo-se aqui apenas à avaliação para fins fiscais.

Enumerando outros arestos análogos, critica-os o prof. W A S H I N G T O N D E B A R R O S MONTEIRO, encarecendo que, nos ter- mos do art. 135, § 1.° do Código de Processo Civil, se o óbito tiver ocorrido no estrangeiro, tornar-se-á competente o foro do último domicílio do de cujus no Brasil. E assenta a questão na sua verdadeira base ao enca- recer que o fato de haver o de cujus falecido e m outro país, onde era domiciliado, não impede a abertura de seu inventário no Brasil, nos precisos termos da mencionada lei adjetiva, cumprindo apenas ao juiz abster-se de parti- lhar bens situados no estrangeiro. A norma do art. 10 "caput" da nova Lei de Introdução ao Código Civil procura, como é sabido, tornar efetiva a teoria unitária de SAVIGNY, que tantas dificuldades tem en- contrado e m sua aplicação prática.

  1. Revista dos Tribunais, 186/270, 193/381.
  2. Revista dos Tribunais, 191/761, 184/255, 176/369.

O alevantado propósito teórico do nosso legislador re- sultou n u m a proposição tecnicamente errônea e pratica- mente contraproducente. Tecnicamente errônea porque não podíamos, no âmbito internacional, impor diretrizes a país estrangeiro. Sentiu-o A M Í L C A R D E CASTRO ao ponderar, criticando o art. 165 da Constituição, que pela jurisdição estrangeira será observado o direito internacional privado estrangeiro, e este pode não manter como circunstância de conexão para a vocação hereditária a nacionalidade do "de cujus", sim o domicílio, ou mesmo o lugar de situação dos bens. Claro que ao legislador pátrio incumbe apenas ditar normas aos que estejam sujeitos às suas determinações, nunca invadir a seara do legislador estrangeiro. Este, ou emanou disposição análoga, e a nossa não pas- sará de u m truísmo, — ou terá traçado orientação diferente, e, no estrangeiro, a determinação da lei pátria será letra morta. Se o seu objetivo era evitar os efeitos da devolução, deveria limitar-se a declarar não aceitar a remissão por parte do legislador estrangeiro à nossa própria lei. Praticamente contraproducente porque contraria não somente outro preceito da Lei de Introdução (art. 12, § 1.°), como o espírito da legislação pátria, inspirada e m cunho acentuadamente nacionalista, manifestando u m zelo e u m cuidado que não se cinge apenas ao cônjuge brasileiro e aos filhos do casal. Esse é apenas u m a das manifestações de u m a política legislativa que e m centenas de atos e decretos, desde os tempos mais remotos da nossa nacionalidade, acompanhan- do o secular desenrolar-se de espisódios históricos, procura, de u m lado, incorporar à comunidade os elementos alie- nígenas úteis, predendo-os por laços de afinidades morais e espirituais, e, de outro lado, preservar a nossa estrutura política e evitar a perigosa dispersão dos recursos patri- moniais de maior valia.

O princípio foi abandonado pelo novo Códice Civile, que, coerente com a sua orientação, preferiu à regulamen- tação de acordo com a lei da situação dos bens, o da na- cionalidade do de cujüs por ocasião da sua morte, onde quer que se encontrem os bens 3 Se repulsa tão categórica mereceu o dispositivo e m país de emigração, como a Itália, cuja política legislativa pro- cura prender seus súditos pelo "jus sanguinis", como po- deríamos acolhê-lo nós, que temos interesses opostos, orien- tados por princípio antagônico, com tendência, mentalidade e necessidades díspares? Como admitir o sumário cance- lamento de lodo esse esforço consubstanciado e m minuden- tes, exaustivas, terminantes manifestações legislativas, e obedecer a lei estrangeira em casos que se opõem tão fla- grantemente aos princípios básicos da nossa estrutura ju- rídica? Por amor a princípios teóricos não é possível sacrifi- car interesses bem mais imediatos! Não se pode deixar de reconhecer que, para o caso específico do Brasil, os conceitos de G A B B A se afinam com a nossa realidade social: o art. 10, "caput" da Lei de Intro- dução precisa permanecer ilhado: como o peninsular, também o nosso legislador transladou para o âmbito rigo- roso de u m a afirmação legislativa u m daqueles cânones gerais de direito internacional privado que nem sequer têm o mérito de estar suficientemente sedimentado através das indispensáveis convenções internacionais sobre as quais possa repousar sua eficácia. Encarece A M Í L C A R DE CASTRO (e a crítica também se aplica ao dispositivo citado do Código Civil italiano) que é justamente na hipótese de se abrir a sucessão no estran- geiro que mais incompreensível se torna o art. 165 da Cons- tituição, que qualifica de infeliz, merecedor das mesmas censuras feitas ao art. 14 da antiga Introdução. Evidentemente, pela jurisdição estrangeira será obser- vado o direito internacional privado estrangeiro, e este pode

  1. Art. 23 disp. prel.

não manter como circunstância de conexão para a vocação hereditária a nacionalidade do de cujus sim o domicílio, ou mesmo o lugar de situação dos bens.

"A quê virá, pois, aquela referência à lei na- cional? E, se aberta a sucessão no estrangeiro, fôr aplicada, não a lei nacional do de cujus, mas a lei de seu domicílio, e esta fôr mais favorável ao cônjuge e aos filhos brasileiros do que a lei nacional do de cujus?

Se o art. 165 da Constituição só se aplicasse a suces- sões abertas no estrangeiro, — remata — , seria preferível que sua referência fosse a "lei reguladora da sucessão", e m lugar de o ser a "lei nacional do de cujus". H A R O L D O VALADÃO, e m seu minucioso e erudito estudo sobre "A Unidade ou Pluralidade da Sucessão e do Inven- tário e Partilha, no Direito Internacional Privado"^4 , salienta que u m dos maiores obstáculos à concretização da norma da universalidade da sucessão nas relações interna- cionais, é o que decorre do princípio geralmente aceito, de que a competência judiciária para decidir sobre bens, par- ticularmente imóveis, é privativa dos tribunais do Estado da respectiva situação. Cita a lição de A L B E R T O DOS REIS: " O bom senso aconse- lha que os tribunais de cada país, e m caso de conflito, se limitem a inventariar e partilhar os bens deixados no ter- ritório nacional." U m a coisa é, pois, o princípio, outra sua atuação prá- tica. Adverte que se nos outros países onde se acham situa- dos os bens da herança, não se adota o nosso critério do- miciliar unitarista e universalista, mas se observam outros preceitos de direito internacional privado sucessório, a re- gra geral brasileira falha novamente e será forçada a ex- cepcionar e m favor de alguns daqueles preceitos da "lex

  1. Revista dos Tribunais, vol. 204, págs. 3 e segs.

Aí está reconhecido que mesmo que o falecimento ocorra além fronteira, aqui deverá ser feito o inventário e dada a partilha. Os comentaristas ao Código de Processo Civil não es- tabelecem qualquer ressalva ou reserva no que diz respeito a u m a possível influência do art. 10 "caput" da Lei de Introdução sobre a norma processual. Para DE PLÁCIDO E SILVA a regra prevalece, mesmo que o falecido tenha mudado residência para o estrangeiro, porquanto a disposição do art. 135 § 1.° do Código de Pro- cesso Civil não abre exceções. Menos axiomático não é J. M. DE C A R V A L H O SANTOS: " E m qualquer hipótese, prevalece a regra geral. Compe- tente para o inventário e partilha é o juízo do último do- micílio do de cujus no Brasil." A jurisprudência pátria não se firmou ainda em ca- ráter definitivo, e se existem manifestações como as ini- cialmente citadas, outras há, em sentido contrário. H A R O L D O VALADÃO, no trabalho mencionado, faz ligeira referência ao caso Paulo Dorsa. Localizamos o ven. acór- dão do E. Supremo Tribunal Federal, que é de 15.10.1947. conflito de jurisdição n.° 1.685.^6 Nele salienta o relator, Ministro L A F A Y E T T E DE ANDRADE, acompanhado à unanimidade, que o morto sempre havia residido e m Cuiabá, onde mantinha negócios, fazendo parte de u m a firma comercial cujas atividades cessaram em 1924. Dessa cidade havia partido com destino a Nápoles, e m 1926, não mais regressando ao Brasil, deixando no Estado de Mato Grosso bens imóveis, além de haveres da antiga firma comercial.

"Todos esses fatos deixam ver claro a com- petência daquele Juízo (de Cuiabá), o que aliás está conforme ao preceito legal: se o falecimento tiver ocorrido no estrangeiro, será competente o

  1. Diário de Justiça da União de 25-6-1949, pg. 1533.

foro do último domicílio do de cujus ou sendo incerto esse domicílio, o foro da situação do imó- vel."

Outro caso de conflito de jurisdição, também procedente de Cuiabá, é o n. 1 716, relativo a José Orlando, que esta- beleceu seu domicílio naquela cidade, para onde emigrara ainda jovem, constituindo família e formando valioso pa- trimônio.

Falecendo porém na Itália, de onde era originário, mais u m a vez aplicou o Pretório Excelso o art. 135, § 1.° do Código de Processo Civil para a determinação do juízo competente 7

Inscreve-se dentro desses rigorosos princípios ven. acór- dão unânime da C. Quarta Câmara do E. Tribunal de Jus- tiça do Estado, reconhecendo que o fato de ter o de cujus falecido em Portugal, onde se diz que era domiciliado, ainda que efetivamente se verificasse esta última circuns- tância, não constituiria óbice ao processamento do inventá- rio no Brasil, nos precisos termos do art. 135, § 1.° do Código de Processo Civil. O inventário dos bens aqui deixados, sobre não pre- judicardireitos de quaisquer interessados, nenhuma mossa faria às disposições legais atinentes à espécie. Teremos então prevalecimento de norma processual sobre a da Lei de Introdução e sobre o próprio preceito constitucional? De modo algum. O dispositivo da Carta Magna ape- nas remete à lei brasileira que regule a vocação para suce- der e m bens de estrangeiros situados no Brasil, que fôr mais favorável ao cônjuge e aos filhos brasileiros do que a lei nacional do de cujus, ressalvando pois, a aplicabili- dade desta lei na hipótese contrária.

  1. Ven. acórdão de 23.6.1948, Diário da Justiça de 10.1.1950, pág. 175.
  2. Rev. dos Tribunais 186/845.